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Rev Alfasol5Times - PMD
Rev Alfasol5Times - PMD
5 – Nº 5 – 2005 – Anual
ISSN 1519-9096
2005
Vol. 5 – Nº 5 – 2005 – Anual
ISSN 1519-9096
APOIO: UNESCO
CONSELHO CIENTÍFICO
Conselheiro Universidade
Eliane de Moura Silva UEPB
Ivanilde Moreira de Souza Fac. da Fund. Educ. de Mococa
Luiza Helena Marangoni Fac. Presidente Antonio Carlos
Maria Conceição Christófoli PUC/RS
Maria de Fátima Chassot Universidade Mackenzie
Maria Valdelis Nunes Pereira UNIVAP
Vilvia Bentes Guimarães Universidade da Amazônia
PARECERISTAS
Celso de Rui Beisiegel – Professor Titular do Departamento de Filosofia da Educação
e Ciências da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Cláudia Lemos Vóvio – Coordenadora do programa de EJA da Ação Educativa
COMISSÃO EDITORIAL
Regina Célia Esteves de Siqueira
Ofelia Lopes Ferreira
Edneia Gonçalves
Maria Stella Nogueira
Renata de Menezes Nogueira
Margarete Rose Rodrigues
REALIZAÇÃO:
Alfabetização Solidária
São Paulo (SP)
Rua Pamplona, 1005 – Jardim Paulista – CEP 01405-001
Brasília
SAS – Lote 4 – Quadra 5 – Bloco K – 3º andar – Edifício OK Office Tower – CEP 70070-000
Home page: www.alfabetizacao.org.br – e-mail: alfabetizacao@alfabetizacao.org.br
Unimarco Editora
Presidente: Luciane Miranda de Paula
Editor: Reynaldo Damazio
Diagramação: Regina Kashihara
Revisão: Reynaldo Damazio
Anual
ISSN 1519-9096
Apresentação 5
Artigos
O aluno de EJA: jovem ou adolescente? 7
Shirley Costa Ferrari, Suely Amaral
Necessidades básicas de aprendizagem na alfabetização de adultos:
estudo de dois casos no distrito de Marracuene 15
Rosalina Rungo
Alfabetização é importante para se ser alguém: percepções de
programas de alfabetização de adultos em Moçambique 25
Johanna van der Linden
Novas práticas de trabalho, novas práticas de leitura e escrita
e novas identidades: mudanças para uma “nova cultura de trabalho”
numa fábrica de refrigerantes em Maputo 41
Domingos Buque
A perspectiva sócio-histórica na alfabetização de jovens e adultos 59
Silviane Barbato
Alfabetização de jovens e adultos: experiências vivenciadas 73
Ocsana Sonia Danyluk, Carmen H. Peixoto Gomes, Magda Inês Luz Moreira
Educação de jovens e adultos: novas paisagens em um curso de
formação de professores estaduais 87
Carmem Rodrigues, Cláudia P. Aristimunha, Christiane Martinatti Maia,
Maria Fani Scheibel, Silvana Lehenbauer
Cooperação Sul-Sul em alfabetização: rumo ao
desenvolvimento humano 103
Michelle Morais
Dez elementos para quem quer ter êxito como professora
ou professor 115
Paulo Ghiraldelli Jr., Francielle Maria Chies
Normas para publicação 125
Apresentação
Numa sociedade como a nossa, cujo valor social dado à escola é muito
grande, o fato de uma pessoa não ter estado na escola, numa fase em que
deveria estar, é uma marca distintiva como a da pobreza, é característica da
condição de subalternidade, da exclusão oriunda de suas raízes culturais,
Referências bibliográficas
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RUBINSTEIN, L. S. El desarrollo de la psicologia: principios y metodos.
Habana: Editorial Pueblo y educación, 1979.
Rosalina Rungo1
Introdução
oçambique é signatário da “Declaração Mundial de Educação Para
M Todos”, que define que a educação básica, incluindo a alfabetização
deve ser dirigida à satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de
todos os beneficiários, designadamente crianças, jovens e adultos. Estas
necessidades básicas de aprendizagem compreendem, por um lado, os ins-
trumentos essenciais para a aprendizagem, por exemplo, a leitura, a escrita, a
expressão oral, o cálculo, a solução de problemas etc. e, por outro lado, o
conteúdo básico de aprendizagem, por exemplo, conhecimentos, habilidades,
valores e atitudes necessários para que os homens possam sobreviver, desen-
volver plenamente as suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade,
participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida,
tomar decisões informadas e continuar aprendendo.
Este artigo é apenas um resumo de uma tese realizada com a finalidade
de obter o grau de mestre em ciências de educação, com especialidade em
educação de adultos, assim, a maior parte das referências bibliográficas está
na tese completa (Rungo, 2004).
