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CA P Í T ULO 4

ata, você está trincando seus dentinhos de novo. - Ilana apontou


seus próprios dentes. - Conta logo o que tá acontecendo, antes
que você quebre mais um.
Helena massageou o rosto, tentando soltar aquela porcaria de
mandíbula. Realmente, ela já tinha quebrado dois dentes, e isso não era
nada legal. Por que ela tinha que ser tão tensa?
- Certo. Desembucha, dona Helena. Ontem eu saí com o tal do Daniel.
Perguntei para ele sobre a nossa relação, sobre o nosso futuro. E aí, pron-
to. Ele fechou a cara, ficou todo azuado, dizendo que eu só falo nisso, que
não aproveito o momento. Que mais? Ah, que ele se sente julgado, como
se eu estivesse avaliando ele, sei lá.
Helena engoliu em seco, e continuou:
- Desde essa noite maravilhosa, o cabra sumiu. E a gente estava se falando
todo dia, já faz dois meses! E agora? O que eu faço?
- Peraí, volta. Deixa eu entender —
disse Ilana, já meio contrariada. - O guri
fica todo nervoso, não responde direito
sua pergunta, te deixa no vácuo, e você
está pensando em como conseguir ele
de volta?
Tânia foi mais moderada.
- Mas será que de leeeeve, ele não tem
uma certa razão? Ninguém gosta de ser cobrado de algo que é pra ser na-
tural.
Ilana ainda não estava satisfeita.
- Então que fosse homem e respondesse direito! “Não, não tenho plano
nenhum. Foda-se. Se eu quisesse algo mais sério, já estaria deixando isso
claro para você”.
- Mas eles se conhecem só há dois meses! - replicou Tânia. - Concordo
que não foi legal, mas errado ele não tá, conhecer, ir devagar, saber
como é a pessoa, seus valores, se são compatíveis. Dois meses
é muito cedo pra falar “e aí, vamos casar ou não?”.
Helena assistiu as duas discutindo. Elas eram tão dife-
rentes entre si! Era bem capaz que as amigas, ao invés
de ajudarem, a deixassem ainda mais confusa. Até que
achou uma brecha na conversa.
- Peraí, minhas rainhas, não falei nada de casamento!
Eu só queria saber se a nossa relação é mais… um namoro?
Ou se, pra ele, é só transa e diversão? Pra mim, se for só isso, não
quero. Não vou perder meu tempo, investir numa relação que não vai dar
em nada.
- E não está claro se é namoro ou curtição? - Ilana interveio, balançando
a cabeça. - Alguma coisa não está certa nisso aí. Tem que prensar o bonitão
sim, ver do que ele é feito.
Tânia discordou.
- Minha opinião, tá? Tipo assim, amiga, não fica brava comigo, mas…
eu acho que jogar isso logo na cara, do tipo “quais são suas intenções” é
queimar a largada. Você já deixa muito claro
as suas intenções, aí tira um pouco o “tchan”
da conquista. Acho que a melhor forma de des-
cobrir é analisando as atitudes dele, nas conver-
sas, como ele te trata. Essas coisas.
Helena enfiou o rosto entre as mãos. As amigas de-
cididamente a estavam deixando ainda mais confusa.
-Diacho! E se agora eu paguei de louca-carente? O que eu faço pra rever-
ter isso? Mando uma mensagem? Fico na minha?
-Mandar mensagem é o caralho! Tá tudo muito bom pro queridão, não
é? Eu não achei nadinha legal ele simplesmente “explodir” e te deixar no
vácuo. Ele não merece esse empenho todo não!
Tânia, mais comedida, olhou nos olhos de Helena.
- Helê, você gosta dele? Vê algo de “especial” nele? Tipo, que faça valer
a pena?
Ilana resmungou algo como “e desde quando ela teve bom gosto”, mas
foi silenciada pela cara feia de Tânia.
Helena se remexeu na cadeira, nervosa.
- Eu gosto dele que até dói. E ele parece o kit completo de tudo o que
