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‘S ARQUITETURAS OLOGICAS 1 A busca de ntegracdo a natureza marca a maior parte da evolugao torica da arquitetura. Em Os dez livros de arquitetura de Vitrivio, e durante a Ilustracdo, a origem da arquitetura remeteu-se, miticamente, a imitacdo da natureza. Nessa busca, 0 salto qualitativo mais importan- te deu-se quando, no Renascimento, comecou a ser difundido o uso do vidro em janelas, primeiro nas casas burguesas das principais cidades italianas (Florenca, Bolonha, Génova), no século xvi e, a partir dai na n- glaterra e em outros paises europeus. Ouso do vidro permitiu converter espagos internos, por séculos escu- ros nas estacées frias, em ambientes iluminados e confortaveis. Como elemento que filtra a entrada de luz e ao mesmo tempo barra a perda de calor e as correntes de ar o vidro proporcionou uma transformagao com- pleta da vida doméstica e uma nova cultura - do espago interno, do mo- bilidrio e também da limpeza. Foi o primeiro passo em direcao ao confor- to doméstico e a privacidade." Durante o periodo barroco, na Europa, proliferaram os jardins e as vilas, com seus interiores plenos de luz refletida por miltiplos espelhos. Na llus- tracao, reafirmou-se o mito do bom selvagem e da cabana primitiva, ex- presso no texto de Marc-Antoine Laugier, Essai sur l’architecture, de 1753. Aidealizacao da natureza intocada e da bondade do homem primitivo atra- vessa toda a modernidade, desde Jean-Jacques Rousseau, Denis Diderot e Louis-Antoine de Bougainville até os movimentos ecolégicos, passando por Claude Lévi-Strauss e seu Tristes tropicos (1955). Em todos esses ca- sos, a intencao é reforcar a identidade entre arquitetura e natureza. Na Revolucao Industrial, porém, a tendéncia dominante — obediente ao procedimento burgués de modificar o entorno, dele extraindo um pro- veito rapido e altamente produtivo — foi a de uma arquitetura e de uma engenharia totalmente distantes daquele equilibrio desejado. Foi na Inglaterra, precisamente no mesmo lugar e no mesmo momento em que se deu a Revolucdo Industrial, onde se desenvolveu a estética do CE Serra, Rafael. Les energies a Varquitectura. Barcelona, Bdicions UPC, 1993; Serra, Ra Soch, Helena; San Martin, Ramon. Arquitectura y el control de los elementos. Barc 1996; Butera, Federico M. Dalla caverna alla casa ecolagica. Storia del confort e dell Edizione Ambiente, 2004, 2007 A BELEZA DAS ARQUITETURAS ECOLOGICAS pitoresco, a partir da recriacdo das bucdlicas pinturas dedicadas a paisa- gem italiana. Seguindo essa estética, criaram-se parques como 0 Stowe, o Stourhead ou 0 Prior em que se pretendia imitar a natureza virgem que comegava a ser um bem escasso. O paisagismo e os parques surgiram a partir da Revolucao Industrial, com a consciéncia da perda dos valores sagrados da natureza. Em fins do século xix e comeco do xx, nas cidades europeias e americanas comegaram a ser tracadas avenidas com calca- das arborizadas. Nos Estados Unidos, em meados do século xix, surgiu a proposta de um sistema de parques, concebida por Frederick Law Olms- ted e desenvolvida por seus seguidores. Os valores que se atribuiam a ci- dade e & natureza haviam transformado-se radicalmente. Se, durante a Baixa Idade Média e o Renascimento, a cidade era garantia de protecao, de liberdade e de civilidade em oposi¢ao a barbarie do campo e da natu- reza (primitivos, selvagens e sujos), a partir do barroco e do século xix, com a consolidacao da Revolucao Industrial, a natureza é idealizada, em opo- sicao a cidade, esta considerada fonte de todos os males — sociais e sani- tarios —, a que os higienistas e filantropos dirigem todas suas criticas. Tanto o que foi imaginado pelos socialistas ut6picos como as alternativas propostas pelos artistas do Arts and crafts, encabegados por John Ruskin e Willian Morris, ou a concepcao da cidade-jardim de Ebenezer Howard partem da critica a cidade industrial e da idealizagao do campo. Entre os arquitetos do movimento moderno, a sensibilidade para com o meio ambiente