Problema e objectivos
Embora signatário da “Declaração Mundial de Educação Para Todos”,
nas aulas de alfabetização de adultos constata-se que as necessidades básicas
Contexto
Com uma herança de cerca de 93% de analfabetismo após a independên-
cia em 1975, o governo moçambicano comprometeu-se em tornar a educação
acessível para todos os cidadãos nacionais e como forma de operacionalizar
esse objectivo nacionalizou a educação, e em 1978 promoveu a campanha
nacional de alfabetização como forma de prover a educação àquelas popula-
ções que outrora não tiveram acesso (Lind, 1988).
A campanha de alfabetização de adultos, juntamente com o alargamento
do ensino primário, reduziu drasticamente, cinco anos depois, a taxa de
analfabetismo para 72% (MINED, 1993).
Não obstante, a guerra civil que fustigava o país anulou os esforços do
governo de prover a educação a todas a camadas sociais, com a destruição
indiscriminada de infra-estruturas escolares, que teve como consequência a
diminuição do nível de participação nas actividades de alfabetização e noutros
subsistemas de educação de uma forma geral.
Enquadramento teórico
A evolução histórica no contexto mundial da alfabetização foi marcada,
entre 1945 e 1964, pela definição de alfabetização, que fazia referência à
capacidade de leitura e escrita de um enunciado curto e simples, relacionada
com a vida quotidiana.
A necessidade de transformar a alfabetização num instrumento efec-
tivo de desenvolvimento social, económico e cultural, determinou uma
nova abordagem de alfabetização: a abordagem de alfabetização funcio-
nal. Nesta abordagem destacaram-se programas de alfabetização de índo-
le económica. Nesta base, em 1965 a Conferência Mundial dos ministros
de educação em Teheran estabeleceu que a alfabetização funcional deve-
ria: “não ser limitada ao ensino da leitura e da escrita, mas também incluir
Resultados
As entrevistas realizadas permitiram agrupar as representações dos alfabe-
tizandos do 1º ano acerca das suas necessidades básicas de aprendizagem e
suas motivações, a partir de categorias desenvolvidas na Conferência Mundial
sobre Educação para Todos (1990), nomeadamente:
• Sobreviver, ao considerar a necessidade de alfabetizar-se para ter emprego,
melhorar a produção e melhorar a renda;
• Desenvolver plenamente suas potencialidades, por considerarem a
necessidade de saber falar português, saber ler e escrever, aprender a
fazer contas no papel, aprender coisas da vida, não depender dos outros,
“abrir a cabeça” e “abrir a visão”;
• Viver e trabalhar com dignidade, ao considerarem a necessidade de ter
emprego melhor, ser respeitado e não ser enganado. Participar plenamente
do desenvolvimento, na medida que consideram a necessidade de alfabe-
tizar-se para participarem das reuniões dos filhos nas escolas e participar
das reuniões da comunidade;
• Melhorar a qualidade de vida, porque para os entrevistados alfabetizar-se é
condição para educar os filhos, para resolver os problemas, escrever
documentos e conhecer as épocas do ano que ocorrem doenças;
Conclusão
Os resultados da pesquisa chamam atenção para a necessidade dos refor-
ços sociais, económicos e pessoais que motivam os adultos a ter necessidade de
alfabetização, que se traduzem em: falar, ler, escrever; compreender a língua
portuguesa e fazer contas, porque a alfabetização constitui uma necessidade
percebida como instrumento que facilita o seu ingresso numa “sociedade letra-
da”, que lhes permitirá resolver de modo autónomo os problemas do dia a dia,
com vista a sobrevivência e participação na vida da sociedade, deste modo,
fortalecendo-os e permitindo viver e trabalhar com dignidade e melhorar a
qualidade da vida.
Os resultados também sugerem que a aprendizagem na alfabetização de
adultos poderia partir de situações reais em que estes percebem que lhes faltam
Notas
1 Centro de Formação de Quadros de Alfabetização e Educação de Adultos
Matola, Moçambique.
2 A data da pesquisa e da sua publicação não está especificada, mas supõe-se que
seja na década 90.
3 Um mecânico reparou sete motas numa semana. Depois reparou seis motas.
Quantas motas reparou ao todo?
Referências bibliográficas
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valdosta.edu/whuitt/col/regsys/maslow.html>. Acesso em: 04 dez. 2003.
Pessoas adultas que não sabem ler e escrever, mas, apesar disso, não
assistem às aulas de alfabetização são consideradas como participantes
“potenciais” destas aulas. Espera-se que a análise das suas percepções possa
inspirar uma abordagem para tornar participantes potenciais em participantes
verdadeiros. Em geral, os resultados do projecto contribuirão para o desen-
volvimento de programas de alfabetização e educação de adultos pertinentes
e acessíveis, que não apenas ensinam os participantes como ler e escrever,
mas também os ajudam a sair da pobreza, consoante as palavras do Director
Nacional, e a usufruir duma vida condigna como membros da sociedade.
