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RICARDO ANTU O PRIVILEGIO DA SERVIDAO 9 novo proletariado de servigos na era digital sams Ricardo Antunes O PRIVILEGIO DA SERVIDAO O novo proletariado de servicos na era digital © Botempe, 2018 Dire edortal Ivana Jinangs atcoo Bibiana Lame xno de prensa Livia Capa ‘Assatncia earl Thaisa Burans ‘reparacco.Fabvo Puta Inte Rea rate de Levee, Pas Dragramacto. Crayon Patan aie de apo Allan Jones, Ast Yuri Kaji, Andee Albert Arar Renzo, ‘Carolina Yast, Eduardo Marques, Hae Raswoo, Frederico ft, Helen Ana, lesa Parborn, Insel Meat Wa: Ode ‘inn Davia, Marlene Boptits, Mauricio Barbs, renato Soares, “This Barro, Tule Cando, Vara Perma soviet NACIONAL B58 ORES DE AOS. noite a carer em! Bieta Sinemet eeee tutta Aoputue sch. 2 Siciga do at, 9, Rates celts Be au noneescomege |" I ie veo con. g08a¢ coursresus er Gio Raaguce de Sousa Beara CHE 7/5359 veda a reprodugio de qualquer parte dexter seh a expronenautoreag da eto, 1 cag: mato de 2018 OITENMPO EDITORAL _snkungsRattores Asociados Ld (0542-000 Sao Paulo SP ‘Tels (11) 9875-7280 J 3975-7285, dtorSboitempoedtralcom be | wave bottempoedional comb ‘won blogtaempo.com.br | ww facebook com /eienpe seu tte com/eatorabotempo | wa. youtube.cun/xbotempo {al para fazer 0 mesmo trabalho, © para quem eada dia era o mesmo de ‘ontem e de amanha, ¢ eada ano 0 ‘equivalente do préximo e do anterior. ‘Chases Dickens, Tempos aifects 86 08 acidentes de trabalho, quando frabalhavam para empresas que tinham seguro contra esse tipo de ‘isco, davam-Ihes 0 lazer (. © desemprego, que nao era segurado, fra 0 mais temido dos males. {1 (0 trabalho [..] nao era uma virtude, mas uma necessidade que, para permit viver, leava a morte. [1] “Era {..] © pilviégio da servida, “Albert Camus, 0 primeizo homer Ha de haver algum lugar ‘Um confuso casarao ‘Onde o8 sonhos sero reais Ba vida nio [1 Chieo Buarque ¢ Bau Lobo, “A moca do sonho” SUMARIO UMA NoTA Prev, PARTE I— ENTRE A CORROSAO & 08 BSCONBROS: ‘© ADVENTO DO PROLETARIADO DA ERA DIGITAL 1 - FOTOGRAFIAS DO TRABALHO PRECARIO GLOBAL 2 ~AEmioate bo novo PournaAnO De TCO. ‘Rumo & preeartzagao estrutural do trabalho. © teahatho cm servigos e sens novos signiieadon.. 0 servigos podem gerar isis valor? au © texbatio material pode ser produti? Classe média ou novo proletariado de service? STIS SUS ce ecard; etn cate ia comstittgdo de wena nova classe? = 8 INFOPROLSTAIIADO. IMFORMALIDADE, ()MATERIALDADE & VALOR: ‘© NOVO PROLETARIADO GLOBAL F SUAS PRINCIPAIS TENDENCIAS ‘Um esbogo para uma fenomenologia da informalidade ‘Aponta do leeberg » explosso dos traathadores kalgrunten {Gp dco: do taal tytn ‘oda empresa heel © advent do ioproltarad = ‘Trabalho, materialidade, imateralidadee valor. 4 QUEM E A CLASSE TRABALHADORA HOVE?.... sono po © 38878 BaeeeR Meee e ete t ts eee ere eee ‘5 A SUBJETIVIDADE OPERARIA, AS KEIFICACOES INOCENTES E [AS REIFICACOES ESTRANHADAS sw 98 ‘Aextertoizagio do trabalho: alenagaoe extranet cenen 98 ‘A expropringo do tutlecto do WabalNO eens 101 {6 TRABALHO UNO OU OMNE A DIALETICA BNTRE O TRABALHO CONCRIETO £-0 ABSTRATD. wu rcnnennnnnnsnnn eet Atwidade wale mereadoria espoeta soe AL “Teaballo astinomo e nove modo de vida. aii PARTE Il - A DEVASTACAO DO TRABALHO CHEGA AO BRASIL IPRECARIZAGAO, TERCEIRIZACKO F CRISE DO SINDICALISMO) 7 ANOVA MORFOLOGIA DA C1ASS® TRABALHADORA NO BRASIL RECENTE: OPERARIADO DA INDUSTRIA, DO AGRONEGOCIO © DOS SERVIQOS cennriesrann nnnrrnnnnnsnen WD ‘A paerdade do capi ¢ a nov mora ‘do taal no Brat =. Fenomenalogia da superesplorago do trabalho. 8 ~ A SOCIEDADE DOS ADOECIMENTOS NO TRABALHO “Trabalho © adoecimento no contexto da seurmulacto Nexiv!. 139 ‘A fexibizagso como base de adoecinente sens i Lagos solidartos rompldos:inivkinaizagao « soi 0 local de trabalho " ~ 13, A gestao por metas. | ve 8, 48 (© nseéto como estratega de gest “ereirizagio: ports aberta para os aidentes © tres no trabai.n. 149 Resgatar 0 sentido de pertenclmento dela. neocons, 1BL |= A PRECARIZACAO DO TRABALHO COMO REGRA ea ‘A reestruturacto produtiva global ¢a acumulegto Heelan. 1A ‘A peecarzagan do trabalho e a terceirzagao no Brest © gue as pesquisas mostrar 56 (FL 4.380 ou PLC 50; a legslizago da precarizagao do taba... 164 10 - A SOCIEDADE DA TERCEIRIZAGAO TOTAL. ss 169 Aa pelo trabalho regulamentadd. vn 169) A deetiguragao do trabalho, 170 ‘A tercetrzacio totale 6 novo vpn. vos TL 11 = PARA ONDE FOI O NOVO SINDICALISIMO? CAMINHOS B DESCAMINIIOS DE UMA PRETICA SINDICAL wo cseonsess 178 {A ditadura miliar¢ as origens do novo sinclar. so 180 (© nove statism e a déeada steal 188 [A décaia neoliberal f ——) {sla €0 PT chegam 20 poe: € @ CUT, 0 que fae? 188 12 DO SINDICALISMO DE CONFEONTO AO SINDICALIS§O NEGOCIAL,. 191 A.CUT: a emergencta do conftonta, o avnnga de sladicalamo Dropostve eo cul da negoelagt.n ss ene 18 A Forea Sina: a pragmaiea neoliberal no interior do endian. 204 Rumo ae sindlealismo negocal de stad? nee BUY PARTE IIl~ A BRA DAS CONCILIAGOES, DAS REBELIOES DAS CONTRARREVOLUCOES 13 ~ DUAS ROTAS DO SOCIAL-LIBERALISMO EM DUAS NOTAS: 217 ‘rota original. postmen B17 {A rota eurpreendente sentra BBD 14 ~ A FENOMENOLOGIA DA CRISE BRASILEIRA nu eee, A comstragae 42 mito snes 297 ‘A corroaso do mito — 230 ‘As pritcas que fagottarat 9 PT'© seus govern sons 388 (© govermo Din, as fagoos burguesas ¢ as clases soci 298 Por onde Fecameeae? cnn 242 15 AS RERELIORS DE JUNHO DE 2018, ses 2A. Uma explostotnesperada? nes _ se 5 (0 fim da tetargia © 0 transboedamento dos ‘lies deseontentamentos Um eshoro de andlise das revotse populares ‘Uma uta nota (ou ums pena digressio final) 16 - AERA DAS RBBELIOES, DAS CONTRARREVOLUICOES F. DO NOVO ESTADO DE EXCECAO... : 255 na nota de avertncin neces. _— 298 Da er das rebels & ise das contarrevoigees 25 Um vento de contestagso nase ‘Aofensia da det. a anda conmervndora © ae de wwe to 259 Conese um Estado de drto de exeego? 201 17. REYASTACAO DO TRABALHO Na CONTRARREVOLUCAO Dera : eee a 965 "im que mundo do taba etn insert. 65 © govern Tener,» now fase da eo ‘eiieral eo {kote da egiagho world abe B87 1 A DESICONSTLCAO DO TRABALHO NO BRASIL DO SECULO XXI..271 Entre o content €& BACB nn PR OFT no govern. ee 275 ‘Atwsca de uma nova ase wc de sustentao. 279 A pola de emprogas e @ onda gets 289 O desc : nena Bee eee PARTE VHA ALGUMA LUZ NO FIM DO TONEL? 19 ~ HA FUTURO PARA 0S SINDICATOS?, © enigma da CLT. a ‘Aina ba espago para om sndatow? - 20 HA FUTURO Paka 0 SOCIALISM? FOR UM NOVO MODO DB VIDA NA AMERICA LATINA... ‘A ceatralidade das lutas socials Par um novo modo de ia FONTES ORIGINAIS DOS CAPITULOS... [REFERENCIAS BISLIOGRAFICAS..... 201 201 208 302 08 07 an UMA NOTA PREVIA. Este livo 6, em alguma medida, uma forma de resistencia de nosso trabalho de pesquisa. O procutivismo académico desmedico de nos- 0 tempo ~ no qual para tudo temos de ter metas, no qual os tempos nndo sdo mais os das ciénctas, mas os da razao instrumental ~ ‘empurra para uma quase asfixiante producao de artigos. ‘0 livre, verdadeira precosidade cuja historia est umbilicalmen- te ligada & literatura, ao saber bumano universal, ao avango cienti- fico, tornou-se fora de moda para os organismos dominantes de ‘mensuragao aeadémica, ancorados em unia concepgso exja origem parece se encontrar nas cignelas ditas exatas. Orientadores viram coautores dos trabalhos que resultam do labor intelectual de seus alunos. Pesquisadores individualizados Somam suas producdes pela agregacao de multos nomes que nem Sempre sio efetivos coautores. 