foi ambigua. Por um lado, uma de suas inspiracoes fora a cidade-jardim, e a maioria deles — Le Corbusier, Mies van der Rohe, Lucio Costa ou Alvar Aalto — pretendia que suas unidades de vizinhanca e cen- tros civicos tivessem muita vegetacao. Por outro, contudo, a tendéncia tecnolégica e produtivista determinou um forte antagonismo entre a pro- ducdo em série dos bairros e a natureza e a hist6ria preexistentes. Sao uma excecgao o pensamento e a obra de Frank Lloyd Wright, por sua vontade sistematica de compatibilizar a maquina e a natureza, mundos, que, aliados, poderiam conduzir a uma futura cidade agraria. Tal tradigao organicista foi continuada por autores nérdicos, como Alvar Aalto e Jorn Utzon, e por arquitetos da chamada “terceira geracdo” como Oscar Niemeyer Roberto Burle Marx, José Antonio Coderch, Luis Barragan, Fernando Tavora, Fruto Vivas, Ralph Erskine e Aldo van Eyck. 156 JOSEP MARIA MONTANER Essa sensibilidade ao meio ambiente ja estava presente na boa arqui- tetura tradicional e foi enunciada por Paul Scheerbart em Glasarchitek- tur (1914), com aforismos a favor de obras leves e transparentes, com vitrais coloridos para melhor adaptarem-se ao entorno. Tal sensibilida- de converge com a capacidade de criar uma arquitetura com qualidades bioclimaticas, como a de Antoni Gaudi ou uma arquitetura que valoriza a paisagem cultural e o ambiente para o ser humano, como a realizada pelos finlandeses Alvar Aalto, Aino Aalto e Elsa Kaisa Makiniemi ou pelo colombiano Rogelio Salmona. Também ja aparece em obras modelares como a casa do arquiteto Max Cetto, em El Pedregal de San Angel, na Cidade do México (1948), ou a casa Dragon Rock (1952-1958), de Mary e Russel Wright, em Manitoga, Garrison, nas proximidades de Nova York: preciosas construgées ntegradas e camufladas em seu meio, plenas da vitalidade de seu entorno. Aconsciéncia ecolégica contemporanea veio se formando a partir da critica a falsa eficacia de muitos edificios, a partir da constatacao de que as cidades atuais baseiam-se na repeticao, em grande escala, dos mesmos erros presentes na relagao entre os edificios e o ambiente, es- pecialmente a partir da década de 1960, e, absurdamente, com a difusao do pano de vidro, da moda dos edificios integralmente em vidro a des- peito da sua orientagao, e com o uso abusivo da climatizacao artificial. Uma lamentavel nvolugao tecnolégica, portanto. Bernard Rudofsky, com a sua exposigao e 0 respectivo catalogo Archi- tecture without Architects (1964), foi pioneiro a criticar tais absurdos e evidenciar a beleza, 0 senso comum, a capacidade de integracdo e de permanéncia das tao diversas arquiteturas populares.’ No entanto, ainda hoje, muitas entre as obras admiradas, premiadas e tomadas como referéncia pelos meios de comunicacao 0 so exclusiva- mente pelas suas qualidades formais, ignorando-se 0 alto custo energé- tico da sua produgao, o seu desempenho do ponto de vista da economia de energia, bem como a sua funcionalidade, a sua salubridade e a sua integracao ao meio. 2 Rudofiky, Bernard. Architecture without Architects. An Introduction to Nonpedigreed Architecture. Nova York, Muscum of Modern Art, 1964. ABELEZA DAS ARQUITETURAS ECOLOG! Neste ponto, cabe esclarecer dois conceitos de referéncia. ecologia e sustentabilidade, que correspondem a momentos histéricos distintos ea diferentes concepgées. Aecologia, surgida em meados do século xix com as teorias da evolu- gao de Charles Darwin, e definida por Ernst Haeckel, é a ciéncia que tra- ta dos ecossistemas, os quais incluem a biocenose — ou seres vivos — e os bidtopos — ou sistemas em equilibrio. O conhecimento de que dispomos pode ser aplicado na distribuicdo dos recursos naturais de modo a beneficiar todas as sociedades humanas, respeitando-se o equilibrio. A base da ecologia é a consciéncia holistica de que, na natu- reza, tudo esta inter-relacionado. Sustentabilidade é um conceito recente, que foi necessario criar para que se enfrentassem os graves problemas de escassez de recursos e de contaminagao do planeta, além