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PRESENTAGDES SOCIAIS rua Bahia em Belo Horizonte? e Caca a raposa registra um evento esportivo prati- Representagao da mulher em trés filmes do periodo silencioso brasileiro Lucilene Pizoquero ide per se através da qual uma certa cor ‘os aparecem sobrepostos, A estratégia explicita de mostrar a vida moderna ‘a nos destrogos de uma sociedade de base agréria, recentemente safda da dao e de débil regime politico republicano. do a representagio aqui enquanto um relato de algum aspecto da vida |, ou, tal como coloca Becker: “|... maneiras que as pessoas usam para con- Este artigo aborda a representacdo da mulher no contexto da historia do cine= ma brasileiro no periods silencioso, Todas as consideragdes feitas aqui sao pre= liminares, ja que as informagoes sobre os primérdios do cinema no Bi precatrias ¢ lacunares e a documentagao quase inexistente. O historia sando no periodo entre snquanto reforgam seus Ia 1a concepeao burguesa de modernidade, 1e com os valores patriareais tradicio- ficuldade de lidar com a auséncia de informagoes nao hd contradigbes ou choques, Resnviscénvcis (1909 ~ 1929)° intscencias descieve a familia Junqucira. Em um plano de cor los posando para a camera: 0 patriarca da familia, sua mulher € 0: Ant6nio de Campos. (0 filme Em familia reminiscéncias da passada: 1910-1914 esté incompleto, ‘0 que sobrou do material original é um pequeno fragmento de 274 metros cujo tulo foi atribuido a ps familia ca Brasileira. hp) wo. cnemateca gout bin/wxs exe) BECKER, Howard, Metodologia das clécias 0 voperador de an Helos Moa «Zea, Su ho, Moar et acompentac Ste nu longa etl de pe Em sepia Be informa sobre o falecimento do corone 4 Scam 3s Sem datura marca polos incdmodoesparon, vertdos som ma eoscabels cues extondios dent dechepacogn nn ne "nor le io nena eas ian orn de pete co donne tint a tessa wae SN Entre eonvidadscferencmos os merros da ffl dor notes plea ment: oshomens raja face carla ea matrlreestaveada de peop evideniar sua vive. noire cogaem um mademo autonvel compared por um omer. Os pouos euros de iuminao da poc ica ty !nagensineriores ainda assim veros una sequencer dagen qe € possi! dsinguiros novos, os patios ope ea parte super do al Certamente uma faganha para a época, uma vez. que para esse tipo de registro cram utilizadas fotografias, A préxima tomada é a da saida da cerimOnia e um longo cortejo de carros ‘com destino a residéncia familiar dos Junqueira para a realizacao da festa. Vemos, ~ curiosos nas ruas, parados diante da casa, para assistir a chegada do cortejo, A gomeentragao de diversoscaroscausavaespanto nas ras da provinciana Belo ‘zonte, Destaco, ainda, uma tomada panoriimica horizontal utilizada diver. ‘as vezes para registrar todos os convidados. “ia do casamento o filme corta par , palhagos e pierto. Ha também de criangas fanta~ i teferéncia ao perso- "TENSOES NAS REPRESENTAGOES SOCINS (08 sexos nas ruas. jando observamos as imagens das mulheres ¢ vistvel o estatuto que oct no periodo. As roupas ousadas, por um lado, parecem apontar para um camento dos costumes tradicionais. Os vestidos curtos que deixam colo e \cos aparentes, cabelos a la gargonne e 0 chapéu coco configuram um vestud: rio moderno que traduiz a nova inser¢ao da mulher na sociedade urbana. |\ partir das tiltimas décadas do século XIX, a posigao da mulher de mera ‘0 reprodutiva e materna comeca a alterar-se. Embora 0 espago puiblico, ‘masculino, as mulheres ocupam, ainda que de forma modesta maior xe. Escreve Araijo no seu estudo, A vocagao do prazer: “Nos anos 10, Iher nao repudia mais 0 corpo e o padrao de pudor nao exige que se es- lam tanto as silluetas. As saias sobem de altura mostrando 0 tornozelo na Ibida do bonde; os decotes valorizam colo e busto’’ As mulheres debrugadas janelas das casas como o filme mostra podem metaforizar 0 espaco social mediario que elas passam a ocupar na sociedade desse periodo entre @ \saea rua, No entanto, 0 velho padrao patriarcal continua presente e domina toda a en- snag. A primeira imagem centra-se em tomo do patriarca Junquetra. F da sua ue