eu queria, sabe? É medico, adora o que faz, super responsável, dedicado.
Parece adorar crianças, é louco pelos sobrinhos, sempre mostra foto deles.
Acho isso essencial. A casa dele é legal, organizada, não essas repúblicas
que só falta ter cocô na privada.
Diante do olhar atônito das amigas, acrescentou:
-Nem perguntem. Esses olhos já viram muita coisa — ela esbanjou um
sorriso. — Continuando... O sexo é ótimo,os papos são mais cabeça, o
cabra é inteligente. Resumidamente, beeem diferente dos que tem apare-
cido até agora. Então, sim, eu gosto pra valer dele.
Ilana arqueou as sobrancelhas, pouco impressionada
- Tá, mas você se sente segura com ele?
- Olha, sei não. – Confessou Helena. - Não é que ele me gera inseguran-
ça, mas também não me deixa segura. Ele é bem na dele. Mal fala da família,
tirando os sobrinhos. Não gosta de falar de si mesmo e, muito menos, de
falar sobre nós dois.
Como falar ajudava a clarear as coisas! Helena prosseguiu:
- Acho que eu não sou muito boa com esse tipo mais reservado. Preciso
das coisas muito bem ditas, muito explicadinhas. Não entendo entrelinhas,
elas me deixam insegura. Er… é como se tivesse uma uma barreira, que ele
ainda não me deixou entrar.
Tânia estalou os dedos, se lembrara de algo.
- Gente! Estou pensando aqui no que a Fran falou. Que cada situação
complicada está falando de uma sombra nossa. Uma parte nossa que não
está sendo respeitada. O que acha, Helê?
Helena apoiou o rosto entre as mãos.
- Talvez… Talvez eu esteja me esforçando
demais. Tentando ser a mais legal, mais linda,
mais irresistível. Eu realmente não quero ser
rejeitada mais uma vez.
Tânia tentou ajudar.
- Será que também não tem uma parte sua que não quer esse empenho
todo? Cuidar mais de si mesma, talvez?
- E como que faz isso, mainha?
Ilana interveio:
- Guria, pode ser que você esteja se cobrando muito. Que está achando
que é só você pra fazer a relação dar certo. E isso não existe, né? Quando
um não quer, dois não transam.
Helena olhou espantada para a amiga.
- Nossa, que conselho bom! Não esperava isso de você.
Ilana fez cara feia.
- Agradeço a confiança. Entenda, eu tenho ideias ótimas. Sou um gênio.
- Só falta colocar elas em prática na sua vida, né, querida? – disse Tânia,
rindo.
Helena ainda estava concentrada, falando para si mesma.
- Desapegar. Ok. Desapegar. Não está na minha mão. Vou focar em cui-
dar de mim mesma, e não me deixar levar pela ansiedade. Sim. Acho que eu
consigo.
Nisso, o telefone de Helena vibrou na bolsa. Ela foi pegá-lo e, ao olhar a
tela, arregalou os olhos.
- Caralho! Uma mensagem dele! Cacete, não acredito!
As outras duas se amontoaram em volta de Helena, curiosíssimas para
saber o que dizia a mensagem.
“Oi, Helena, como você está? Não fui
legal em como encerrei a noite anterior.
Me perdoa? Ativou certas coisas minhas,
problemas meus. Gostaria de conversar.
Mas entendo se não quiser mais me ver.
Abraços, Daniel.”
O sorriso de Helena ocupava todo o rosto.
- Eita, não é que isso aí é magico mesmo? – Guardando o celular
novamente na bolsa, sussurrou em tom confidencial para as amigas.
– Não vou responder agora. Ele que sofra um pouco!
Animadas, falantes e muitíssimo mais leves, as três foram fechar a conta.
Era hora de sair para a rua, e de volta para as suas vidas. Cada uma tinha
muito o que pensar e o que fazer.
Que caminhos tomariam agora?

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