Assim, o projecto enquadra-se no tema desta revista: alfabetização e educa-
ção de adultos só pode ter um papel relevante no desenvolvimento humano se
os programas servirem para responder às necessidades básicas (de aprendi-
zagem) dos seus participantes, como ser humano e membro da comunidade.
Este artigo discute os conceitos, a metodologia e os resultados na perspectiva
de desenvolvimento humano, do ponto de vista dos participantes e partici-
pantes potenciais de aulas de alfabetização.
Barreiras de aprendizagem
Apesar de os entrevistados concordarem com a importância da alfabeti-
zação, nem todos participam em programas de alfabetização. Em ambas as
províncias de Maputo e Nampula a maioria dos participantes são mulheres,
embora certamente existam homens que precisam aprender a ler e escrever.
Os respondentes mencionaram diferentes barreiras, tanto externas (exterio-
res à pessoa) como internas (interiores à pessoa), para participar nas aulas.
Primeiro, referiram-se a barreiras externas relacionadas com as condições
socioecónomicas em que cresceram: “os meus pais não tinham condições
para custear os meus estudos” (homem, 31). Em muitas famílias não havia
dinheiro para matricular os filhos ou outros membros da família na escola ou
a escola, simplesmente, não tinha prioridade: “os meus pais eram analfabetos
e eu tinha que fazer trabalhos domésticos” (mulher, 34). A guerra e os conflitos
armados também impediram os estudos: “só agora tenho tempo. No período
da guerra era militar do destacamento feminino” (mulher, 45), “a guerra
afectou muito, os bandidos raptavam alunos e assim os meus familiares pedi-
ram para eu deixar de estudar” (homem, 31) e “parei por causa da guerra:
a guerra fez-nos abandonar Macia e procurar condições de paz em Maputo”
(mulher, 30, mercado de Maputo). Para os participantes potenciais, que são
os que ainda não frequentam as aulas, a falta de tempo e de condições é até
agora o factor mais importante. Falta de tempo significa que a pessoa “ocupa
todo o tempo na procura de renda para alimentar os filhos” (mulher, 30,
mercado de Maputo), ou em actividades sociais que os deixam sem tempo para
Notas
1 Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique.
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LIND, A.; JOHNSTON, A. Adult literacy in the third world. A review of
objectives and strategies. Stockholm: SIDA, 1990.
Domingos Buque1
Introdução
oçambique é considerado um dos países mais pobres do mundo. O
M analfabetismo e o desemprego são dois dos vários factores que flage-
lam a sociedade moçambicana. As mudanças vividas no mercado laboral,
como resultado da privatização e restruturação de várias companhias nacio-
nais, têm conduzido milhares de trabalhadores para o desemprego, deixando
muitos deles sem oportunidades de se empregarem de novo devido, em
parte, às suas baixas qualificações académicas. Alguns dos que continuam
nos seus postos de trabalho experimentam mudanças na forma do trabalho
que exercem. Tais mudanças são no âmbito do local de trabalho pós-fordis-
ta, em que os trabalhadores já aparecem como “associados”, “parceiros”
ou “trabalhadores dotados de conhecimento”; agora, os seus chefes são
líderes e os gestores intermédios (middle managers) são “chefes de equi-
pa” (Gee et al, 1996: 26); “liberalização”, “empoderamento” (empower-
ment), “confiança”, “visão”, “colaboração”, “equipas”, “aprendizagem
auto-direccionada”, “qualidade”, entre outros, são os termos que incorpo-
ram a linguagem do novo local de trabalho no discurso dos gestores (ainda
Gee et el, 1996: 29).
Este artigo é o resumo da tese submetida ao Departamento de Educação
na Faculdade de Humanidades na Universidade de Cape Town, para a obtenção
Revista da Alfabetização Solidária – vol. 5 – nº 5
41
Novas práticas de trabalho, novas práticas de leitura e escrita e novas identidades – p. 41-58
do grau de Mestre em Educação, depois de dois meses de estudo ao local de
trabalho seleccionado como foco da investigação.
O estudo foi levado a cabo numa fábrica de refrigerantes, a qual é desig-
nada Moz Soft Drinks2. Na fábrica, localizada na província de Maputo, no
Sul de Moçambique, existem duas linhas de produção de refrigerantes. Numa
das linhas, o trabalho é quase totalmente automatizado, enquanto que, na outra,
parte considerável do trabalho é feita manualmente. Castells (1993) observa
que a produtividade e competitividade no sistema global capitalista contempo-
râneo cada vez mais dependem da aplicação da ciência e da tecnologia no
processo de produção. Isto sugere que o local de trabalho estudado está em
mudança, já que o processo de produção quase totalmente automatizado está a
substituir aquele em que parte considerável do trabalho é manualmente, com o
fim de aumentar a produtividade e a qualidade.
