ata, você está trincando seus dentinhos de novo. - Ilana apontou
seus próprios dentes. - Conta logo o que tá acontecendo, antes que você quebre mais um. Helena massageou o rosto, tentando soltar aquela porcaria de mandíbula. Realmente, ela já tinha quebrado dois dentes, e isso não era nada legal. Por que ela tinha que ser tão tensa? - Certo. Desembucha, dona Helena. Ontem eu saí com o tal do Daniel. Perguntei para ele sobre a nossa relação, sobre o nosso futuro. E aí, pron- to. Ele fechou a cara, ficou todo azuado, dizendo que eu só falo nisso, que não aproveito o momento. Que mais? Ah, que ele se sente julgado, como se eu estivesse avaliando ele, sei lá. Helena engoliu em seco, e continuou: - Desde essa noite maravilhosa, o cabra sumiu. E a gente estava se falando todo dia, já faz dois meses! E agora? O que eu faço? - Peraí, volta. Deixa eu entender — disse Ilana, já meio contrariada. - O guri fica todo nervoso, não responde direito sua pergunta, te deixa no vácuo, e você está pensando em como conseguir ele de volta? Tânia foi mais moderada. - Mas será que de leeeeve, ele não tem uma certa razão? Ninguém gosta de ser cobrado de algo que é pra ser na- tural. Ilana ainda não estava satisfeita. - Então que fosse homem e respondesse direito! “Não, não tenho plano nenhum. Foda-se. Se eu quisesse algo mais sério, já estaria deixando isso claro para você”. - Mas eles se conhecem só há dois meses! - replicou Tânia. - Concordo que não foi legal, mas errado ele não tá, conhecer, ir devagar, saber como é a pessoa, seus valores, se são compatíveis. Dois meses é muito cedo pra falar “e aí, vamos casar ou não?”. Helena assistiu as duas discutindo. Elas eram tão dife- rentes entre si! Era bem capaz que as amigas, ao invés de ajudarem, a deixassem ainda mais confusa. Até que achou uma brecha na conversa. - Peraí, minhas rainhas, não falei nada de casamento! Eu só queria saber se a nossa relação é mais… um namoro? Ou se, pra ele, é só transa e diversão? Pra mim, se for só isso, não quero. Não vou perder meu tempo, investir numa relação que não vai dar em nada. - E não está claro se é namoro ou curtição? - Ilana interveio, balançando a cabeça. - Alguma coisa não está certa nisso aí. Tem que prensar o bonitão sim, ver do que ele é feito. Tânia discordou. - Minha opinião, tá? Tipo assim, amiga, não fica brava comigo, mas… eu acho que jogar isso logo na cara, do tipo “quais são suas intenções” é queimar a largada. Você já deixa muito claro as suas intenções, aí tira um pouco o “tchan” da conquista. Acho que a melhor forma de des- cobrir é analisando as atitudes dele, nas conver- sas, como ele te trata. Essas coisas. Helena enfiou o rosto entre as mãos. As amigas de- cididamente a estavam deixando ainda mais confusa. -Diacho! E se agora eu paguei de louca-carente? O que eu faço pra rever- ter isso? Mando uma mensagem? Fico na minha? -Mandar mensagem é o caralho! Tá tudo muito bom pro queridão, não é? Eu não achei nadinha legal ele simplesmente “explodir” e te deixar no vácuo. Ele não merece esse empenho todo não! Tânia, mais comedida, olhou nos olhos de Helena. - Helê, você gosta dele? Vê algo de “especial” nele? Tipo, que faça valer a pena? Ilana resmungou algo como “e desde quando ela teve bom gosto”, mas foi silenciada pela cara feia de Tânia. Helena se remexeu na cadeira, nervosa. - Eu gosto dele que até dói. E ele parece o kit completo de tudo o que eu queria, sabe? É medico, adora o que faz, super responsável, dedicado. Parece adorar crianças, é louco pelos sobrinhos, sempre mostra foto deles. Acho isso essencial. A casa dele é legal, organizada, não essas repúblicas que só falta ter cocô na privada. Diante do olhar atônito das amigas, acrescentou: -Nem perguntem. Esses olhos já viram muita coisa — ela esbanjou um sorriso. — Continuando... O sexo é ótimo,os papos são mais cabeça, o cabra é inteligente. Resumidamente, beeem diferente dos que tem apare- cido até agora. Então, sim, eu gosto pra valer dele. Ilana arqueou as sobrancelhas, pouco impressionada - Tá, mas você se sente segura com ele? - Olha, sei não. – Confessou Helena. - Não é que ele me gera inseguran- ça, mas também não me deixa segura. Ele é bem na dele. Mal fala da família, tirando os sobrinhos. Não gosta de falar de si mesmo e, muito menos, de falar sobre nós dois. Como falar ajudava a clarear as coisas! Helena prosseguiu: - Acho que eu não sou muito boa com esse tipo mais reservado. Preciso das coisas muito bem ditas, muito explicadinhas. Não entendo entrelinhas, elas me deixam insegura. Er… é como se tivesse uma uma barreira, que ele ainda não me deixou entrar. Tânia estalou os dedos, se lembrara de algo. - Gente! Estou pensando aqui no que a Fran falou. Que cada situação complicada está falando de uma sombra nossa. Uma parte nossa que não está sendo respeitada. O que acha, Helê? Helena apoiou o rosto entre as mãos. - Talvez… Talvez eu esteja me esforçando demais. Tentando ser a mais legal, mais linda, mais irresistível. Eu realmente não quero ser rejeitada mais uma vez. Tânia tentou ajudar. - Será que também não tem uma parte sua que não quer esse empenho todo? Cuidar mais de si mesma, talvez? - E como que faz isso, mainha? Ilana interveio: - Guria, pode ser que você esteja se cobrando muito. Que está achando que é só você pra fazer a relação dar certo. E isso não existe, né? Quando um não quer, dois não transam. Helena olhou espantada para a amiga. - Nossa, que conselho bom! Não esperava isso de você. Ilana fez cara feia. - Agradeço a confiança. Entenda, eu tenho ideias ótimas. Sou um gênio. - Só falta colocar elas em prática na sua vida, né, querida? – disse Tânia, rindo. Helena ainda estava concentrada, falando para si mesma. - Desapegar. Ok. Desapegar. Não está na minha mão. Vou focar em cui- dar de mim mesma, e não me deixar levar pela ansiedade. Sim. Acho que eu consigo. Nisso, o telefone de Helena vibrou na bolsa. Ela foi pegá-lo e, ao olhar a tela, arregalou os olhos. - Caralho! Uma mensagem dele! Cacete, não acredito! As outras duas se amontoaram em volta de Helena, curiosíssimas para saber o que dizia a mensagem. “Oi, Helena, como você está? Não fui legal em como encerrei a noite anterior. Me perdoa? Ativou certas coisas minhas, problemas meus. Gostaria de conversar. Mas entendo se não quiser mais me ver. Abraços, Daniel.” O sorriso de Helena ocupava todo o rosto. - Eita, não é que isso aí é magico mesmo? – Guardando o celular novamente na bolsa, sussurrou em tom confidencial para as amigas. – Não vou responder agora. Ele que sofra um pouco! Animadas, falantes e muitíssimo mais leves, as três foram fechar a conta. Era hora de sair para a rua, e de volta para as suas vidas. Cada uma tinha muito o que pensar e o que fazer. Que caminhos tomariam agora?