0 livro, entao, conta cada vez menos Para os Orgios de fomento a pesquisa, ainda que frequentemente seja multo, mas muito mais valioso de que artigos eseritos a granel Mas, do mesto motio que 0 trabalho, 0 lio resiste, especialmen- te para quem atua nas cénclas humanas. Disse certa vez Octavio Tani que universidade nao rima com mereado, mas sim com univer- salidade. Isso talvez possa ajudar a ensefar alguma similtude entre © lro € 0 artigo. © primeiro almeja ser mais duradouro ¢ longevo, quica universal. © segundo, o artigo, por vezes mais préximo do singular ou do par ‘cular, uma vez coniabilizado, tendencialmente (sempre falando aqut +0 print da ert ‘com 0 olhar das cténolas humana), tem menos ehance de tr para a ‘eternidade. © classieo texto de Freud, “O mal-estar na eivitzacao”, Inictalmente concebido como artigo, € um feliz exemplo, excepcional ‘mesmo, entre tantos outros, dessa segunda modalidade. A clencia da légica de Hegel O capital de Marx sa0 exemplos grandiosos da primeira modalidade. Expresso em alguma medida do espirite do tempo ao qual estamos nos referindo, O privilégio da servidao foi concebido, desde 0 inicio, em sua completa singeleza, para enfelxar um conjunto de artigos, alguns inéditos, outros publicads em revistas académieas no Brasti fe no extertor. Todos eles, entretanto, sofreram alteragaes bastante signifieativas, tendo sido em multes casos quase que inteiramente reesertos, de modo a caber na forma de loro que se pretenden dar ‘a este volume. Sua adaptacao a essa Jorma é também, vale acrescentar, em al- guma medida uma expresso de recusa, para que nosso modesto labor intelectual nao se perea na pura contabilidade procutwista. Para chegar a essa formatagao, foram feitas muitas adaptacies em suas vversGes originals, sobreludo a fim de imprimir alguma sequéneia € sistematicidade aos “capitulos” que a compdem. Fiea a esperanca de gue este livo possa, de algum modo, ter condensaco positivamente estudos fettos nos tiltinos anos e, ao fazé-lo, possibilite uma viséo de conjunio, de um todo composto por partes, algumas mats teGrieas analiticas, outras pautadas pela lmediatidade dos acontecimentos. ‘Todias elas estao, entretanto, enjelwadas pela tragédia soclal na qua 9 trabalho esta: enveredando. Assim, o livro fot concebido em quatro partes. [Na parte I, o exo é compreender os muitiplos, complexos ¢ contra ditorios movimentos que estao presentes no mundo do trabalho hele, em amplitude global. Se no capitulo 1 apresentamos uma lotografla do proletariado precarizado global em varios quadrantes do mundo, € particularmente no capitulo 2, com 0 titulo "A explosdo do novo pro- Tetariado de servigos", que se encontra o flo condutor deste livro, umm, ‘vex que apresenta, pela primeira vez, as nossas principals conelusses acerca do que € now nesse proletariado ce senso. Indagamos essencialmente se ele é ou nao participe da criacto de valor na sociedacle contempordnea e como se diferencia da elas: sificapio que comumente Ibe € atribuida, a de pertencer a classe media. Pergunta crucial que nos permitit, ao longo dos eapitulos Sseguintes, falar de forma mais sélida em um novo contingente ope rario que aflora na era do trabalho digital, on-line e, nao raro, tam- bem thtermitente, T | ia nota pra 15 [No capitulo 3, procuramos demonstrar como a informalidade e a (omaterialidade sao partes constitutivas da criacao de siqueza © de valor. (0 capitulo 4 sintetiza analiticamente nossa concepeae de 0 que é a classe trabaihadora hoe, enquanto o capitulo 5 trata de como as ssubjetividades que vivenciam seu cotidiano no espace do trabalho expressam suas reifeacées © seus estranhamentas, O capitulo 6 recupera, entio, analitlcamente, os distintos e até mesmo contradi- torios significados que compreendem a dlaterica do trabalho, que oscila enire 0 uno @ 0 omni ‘A parte Il € voltada para uma tentativa de inteleceao da conere- tude brasileira e dos vatuéns do trabalho, em que o desmonte pre- domina sobre a protect. Qual ¢ a nove morfologia do trabalho 70 Brasil, como se desenha 0 novo operariado, quais tém sido seus principals vilipendios, é disso que se trata nesta parte. Os adoect- rmentos, padecimentos, precarizagoes, tercelrizagies, desregulamen- agoes, assédios parecem se tornar mais a regra do que a exoeedo, E como vém reagindo os sindicatos face a esse cenario devasta- dor? 0 que aconteceu com o “novo sindicalisino"? Quals foram seus ‘caminhios e descaminhos? O que levou a sua rmutagio, de win stnat- calismo confrontacional para outro, de perfil mais negocial? A parte TIT é aquela mals acentuadamente conjuntural ¢ potitiea. Bla procura, no calor dos acontecimentos, apresentar uma fenome- ologia da crise brasilera, comecande pela sua fase suposiamente auspiciosa, que aflora com a vitdria de Lula em 2002, Procura tam- ‘bem compreender seus movimentos, suas agdes, seus alos € seus transformisios. Persegue-o8 até a eclosao das rebelides de 2013, que tiveram componentes profundamente imusitados, mas nao de todo surpreencentes, Indaga ainda acerca dos movimentos causals que levaram ao impeachment de Dilma e a0 golpe pariamentar que ins- {auirou uma contrarrevolucao preventiva, aquela deflagrada mesmo ‘quando nao ha risco nenhum de revotuedo. Com Temer no comando, comecavam a destanchar a devastagao € 0 abandono da totalidade dos direitos sociais ¢ trabalhistas con- ‘quistados pela classe trabalhadora brasileira, desde a Aboligao até a Constituigdo de 1988, bem como o derrogamento da Consolidagso {das Lels do Trabalho (CLT), impostos pelo empresariado escravocra- {a.com sua conhecida desfugatez.¢ consubstanciados pelo Congreso mais abjeto de toda a nossa historia republicana. Dessa processus licade vem resultando uma desconstrucao sem precedentes na his- {Gria recente do trabalho no Brasil. Nesses artigos de conjuntura, procuramos preservar a escrita original, uma vez que tratavam de temas ¢ questées candentes, do dia a dia. Isso porque eles foram. concebides como resposta a momentos de crise profunda em curso. 16+ 0 prs da seri As alteracdes que thes foram feitas visaram, apenas, inseri-los do ‘melhor modo possivel na sequéneta dos capitulos, ‘A parte IV interroga se hi alguma luz no fim do tinel. Se 0 ce- nario de nossos dias assemelha-se em alguma medida era das trevas, um olhar atento permite visualizar que muito recentemente, ppoucos anos atras, vivemos algo que parcela ser o seu exato oposto. Foi quando adentramos explosivamente em uma era das rebelioes Da Grécia aos Estados Unidos, da Inglaterra a Espanha, da Tunisia ‘a0 Egito, da Franga a Portugal, tudo que tinka aparéncia de solide parecia estar desmanchando. Mas aquela era das rebelises nao pode ‘se converter em uma era das revolugdes. Fla se metamorfoseolt 0 seu contrario € presenciamos uma profunda regressao soctal em escala planetiria. Quem poderd dizer, entio, que o sistema de me. tabolismo social do eapital, com sua era das contramevolugées, € 0 fim da historia? ‘Tenho ainda de acrescentar, nesta nota prévia, que alguns dos textos aqui publicacos foram escritos efetivamente em coautoria, a quatro dos, como se dia em outros tempos. A todos 08 coatlores agri deco generosamente. Para 0 conjunto da obra, entretanto, ¢ imperio 80 dizer que as responsabilidades © os tantos equivocos nao 08 posso dividir Por fim, este livro se insere dirctamente em nosso projeto de pesquisa, que conta com o apalo de CNPq e que tem a tematica do frabaiho como fio condutor. Ao CNPq, entdo, deixamos registrados nnossos agratecimentos. A ajuda de Luci, Caio © Festi fot decisiva para que cle pudesse ser finalizado, Campinas, janeiro de 2018 1 Para tae detales, ver "Fontes eile dos epitlo", p07 doste woe. ENTRE A CORROSAO E OS ESCOMBROS: O ADVENTO DO PROLETARIADO DA ERA DIGITAL Capitulo 1 FOTOGRAFIAS DO TRABALHO PRECARIO GLOBAL Nas ultimas décadas do século pasado, floresceram muitos mitos acerca do trabalho. Com 0 avanco das teenologias da informacao © ‘comunicacao (TICs) néo foram poucos os que acreditaram que uma nnova era de felicidade se inteiava: trabalho on-line, digital, era infor~ ‘macional, finalmente adentrivamos no reino da felicidade. O capital _lobal s6 precisava de um novo maquina, entao descoberto. ‘© mundo do labor enfim superava sua dimensio de sofrimento. A sociedade digitalizada e tecnologizada nos levaria ao paraiso, sem. iripalixin © quigé até mesmo sem trabaiho, O mito eurocentrico, que ‘aqui fol repetide sem mediagao e com pouca rellexio, parecia final- ‘mente florescer. ‘Mas sabemos que 0 mundo real é muito diverso do seu desenlio ‘deal. Os filmes excepcionais que comentaremos desimoronam 08 :mitos da sociedade do tempo livre no capitalismo atual, ao mesmo tenipo que apresentam um mosaico do mundo do trabalho real que Dole se expande em escala planetari ‘Se o unlverso do trabalho oz-line e digital néo para de se expan- dir em todos 05 cantos do mundo, é vital recordar também que © © Sio eler: Behemoth, de Zhan King (China/Prange, 2015): Machines, de Rall ‘Jala nda /Alerania/ Pinko, 2016), Consumes, de Richard Seymovs (i retain, 2016); Bramere, de Joseph Corto (ranga. 