Era intenção da pesquisa verificar, através de um estudo de caso, se os
ventos da globalização, no que diz respeito à adopção de uma nova cultura de
trabalho, pós-fordista, já se fazem sentir em Moçambique.
Quadro teórico
Nas últimas duas décadas testemunha-se a uma vaga de investigação
oposta a convicções popularizadas de que a alfabetização3 é algo autónomo
que conduz simples e rotineiramente a resultados sociais positivos. Vários
estudos têm mostrado que a alfabetização não pode ser dissociada do contexto
social em que tem lugar.
Street (1984), um antropólogo, desenvolveu uma abordagem para o
estudo da alfabetização como uma prática social situada, à qual designou de
“modelo ideológico de alfabetização”. Esta abordagem desafia as concepções
populares e prevalecentes, segundo as quais a aquisição da alfabetização
pelos indivíduos e sociedades sempre conduz a resultados sociais positivos.
Na mesma obra, Street (p. 1-2) caracteriza essas concepções como corpori-
zando uma visão autónoma, isto é, a alfabetização é tratada em termos técnicos
como uma variável independente que pode ser separada do contexto em que
tem lugar, e também no sentido de que traz resultados sociais e consequências
cognitivas que podem ser derivadas do seu carácter distintivo e intrínseco.
O modelo ideológico de Street, por outro lado, vê a alfabetização como
Questão de pesquisa
O propósito da investigação era (1) identificar as práticas de leitura e
escrita associadas ao trabalho dos operários4 da fábrica de refrigerantes nas
duas linhas de produção, e (2) examinar tais práticas por forma a determinar
como é que os operários respondem às exigências do trabalho no que diz res-
peito às práticas textuais5 assim como às práticas sociais e identidades laborais.
Assim, a questão de pesquisa deste estudo é: Como é que as práticas de
leitura e escrita, as práticas sociais e identidades dos operários respondem às
exigências do “novo local de trabalho”, neste caso particular?
Metodologia
Este é um estudo qualitativo e é predominantemente levado a cabo numa
abordagem etnográfica, cujo objectivo é construir uma etnografia, que pode
ser descrita como dados da antropologia cultural derivados da observação
directa do comportamento numa sociedade específica. A realização, relato
e avaliação dessas observações são tarefas do investigador (Babbie & Mouton,
Recolha de dados
Esta etnografia recorre a uma abordagem triangular, isto é, a múltiplos
processos de recolha de dados, visando revelar diferentes aspectos de uma
realidade empírica (Denzin, 1978: 28). Os dados provêm de uma combinação
de abordagens metodológicas – observação directa, entrevistas não estruturadas
assim como estruturadas (gravadas em áudio e posteriormente transcritas) e
análise de documentos disponíveis no Departamento de Recursos Humanos
da companhia estudada. As observações e as entrevistas foram registadas,
respectivamente, em notas de campo e transcrições.
As entrevistas não estruturadas foram usadas numa primeira fase do
projecto e providenciaram uma visão geral do local de trabalho estudado.
Aplicou-se depois o outro tipo de entrevista por forma a construir uma visão
mais detalhada do fenómeno trabalho, práticas textuais e identidades na Moz
Soft Drinks.
As entrevistas gravadas em áudio, depois da sua transcrição, foram
mostradas aos entrevistados para aferição da sua fidelidade.
População e amostra
Era intenção observar e envolver na pesquisa todos os operários quando
engajados no processo de produção. Contudo, devido a constrangimentos de
tempo só foi possível entrevistar 1/3 dos cerca de oitenta operários (aproxi-
madamente sessenta inspectores de garrafas; os restantes são operadores de
máquinas e condutores de empilhadeiras) do sector de produção. Pensa-se que
este número é representativo para os propósitos deste estudo: foram entre-
vistados quatro operadores de máquinas das linhas A e B, dois condutores de
empilhadeiras, um de cada linha, e dezoito inspectores de garrafas, seis da
linha A e doze da B. A selecção dos entrevistados baseou-se em dois critérios.
Primeiro, o entrevistado tinha que ser um trabalhador interessado em partilhar,
Análise de dados
A análise de dados consistiu de interpretações de notas recolhidas
durante as observações, transcrições de entrevistas e documentos da compa-
nhia por forma a identificar e determinar convergências e divergências, o que
poderá enriquecer a validade e fiabilidade do estudo (Babbie & Mounton,
2001). A informação colhida através de diferentes métodos foi manuseada
‘triangularmente’: foi recorrentemente confrontada e interpretada. A análise
de dados foi contínua durante o período de recolha dos mesmos. Neste perío-
do, desenvolveu-se, discutiu-se e testou-se hipóteses sobre o que ia sendo
encontrado no terreno. Esta opção permitiu não só a construção de uma melhor
compreensão dos fenómenos à volta das práticas textuais e trabalho na
fábrica seleccionada para a investigação, como também maior confiança na
análise formal dos dados depois do processo da sua recolha.