o filme fala através das cartelas: do pai e do filho sucessor. A morte ‘homens da familia aparece documentada no texto do filme. Na cena do \mento a matriarca veste negro, sinal da viuvez, como a indicar, mesmo que auséncia, a presenga masculina, A selecdo e o atranjo das imagens sao ine 108, falam do patriareado tout court. Fx puttin ~newuvascevcnss bo passavo: 1910-1914 (1914) 10 1914 (1914) esté incompleto. ilia ~ reminiscéncias do passadé dispomos apenas da primeira parte. unda cartela* ‘cena mostra uma familia carioca em si jalmente, caminham em diregau & camera, so mostrados pa que parece ser a érea externa \le criangas e mulheres brincam. Em seguida vemos a mesma familia a refeigao ao ar livre. A camera destaca planos de detalhe de um jogo de AAs imagens seguintes descrevem um casamento. 0 intertitulo informa tra: tar-se do casamento de Nitinha realizado em 2 de marco de 1912, 0 vestudrio & solene, s6brio: homens de cartola e fraque, a noiva usa um vestido longo, cor ‘mangas compridas, sem decotes e rosto coberto por véu. O casamento ¢ reali zado na Matriz do Engenho Novo", zona norte carioca, Na saida da igreja noivos € convidados posam novamente para a camera. A proxima imagem ¢ de outra familia preparando-se para o batizado de Pau- loem 2 de marco de 1913, como o intertitulo informa. Nela vemos um casal se= ‘gurando Paulo, depois um plano aproximado da crianga e uma panordmica q descreve os familiares e convidados. Uma mulher negra é mostrada seguran ‘o menino. Em seguida vemos o grupo caminhando por um pomar, Os homens olham e cumprimentam a camera. A mulher negra leva a ctianga nos brag [As cenas nao esto montadas em continuidade, 0 que acentua 0 seu aspecto. fotografico e pousado, ‘As imagens seguintes mostram outro casamento. Lemos na legenda: “Casa ‘mento de Zaira, em 25 de julho de 1914”. Na entrada da igreja, convidados e noi- vo so filmados em cortejo descendo de seus automéveis e dirigindo-se para Interior da igreja. A noiva chega em uma carruagem. Na saida vemos diversos. ccuriosos que observam o pretor. Os né sm na carruagem seguidos por ou ccartuagens e trés carros. na cena uma panoramica mostra um ccongestionamento de carruagens e automéveis nas cercanias da igre, © filme nao dé qualquer informacao sobre a relacdo entre as familias re- sgistradas. Nao sabemos se sio geragdes de parentes oui uma juncao de regis: © que podemos aferir 6 0 que esta nas imagens, ide com 0s registros fotograficos tipicos das fa século XIX ¢ comeco do XX. Esses dois primeiros film 10s € domésticos, como um dlbum familiar. A pr tro de efemérides familiares ‘Se comparado com o filme anteriormente descrito, os sinais da modernidade so menos evidentes. A mulher negra segurando a crianga, a paisage! cerimonial religioso e vetusto sao sinais que apontam para a escravidao. “TENSORS NAS REPRESENTAGOES SOCIAIS imperial. O mesmo pode-se afirmar das roupas imitativas da burguesia eu- 4a to inadequada ao clima tropical vestindo mulheres e criangas como que por uma ortopedia moral por meio da moda, como destaca o antropélogo sto Freyre: [As modlas de cores e vestidos, de enfeites de chapéus, de espartithos, de ‘penteados, eram seguidas passivamente por mulheres e senhoras elegan- tes do Brasil. E impostas, como que tiranicamente, aos flhos pequenos, vestidas inclusive, de meninas segundo modas européias para criangas. Portanto, modas, algumas delas, que, correspondendo a climas tempe- radose fios foram torturas dessas eriangas. Nao s6extravagante, para o ‘Basil, como terrivelmente anti-higiénicas, antiecoldgicas, antitopicais. [Abusos, em pleno Rio de Janeiro, de modas, para mulheres, de capa de peles para invernos franceses, de Iuvas, de outras defesas contra excessos| ‘europeus de fro, de neve, de gel. E acrescenta: (0 que nao fosse francés, nesses setores aplicadlos mulher, deixava de ser reconhecid como elegant" Vale destacar que tais residuos da ordem social rural, aristocratica e escravis- Jo sao estranhos a toda a cena descrita. Outras imagens colocam estes dois \dos (arcaico e moderno) em correspondéncia como, por exemplo, as