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TERAPEUTICO CAPITULO 1 ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO ACONSELHAMENTO 1.1 As terapias primitivas O ser humano, muito antes de descobrir os agentes terapéuticos do ambiente, jéacreditava na influéncia de uma pessoa sobre outra (Watkins, 1965, p. 1143). Ainda nem sequer distinguia a doenca fisica da psicologica e ja considerava ser terapéutica para qualquer enfermo a relacao deste com uma pessoa saudavel e importante de sua comunidade Na Antigtidade os individuos assustavam-se com as doencas, tinham muito medo delas e eram levados ao reino da imaginacao para explica-las e tentar cura-las. Assim, povoavam o mundo com seres imaginarios a partir de seus proprios impulsos de amor e agressividade que projetavam em deuses, respectivamente do bem e do mal, considerando que estes eram os causadores das doencas e aqueles, os propiciadores da cura. Através de rituais, nos quais prevalecia o uso de palavras, invocavam os deuses do bem para combater 0 sofrimento causado pelos deuses do mal Por outro lado, o ser humano primitivo observava seus semelhantes doentes, notando que muitos se queixavam de dores ou alteracoes no lado es- querdo da regido pré-cordial, combinadas com uma aceleracao do movimento Cuténeo desse local, Além disso, ao observar os diferentes acontecimentos do diae da Noite, passou a acreditar que, quando o sol desaparecia aoe esquerda (ocidente), surgiam as sombras da noite, que lhe traziam a escuridao, 0 frio, a Solidao e uma sensacao de morte. E que o sol, a0 surgir a sua direita (oriente), Volviam-lhe a luz, 0 calor, as cores € a vida. Ao verificar que 0 movimento do 4 Aconselhamento Terapéutico ara a esquerda correspondia ao caminho que vai do dia ita sol da divelts P forca sobrenatural que dominava tudo noite, concluiu ser esse astro uma ee i " Rela. , a subjetiva, que era observada no s cionando as duas coincidencias, } q eU Compo, ¢ a objetiva, verificada no mundo exterior, Pale crer na existencia de dua metades: a diteita, que significava luz, calor, sate, bem, divindade, ¢ 4 querda, que representava escuridao, frio, doenca, mal, demonismo (Mira Yo. pes, 1949, p.18). . Ainda hoje encontramos sinais dessa crenca magica no costume de usar a mao direita para cumprimentar as pessoas e na supersti¢ao de, ao levantar, Pisar primeiro com o pé direito para que tudo corra bem durante o dia Em decorréncia do principio magico, baseado na associagéo por seme. thanga, em que formas iguais tem propriedades semelhantes, o citculo passou 4 representar simbolicamente 0 sol, a ser reproduzido por toda parte e a ser usado pelas pessoas com a finalidade de protegé-las das doencas, de todos os males ¢ da noite eterna. Atualmente, ainda encontramos vestigios dessa crenca no uso de amule- tos, medalhas, anéis, pulseiras ou colares em forma de circulo. E mesmo as faculdades de Medicina conservam a cor amarela, organizam “circulos” de estu- dos, e os médicos prescrevem remédios sob a forma de comprimidos redondos (Alexander e Selesnick, 1968). Algumas seitas religiosas mantém rituais de in- vocacao de espiritos do bem para aliviar os sofrimentos ou até mesmo tentar curar pessoas fisica ou psicologicamente doentes Pata g A maioria das praticas primitivas de tratamento das doengas era uma va- Tiedade rustica do que hoje podertamos chamar de terapia pela sugestio, na qual o feiticeiro conseguia influenciar a mente do paciente através de palavras e Nituais que tinham por objetivo afugentar os maus espiritos. Esses procedimen- tos costumavam produzir um sentimento de melhora no doente, pois, a medida que ele acreditava estar sendo libertado dos maus espiritos, sua ansiedade € suas dores diminuiam ou até mesmo desapareciam. Desse modo, tais praticas Passaram a ser