da mudanga climatica. Nesse sentido, a proposta de um desenvolvimento sustentavel baseia-se em critérios mensuraveis tais como a “pegada ecolégica” estabelecida pelos cientis- tas canadenses Mathis Wackernagel e William Rees, em 1995, ou os n- dicadores de sustentabilidade que, seguindo as Agendas 21 locais pro- postas a partir do encontro no Rio de Janeiro em 1992, vém sendo revisados e aplicados. No presente momento, é imprescindivel uma arquitetura que se baseie em uma ecologia do construido, que enfrente a recuperacao de territorios degradados e garanta o reequilibrio ecolégico da relacdo entre os seres humanos e 0 seu entorno artificial, sem cair na nostalgia de uma arcadia perdida. O desafio atual consiste em demonstrar que as arquiteturas eco- logicas, além de mais necessarias e adequadas socialmente, podem ser altamente atraentes do ponto de vista estético, conceitual e cultural. Tudo isso implica em superar a ideia de que as arquiteturas ecolégicas estejam sempre associadas a formas pitorescas, ecléticas e marginais. Achave consistiria em deixar de conceber a arquitetura como criagdo de objetos Gnicos e singulares, de edificios auténomos e isolados, produtos definitivos e acabados, grandes maquinas para 0 consumo, passando a considera-la e a praticé-la como estratégias e processos que se relacionam entre si, como sistemas de relacdes, soma de conhecimentos especializa- dos no entorno, infiltracdes de sistemas abertos e fechados, formas cuja 158 JOSEP MARIA MONTANER: matéria essencial é a energia, ambientes para os sentidos e para a percep- cao. Mais do que uma arquitetura que siga estruturas tipolégicas, é preciso uma arquitetura de bolhas habitaveis, de ambientes saudaveis e transfor- maveis. Os arquitetos devem superar 0 erro de se imaginarem desenhistas de objetos isolados. A matéria da arquitetura é 0 espago, o meio aéreo em que vivem os seres humanos, 0 vazio interior, que ha de ser concebido a escala do corpo e da percep¢ao humana, e 0 vazio exterior que 6 aesséncia da vida coletiva. as ruas, os espagos ptblicos, os Ambitos entre os edificios. Somente sera possivel que cada intervencéo arquiteténica e urbana conduza a melhoria do ambiente se aqueles que intervirem forem técni- cos suficientemente versados na diversidade dos sistemas existentes para que suas intervencées se adaptem ao entorno. E preciso almejar uma arquitetura que construa sem destruir, que ative o existente, que re- cicle o construido, que restitua as coberturas vegetais ao territério urba- nizado, que entenda os recursos como patriménio e que interprete o meio existente como um complexo sistema de relacdes entre os seres huma- nos eo entorno construido. Uma arquitetura de morfologias escalonadas, de espacos coletivos e patios, de estruturas abertas e leves que criem ambientes bem ventilados e climatizados. Tudo isso no contexto de um urbanismo que integre as redes sociais existentes, que reequilibre trans- formacées, modele fluxos, estabelecga continentes flexiveis; que incorpo- re dinamicas de alteragao, que proponha complexos multifuncionais, que encadeie sistemas de parques e que invente novos espacos pUblicos co- bertos. Trata-se de recuperar a funcao ética da arquitetura e de responder aos seus maiores desafios de hoje:a aspiragao a diversidade e o desejo de individualidade. Trata-se, afinal, do que o arquiteto e tedrico argentino Cé- sar Naselli conceituou como a construcao de esferas ambientais para a vida, biosferas das quais se pode gerir a eficacia dos recursos energéti- cos, ou ainda 0 que o filésofo Peter Sloterdijk definiu como um conglome- rado de diversas e amorfas “bolhas da existéncia”® * Cf, Naselli, César; “La naturaleza envasada envasa el envase” 30-60, n. 3, 2004; Sloterdijk, Peter. Regeln fiir den Menschenpark. Bin Antivortschreiben zu Heideggers Brief itber den Humanismus Frankfurt, Suhrkamp Verlag, 1999 (versio em portugués: Regras para o parque humano: uma resposta & carta de Hedegger sobre 0 humanismo. Sao Paulo, Estacaio Liberdade, 2000), A BELEZA DAS