charre- ruagens € os automévels em cortejo nas ruas de tera batida. Hé nas ima m convivio destes dois mundos que nao estdo separados, mas em convivio jlementaridade. ‘8, Cig raposa (1913), De AsTONtO DE Caos 30 filme Caga @ raposa’ registra um evento esportive da ulta sociedade formagaio dada logo no letreito inicial:“oferecida por D. Olivia Gue- nos campos do Barro Branco’. Schpun relata em seu estudo que res da familia Guedes Penteado eram amazonas conhecidas ¢ 0 evento Vee. ot 4 MEY RRITEALOEN OLE dos homens elas se sentam no cavalo de lado lornava a condugao dos cavalos mais dif hores vestidos com ternos comuns. Jima tomada mostra a saida dos cavaleiros nos portoes do Palacete, E fe diversos populares assistindo o evento. Em seguida ha uma tomada avenida Tiradentes em diregao a zona norte paulista. "As peripécias da cagada’ introduz. a cagada propriamente, Aqui mina 0 mesmo padrao que ja vinhamos vendo. A camera est posicionada (vel e mostra um plano de uma dupla de cavaleiros perseguida por a dezena de outros.'* No conjunto aparecem cavaleiros e amazonas trotando 1era. O toque dos clarins encerra a cagada. ia mostra um momento de confraternizagao entre cavaleiros zonas. Aqui predominam as panoramicas descritivas ¢ planos fixos. Grupos se mulheres sao filmados conversando. Embora a camera se movimen- igumas figuras posicionam-se mais prdximas dela, por exemplo, uma joer. her vestida de terno escuro, camisa branca com colarinho aberto, gravata frou- de caga a raposa foi oficializado a partir de 1913, como parte do calendario da Sociedade Hipica 0 que vemos entao é muito mais um desfile de membros de parte da elite paulistana da época do que propriamente uma caca a raposa. Moretti ve filme como uma rea¢ao simbélica de uma elite aristocrética ameagada diante ascensio social das familias de imigrantes na cidade. Neste sentido, ele uncio. naria como um momento construgao e eforgo de uma identidade ameagada, Seguindo esta pista, omei o filme no seu sentido performatico em que a re. presentagio nao apenas serve para afirmare dar dimensdo piiblica para esta ele te, como também para reorgar o sentimento de pertencimento a uma classe o grupo. Ou seja, o que o filme evidencia ao tornar publica uma pratica priv reservada as elites, 6 0 reforgo do sentimento de pertenca ao grupo para c tum dos seus membros. 0 filme funciona assim como um dispositive que repdie © ritual social, espécie de espelho diante do qual 0s seus membros se veem 1e-| fletidos e reveem suas posigBes na hierarqua socal, Da aestrutura recon ‘durante filmagem da cacada: 1) acamerapermanece fxa em seu melhor para registrar a passagem dos membros do grupo: 2) movimenta-se em panori ‘micas descrtiva para registrar individuos parados posando para cla. a camera & personagem para a qual todos se drigem com poses, olhare manear de cabecas et. E ela ao mesmo tempo quem faz as es ‘marcarahierarquia do grupo. Logo apés o primeiro letrero, o mecansmo recorrente se poe em agdo: acl ‘mera mostra um motorista e seu acompanhante devidamente tniformizadon ‘aguardando em posigao de sentido diante de um carro com a porta aberta. Dona Otivia Guedes Penteado e sua filha chegam acompanhadas por um homem de bigodes. las entram no carro e despedemse do mesmo, Em seguida, uma panos imica descreve os cavaleiros e amazonas en un jar ias mulheres do plano anterior aparecem sentados a continuidade com o plano anterior. AAs cenas seguintes sto de uma comitiva de cavaleiros e amazonas no interior dim do Palacete Prats. A cimera fixa ocupa uma posigao que explora a diago- ‘do quadro, de modo que vemos os “eactores” aproximando-se. Um grupo, composto por homens & cavalo, entoam cls vestidos com roupas de equita, ‘0, a8 amazonas vestem ternos e longas sis eScuras, botas,luvas e caparete os has gala e seus chapéus co seguida ocorre uma confraterizagio durante o almogo. Os convidados jo sentados ao redor de uma longa mesa retangular. Quatro planos em descrevem os convivas em volta da mesa. Aqui como nas cenas solhares buscam a cimera. O letreiro seguinte anuncia a distribuigao dos ios. Vemos uma mesa ao ar livre onde ¢ servido o café, nao hd nenhuma 10s ganhadores da cacada, tampouco a dona Olivia Guedes Penteado. O 1s sdo grupos de homens e mulheres juntos tomando café, conversando, ‘a sequéncia inicia-se com o letreiro: “A volta da cagada: na Ponte Grande”. ‘homens e mulheres andando ¢ cavaleiros montados. Prates como ponto de parti do film fundador e primeiro da Sociedade H ciativa de seu fitho Guilherme Prates e outros amigos."