2015 What We Have “Mace de Pwsny Tondre Grange, 2016): Factry Compl de im #eung-son [Co ‘in do Sl, 2015) Foran aprenertados om OF Mostra Beofalante de Cian A= 20 + 0 prudéyo da serutan _primetro passo para se chegar ao smartphone e a seus assemelhados ccomega com a extracio de minério, sem @ qual os ditos cxyjos nao podem ser produzides. I as minas de carvo mineral na China ¢ em tantos outros paises, especialmente do Sul, mostram que o panto de partida do trabalho digital se encontra no duro oficia realizalo pelos ‘mineiros. Da extracito até sua ebuligdo, assim caminha 0 trabalho 1 inferno mineral, E justamente esse 0 tema de Behemoth, dirgido por Zhao Liang, tum flime devastador. Do formiguieiro composto pelos caminées aden trando as minas até o trabalho sob temperatura mais que desertifi- cada, Behemoth mostra come as minas so uma verdadeira sucursal do inferno, Acidentes, contaminagao, devastagao do corpo produtiv, ‘martes, tudo Isso ocorre na saciedade dos que imaginaram que a teenologlas da informacao eliminariam o trabalho mutilader. A metéfora de Zhao Liang é a de que a China das grandes cor: pporacées globais nao existe sem o trabalho brutal e mantal em seus rincoes e groives. Ainda que tenia cidades fantasmas... Consumed, de Richard Seymour, segue esse mesmo percurso, Comega com © trabalho nas minas, passa pelo setor text! avanga para 6 espaco da produgao digital, ndo sem mostrar o vilipéndio do ‘trabalho imigrante, esse expressivo segmiento do proletariado global que é, simullanea e contraditoriamente, téo imprescindivel quanto supériluo para o sistema do capital Mas, se o munde do trabalho digital comega no universo mineral também na planta produtiva automatizada dos celulares e microele trénicos vicela a exploragio intensifieada do labor, Nao é por acaso ‘que o primeiro-ministro da India Narendra Modi propos, pouco tem po alras, aquele que deve ser o slogan do segundo glgante do Orlen- te: assim como a Chins se celebrizou pelo Made in China, a india deve faze-lo pelo Make in India, uma vez que a exploracao do traba- Tho do operariado chinés é café-poqueno diante do vilipéndio da superexploragao no pais das classes ¢ das castas, dos bilionarios e dos mais que miseraves. E esse © mote do explosive Machines, de Rahul Jain, que 0s foferece uma fotografia direta do mundo também infernal do trabalho nas industrias de tinglmento de tecidos, onde homens, mulheres & criancas laboram diuturnamente para dar concretude ao Make in India, Jornada de doze horas ou mais, turnos infindaveis, locals de trabalho degradantes e distncias imensas a serem percorridas entre casa e trabalho. Esse & o cotidiano vivenclado pelo povo indiano que consegue trabalho, Na outra ponta, um patronato invistvel, mas que sabe comandar seus negécios com controle evidente, através de pa: nndpticos televisivos. Tudo Isso e mullo mais aparece na pega primo- rosa de Rabul Jain. otcgrafias do taal prea plobal «2k 0 operario que carrega galdes de 220 quilos e diz que seu traba- Iho € também um exerciio intelectual, cerebral, o banho para lavar 4 sujeira dldria das tintas, as maos devastadas pelo calor das cal deiras, os corpos que so tragacios pelas méquinas, as multiplas formas de resistencia e rebeldia do trabalho, assim como a represso ddo empresariado selvagem (que sempre quer saher "quem € 0 lider?"), tudo isso aparece de forma dura e esplendida em Machines. E, J que estamos falando do mundo asiitico, Factory Complex. de Im Heung-soon, da Corela do Sul, € também um primer, O mundo do trabalho feminino nos é apresentado em eeu modo aletivo, deli cado, qualifleado, explosivo, forte, indignado, As opressbes vio, uma, uma, sendo enflleiradas: demissoes, humilhagoes, condigdes sub- humanas, resistencias, tanto individuals quanto eolelivas. (© mito do trabalho na Samsung, com seus adoecimentos e con- taminagdes, ¢ agudamente denunciado: nos assédtios, nos baixos salirios, na superexploragao e, sempre, na forte repressao, ‘As difculdades para organza sindicaios, o acontecimento das fata ‘das mulheres terceirizadas, suas greves, sus confrontos, como o May Day, dia de luta para denumeiar suas eondigdes nefastas de trabalho, avin lencla pole). as abuses, o8 vlipendies, Mas tambéen as flares na vitorat As transversalidades entre classe, género, etnia, geragio, tudo aparece nas complexas fabricas. Nos eall-centers, na industria de alimentos (corte de aves), na industria textl, nos hipermercados. As tantas cenas presentes no universe feminine fazem desmoronar 0 ilo dos trabalhos brandos, teenologizados, assépticos, ‘Mas que nao se pense que essa seja uma realidade 26 do Oriente, do mundo asiatico. Nada disso. Embora na (nova?) divisao internacio. nal do trabalho a indiistria considerada “limpa esteja preferencial- ‘mente no Norte do mundo © a indistria “suja", poluidora e ainda mais destrutiva, se encontre centralmente no Sul, a globalizagio nos leva 8 constatar que, assim como o Norte se esparraina pelo Sul, este também invade 0 centro do eapitalismo tido come desenvolvida. Tudo fica muito combinado, ainda que de modo designs. What We Have Made, de Fanny Tondre, ¢ uum exemplo preciso disso, ao apresentar a realidade do trabalho na industria da constru- ‘io ell na Franca, Através de cenas e depoimentas, a sensibilidade do trabalho vai transbordando. Tragédias, eaperancas, expectalivas, solidariedade, amizade, tudo Isso aparece no mundo da trabalho duro, violento e perigoso da construcao civil. Usande e abusazido da explo raga dos imigrantes, ‘Chuva, tempestade, coneretagem, acidentes. As cenas se sequen- ‘iam, mostrando como esse ramo combina o receituarto taylorista do trabeitho preserito com a pragmitica do envoloimento e da manipula ‘edo que herdamos do toyotismo. De primeiro, a taylorismo, vemos a 22+ 0 prtdevida sertlan preservagio do despotismo. Do segundo, o toyotismo, o exercicio de lazer um pouco de tudo no trabalho, 0 que, alem de aumentar a cexploragao, ampli os riscos de acidentes em um setor no qual eles {J ocorrem' com intensidade. Brumatre, de Joseph Gorulllo, enfotxa o cielo com ium paralelismo também emblematico: reconstitul a histérta do trabalho, por melo de depoimentos de minciros, em uma derradetra mina de carvao na Franga, que (eve suas alividades encerradas, Apresenta tambem historia de uma Jovem trabalhadora, filha de um operdrio da mine- rragio, funeionaria no setor de servigos em uma empresa de limpeza. ‘Adupla face do trabalho é exposta, com snas diferengas marean- tes, configurando as tantas heterogeneidades ¢ fragmentagoes que povoam a classe-que-vive lotrabalho em sua nova morfologia hoje. A dos minetros, quase todos homens, com suas histérias, seus comn- bates, suas solidariedades, seus medos, riseos, adoeeimentos, Ea ‘de uma Jovem trabalhadora que vivencia o trabalho fragmentado, separado, individualizado, sem passado, sem projeto para o futuro, oferecendo uma bela pintura do passado curopeu e sua nostalgia ¢ do futuro