ARQUITE 159 Il Os critérios para se projetar de acordo com principios ecolégicos sao complexos e variam em cada contexto, segundo a disponibilidade de ti- pologias, de recursos tecnolégicos e de materiais adequados a integra- cao ao meio, podendo-se valer de pragas cobertas, patios, estufas, gale- rias, terragos, paredes térmicas etc. Em todo caso, a introducao de elementos de integragao ao meio nao pode se dar ao final do processo de projeto, mas deve implicar uma pro- funda transformacao do processo que deve ser considerado em si mes- mo uma aprendizagem. Nesse sentido, se a beleza, a utilidade e a soli- dez foram historicamente fundamentos basicos da arquitetura, aos quais se somaram critérios contemporaneos como a cultura urbana ea espacialidade, nas Ultimas décadas os condicionantes ambientais tam- bém se tornaram essenciais. Ezio Manzini em seu livro A matéria da invencdo (1986), constatou que as mais avancadas tecnologias permitem-nos aproximar das formas or- ganicas e arborescentes da natureza, por mais que isso possa parecer paradoxal. Os conhecimentos cientificos, as geometrias do caos, os avancos da biologia e a disponibilidade de meios de representacao per- mitem-nos criar formas biomérficas, mais préximas da natureza.* Nao é possivel definir normas gerais para que uma arquitetura seja ecolégica, ja que serao diferentes a cada contexto, mas 6 possivel recor- rer a padrées ou tipologias mais capazes de assegurar uma boa relacao com o meio. Poderiamos agrupar esses mecanismos contemporaneos nos seis temas expostos a seguir 1. A BELEZA DA PELE Uma das condigées necessarias para que a arquitetura tenha qualida- des bioclimaticas, isto é, adapte-se ao entorno, reside nas caracteristi- cas da pele: devem ser membranas semipermeaveis, mutantes e versa- teis, que a fachada seja um filtro poroso, ventilado e translicido. Trata-se * Manzini, Ezio. La materia dell’invenzione. Milao, Arcadia Edizioni, 1986 (edigao em portu- gués: A matéria da invengao, Lisboa, Gentro Portugués de Design, 1993). 160 JOSEP MARIA MONTANER: de projetar fachadas que nao sejam iguais, mas diferentes, a comecgar pelo fato de se distinguirem em func¢ao da sua orientacgao. Os climas marcados por grandes variagées entre o verao e o inverno exigem solugdes complexas para as fachadas. Deve-se priorizar a ilumi- nagao e a ventilacdo naturais e as vistas, evitando-se projetar edificios altos com climatizacao e iluminagao artificiais e, portanto, com grande dispéndio de eletricidade. As diversas tecnologias permitem uma grande variedade de fachadas ventiladas e de tipos de pele. Tradicionalmente a arquitetura vem con- tando com a invengao de diversos mecanismos de relacéo da pele do edificio com o entorno, como muxarabis, brise-soleils persianas ou la- minados. E grande a gama de possibilidades oferecida pelo uso de ma- teriais com qualidades filtrantes, que permitem a passagem da luz, mas nao permitem ver e ser visto, ou permitem ver e nao ouvir ou ouvir e nao ser visto, ou que permitem a passagem do ar mas nao a da luz etc. Aarquitetura brasileira contemporanea é um magnifico exemplo da ca- pacidade de criar solugdes que sao sinteses da arquitetura tradicional e da moderna e prestam-se 4 melhor adaptacao ao meio, como as estrutu- ras em porticos e as plantas baixas marcadas por espacos livres e pilares. 2. TIPOLOGIAS BIOCLIMATICAS: PATIOS E PALAFITAS. Diversas tradicdes dispdem de solugées tipolégicas que favorecem nao 80 acriacdo de um microclima interno, mas também a relacao do edificio com 0 entorno imediato. Trata-se, portanto, de buscar as préprias tradi- cdes de arquiteturas bioclimaticas.* O melhor dispositivo climatico é 0 patio, tipologia essencialmente mediterranea que se desenvolveu em distintas culturas e periodos. 