Apresentação de resultados
De acordo com a natureza do estudo, que se centra em seres humanos
protagonistas de práticas de trabalho e práticas textuais, e com conhecimentos,
crenças e desejos específicos, os resultados são predominantemente apre-
sentados em formas de narrativas. Efectivamente os trabalhadores contam
histórias sobre eles mesmos como actores sociais que interagem numa comu-
nidade de prática – o local de trabalho. Apenas se enriquece tais narrativas
com comentários, de acordo com a literatura revista e perspectivas teóricas
desenvolvidas no estudo.
Conclusões
A pesquisa visava determinar até que ponto as práticas de trabalho, as
respectivas práticas de leitura e escrita, e as identidades, no seio dos operários
do sector de produção da fábrica estudada, correspondiam às exigências do
novo local de trabalho.
Foi documentado que o trabalho é levado a cabo em equipas. Colabo-
ração, flexibilidade, auto-fiscalização, auto-regulação são características
da nova cultura de trabalho já visíveis no seio dos operários da Moz Soft
Drinks. Embora a companhia denote mudanças, no geral mantém aspec-
tos tradicionais no que se refere a funções e relações entre a direcção e os
operários. Tais aspectos moldam e impõem as práticas de trabalho e, con-
sequentemente, as práticas de leitura e escrita: a direcção decide e quer
que os trabalhadores obedeçam.
Neste contexto, o trabalho está organizado de tal forma que a maioria dos
operários do sector de produção – inspectores de garrafas, operadores de
Notas
1 Departamento de Educação de Adultos – Universidade Eduardo Mondlane.
E-mail: domingos.buque@uem.mz
2 “Moz Soft Drinks” é um pseudónimo usado para fazer referência à fábrica ao
longo deste documento.
3 Este termo é aqui usado como correspondente a “literacy”, cujo sentido, no âmbito
dos novos estudos de alfabetização (New Literacy Studies), é mais vasto,
significando aquisição, prática e desenvolvimento significativos da linguagem
escrita, como factor chave para a satisfação das necessidades de aprendizagem
em circunstâncias específicas (ver, por exemplo, Torres, 2003).
4 A investigação incidiu particularmente sobre os operários do sector de
produção (inspectores de garrafas vazias e cheias, operadores de máquinas
– paletizadora e despaletizadora, empacotadora e desempacotadora,
enchedora, capsuladora).
5 “práticas textuais” no sentido de uso e produção de textos escritos associados ao
trabalho na fábrica.
Referências bibliográficas
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PRINSLOO, M.; BREIER, M. (1996). The social uses of literacy: theory and
practice in contemporary South Africa. South Africa: Sached Books (Pty) Ltd.
Silviane Barbato1
Introdução
ste texto tem por objetivo discutir os conceitos e as possíveis aplicações do
E enfoque sócio-histórico, fundado por na primeira metade do século XX,
como princípios sobre os quais podemos basear a organização do processo de
ensino-aprendizado nas salas de alfabetização de jovens e adultos. Apesar de
Vygotsky não ter tratado do desenvolvimento adulto nem dos problemas relacio-
nados à educação de jovens e adultos, pensamos que muitas das construções
teóricas que elaborou podem nos ajudar a discutir as práticas de ensinar-aprender
em salas de alfabetização e as práticas de formação de alfabetizadores que
associamos hoje em dia a concepções de letramento e ao ensino a partir de textos.
Vygotsky e seus colegas queriam construir uma psicologia do desenvol-
vimento diferente, uma psicologia em que fossem reconhecidas as relações
entre a história da nossa espécie, a história da cultura na humanidade e a
história de cada um de nós ao longo de nossas vidas, relacionando desenvol-
vimento com cultura e, portanto, com processos sociais, interacionais, e com
o ensinar-aprender. Assim, foi fundado um paradigma da psicologia do
desenvolvimento que se interessa pela formação de significados e por pro-
cessos de mudança. Nos desenvolvemos transformando nossos significados
nas culturas em que nascemos e das quais participaremos.
Seguindo nosso objetivo inicial, se pensarmos a educação e as possibilida-
des de aprendizado em sala de aula, podemos perguntar: Como se constrói um
ensino-aprendizado significativo? Como provocamos mudanças?
3. O que é medicação?
Vygotsky trata o conceito de mediação como instrumental e semiótica.
Além disso, trata como mediadora a atuação do educador que planeja e
executa com seu aluno atividades que o ajudam a se desenvolver e a aprender.
A mediação é um conceito central na perspectiva sócio-histórica, pois é
definida pelo contexto situacional da cultura. Assim, podemos afirmar que
somos, também, o produto dos processos mediacionais de nossa cultura.