nebuloso desse novo proletatiad de servicos. Avida na mina é uma vivéncia em uma cidade submersa, A es ccuridao, o risco de desmoronamento, o barulho repetitive do subso- Jo que nio tem tua nem sol, somente luzes artiicials. (Um paréntese: luma tinica ver eu entret, como socislogo de trabalho, em tama Taina de carvao, na cidade de Criciima, em Santa Catarina. La embatxo, ndo Via a hora de voltar para 0 mundo visivel ¢ plano. © pavor inieial 6 quase asitelante) A condigao de mineiro, relata um dos depoentes, marca indele- velmente todas as outras dimensoes de sua vida: a social, a familia, a cultural, a politica A transmissae do saoirfaire de uma geracdo a outra, a solidao com o fechamento da mina, as jutas e conquistas obtidas. Com a aposentadoria ou 0 fim do trabalho na mina vem nostalgia, o desencanto, ‘A globalizagio levou fatalmente ao fechamento da tltima mina de carvao na Franca, diz 0 depoimento do operario da mineragao, Na tual divisio internacional do trabalho, a extrac passou a ser fet ta quase que exclusivamente no Sul do mundo, na Colombia, no Chile, na Venezuela, na China, no Congo, na Africa do Sul ete. ‘Outro depoimento opera € catustico: nesses paises periéricos, 6s mineiros trabalham muito rmals € ganham menos. Se um dia a ‘mina voltar para a Franea, acrescenta, ser4 sob o controle da China.. Anostalgia em relagio ao passado ¢ 0 desencanto quanto a0 presen- te se encontram. No outro polo do mundo de trabalho, « jovem trabalhadora,ftha ‘de um minetro, recorda o pasado de lutas do pai e reflete sobre sett oiogafias do trabalho pretvoglal +23 presente de isolamento no servigo de limpeza: o trabalho individua- lirado, dessoctablizad, sem a convivencia com outros trabalhadores e trabalhadoras. O novo proletariado de servigos aparece nesse per- SSonagem como descrente em relagao ao futuro, resignado © 80 mes- mo tempo descontente quanto ao presente. O trago de pessiinisino aflora alravés da cena muito tipica no capitalismo do Norte. ‘Minas © eseritérios, trabalho “sujo" e trabalho “limpo", trabalho coletvo ¢ labor invisibilizado, ontem e hoje, esses dots rmundos parecem ‘desconectados, A jovem se recorda do pai e de suas Intas, que nao ve zno seu presente. No tempo livre, cuida da casa, B uma jovem prot ra do setor de servigos sem a possitlidade de constitnir uma prot pois sua snseguranca no emprego nao Ineentlva a vida reprodutiva, ‘A instabilidade ¢ a inseguranca sto tragos constitutivos dessas nnovas modalidades de trabalho. Vide a experiencia britaniea do zero hour contract eantrata de zero hora}, © novo sonho do empresariado lobal. Trata-se de uma espécte de trabalho sem contrato, no qual indo ha previsibilidade de horas a cumprir nem direitos assegurados. ‘Quando ha demanda, basta uma chamada ¢ os trabalhadores © as trabalhadoras devem estar on-line para atender 0 trabalho intermi- tente, As corporagées se aproveitam: expande-se a “uberizagao", amplia-se a "pejotizacao", florescendo uma nova modalidade de tra- bbalho: 0 eseravo digit. Tudo isso para disfarcar 0 assalariamento, ‘Apesar de defender a “responsabilidade social e ambiental’, in- ccontaveis corporagdes praticam mesino a informalidade ampliada. Hlexibilizadade desmedia, a precarizagio acentuada e a destruicso cronometrada da natureza, A excego val se tornando regra geral ‘Aqui e allures. - Fieam muitas indagagoes a que O prielégio da servidao procura oferecer respostas, Que estranho mito fol esse do fim do trabalho dentro do eapitalismo? Tera sido um sonhe eurocéntrico? Por que ‘labor humano tem sido, predominantemente, espaco de sujelcao. sofrinent, desumanlzacio c precarizagéo, numa eee gue mos imaginavam Uma proximidade eclestial? E mats: por que, apesar tude isso, 0 trabalho carrega consigo eofigulos de soctabilidade, tece lacos de solidaziedade, oferece impulsao para a rebeldia © anseio pela emancipacio? iereria peso uri (PJ, que €flsuncateapresentada como nemo” vande mascarar eagoes de assalaramento efter Capitulo 2 A EXPLOSAO DO NOVO PROLETARIADO DE SERVICOS Em plene século XXI, mais do que nunca, bithdes de homens © mulheres dependem de fornia exclusiva do trabalho para sobreviver fe encontram, cada ver mals, situagies instavels, precarias, ou Vie venciam diretamente 0 flagelo do desemprego. Isto €, ao mesmo tempo que se amplia contingente de abalhiadores e trabalhado- ras? em escala global, ha uma redugao imensa dos empregos: aque: Jes que se mantém empregados presenciam a corrosito dos seus direlios socials e a erosio de suas conquistas histérieas, consequen- ‘cia da logica destrutiva do capital que, conforme expulsa centenas ‘de mithdes de homens ¢ mulheres do mundo produtivo (em sentido amplo), reeria, nos mais distantes ¢ longinguos espacos, novas mo- \dalidacies de trabalho informal, intermitente, precarizado, “flexivel" depauperando ainda mais os nivels de remuneragio daqueles que se mantém trabalhando. ‘Mas, contra a equivocada tese da finitude do trabalho, nosso de- ssafio primetro € compreender 0 trabalho em sua forma de ser con: traditéria: mesmo quando é marcado de modo predominante por tragos de allenacdo ¢ estranhamento, ele expressa também, em al- uma medida, coagulos de sociabtidade que sao perceptivels parti- ularmente quando comparamos a vida de homens e mulheres que ‘rabalham com a daqueles que se encontram desempresados. "Dada a clara divinto socoaserual do trabalho, fequentemente deaigale iferen- ‘aa, neste vo a nopio de tabalhadores ee case tabalhaors contempt ‘Senpze sus dimensta de genero, como wabauadores «abana 26 +O podepin da sertan Ao contrério da untlateratizacdo presente tanto nas teses que rocuraram desconstruiro trabalho quanto naquelas que fazem Seu culto acritco, ssbemos que, na Tonga historia da atividade humana, {em sua mneessante hata pela sobrevivéncia e felicdtacle social (presen te Ja na reivindicarao do cartismo, na Inglaterra do século XIX), 0 trabalho ¢ também uma attvidade vital e omnlateral. Mas, quando a vida humana se resume exclustamente ao trabalho ~ como mutta vezes ocorre no mundo capitalista e em sua sociedadle do trabatho ‘abstrato -, cla se converte em um mundo penoso, alienante. apristo- nado e unitateratizado. & aqui que emerge tuma constatacdo central: Se por um lado necessitamos do trabalho humano e ce seu poteneial ‘anancipador ¢ transformador, por outro devemos recusar o trabalho que explora, allena ¢ infelicita 0 ser social, tal como 0 conheeemos, sob a vigencia c 0 comande do trabalho abstrato, Tss0 porque sentido do trabalho que estrutura o capital (0 tra: batho abstrate} ¢ desestruturante para a humanidade, enquanto seu polo oposto. o trabalho que tem sentido estruturante para a huma- nndade (0 trabathio concreto que cna bens soclalmente itels), torna.se potenclalmente desestruturante para o capital. Aqui reside a dialét- ea espetacular do trabalho, que muitos de seus eritieos foram inca- pazes cle compreender. Mas € essa processualidade contraditéria, presente no ato de ‘tabathar, que emancipa e allena, humaniza e sijelta, libera e escra viza, que (Fejeonverte o estudo do trabalho humano em questao crucial de nosso mundo e de nossa vida. Neste conturbado séeulo, XXI, 0 desafio maior € dar sentido autaconstinuinte ao trabatho hum no de modo a tornar a nossa vida fora do trabalho tambéin detacla de sentido. Construir, portanto, usm nove medo de vida a partir de Jurm novo mundo do trabalo, para além dos constrangimentes isn. postos pelo sistema de metaboltsmo social do capital. para recordar: ‘Meszaros’, & um imperativo vial ‘Quando se procura apreender as novas dimensbes do mundo do trabalho observando suas particularidades, mas com um olhar es pecial para o universo laborativo dos servigos, quats tendencias tem ‘se apresentado como principais? Rumo a precarizacao estrutural do trabalho Ha algumas décadas, em meados dos anos 1980, ganhou fora