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Lays 1. O fator transgeracional: breve hist6rico omos todos uma mistura de nossos pais e maes. Eles esto nos nossos genes, no aprendizado pela convivén- cia e pelas auséncias, nos modelos reproduzidos e na partilha da historia familiar. A familia comegou a ser alvo de investigacao clinica em meados de 1930, quando Nathan Ackermann escreveu sobre dinamica familiar e propés a terapia familiar como uma ma- neira de restaurar 0 equilibrio do grupo, tirando 0 foco do in- dividuo como cliente. No inicio dos anos cingiienta, Gregory Bateson, antropdlogo americano, fez pesquisas na Califérnia sobre a relacao entre comunicacao familiar disfuncional e es- quizofrenia, e Murray Bowen fez 0 mesmo no Kansas, pro- pondo que sao necessarias trés geracdes para o processo de desenvolvimento daquele transtorno. Estes e outros estudiosos das dinamicas familiares con- centraram seus esforcos e suas pesquisas em questdes como estruturagao familiar e comunicagao patolégica como fatores preponderantes na eclosao dos desequilibrios psicodinamicos nas familias. Tais desequilibrios fazem surgir os protagonistas ou pacientes identificados, que sao aquelas pessoas que apre- sentam severos transtornos mentais. A comunicacao patoldgi- 29 A familia v suas horang 5 Oe Digitalizado com CamScanner cana familia pode manifestar-se como duplo vinculo’ e cisma familiar’, aliangas incestuosas e¢ relacionamentos obliquos, dentre outras formas. Geralmente a principal resultante des- tes padrdes comunicacionais disfuncionais é a exclusao de um membro do grupo familiar por outros. Quando as dinamicas familiares sao disfuncionais alguém foi ou sera excluido. No duplo vinculo a crianga é excluida por um dos pais, qualquer que seja a escolha feita na situacao paradoxal estabelecida; na situagao de cisma um dos pais é excluido pela diade formada pelo cénjuge ¢ o filho ou a filha com quem esta pactuado; nos relacionamentos obliquos a crianca é continuamente excluida por um dos pais que lhe impée seu poder de forma cruel e competitiva. Esta crianga ser o futuro protagonista do grupo familiar, seu porta-voz. E aquele que vai expor as dificuldades ocultas, assumir como suas as dividas’, as emogdes represadas No grupo e as anguistias relacionadas com temas proibidos, e por esta razao seré excluido da familia. Expulsa-se o diferen- te, o que incomoda, o que envergonha, o que assusta. Hellinger, na década de setenta jé falava sobre 0 peso da exclusao e suas conseqiiéncias e jé utilizava a técnica da Constelagao Familiar para restabelecer a harmonia nos siste- mas familiares desorganizados. Ele trabalha com esta técnica 6. Duplo vinculo: na década de 50, Gregory Bateson descreve o double bind, uma situagdo em que a crianga é freqiientemente colocada diante da escolha entre duas alternativas antagénicas e insuportaveis, gerando uma situagao paradoxal (Exemplo: ‘se eu contar para a mamée, estarei traindo 0 papai; se eu nao contar, estarei traindo a mame’). 7..Cisma familiar:conceito de Theodore Lidz (1911-2001) para descreveruma situacao na familia, em que um dos pais desenvolve excessiva proximidade com 0 filho do sexo oposto, com o objetivo de maltratar 0 cénjuge. 8. Relacionamento obliquo: situagao familiar ‘..em que existe luta pelo poder na relacao, e um dos pais é sempre vencedor’. (Andrade, 2002). 9. Aqui o conceito de divida familiar esta relacionado com questées transgeracionais, abordadas mais adiante. 30 A familia e suas herangas ocultas ——— Digitalizado com CamScanner até hoje, inclui os antepassados no processo e reabilita con- ceitos como humildade, misericérdia, béncao dos pais, com- Paixao, compensagao e reconciliacao para obter os resultados desejados. Também recorre aos conceitos de fractal, sistema de rede, campos morfogentticos e transmissio de energia distancia (semelhante ao conceito de tele”, de Moreno) para tentar compreender 0 que acontece nas familias. Joséphine Hilgard, médica francesa, em meados do sé- culo XX, interessada pelas estranhas repeticgGes de eventos e datas nas familias, publicou em 1954 a maior pesquisa jé rea- lizada sobre o que denominou Sindrome de Aniversario. Si0 repetigGes de nascimentos, acidentes, mortes, internages, ca- samentos em ntimeros tais que nao podem ser considerados coincidéncias devido ao peso das estatisticas levantadas. A importancia desta descoberta fortalece a hipotese da transmis- sao de algo ndo-material que acontece nas familias, pasando de geragao a geragao. A partir de 1991, Schutzemberger deu seguimento as pesquisas sobre o tema de forma mais abran- gente e atualmente conta com centenas de casos registrados e alguns livros publicados sobre 0 assunto. Ivan Boszormenyi-Nagy, foio grande introdutor do con- ceito de lealdade no trabalho psicoterapéutico com familias. Ele enfatizou a importancia das lealdades invisiveis, da repe- ticgdo transgeracional de segredos, profissdes e até mesmo de emocées fortes nas familias, enquanto Hellinger nesta mesma época postulava que os antepassados transmitem nao apenas sua bagagem genética, mas suas préprias vidas e destinos, e nds fazemos 0 mesmo com nossos descendentes. Ja Elizabeth Kiibler-Ross, psiquiatra suiga que ficou 10. Tele, conceito de Jacob Levy Moreno (1889-1974), psiquiatra romeno, criador da psicoterapia de grupo e do psicodrama. Do grego, significa influéncia a distancia, 31 A familia herangas ocultas Digitalizado com CamScanner mundialmente conhecida por seu trabalho e pesquisas com milhares de pessoas a beira da morte, adultos e criangas, con- cluiu que a morte nao existe realmente. Sobre este tema ela diz o seguinte: Dizemos que uma pessoa ¢ como o casulo de uma borboleta. O casulo é 0 que ela vé no espelho. E apenas uma morada temporaria do seu ett real. Quan- do esse casulo fica irrecuperavelmente danificado, a pessoa morre, ¢ 0 que acontece é que o casulo, cons- tituido de energia fisica vai - simbolicamente falando — libertar a borboleta." A morte, nesta abordagem, de maneira alguma significa deixar de existir e ficar fora do sistema familiar. Os mortos permanecem na familia e 0 alcance da bondade, da compai- xao, da injustiga, das agdes nefastas, dos segredos e das inten- sas emogGes represadas no passado é longo. Somos originarios de um caldo elaborado nao apenas com elementos bio-genéticos, psico-emocionais e socio-am- bientais, mas também transgeracionais, e fazemos parte deste sistema interativo que é nossa familia e que inclui todos os seus membros, vivos e mortos. Estudiosos e pesquisadores das quest6es psicogeneald- gicas escrevem ha mais de quarenta anos sobre fatos que se repetem nas familias ao longo de séculos e vinculos que atra- vessam geragées. Podemos concluir que a sombra dos nossos ancestrais é bem maior do que imaginavamos. a 11. Kliiber-Ross, 2003. F7 4 stds HOFANEAS Digitalizado com CamScanner

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