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[Fotografia/personalidade 1] | A capa invisível

Inês Machado nº29 10ºC


18 de junho de 1940, França

Querido diário,

Estamos neste momento a quase dez meses de guerra e perseguição às raças como judeus, ciganos,
negros...praticamente tudo que não seja a “raça perfeita”, conhecida como raça ariana. Como tal, iniciou-se a
« Circular 14» dirigida aos representantes de Portugal no estrangeiro que ordenava a suspensão de vistos a
russos, judeus, polacos, apátridas e outros que eram perseguidos pelo regime nazi.

Sou a Anastazja, uma rapariga de 15 anos, filha de judeus e estou neste momento com a minha mãe, num
esconderijo em Bayeux, na França.

É estranho para mim estar num esconderijo sendo que deveria, nesta época, como todos os anos, passear nas
alegres ruas portuguesas junto com o resto da minha família durante as férias ou então possivelmente no belo
«Jardin Public de Bayeux» com os meus amigos a desfrutar de um delicioso lanche a escutar o doce som da
natureza. O que daria por ter esses tempos de volta... agora, devido ao começo de uma odiosa guerra que nos
atormenta diariamente, já não sinto o sol aquecer-me a face nem a brisa suave de uma manhã de verão...
sinto apenas um vazio, um vazio escuro e frio que deseja desaparecer. Mas hoje, hoje será diferente. Neste
dia irá iniciar-se uma nova jornada na minha vida, uma etapa que anteriormente me parecia distante.

Lembro-me de me deitar todos os dias na pequena e áspera cama do esconderijo e sonhar sempre com o
mesmo – Juntar-me à minha restante família em Portugal e finalmente escapar às mãos maldosas dos nazis.
Mas isso nunca tinha passado de uma fantasia até o atual 18 de junho, quando descobri que nem todos os
heróis usam capa.

Por volta das 14h45 desci as escadas e reparei, no cimo da pequena mesa de madeira no espaço de
alimentação uma carta. Deparando-me com o conteúdo da mesma, vi que o meu sonho se tornou realidade.
Alguém emitiu-me a mim e à minha mãe um visto para a entrada em território nacional português mesmonós
sendo judias. A partir desse momento, herói não era mais a figura que porta um vislumbante fato e uma
enorme capa, é aquele que se destaca por um ato de extraordinária vaelntia, coragem, força de carácter,
aquele que se arrisca pelo bem. É o senhor Aristides de Sousa Mendes, o meu herói, o responsável pelo papel
que nos salvou da guerra e da saudade. Saímos de França.

Quando chegamos a Lisboa eram por volta das 21h00 e por isso já se avistava a noite escura na dita “Avenida
Cristo Rei”, nome este que me recordou de uma parte da morada escrita no envelope da carta que recebemos
ainda em França com a seguinte frase ao lado “Abrigo da humanidade-ASM” Como tal, deduzi que seria o local
onde poderiamos ficar até chegar o meu pai e levar-nos para junto dos restantes familiares em Sintra.
Tocamos à campainha e abriu-nos a porta um homem alto e magro que ao ver o papel que ainda estava na
minha mão sorriu e disse “Bem vindas a casa”. Entramos e foi-nos servido jantar e fomos orientadas de todos
os procedimentos para de manhã quando partiriamos. Dirigiu-nos a um quarto onde passariamos a noite e
amigávelmente se despediu e, quando estava perto da porta para a fechar disse-lhe: “Obrigada senhor, pelo
seu gesto de simpatia. Sou a Anastazja e a minha mãe é Eva, poderia saber o seu nome?” Nisto ele sorriu para
mim e disse “«a ressurreição», já li sobre o significado do teu nome, jovem, chamou-me logo atenção quando
o vi. Eu sou Aristides de Sousa Mendes, quem emite os vistos para a entrada de estrangeiros em Potugal”. Fez
uma pausa e continuou “amanhã... amanhã será a ressurreição, aqui estão em segurança.” Após estas
palavras, fechou a porta sem me dar oportunidade de responder. Nisso eu suspirei, feliz, abracei a minha mãe
que já estava adormecida e deite-me junto dela e agradeci a Deus, dizendo:

-Obrigada Senhor, por me mostar um verdadeiro herói”.

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