ex- plicativa a tese de que a classe trabalhadora estava em franca retra- ‘cao em escala global. Com Estados Unides e Europa a frente, a ideia, de uum capitalismo maquinieo e sem trabalho se expandia e mesino Tan Maron. Pure ain lo capt rama a une teria da ranstyo Sto Po ‘oitempo, 2002. ‘A cxplosto do now proictarade de senigos «27 ss consolidava, conseguindo ampla adesio no universo academieo, sindical © politico em varias partes do mundo, Movida quase que exclusivamente pela técnica, pelo mundo maquinico-informacional. ‘digital, a classe trabalhadora estaria em fase terminal ‘© mundo real. entretante, contraditou essa propositura, Se a ‘dela era. no minimo bastante problematica nos patses to Norte, como. deixar de constcerar o monumental contingente de trabalho existe. te no Sul. em especial em paises como a China, a India ¢ tantos outros asidtieos de indusirializaeao recente? Ou ainda no Brasil, no México, entre tantos outros exemplos latino-americanos dotacos de grande contingente de forea de trabalho? Ou na Africa do Sul, com ‘sua simbiose explosiva entre classe ¢ raga/etnia? Se parece evidente que a producao de mercadorias, em sentido amplo, vem se metamorfoseando significatwamente a partir da intro- : acest em: 20 ago. 2014, + teem 5 er também Pan tigate Jeany Chan, “The Advent of Capital xpanson mn Chin: &| (ase Sty of Funcann Production se the impacts on ts Workers” 2012 apo ‘vel echt ra ies wordpress: com/2012/01 pun ng chan-enny.0 [Eneonn pds acess ems 29 ag, 2018; Pun Nga, Chris Kg-Chi Chan Jenny ‘Chan. “foe Rol ofthe State. Labour Polly and Migrant Workers Stusses 1 ‘Globus Chine” OlabalLabourfoura en 1. 2010: spiel em: E aereseenta ainda que: ‘0 capitalista precisa dispor de um determinado estoque de matérias- “prima e materais ausiliaes para que o processo de producao con- tinue a se desenrolar durante um tempo mais eurto ou mats Yonge sobre a eacala previamente estabeleeida, sem depender da eonting?n fia de ter de abastecer-se dlariamente desses materials no mereadh. [ese estoque de materias-primas etc. 6 € produtivamente eonsumido de mode paulatino, Ha, portanto, uma diferenga entre seu tempo de produgae © seu tempo de funcionamento. O tempo de preducao dos smeios de produgao em geral abarca, desse modo, 1) 0 tempo durante © qual eles furcionam come meios de profucae, ou sea, durante a ual atuam no proceso de producto: 2) as pausas, durante as quats fe interromipe 0 process de protugio e, com ele, a fungte dos melos de produgio nele incorporados: 3) 0 tempo durante o qual, embara ja se encontrem disponivels come condigdes do processo e, portanto, Ja representem o capital produivo, eles ainda nao estaa tncorporades no processo de produgao.?* Tigumnes das hipiteses aqul deseotvidas ao apresentadas com competes Se Santos, come Inde em seus ends [p. 180-192). eter pst de mes [uaa tetores aco ¢ mesino aqul em repo ao seu tet rinelpalpente ‘quando cle apresenta sua evatvahiptesecomparava care o min da prod (io materal oda prusugue male 50 et Mars, O capital Aero Hc. p. 201 8 oidem,p. 201-2. i A expt do navn proton de senagos +48 Assim, Marx afirma que, como 0 tempo de ratagao do capital ¢ ial 10 tempo de produedo (que inclu 0 tempo de trabatho} mais o tempo de cireulaero, quanto mais préximo de 2ev0 se torna 9 tempo de cit- cculacao do capital, tanto malores se tornam a produtividade e a pro- dducdo de mals-valor, uma vez que o tempo de eizculacéo do capital pode limitar ow agiliar o tempo de produgto e, portanto, aumentar ‘ou diminuir 0 processo de produgia do mats-valor. Ainda segundo suas proprias palavras: Quanto mats as melamorfoses da eirealagae do capital so apenas ideas, Isto é, quanto mals 0 tempo de curso ¢ = 0 ou prtximo de zero, tanto ‘mals atia 0 capital ¢ tanto malor se torna stun produtividade © autovar lorlzagao, [u]Portanto, tempo de curso do capital limita, em geval se ‘tempo de produpao e. por conseguinte, sexx proceaso de valorizagao. Assim, como hipétese que parece plausivel, a indiistria de trans- portes, expresso de uma modalidade de producto tmatertal ~ visto que nao produz nenhuma mercadoria, pois atuia eentralmente na csfera da eirculagaa -, torma-se imprescindivel para a coneretizacao dda produgdo material e da efetivagto do mais-valot, Por certo, essa, cexcegio aberta por Marx ndo significa que o mais-valor encontte fora da produgdo seu espaco de eriagdo. Mas, partindo de sta excepcional pereepeao e teorizagao de que ha um processo de praducdo que s Sesenvolve dentro do processo de ctreulagdo, qualquer leitura que atribua uma concepesto estreita de produce e de induistria em Marx fica em grande medida bastante fragiizada, Por outro lado, essa concepedo ampla de pracesso de produgio dentro da circulagao nao pode ser acriticamente generalizada, Como exemplo, podemos recordar que, no Livro IID, ao tratar do comeéreio, Marx adicionou que este, embora seja imprescindivel para a coneretizacao da venda, nao gera mals-valor, sendo por 1380 ‘considerado pelo capital como tmprodutiva, O capital comercial, diz Manx, se apropria de parte do mais-valor gerado na producao indus {ial e por isso nao ¢ responsivel pela sta eriagao, Mas o autor nao deixa de afirmar que as similitudes s0 maiores do que as diferencas. quando se pensa nas condicbes de classe dos camerciarios enquan to assalariadas. Bm suas palavras: ‘For um lado, tal trabalhador comercal € um assaariade como qualier ‘outro, im primero lugar, porque o trabalho ¢ eamprage nao pelo dei 1 gasto como renda, mas pelo capital varkivel do comerciante e, por conseguinte, ndo para a obtengia de um servico privado, mas eomn a % dem, p- 204-5 gre meus © Het Mans, © capa: eritian da economia pts, Livro: © proceso global da rota capac So Pa, Bote. 2017, 44 O prio da servidao Analidade da autovalorizasao do eaptal al adantado. Em segundo Iugar, porque 0 valor de sua forga de trabali ~e, portanto, seu salério ~ est ‘eterminado, como no caso de todos os demas assalariados, pelos eus- tos de produpio e reproducie de sua forga de trabalho especiica, endo pelo produto de seu tabatho.* B acrescenta: Prem, entre ele e os trabalhadores dlretamente emprogadios pelo capital Industrial tem de exstir a mesma diferenca que ha entre 0 eapial in- dustsal e 0 comerciante. Como 0 comerciante, aa qualidade de mero agente da clreulagso, nfo produ valor nem mals-valor(... também € Impossvel que os trabelhadores de eomércio que ele emprega nas mes ‘mas fungdes possam eriar diretamente mats-valor para ele. 2° Asam, e ¢ claro para Mack que o tabalno produ nto se confor ne ano do comme '9 snormo nfo Se pote does Telag aun stor parted nds de srs, ainda de tranaport. Taco porque a win sndlie fol caper de compreender precocements, ala em mendes do accu XK que eave remo era or sl meen capas de cia al-vlo, Hof, um sso © co Aepoa, com ax profundas mitagtesvvencadas pelo capitals da frm dgtainformacional com texpreaivaexpansdo Gos sc¥igos @ sua mercaorizago, tomas premnte olereer tum ces enten Cimento de qual 0 papel dos servigns na asumulag de spt, como se real 0 proceso prod dente desse set: be com ual ¢s vel participa deses traalhadoner© densa taba: Corus no proctov de valrizaae do capital e de cago fou no) de rae vale see a hupotete, que vem sendo desenvolvda ao longo de sanju oe Salt no pin cond deste te, {que estamos preseniando oavento de nov forms de extra ‘to male-valor ambem nas eaferun da produgto nfo material ou material eepag por excelencia dos serlgo que fram privates Glurante along fe de vigeoca do neallverasme, Lanbremes ge $ principal astrmagto Ga omnes level e mesmo dg apoio no fo eaners dt cleat et prepa ores prot, mas i 2 imbncagio progessi entre abate ¢ canes, teteiidade & Iara, rao proto © tore Sodan, pase Idem; ver especialmente o capitulo 17 [0 uero comer) % ngen Habermas, Teenie e inca come “deolgia” (S80 Paulo, Abul, 1875). © “ve