No desenvolvimento de sua teoria, Vygotsky procurou estabelecer um
elemento que possibilitasse a relação entre o que está nos ambientes de nossas
interações e nossos processos psicológicos, que fosse equivalente à unidade
de trabalho no fazer humano.
A partir da leitura das obras de Marx e Engels, estabelecera que o traba-
lho era um tipo de atividade que transformava a natureza a partir da utiliza-
ção de instrumentos: o machado era utilizado para cortar a madeira que era
usada para construir, sempre com a utilização de instrumentos apropriados, a
casa, os móveis etc. O homem então se relaciona com a natureza indireta-
mente por meio de instrumentos. A este tipo de relação Vygotsky denominou
mediação instrumental.
5. Conclusão
Neste texto, procuramos apresentar a perspectiva sócio-histórica da
psicologia do desenvolvimento, a partir, sobretudo, do trabalho de seu
fundador Vygotsky, tentando relacionar alguns conceitos discutidos por
ele com as possíveis aplicações para o planejamento, desenvolvimento e
avaliação de atividades para o processo de ensino-aprendizado de alfabeti-
zandos jovens e adultos. Esta aplicação é estabelecida a partir do reco-
nhecimento desses conceitos como princípios orientadores para o fazer
em sala de aula, procurando-se entender e criar oportunidades para a cons-
trução de significados pelos participantes das aulas de alfabetização, edu-
cadores e alfabetizandos, que possibilitem mudanças no conhecimento.
O desenvolvimento-aprendizado da leitura e da escrita para os teóricos
dessa perspectiva está relacionado às funções e aos usos da escrita nas
comunidades a que pertencemos.
Quando contemplamos nosso trabalho pedagógico a partir dessa pers-
pectiva nos apropriamos do conceito de letramento e percebemos que con-
tinuamos a ter a necessidade de sermos criativos, mas podemos utilizar
materiais mais diversificados para o ensino da leitura e da escrita:
• O texto passa a ser o eixo para o desenvolvimento da leitura e da
escrita. O trabalho estará centrado em textos diversos e na produção
de significados nas práticas de leitura e escrita em situações sócio-
comunicativas diferentes.
Referências bibliográficas
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KOTSCHO, R. Paulo Freire e Frei Betto – Essa escola chamada vida.
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______. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Resumo
este artigo, apresentamos parte de nossa vivência em pesquisas reali-
N zadas, o que possibilitou acompanhar pessoas adultas pouco ou não
escolarizadas. Nos estudos indagamos sobre o modo como elas conseguem
se expressar em termos de leitura e de escrita da linguagem matemática e
como resolvem situações-problema que exigem conhecimentos matemáti-
cos. Os sujeitos da pesquisa foram operários da construção civil que traba-
lhavam como azulejistas, serventes de pedreiro, preparadores de argamassa
e, em outras atividades dentro do campo da construção civil; homens e mu-
lheres, de várias profissões, que freqüentavam uma classe do Movimento de
Alfabetização (Mova) em 2002 e uma classe de Educação de Jovens e de
Adultos em 2003. Ancoramos nossa pesquisa na modalidade qualitativa, e a
opção metodológica foi a da abordagem fenomenológico-hermenêutica.
A seguir mostramos, de modo sucinto, nossas compreensões sobre a leitura e
a escrita da linguagem matemática e evidenciamos, também, a utilização de
recursos tecnológicos na educação de jovens e de adultos.
Texto
Retomando as informações coletadas e as interpretações realizadas, na
impossibilidade de trazermos, aqui, toda a experiência, escolhemos neste texto
10 + 10 + 10 + 10 + 10 + 10 + 10 = 70
42 + 70 = 112
Para essa mesma situação, Ivo usou outro algoritmo: multiplicou dezes-
seis por três, do que resultou quarenta e oito; a seguir, adicionou quarenta e
oito com quarenta e oito, encontrando noventa e seis; em seqüência, adicionou
dezesseis a essa quantidade, tendo obtido as cento e doze páginas. Ivo repre-
sentou seu cálculo da seguinte maneira:
Considerações finais
Podemos afirmar que conseguimos estabelecer momentos ricos de
intersubjetividade em nossos atos intencionais, nas atividades de pesquisa
que desenvolvemos junto com adultos não escolarizados. Ao trabalharmos com
essas pessoas, enriquecemo-nos por conhecermos múltiplos saberes de que elas
são detentoras. Ao mesmo tempo, conseguimos possibilitar-lhes, em muitos
momentos, o resgate de sua auto-estima e, especialmente, o fortalecimento de
sua cidadania, ao darmos liberdade para que esses sujeitos resolvessem
situações matemáticas, procurando a resposta certa, utilizando-se de vários
processos ou caminhos, diferentemente do que ocorre, em geral, no ensino
formal da matemática, em que o aluno tem de apresentar, seja oralmente ou
por escrito, a resposta de uma situação desafiada pelo professor, utilizando o
mesmo processo usado por esse.