5 Sobre os critérios de desenho bioclimatico, cf: Izard, Jean-Louis ¢ Guyot, Alain, Archi Bio Marselha, Editions Parentheses, 1979 (edic&io em espanhol: Arquilectura bioclimdtica, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1980); Mackenzie, Dorothy. Green design. Londres, Lawrence 1991, Vale, Brenda e Robert. Green Architecture. Design for a Sustainable Future, Londres, Thames and Hudson, 1991, e VV, AA. Arechilettura, Natura, Milio, Edizone Gabriele Mazzota, 1994 A BELEZA DAS ARQUITETURAS ECOLOGICAS 161 As casas gregas e romanas, 0 tecido da casba, as residéncias populares, a arquitetura agraria, os palacios urbanos, as casas coloniais latino- americanas e alguns complexos residenciais contemporaneos como o Hof vienense foram criados segundo a funcionalidade e a beleza do pa- tio, esse espaco muito especial, capaz de propiciar a criacéo de um mi- croclima e ao mesmo tempo introvertido, iluminado e central na orienta- cao da maioria dos cémodos. E 0 caso da Ford Foundation (1963-1968) em Nova York, de Kevin Roche e John Dinkeloo, onde o espaco construi- do volta-se ao vazio, a luz e 4 natureza do jardim interno. A propria tradigao dispée de outros recursos para reforcar a ventila- cdo natural propiciada pelos patios, como os dutos de ventilagao que voltaram a ser utilizados em habitagées coletivas. Outro recurso tipolégico tradicional a que se recorre na arquitetura atual é a estrutura em palafitas, que permite que o terreno seja mantido natural, em grande parte, e torna o edificio imune as alteragdes que o solo possa sofrer Ela permite que se conserve parte da cobertura vegetal, fa- cilitando 0 escoamento da Agua, o crescimento da vegetacao e o movi- mento dos animais. E 0 caso da escola (2005) em Obernai, projetada por Duncan Lewis, com Klein & Baumann: volumes elevados em relagao ao terreno, com a cobertura e as fachadas recobertas por vegetacdo® 3. FORMAS ESCALONADAS E SEMIENTERRADAS Do ponto de vista da forma, ha outro recurso tipolégico que favorece a relagdo com o meio e consiste em explorar as possibilidades bioclimati- cas da cobertura. coberturas verdes ou escalonadas, com painéis sola- res e coletores de Agua pluvial, permitindo uma melhor adaptacao ao entorno e um maior aproveitamento da energia solar e da agua. Ocontato do sol com os edificios da-se basicamente na parte alta das fachadas e nas coberturas. Tal como propunham os mestres da arquite- tura moderna, as coberturas podem se converter em jardins suspensos ® C£. Montaner, Josep Maria. Sistemas arquitetdnicos contemporneos. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2009. 162 JOSEP MARIA MONTANER e, quando escalonadas, podem potencializar a relagdo com o meio. Lem- bremo-nos dos projetos de casas e hotéis de Adolf Loos no principio da década de 1920; dos edificios de apartamentos e hotéis gigantescos imaginados por Henri Sauvage no final da mesma década e dos arranha- céus em forma de piramide projetados por Walter Gropius em 1929. E nao nos esquecamos da qualidade da implantacao das arquiteturas pré-coloniais na América, quase sempre com formas escalonadas e ta- ludes inclinados a fim de enlagar as plataformas urbanas. Formas escalonadas e coberturas verdes hoje podem contribuir para umidificar, purificar e enriquecer nossas metrépoles artificiais. Terragos permitem que todo o volume de um edificio integre-se ao entorno, apro- veitando-se da insolacdo e da ventilagao naturais. Tudo isso favorece também a disponibilidade de espacos préprios para a relacdo entre o interior e o exterior e com direito a uma bela vista privilegiada. Mostram-nos claramente isso alguns exemplos da melhor arquitetu- ra hospitalar racionalista, como o sanatorio de Paimio (1928-1933), de Alvar Aalto, e 0 sanatério Zonnestraal (1926-1931), em Hilversum, de Johannes Duiker e Bernard Bijvoet. Nesse sentido, outra das estratégias tradicionais da arquitetura bio- climatica 6 a forma semienterrada, que permite o aproveitamento da inércia térmica do terreno e das paredes. Além disso, a dispersao das massas é um mecanismo muito empregado em situagées de implanta- co em paisagens privilegiadas. Corresponde tal mecanismo a uma po- sicdo tao respeitosa em relacao ao entorno, tao panteista, a ponto de conduzir a fragmentacao e a dissolucdo do programa no terreno, tal como no caso do Museo de las Cuevas de Altamira (2001), em Santillana del Mar projeto de Juan Navarro Baldeweg, escalonado e semienterrado na paisagem, proximo das antigas cavernas primitivas. 