New Obey’ ct © Reda Antunes, Os sels do rabaa, al. eAdeus ao wabaor. et. ‘Acxpnsao do neon proltriado de senigas + 45 No universo da producdo, onde ha presenga do trabalho imate- rial, a exemplo de diversas alividades caractertzadas como de ser vie0s. por exemplo nas TICs, nos eall-centers ete., pode-se afirmar ue o trabalho com tracos ou coagulos de imnaterialidade gere valor, tornando-se por isso também produtivo? & do que trataremos no item seguinte. © trabalho imaterial pode ser produtivo? Para responder a essa questio, por si mesma bastante complexa, € preciso desde logo apresentar duas formulagies centrats em nos ‘90 argumento. A primeira delas remete & conceltualizacio do que € Produtivo e improdutivo para Marx. A segunda se refere & sua for- mulagio acerea da matcrialidade ou {matertalidade da producao ¢ do trabalho. ‘Vamos, entio, esclarccer como concehemos a sintese marxiana de trabalho produtive e improdutivo. Resumicemos nos postos seguir 0 que entendemos como central da formulagao mariana acerca do trabatho produtivo*, Trala-se daquele trabalho que: 1) ria mats-vator. Se, no Capitulo VI finéditol. Marx o define como aquele que eria diretamente mals-valor, em 0 capita ele suprime essa qualificagio. Fm nosso entendimente, isso ocarre porgtte 0 acréscimo da palavra diretamente é por demais restrtivo, numa produgao que € coletiva E pago por capitat-dinheiro, e nao por renda, Esta segunda forma de pagamento ~ por renda ~ 6 a que earacteriza, sempre de acer do com Marx, 0 pagamento pelo trabalho improdutivo, que cia valor de uso, e nao valor de trac. 3) Resulta do trabalho coletivo, social e complexo, e niio mats indl- Yidual. E por sso que o autor afirma, no Capito VI finédito), que 1ndo ¢ 0 operdrio tndivtdual que se converte no agente reat do pro- cesso de trabatho no seu conjunto, mas sim uma capacidacle de trabalho sociaimente combinada. 4) Valoriza o capital, nao importando se o resultado de seu produto material ou imaterial 5} Mesmo quando realiza uma mesma alvdade, somente podera ser definido como produtivo ou improdutivo em sta efetividade ‘eoncreta, Isto é, dependendo de sua relacao social, da forma soctal ‘como se insere na criagde e walorizagto do capital. E por isso que, ara Marx, trabalhos identicos quanto a sua natureza podem ser 2) ‘ Tomaiemos agul,particularmete. a ndicagie de Marx presentes em O capt law el, bem como em Oeste ta Cap VF Unt ao Pal. Ca ‘as Humans, 1978, 6+ 0 preiodasero produtivos ost improdutives, dependendo de sua efetiva partict- pacao no provesso de valorizacio do capital 16) Tende a ser assalariads ~ embora nem todo trabalho assalariado sela produti [Na contrapartca, 0 trabalhe ¢ improdutivo quando eria bens ites, valores de uso, e nao esti voltado diretamente para a producto de valores de troca, ainda que seja necessirio para que esta se realize. Sao aqueles trabalhos consumidos como valor de uso, ¢ 0 como ‘valor de troea, E por isso que o capital suprime todo trabalho impro- utivo desnecessirio, operando inclusive a fusdo entre atividades produtivas e improdutivas, que passam a ser frequentemente real zadas pelos mesmos trabalhadores e trabalhadoras ‘Vamos agora ao segundo ponto. Devemos a Marx a distingéo ‘entre produgdo materiale prodhcéo néo material ow imateriat™, como “apareee, por exemplo, no eapitilo 14 do Livro I de O eaplal © tam- bem no seminal Capitulo VI inédttol. Depois de defnir o que € tra batho pradurivo para o capital, Marx afirma: ‘Para trabathar produtivamente, J nao é mais necessario fzé-lo com ‘suas proprias mos: asta, agora, ser wn Grado do trabathador cote, execular qualquer une de suns subfungaes. A definigao original do tr batho produtiv (.} derivada da propria natureza da produ material, ‘continua valida para o trabalhador coletivo, considerado em seu con- Jfinto, Mas ja ndo ¢ valida para cada um de seus membros, tomados fsoladamenie.*° E acrescenta: |A produgi capitalsta no & apenas produgdo de mereadorias, mas fessenciamente predigio de mats valor.) $6 € produtive o trabaliadar (que prodiuz mals-valor para 0 capitalists ou serve & autovdlorizacto do Capital, Se nos for permitido esealler um exemplo fora da esfera da producto material, dsremos que um mestre-escola & um trabathador prodtivo se nao se limita a trabslhar com a eabeca das eriangas, mas fexige de of mesmo até esgotamento, afim de enriquecer @ patio. Que teste time (enka tnvestido seu eapital num fabrics de enstno, em vex fde nama fieies de salsichas.€ algo que nio altera em nada a relagio. ‘Assim, conceito de trabalhador produto nao implica de modo nenbum ‘apenas wna relagdo entre atidade e efetto titi, entre trabathador produto do trabalho, mat tambem wma relacdo de producio especfica mente socal, surgida historicamente e que cola no trabalhador © r6tulo 5 Que watarenos sempre como sinanimes, 4 asl Ma, O capita, Lio Let. p. 577; gifs meus ‘Aexpast do revo proltartada de senscas +47 de melo dseto de valorizago do capital. Ser tabathediorpretivo io 6 portanto, uma sorte, mas wn azar! Portanto, 0 primeiro elemento que queremos destacar ¢ que Marx Pereehe cle modo precoce uma tendéneia que hoje esta sendo expo ynencialmente desenvolvida pelo capitalism, caraetertzada pela am- pliagdo das atividades produtivas imaterials, Mas acrescenta também que @ produg20 material, que decorre do tabor e do fazer social © ‘coletivo em mteracdo com o maquindrio formacional-digtal, constit- se como a forma prevalente da produgdo no capitalismo, De nossa parte, acrescentamos que a propalada fiegao que de- fende a predominancla da produgdo imaterial (portanto desprovida de ‘materialidadte} no capitalism de nosso tempo ¢ wei crlagdo eurocen: rica (ou do Norte) que ndo encontra base ontolégioa real, quando se toma a totatidade da produgdo global, inciuinde China, Corefa do Sul, India e tantos outros pafses asiaticos, assim como Brasil e México nna América Latina, Russia e paises do Leste Buropeu, ov ainda Afri cea do Sul, no continente africano®, Nossa hipbtese, entao, ¢ que estamos presenciando cm escala slobal o creseimenta de novas formas de realizacao da lel da valor, Configurando mecanismos complexos de extracao do mais-valor, tanto nas esferas ca produeao material quanto nas das atividacles ‘imateriais, estas também crescentemente constitullvas das eadeias globais de produgao de valor. F, mais, mesmo nao sendo o elemen- ‘to dominante, € necessarlo reconhecer que 9 trabaiho material vera assumindo papel de relevo na conformagio do valor, nao 86 por ser parte da articulagao relacional entre distintas movalldades de trabalho vivo em interagso com trabalho morto como também por ser participe do processo de valorizagao, ao reduzir o tempo de ctreulaeao do capttal e, por consequencia, também sew tempo total de rotacao. Visto que 0 setor de servigos esta cada vez mais totalizado controlado pela logica do capital e de seu processo de mercarloriza: ‘cao ou comoditizagae, ele também se torna gradualmente mats Participe das cadeias produtivas de valor, legando eada ver mals a0 assado sua forma improduttoa para se converter em parte inte- Brante do processo de yeraréo (produtiva) de valor. As crescentes Interseceées entre a industria, a agricullura € os servigos, como na, agroindistria, na indistria de servicos © nos servigos industriais, sto emblemiticas do que estamos indicando. A introdugao do traz balho on-line, que cresce intensamente desde os primérdios da res- {ruturacio produtiva na déeada de 1970, com 6 seu inetrimental Taam, p. 578: gr mous, © card Antunes, Adeus ao taba? 48+ 0 pris da seri teenolgico-informacional-digital, fez deslanchar essa processualida- de, que se tornou incessante, convertendo a reestruturagdo produto ‘em um proceso permanente, da qual a denominada indistria 4.0 € ‘a mais nova etapa nessa diregdo que se desenvolve a importante reflexto realiza- a pela