Notas
1 Professora e pesquisadora da Universidade de Passo Fundo.
2 Professora e pesquisadora da Universidade de Passo Fundo.
3 Professora e pesquisadora da Universidade de Passo Fundo.
Referências bibliográficas
BELLO, A. A. A fenomenologia do ser humano: traços de uma filosofia do
feminino. Trad. Antônio Angonese. São Paulo: Edusc, 2000.
DANYLUK, O. S. Educação de adultos: ampliando horizontes de
conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 2001.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se complementam.
São Paulo: Cortez, 1984.
LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, L.
S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem e desenvolvimento da
Carmem Rodrigues1
Cláudia P. Aristimunha2
Christiane Martinatti Maia3
Maria Fani Scheibel4
Silvana Lehenbauer5
1. Interdisciplinaridade e Desemprego
O tema, desemprego, foi resultado de entrevistas na comunidade sobre o
que mais preocupava a mesma. Construíram a partir de discussões, análises da
situação sócio-econômica em que eles se inserem, trabalhando-se: fatos
históricos; produção textual; acrósticos; doenças; saneamento básico; gráficos.
A culminância do projeto ocorreu através de uma exposição na escola com
a visitação de alunos de todas as turmas.
Verdade
A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade
E sua segunda metade
Voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
Seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB). São Paulo:
ANDE/Cortês, 1990.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Proposta
curricular para a educação de jovens e adultos: segundo segmento do ensino
fundamental: 5ª a 8ª série, 2002.
CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Comissão de Educação de Jovens
e Adultos. Parecer nº 774/99. A educação de jovens e adultos no sistema
estadual de ensino.
______. Resolução nº 250 de 10 nov. 1999. Fixa normas para a oferta de
educação de jovens e adultos no sistema estadual de ensino.
FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Paz e
Terra: Rio de Janeiro, 1987.
Michelle Morais1
1. Introdução
ste artigo se propõe a apresentar, qualitativamente, os vínculos identifica-
E dos teórica e empiricamente entre Desenvolvimento Humano, Alfabetiza-
ção de Jovens e Adultos e Cooperação Sul-Sul. Ele é ao mesmo tempo resultado
e desdobramento de pesquisa realizada entre abril e novembro de 2004 para o
programa de mestrado em Estudos de Desenvolvimento do Intitute of Social
Studies – ISS (Haia, Países Baixos). Tal pesquisa adotou como estudo de caso a
cooperação entre o Programa Alfabetização Solidária e o Ministério da Educa-
ção de Moçambique, país em que foi feita a pesquisa de campo nos meses de
julho e agosto de 2004. Utilizando-se do conhecimento empírico obtido naquela
ocasião, este artigo não apenas evidencia os vínculos acima mencionados, como
também, em virtude da importância dos mesmos, aponta orientações para a prá-
tica. São princípios gerais propostos para guiar a experiência da Cooperação Sul-
Sul em Alfabetização de Jovens e Adultos. Por fim, mas não menos importante, o
presente artigo chama a atenção para os desafios e as oportunidades que se colo-
cam para a continuidade e aprimoramento da Cooperação Sul-Sul no futuro.
Vale ressaltar que, devido a limitações de espaço, inúmeras questões
expostas no presente texto não virão acompanhadas de sua fundamentação
empírica. Conseqüentemente, é bem possível que em alguns momentos o leitor
se depare com argumentos de aparência normativa. Assegura-se, no entanto,
que tais argumentos foram derivados dos dados primários e secundários
obtidos (e analisados, obviamente, pelas lentes próprias à autora).
6. Conclusão
Destarte, o artigo que se encerra procurou indicar os vínculos teóricos
entre o desenvolvimento humano e a alfabetização, assim como as conexões
entre esta última e a prática da Cooperação Sul-Sul. Apresentaram-se também
princípios ou orientações que se observam importantes para o melhor apro-
veitamento e desempenho desta cooperação. São evidentes os desafios que se
colocam aos países em desenvolvimento para que possam compartilhar suas
experiências em alfabetização de jovens e adultos e para que possam apren-
der uns com os outros. Todavia, nesta Década das Nações Unidas para a
Alfabetização emergem também oportunidades que podem alavancar esta até
então tímida modalidade de cooperação.
Por fim, é imprescindível destacar que será exatamente a comple-
mentaridade entre as iniciativas conduzidas no Sul e as análises políticas
e sociais realizadas pela academia e por organismos internacionais que
nos permitirão progredir na busca incessante da Alfabetização para Todos
e do Desenvolvimento Humano. Nesse processo de retro-alimentação, o
posicionamento crítico se faz fundamental, como bem expresso pelo cien-
tista social Paschal Mihyo:
Notas
1 Embora a autora esteja atualmente à serviço da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), as idéias apresentadas
neste artigo não necessariamente correspondem às daquela organização.