4. TECNOLOGIA PARA A SUSTENTABILIDADE Técnicas e materiais mais avancados, se bem empregados, podem contri- buir para tornar a arquitetura mais sustentavel. E o que se obtém, por exemplo, na arquitetura com grandes panos de vidro, inspirada em espa- A BBLEZA DAS ARQUITETURAS ECOLOGICAS, 163 cos tradicionais tais como as estufas e as galerias, Esses ambientes, con- formados por pérticos fechados com vidro, atuam termicamente. A presenca de grandes panos envidracados, como proposto por Emilio Ambasz no Lucille Halsell Conservatory (1984-1990), no Texas, € uma constante formal nas arquiteturas ecologicas que, apoiadas em avancos tecnolégicos, buscam a leveza. Elementos contemporaneos como os painéis solares e as células fo- tovoltaicas vém induzindo uma modificacao das formas arquiteténicas. E 0 que tem feito 0 arquiteto Thomas Herzog ao conciliar em sua arqui- tetura sustentavel, a alta tecnologia e as estruturas leves, dando énfase a iluminagao e a ventilacao naturais. Essa confianga na possibilidade de se obter pela tecnologia, uma ar- quitetura mais simbiética com o meio remonta a década de 1980. As ca- sas solares em Orbassano (1982-1985), dos arquitetos Roberto Gabetti e Aimaro Oreglia d’lsola, especialistas em arquiteturas ecolégicas, se- mienterradas e cheias de vegetacao, sao um volume grande e alto, com planta quase triangular com painéis solares orientados ao sul em um dos extremos e as fachadas leste e oeste tao abertas e permeaveis quanto possivel. Algumas obras de RCR (Aranda, Pigem Vilalta) tendem a essas formas artificiais e abstratas com que se busca a maxima inte- gracdo ao entorno, como € o caso do hotel Les Cols (2002-2005), em Olot, todo construido em cubiculos de vidro, ou o da casa Horizonte (2004- 2007), implantada em um desnivel do terreno, no limite de um talude. Trata-se de uma concep¢ao em que se vislumbra a sofisticagao tecnolé- gica como uma plataforma a partir da qual podemos ser algados ao pa- tamar da identificagao com o meio. 5. ARQUITETURAS HOLISTICAS PARA OS SENTIDOS, PARA A SAUDE E PARA A EXPERIMENTACAO ARTISTICA Alem do emprego desses recursos tipologicos — peles semipermeaveis, patios, formas escalonadas e edificios envidracados — haveria uma ar- quitetura concebida holisticamente, em que se pretende sintetizar e sin- tonizar todos os aspectos, priorizando-se a percepcao sensorial, o bem- 164 JOSEP MARIA MONTANER, -estar espiritual, a geracao de satide e a experimentacao artistica. Uma visao holistica cujas raizes estariam em Goethe e em Rudolf Steiner e que foi teorizada por Jan Christiaan Smuts em seu livro Holism and Evolution (1926). Ainda na corrente que pée a énfase nos sentidos, mas indo além do dominio da visdo, partindo da percepgdo tatil defendida por Juhani Pallasmaa, terfamos a obra do arquiteto americano Steven Holl, em espe- cialo Museum of Contemporary Art Kiasma (1992-1998), em Helsinque’” Foi a partir da énfase na satide e com referéncias ao saber ancestral do feng shui, que se implantou o parque residencial Sandgrubenweg (2003- 2009), executado pela equipe de Wolfgang Ritsch, com a colaboracao do especialista em geomancia Edwin Forman. A consideracao dos condicio- nantes teluricos e 0 processo participativo conduziram as formas sinuo- sas das fachadas, enfatizadas pelos terracos também ondulares.