socidloga do trabalho Ursula Huws. Ao discorrer sobre 0 trabalho digital, ela afirima que este niio pode ser considerado de modo isolado do conjunto da economia. “Sociedade baseacia no co- inhecimento" e “trabalho imaterial” sto, antes de tudo, expressées da ‘complexificagao atingida pela divisto do trabalho, em que coexistem tanto as alividades intelectuais como as manuals, tanto as de criagao como aquelas mais rotinelrast®. ‘Ao tratar das conexées existentes entre trabalho digital ¢ teorla do valor. a autora acrescenta que a generatizacao dos computado- res e das TICs nos mais diversos ramos da economia demonstra que o trabalho digital se expande celeremente em atividades rurals, fabricas, escritérios, ljas, casas, conducio de veiculos ete.,. sendo cada vez menos expressivos os setores da economia que se de- senvolvem sem utiliza-lo. Assim, as atividades on-line avangam, inserindo-se crescentemente nas complexas cadelas produtivas, globais. Apreender esse movimento, diz Huws, desde as origens até fs finalizagao das mereadorias, ¢ um bom caminho para um melhor tentendimento do papel desempenhado pelas atividades digttais no processo de geragio do valor. Essa larefa, embora nao seja simples, 6 realize!" Encontra-se aqui, entao, a chave para compreender melhor a pparticipacao do trabalho digital nas cadeias produtivas, J4 que ele ‘sta inserido de “varlos modes nos processos de producdo", por meio das ferramentas de comando digital. do uso de softwares etc. cada vez mais presentes nos processos produtivos*®, ‘A autora agrega elementos importantes quando trata da ampla gama de atividades denominadas “servigos", Pode ser itil distingulr faguelas que interferem mais diretamente na produgao (ainda que sua percepeao nem sempre seja faci), a exemplo das atividades de lia- peza das fabricas ou das de manutencao do seu maquinario, daque- las voltadas para a gestao da forca de trabalho, como as responsévels pelo processamento das folhas de pagamento ¢ pela comtratacio © freinamento dos assalarlados. Cita também aquelas que dizem res- pelto a gestdo administrativa e Anancetra das empresas ou a ativid des de compra, venda, marketing e distribuicao das mercadorias. ‘Ursula hws, Labor Othe Global Dita Bron, p. 157. toidem,p. 1625. ‘Acxposto do novo prottariada de sersicos + 49 Aerescenta a autora que todas essas categorias se ulilizam cada vez ‘mais das TICs e dos trabalhos om-tine®. Por certo, a expansdo dessa miriade de trabalhios ox-line, digita- ads, pode tomar mais dificil a percepgao das relagoes existentes entre tals atividades ¢ as mercadorias com as quais esses trabalhos se Inserem € se conectam. Mas a autora apresenta uma nuance que pode ser importante: quando elas sio realizadas por assalariados ‘rabalhando em empresas que geram Iuero, enlao esses so mals factlmente inseridos em atividades que produzem “dicetamente mals valor para o capital’, constituindo-se naqueles trabalhos gue cla designa como “dentro do no", Isto 6, que esto no niicleo das ativi- ddades geradoras de valor” De nossa parte, parece importante, entretanto, enfatizar um ele- zmento de diferenciacio conceittal:realizagio de huero nao € 0 mesia0 que erlagito de mais-valor, como, alias, vimos na distingao apresenta. dda por Marx entre a indtistria de transporte e comércio, a primeira permitindo a geracéo de valor e o segundo possibilitando exchsiva, ‘mente a realizado de Iucro. Mas € preciso também indlear que o ccapitalismo de nosso século é muito diferenciado em relagao aqucle ‘que vigorou no séeulo XIX. Na esteira das indieagdes anteriores, Huws afirma que 0 amplo conjunto de atvidades, como ‘marketing, estio da logistics, distributes, transporte, atendimento ao ‘constmidor, vendas no varejo © atacade (sein on-line off ine en, trea de produtos, em suma, a totalidade da cela de suprimentoa, da entrada da fabriea fou do local onde se desenvoive © software) até ¢ consumidor, deve ser entendida como trabalho proiutva.*© Avancando nas indagacdes ¢ nas respostas, & procura de com: render as novas dimensdes da teoria do valor hoje. autora aerescenta: 0 que ocorre quando o trabalho nao remunerade dos {consumidores, ao realizar atividades dle compra, stibstitul os antigos assalartados produtivos? Por exemplo, quando os consumidores fazem, @ compra de seus bilhetes de viagem diretaanente no site das empre, ‘as, digitando seus préprios dados, ou quando os compram via ope. radores assalariados de teleatendimento? A resposta de Huws € ‘apresentada, Neste ilimo exemplo, o trabalho pode set trangulla. ‘mente considerado produtivo. Mas, indo além dessst primeira respos. {aque considera menos polémies ~ a autora acrescenta que tamsem, no extro exemplo citado deve-se consierar tat atividade como prod idan, p. 165, tides. 1687. thidem,p. 167. 50+ 0 prise da sortiao ftva, Mas conclui com uma diferenciardo que nos pareee importante: apenas as atividades realizadas por trabalhadores remunerados ‘encontram-se “dentro do n6", uma vez que a relacdo com o processo de valorizagio é mats aveta®, 1a ainda a0 menos mals um ponto importante e que traz uma nitida confluencia entre nossos estudlos do trabalho e sia nova mor- fologia e aqueles que vem sendo realizacos por Huws. Suas pesquisas, cconfirmam que vem ocorrencdo uma signifieativa expansao de traba- Tho nao manual, mas que, entretanto, este ainda se mantém como ‘lhoritrio, quando se considera a totalidare do trabalho. Acrescen- ta que a énfase dada pelos que ressaltam a expansao do trabalho “aparentemente desmaterializado, vinculado as tecnologlas da infor ‘magao ¢ comunicagio (TICs", tem por vezes permitide que se obli- tere a realidade, uma vez qué ndo se destaca fou nao se considera. ‘com © peso que merece) que as chamadlas atividades “virtuais” sao dependentes e tem conexées fortes com o mundo da materialidade. Blas nao poderiam existir sem a existéneia de infindaveis mercadorias produzidas em areas ¢ espacos com menor visibilkiade, como nas. ‘inas da Africa ou da América Latina, nas sweaishops da China ou fem outros paises localizados no Sul do mundo®. ‘Sua conclusao ¢ relevante, apreende o trabalho em sua globa- Iidade sem herdar nenhum taco eurocéntrico, to frequente nos. cestudos do tema. Sem a produeio de energia, de cabos, de compu- tadores, de celulares e de wna inflnidade de produlos materials, sem ‘© fornecimento das matérias-primas para a producto das mercado- ras, sem o langamento de satélites ao espago para carrgar seus sinais, sem a construe de edificios onde tudo isso ¢ produzide & vendido, sem a produgio ¢ a condugao de vefeulos que viabilizem sua distribuleao, sem tora essa infracstrutura material, a internet (dem, Alem das quai ormulage de Urtda Huws agul ee The Making fof Cybern Votual Work Reel Word (Londres, Men, 2003), «Me com {zen validate ora do valor na er do tra digi debate ex plemice {tm aido sips iteason a, male secentemente, tans gama de notes est dos sore o tema. Deetacatas, pot exemple, a pesquisa de Mek Dyer Wither. (Cen Protetarat: Global Latex the Dye Vertex fre, Pht, 2015), qe presenta novos elementos para una melhor conpeensto dos sigifeados do ‘herprletariado: Eran Flas e Christian Fuchs (ng) rm Reconseing Vale ‘ane Labour bo Dig ge Wianipalse. Palgrave Macealan. 