2 Tradução do inglês para o português feita livremente pela autora deste artigo.
3 O termo “transferência” está sendo aqui utilizado em conformidade com a
literatura que aborda a chamada “transferência de políticas” (policy transfer).
Para conhecer a base conceitual desse corpo de literatura, ver Dolowitz e Marsh
(1996), Stone (2000), Dolowitz e Marsh (2000), e Newmark (2002).
4 Em geral a literatura em cooperação internacional utiliza as expressões “país
beneficiário” e “país doador”. Contudo, em conformidade com o princípio de
horizontalidade na relação entre as partes cooperantes, opta-se neste artigo
pelos termos “país destinatário” e “pais remetente”, respectivamente.
5 O perfil do analfabetismo (literacy profile) de um país pode ser elaborado com
o uso da mesma metodologia utilizada para o levantamento do perfil de pobreza
(poverty profile). Utilizam-se dados de pesquisas por amostra de domicílio ou
dados censitários para levantar as principais características sócio-econômicas
da população não-alfabetizada. No campo das políticas para a redução da
pobreza esse tipo de perfil tem sido bastante útil para o desenho de estratégias
que mais se aproximem das necessidades da população pobre.
6 Entrevista realizada em 10 de agosto de 2004 nas dependências do Ministério
da Educação de Moçambique.
7 Tradução do inglês para o português feita livremente pela autora deste artigo.
8 Tradução do inglês para o português feita livremente pela autora deste artigo.
9 Tradução do inglês para o português feita livremente pela autora deste artigo.
Os elementos
1) o aluno, 2) a matéria a ser ensinada, 3) as técnicas didáticas que en-
volvem a relação ensino-aprendizagem, 4) a legislação do ensino que
rege sua vida profissional na escola, 5) a arquitetura escolar, 6) a relação
da escola com a comunidade que a circunda e/ou que envia estudantes
para a escola, 7) a sua própria identidade como professor, 8) a sua filo-
sofia da educação e, portanto, a literatura que o instrui na sua postura de
Os comentários
1) O aluno
Se você é ou vai ser professora ou professor do ensino fundamental ou
médio, antes de escutar qualquer professor seu falar sobre o que é um aluno
ou o que é “a criança”, antes mesmo de ler qualquer livro sobre infância e
juventude, procure lembrar do aluno que você foi. O que lhe agradava? O que
não lhe agradava na escola e em relação aos seus mestres? Se você não
sabe responder a tais questões, tudo que você aprendeu para trabalhar no
magistério, pouco lhe servirá.
Se você não tem memória do tempo em que foi aluno, de duas uma:
ou você apagou tudo da mente porque foi tudo muito ruim, e então você
precisa se esforçar para lembrar, ou você é preguiçoso mentalmente, quanto
à memória, e então é bom que pare de ser assim urgentemente. Faça um
inventário daquilo que você não gostava e do que gostava enquanto você
era aluno do ensino fundamental e médio. Procure lembrar, especialmente,
do seguinte: o que, em específico, seus pais ou responsáveis cobravam de
você como aluno, e o que a professora cobrava. Com esse inventário na
mão, você já tem condições de começar a procurar as razões dos ódios e
amores do seu futuro aluno ou do seu aluno atual. Faça isso agora. Faça
isso sempre. Este é sempre seu primeiro passo.
Como professora, você vai avaliar se o que gostava vale a pena repetir e
se o que não gostava, de fato, vale a pena, agora, descartar. Você precisa
menos de sociologia da educação para saber sobre origem dos alunos e para
saber dos gostos dos alunos. Você tem, antes de tudo, a sua memória – use-a,
pois ela é quem vai lhe garantir dados para uma melhor avaliação de como
lidar com seus alunos atuais.
Não descuide deste detalhe: entre todas as profissões, a sua é, talvez, a
que menos necessite de “estágio”, pois você já “estagiou” – ninguém ficou
tanto tempo no local de trabalho quanto você. Nenhum médico ficou no
hospital desde criança. Nenhum engenheiro ficou em uma obra desde criança.
Mas você ficou na escola durante muito tempo, e ainda está nela, portanto,
Notas
1 Centro de Estudos de Filosofia Americana.
Referências bibliográficas
GHIRALDELLI Jr., P. Caminhos da filosofia. Rio de Janeiro: DPA, 2005.
______. Filosofia e história da educação brasileira.
São Paulo: Manole, 2003.
______. O que você precisa saber em didática e teorias pedagógicas. Rio de
Janeiro: DPA, 2001.
______. O que você precisa saber em filosofia da educação. Rio de Janeiro:
DPA, 2001.