® Por ultimo, uma das equipes que mais tem se aplicado em desenvol- ver a relacao entre arquitetura, experimentagao artistica e ecologia é a composta pelos arquitetos Elisabeth Diller e Ricardo Scofidio, que, des- de 2004, contam também com Charles Renfro como sécio. Duas de suas obras mais radicais e experimentais sao Blur (2002), em Yverdon-Les- Bains, na Suic¢a, um pavilhao ultraleve com um acesso através de uma rampa para pedestres, com milhares de pulverizadores que sugam e va- porizam a Agua do lago, permitindo uma experiéncia ambiental, de per- cepcao emocional, da paisagem e a High Line (2007-2009), em Nova York, um jardim elevado que serve como caminho de pedestres, projeto em colaboragado com James Corner e cuja existéncia deve-se a luta da vizinhanca para salvar uma antiga linha férrea abandonada. ” Pallasmaa, Juhani. The Eyes of the Skin. Architecture and the Senses. West Ess 2005 (edic&o em portugués: Os olhos da pele. Porto Alegre, Bookman Editora, 2 y-Academy, O11). ® Sobre esta obra e sobre a arquitetura holistica, cf: VV. AA. Habiter ecologique. Quelles architec tures por une ville durable? Paris, Actes Sud/ Cité de Architecture et du Patrimoine, 2009. ABELEZA DAS ARQUITETURAS ECOLOGICAS: 165 6. ESTRUTURAS LEVES PARA A COOPERACAO E A PARTICIPACAO Os alojamentos para a cooperacao, a participacao e a vida nomade sao projetos ideais para serem construidos com estruturas leves, reciclaveis e moveis. A obra do arquiteto japonés Shigeru Ban 6 uma demonstracao de que a arquitetura para a cooperacao deve ser leve e desmontavel. Desde a criagao de sua ONG — Voluntary Architects Network (VAN) em 1995, visando a realizacdo de obras de emergéncia, ele vem colaborando com a ONU em programas de ajuda a refugiados, projetando abrigos de emer- géncia em Kobe, Japao (1995), Ruanda (1995-1996), Turquia (2000), india (2001), bem como escolas na Africa e na China. Sem menosprezar os valores da construgao tradicional, especialmen- te pela capacidade de inércia térmica das vedagées, o futuro de uma parte da arquitetura ambiental encontra-se nas estruturas leves e in- dustriais, com as quais é muito mais viavel construir por meio de cama- das nao aderentes, com elementos substituiveis, gerando-se o minimo possivel de residuos tanto na execu¢ao da obra quanto em sua desmon- tagem e reciclagem. Ha a possibilidade de arquiteturas radicalmente versateis em sua adaptacao ao entorno e de edificios nomades, como é 0 caso da carava- na criada em 1993 pelo arquiteto californiano Neil Denari, onde se con- cilia a tecnologia industrial de uma caravana que se desdobra em posi- goes muito diversas e o emprego de diferentes mecanismos ecoldgicos: painéis e cozinha solares, ventilacao natural etc. Outra possibilidade sao os edificios de estrutura livre, como as casas ecolégicas em Berlim (1980), de Frei Otto, que coincidiram com o langa- mento da iniciativa publica do Internationale Bauausstellung (IBA). Trata- se de um magnifico exemplo de estrutura aberta, com suas plataformas recortadas e escalonadas, como se fosse uma grande arvore, onde cada grupo familiar desenvolve a arquitetura que the 6 desejavel e possivel. 1 66 JOSEP MARIA MONTANER: j ' j CONCLUSAO: ARQUITETURA ECOLOGICA, RESPEITO AO PRE-EXISTENTE, DIVERSIDADE CULTURAL E ESPACOS COMUNITARIOS Uma arquitetura conciliada com a natureza deve estar associada nao somente a processos como a reciclagem ou a economia de energia, mas também a outras questdes-chave. Em primeiro lugar nao ha sentido em uma arquitetura pretensamente ecolégica que elimine o que ja existe no ambiente nem se insira na ma- tha urbana. A chave nao esta nunca no edificio em si, mas em sua ade- quada relacdo com o entorno, com as camadas do existente. Em segundo lugar a arquitetura ecol6gica auténtica é aquela que acei- ta, com todas as suas consequéncias, a imensa diversidade do planeta, reconhecendo que cada cultura se encontra em um estagio diferente, de- vendo-se, portanto, trabalhar partindo da premissa conceitual de que nao existem centros nem periferias. Definitivamente nao se podem impor mo- delos de um contexto a outro: cada lugar deve ter a possibilidade de gerar suas proprias solugées, relacionadas a sua cultura, ao seu meio, as suas técnicas e aos seus recursos, e qualquer solucao é dificilmente generali- zavel. E o imperialismo industrial que converte inclusive produtos verdes em produtos multinacionais impostos a contextos distintos. E, em terceiro lugar o paulatino aumento das qualidades ambientais das cidades esta associado a melhoria das zonas comunitarias. Isso é pos- sivel de se