2015), amplaco- Ietanes eontempland ders aoe, om pes tame deren, Cebogas wa clea da econara len da internet © cabal dita a part ‘ora do volo tbo de Ware. Batre nie, reretoo debate tame a Cesar Blase, nadeoes aural Syermagao e eapame (Si Paso, Hele. 2000); leutéto Prado, Desmedita do valor: rica da poe grade nds (S40 Pao, [Expressto Pepa, 2003) «aoa textos now sais pute deseavove-1o als ampla ‘mele, Os seis do rabao, ce Adaus ao tba, 5% Ursula Hw, Lorin the Global Pigtal Berm. lt, p17 _ Acxplao do novo prostate de sonsos + 81 fo paceria ser sequer cnectada, Por conta desse elemento vit acrestenia a autora, so anda poscos os traatnon qe nao ema dain algama forma de etvidade iste, mesmno qe sea apenas a de utilizar um teclado®", sme sca ape Portanto, quando a tematzaggo oerea do mundo do trabalho € feta de modo abrangente¢totalzante, contenplando no s8.0 No te, maser eapcialo Sul, com um volume mt ord trabalha- ores e trabathadoras, flora mate Intensamente a fragile ezpiica eanalitea da tese do fir do train, er corn da on Sequente peda de vlad ier do ear ‘Aqul vale indica que uma variate ere procurou dar novo {lege to teses do fir da tora do sar, reeorreno 20 armen da soa intangibttdade vito que na socedate ata, de fet ps “taut tornar-seiaimpossve quanta © eontablizar me. go do Yan, © argumento principal desea propio to de qe ho ttabao, em partieular noe servigosconsieratos meter, Sntangliade acabaria por peas a ensure do alr, ort do mpratcdel vgencin do valor trabalho por eonseueeta, cncao do misao aso capitaismo contempornco parece ter ogado por term essa possbidade uma ver que 0 oar & cada we mals resent de trabalho sot e eat, compsexo e combina, predominaniemente tater, mass erescente em sets ‘rags de nated, ares Presentes nas nowas cadets prooas global. ead ve es re Cats «interctaconents. Assi, preciso enfaier que 0 tral ‘material se torneu também parte integrante c vital da forma -mereadoria em vez de ser exci lo comptens proceso te ara so valor que encrira igen no captatone ance. yore # deta de rassotempe Sa remaraeao dest te Se, Ml tempo, indiiduatzadas endo a mda socal, une Yes que o lor €resltante do trabatho soc ecto, vompiew e combate Pore sex ehicidatio exempl segue n Phne proto pla Fosconn na Chia, ulzande-se de una Intensa explore do idem, po 187-8, ® Ver, por exemple forma de Andeé Gar, O oman ct “Tanto no proatne capitulo quanto em outeas partes deste lv, fremont ica nals detahada des eomeepto, "Andre Toot, “Centra et nan-centralt ds tral ot epson ds hommes ‘supertia em Jnoques Bidet Jacaues Tex La crise tals eel Mar _aifontation (aris, Presses Unverstiares de Fran, 1005) Jett Mare Vincent “Les somaanss sociaux ete general ttellec™ Fur Arriah Parts 10, 1949, p. 121-30, e Flee travel tps usmaine™ em acc Bidet shncques Tee, at crise du trava et Ricardo Antunes, Os sera rae that © Adous ao abate. ce 12 + 0 privaigio da serdao trabalho, inclusive de trabatho ilegal de estudantes (como fol denn: clado até meseno pelo Financial Times, em 21 € 22 de novembro de 2017%, e que fol coneebido pela Apple, nos Estados Unidos. com ‘seu design, seus softwares ete., no serd capaz de mensurar a taxa Imédia de mais-valor que a levou a montar sta estrutura de produce zna China? Por que sera que a Apple ndo Fabrica seus smartphones na California? Se o mais-valor fosee mensurdvel e intangivel, essa res- posta seria um enigma ‘Mas ha um segunda ponto eritico, que diz respetto as denomina- das *soctedades pés-ndustiais”. Come indieames anteriormente, em hnossa interpretacao do Livro I de O capital, de Marx. a produicao capitalista no se resume a produgao industrial stricto senso (basta, pensar na agricultura capitalista) ¢ 0 capita! tudustrial transcende a Dprodugdo estritamente material, como vimos em sua caracterizaca0 a industria de transporte (e de outros ramos. como avmazenamento fe estocagem, telégrajos e comunicades, gés ete) ‘A chave analitica aqui, Ja o indicamos repetidamente, esta na cefetiva inteleecao de camo se desenvolve 0 processo de producao Gientro do processo de etreulagao e das attwidades que ticorporam os trabalhos imateriais. como nas escolas e universidades privadas, nos call-centers, na Industria de software e nas TICs, nas atividades de servigos como Uber, Cabily e assemethados, no transporte de mer- cadotias Tealizado pelos motoboys, entre tantos outros. & preciso, pols, investigar, empirica ¢ analiticamente, como se desenvolve © processo de produgio” dentro desses ramos e setores que se expan: dem com 6 trabalho digital ¢ informacional, quais sa0 as suas con: ddigdes de trabalho e stias efelivas relagbes com o processo de valorizacio do capital. ‘Outro exemplo emblemstico da ampliagdo da lei do valor nas csferas anterlormente consideradas ¢mprodutivas se evidencia por rmeio da tendéncia global de expansde da: terceirizacao em todos os ramos da produpéo e, em particular nas servicas. Bm nossa formu- lacie, a tercetrizagdo se tornou outro mecanismo vital do capitalism para intensificar ¢ exploragto do mais-valor, ampliando 0 espaco de {neidéneta do valor tanto na indiistria como na agricultura e, sobre tudo nas ultimas décadas, nos servicos (e em suas multiplas inter- -relagoes, anteriormente indicadas, como agroindustria e industria Ge servigos). Esse complexo mecanismo opera no sentide de aumen- tar de modo significative & massa de mais-valor extraida nesses se totes e ramos, desprezados no passado pelo capitalismo, 55 Ver Yuan Yong, “Apple's sPhone X assembled by Uys student labour”, Precio TTance, 2) nov. 2017; eheponie ep cps) foe fcom eontent/TS67ES fit eT tan PodeeDaaade>; sesso ean babe 2018 Na ‘Acxplaado do nave proletatado de sre + 53 Desse modo, além de a terceirizagao ampliar espetacularmente a extracdo de mais-valor nos espagos privades, dentro e fora das em presas contratantes, ela também inseriu abertamente a geracdo de mmals-valor no interior do servico pulblice, por melo do enorme pro- ccesso que introduziu: prticas privadas (as empresas terecirizadas © ‘seus assalariados terceirizados) no interior de alividades exyja final dade original era produzir valores soclatmente titels, como satide. educagio, previdéneia etc ‘A terceirizagdo aceletada dentro de atividade estatal, nos mais istintos setores (mpeza, wansperte, seguranca, allmentacé, p 4quisa, entre outros), incidindo tanto nas atividades administrativas ‘como, por exemplo, na area da satide, com médicos ¢ enfermeiros tercetrizados atuando em hospitals pliblicos, dentre tantas outras atividades terceirizadas que se expancem em ritmo Intenso no espa ‘0 publico, comeca a corroer por dentro a res publica, uma vez que ‘a8 empresas de terceirizagao passam a extrair mats-valor de seus ‘vabathadores terceirizados que substituem os assalartados piblicos, Nao € difiell conclutr que os desdobramentos sociats e politicos de todos os clementos que oferecemos até aqui sao enormes ¢ assumer sgrande relevincia pars © conjunto do mxindo do trabalho e, em par- ticular, para a classe trabalhadora. Podemos resum-los nia seguinte lndagacdo: 08 trabalhedores © a8 trabalhadoras de scrvicos 840, em lutina instancia, partes da classe mécia emengente ow expressio do novo proletariacio de servipes, da classe trablhadora em sta. now morflagia, do que denominet classe-que-vive-do-trabalho? E disso que trataremos no préximo item. Classe média ou novo proletariado de servigos? Partimos da hipdtese de que os trabathadores e as trabalhaderas em servigos (como call-centers, telemarketing, indistria de softwares © TICs, hotelaria, shopping centers, hipermercados, redes de fast-food, grande comércio, entre tantos outros) encontram-se eada vez mais distanciactos daquelas modalidades de trabalho intelectual que par icniarizam as classes médias e, dada a tendéneia de assalariamien- to, proletarizagao © mereadorizacao, apraximam-se daquilo que ‘denominamos nove proletariado de servicos, Sabemos que a nocéo mardsta de classe média remete a um tema, bastante complexo, que transcend a esfera da materialidade, uma vez que, para compreender a8 classes socials, € necessiirio aprender ‘uma complexa dimensfo relacional entre © mundo da objetividade ¢ 0 da subjetividade, © que se opde & unilateralizacao que, com fre quéncia, ocorre quando se discute o tema das classes sociais Nessa direeao, comecamos Indicando que as classes médias (me Ihor falar no plural) configuram um eoncelto amplo: sao, desde logo,

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