* Na Sao Paulo do lo XX 0s esportes sao introduzidos na cidade pela iniciativa dos imigran- 13 SCHPUN, Moni Sto Paulo: item 14 MORETTIN, Eduardo Victor. Di 0. Revista Brera de a Rasa. Op. Ci p57. 15 Provavelmentes Maria que amb era amas se esforcavam para lembrar tudo 0 que ¢ fino rico e inacessivel a populagao. ‘absorvem o "novo" para a composicao de uma imagem de uma classe dirig ‘que so tem olhos para o futuro e se afasta do modelo rural identificado pelos ios meios como tradicional.” ing na Europa © nos Estados Unidos, as brasileiras tambem, vindicaram espagos de poder como, por exemplo, voto feminino. Uma representantes do feminismo nativo foi dona Olivia Guedes.” Segundo Ju 1esas ampliaram o espago para a p igualdade passava pela possibilid 10 fosse compativel com as ativid de esposa e mae. Elas passam também a questionar doméstica como a esfera publica, uma vez que as responsaveis nas questo noral e comportamento eram exercidos no interior dos lares pelas maternas.* O que confirma o papel que a mulher do inicio do século XX para: modernizagao da sociedade brasileira. icente de Paula Atadju na pesquisa Saloes, ctrcos e cinemas de Sao Paul \clui Caga a Raposa entre os exibidos em Sao Paulo no segundo semestre. 1913. O evento também se desdobrou na midia i publicagao de fotos na revista Careta de 12 ¢ 19 de 10S imagens de cavaleiros e amazonas na aver apés a ‘chaisse da rapoza’ Segundo ele: “Captados em movimento ok ‘em pose, existe uma clara consciéncia de que um teatro estava sendo monta- do, requerendo de cada paitivipaute uina performance coesa aos ideas de seu grupo" E preciso atentar neste caso que diferente dos filmes anteriores a mulher aq ‘goza do mesmo estatuto representacional dos homens. Isto é, elas nao esto cule dando de criangas, casando-se ou acompanhadas dos seus maridos. Ao contrario. "TENSOES NAS REPRESENTAGOES SOCIA ‘ostradas conversando com os homens, tomando café, montando e patro- jando o evento, As tomadas em panordmicas horizontais contribuem visual- 1e para assegurar este estatuto. fato, para o grupo de mulheres da atistocracia paulista as praticas es- ivas constittem um estilo de vida que prevé um espaco de integracao de nculos através de seus circulos familiares. Apesar da pratica da equitagao es~ 3, 0 esporte niio ¢ igualitario. Nos campeonatos (0 mais numerosos que as amazonas. Mas, a0 ‘rio do que ocorre em outros esportes, montar a cavalo pode fazer parte s atividades femininas. ‘Constpemagoes Foun (0 proceso de urbanizagao dos grandes centros urbanos, como Belo Hori- Rio de Janeiro e Sao Paulo, foi um importante fator de transformagao mais dindmica proporcionou formas renovadas de sociabi relagao entre homens e mulheres. 1ema foi um importante elemento pedagogico de difusio de costumes e 108, Na medida em que se popularizava como diversio, sofreu um pro- le respeita a representagdo 0 que vemnos € o relato de fa. As familias, como as retratadas nos filmes, queriam alinhar- ‘com a modernidade das primeiras décadas do novo século e para isso recor- m.aos filmes. registro das efemeérides familiares pelas imagens em movimento conferiam. er se um ar de modernidade a que almejava estas mesma elites. As representa- Jes neste sentido so inequivocas na sua intencdo. Flas selecionam 0 que que- jstrado, manifestam pelos acenos pata a cimera uma inigualavel sncla da representagao a que se expdem. Se os comparamos com 0 que ‘aser 0 cinema apés a década de 1920 perdemos exatamente aquilo que eles iares ou representagOes sociais de um modo de vida. a, este desejo pelo moderno nao deixou de registros fa :nto, como ja destaquei, Srcio 03:

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