obter tanto ao se recuperar aquelas que ja existiam nas culturas pré-industriais, como ao se potencializar aquelas que podem ser inventa- das, criadas e auto-organizadas nas sociedades pés-industriais. Em seu texto de 1956, Arquitetura e comunidade, Sigfried Giedion rei- vindicava os espacos comunitarios das sociedades pré-industriais. Cer- tamente, no retorno dessa ideia de convivéncia em Gemeinschaft (co- munidade) ha um elemento romantico. Mas, com a reivindicagao de uma arquitetura ecol6gica, reaparece a relevancia da fungao social da arqui- tetura, um funcionalismo ecologista que critica 0 racionalismo desen- volvimentista e predatério® ° Giedion, Sightied. Architektur und Gemeinschaft. Tagebuch einer Entwicklung Hamburgo, Rohwolt, 1956 (edigo em portugués: Arquitectura ¢ comunidade. Lisboa, Livros do Brasil, 1958) A BELEZA DAS ARQUITETURAS ECOLOGICAS 167 O socidlogo norte-americano Lewis Mumford ja havia escrito, em seu livro Technics and Civilization: “Se o ser humano raramente se encontra em estado natural é porque a natureza € constantemente modificada pela técnica” '° As cidades, precisamente, constituem essa segunda natureza para o ser humano, lugar de acolhida que ha de the oferecer 0s meios e as condi¢des que no pode encontrar na natureza: abrigo, saneamento, educagao, trabalho, cultura, informacao, redes de assis- téncia e sociabilidade. Esse desfrute dos espacos de vida comunitaria pode ser experimen- tado no SESC Pompeia (1977), em Sao Paulo, no Brasil, projetado por Lina Bo Bardi. Nesse sentido, a pertinéncia as periferias, no caso dos paises latino-americanos, torna-se uma vantagem, ja que permite a ob- tengao de uma nova modernidade, mais versatil, humana e rica, sem 0 sofrimento com os inconvenientes e os colapsos do mercado desenvol- vido. E € por isso que a reabilitagao de uma antiga fabrica na Pompeia converteu-se em um modelo, em um projeto de vanguarda. O mesmo su- cedeu com Curitiba, cidade modelar por ter se desenvolvido ali desde 1965, uma politica de educagao ambiental, com a criacdo de parques, a implantagao de redes de transporte eficazes e de limpeza publica auto- gerido. As estagdes tubo sao uma imagem emblematica do sistema de transporte publico por énibus biarticulados com faixa propria. E 6 também o que sucedeu na cidade argentina de Cordoba, onde em 1979 teve inicio um processo de defesa e de ampliagao do espaco publico, resultando na criacdo de uma malha de ruas de pedestres no centro his- t6rico colonial. O projeto do arquiteto Miguel Angel Roca consiste em um sistema de pérgolas com buganvilias e glicinias que geram um micro- clima. A partir de 1992, com a criag&o dos CPC (Centros de Participacao Cidada) no anel periférico da cidade, aglutinaram-se iniciativas e ativida- des sociais e culturais que antes nao encontravam lugar para expressar-se. Em suma, ha no desafio ecologico um elemento de critica radical a certos aspectos da modernidade e da civilizac¢ao ocidental. sinal de um ponto de inflexao no transcurso do desenvolvimento desde o Renasci- "° Mumford, Lewis, Téclnics and Civilization [1934]. Chicago, The University of Chicago Press, 2010. 168 JOSEP MARIA MONTANER mento. Constitui um aviso de que a transformacao da natureza pelo ho- mem e a tendéncia de se impor critérios dos centros as periferias che- garam aum limite. O grande desafio para a humanidade consiste em ser capaz de corrigir com as ferramentas da tecnologia e os conheelmentns da natureza, os grandes erros que ameacam as condigdes de vida no planeta. A ecologia também nos fala da busca por uma nova modernida- de em que os paradigmas sejam outros — uma ecosofia, como definiu Félix Guattari —, de uma nova subjetividade, das relacdes intersubjetivas e do ambiente; uma modernidade superada na qual a arquitetura e o ur- banismo tém uma de suas maiores responsabilidades: a superagao dos elementos mais destrutivos e dominadores do racionalismo e da propria modernidade. 5 169 A BELEZA DAS ARQUITETURAS ECOLOGICAS,

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