reconhecidas como verdadeiramente terapéuticas. Nesse panorama de crenca em terapias para afugentar os maus esptritos, surgiu na Grécia antiga 0 cultoa Esculapio, provavelmente um herdi, divinizado apos a sua morte (Alexander e Selesnick, 1968, p. 54). Centenas de templos esculapianos foram erguidos em diferentes partes do mundo antigo, construf- dos em locais de grande beleza natural, em encostas junto de jardins arboriza- Yolanda Cintrao Forghieri 5 dos e nascentes. Na entrada de cada um, havia uma estatua de Esculapio, representada por um homem barbudo segurando um bast4o no qual estava enrolada uma serpente. Ao seu lado encontravam-se as estatuas de suas filhas Hygieia e Panacea. O doente, para ser curado, devia dormir aos pés dessas esta- tuas, para que o deus e suas filhas Ihe ministrassem instrucdes de como proce- der para melhorar ou até mesmo ficar curado. Os sacerdotes nado assumiam responsabilidade alguma. Diziam que os deuses é que traziam as doencas e que também tinham o poder de curé-las, E curioso observar que bastao de Esculapio com uma serpente nele enro- lada acabou se tornando o emblema dos médicos e persiste até os nossos dias. A consideracao da doenca e da sua terapia num nivel espiritual propiciou que ambas fossem consideradas como pertencentes as religides, quando estas comecaram a ser formalmente organizadas. Assim, a doenca e a terapia passa- ram do plano da magia para o das religides, e nelas encontramos, atualmente, vestigios da crenga no poder de Deus, dos santos e dos espiritos, com o objetivo de aliviar os sofrimentos e curar os doentes, sofram eles de males fisicos, psico- légicos ou espirituais. Entretanto, atualmente, este assunto ja esta comecando a passar do plano religioso e espiritual para o cientifico. Médicos e psicologos tem. constatado 0 quanto a crenga do doente na ajuda de um ser superior em seu processo de restabelecimento pode, de fato, contribuir para que este aconteca Pesquisas nessa area tém revelado que pacientes com doengas graves, medica- dos adequadamente, apresentam aumento das defesas de seu organismo e con- sequente recuperacao, com maior frequéncia, quando possuem profunda religiosidade do que quando sao incrédulos 1.2 Acontribuicgéo dos gregos e dos romanos Com o advento da civilizacao grega, a partir do século VII a.C., ocorreu enorme explosdo intelectual, que marcou 0 inicio da filosofia e da ciéncia e acabou por estabelecer os padroes gerais da civilizagao ocidental (Russell, 2003, p. 20) Aqui se inserem as doengas e a sua terapia, que comecaram a deixar de ser con- sideradas de uma perspectiva sobrenatural e passaram, gradativamente, para a natural e cientifica. A este respeito sao importantes as contribuigdes de filésofos como Empédocles, Protagoras, Socrates, Platao e Aristoteles. 6 Aconselhamento Terapeutico EMPEDOCLES (490-430 a.C,) foi um dos primeiros filosofos ase preocupar hhumano, embora tivesse também um interesse do racional do ser i com © estu epoca. Sintetizou a diversidade do uni- ICO, Ci s de sua ae iden terra, 0 ar, a agua € 0 fogo, coneeito que se man- teve durante varios séculos. Dizia que esses ee baa de todas as coisas, agregam-se ¢ desagregam-se, incessantemente, sob a ra la aco do amor «do odio, e condicionam as qualidades fundament®!S jos humanos: quente ¢ frio, seco e umido. Interessava-s¢ pelos problemas do pensamento e deu muita : mor e no odio a fonte da vida e das mudancas, iaa 3 al importancia as emogoes. Viu No : pregava o que denominou a “cura pela pala- Para o tratamento das doencas ¢m| a vra” cantada ou falada. Tal terapia teve grande importancia na ocasiao, passando a ser chamada de “ensalmo”, com o significado de que o ser humano muda de condicao sob o influxo de palavras magicas (Pinero eee Ae Perreiconss (00-710 oC) is om dos Pe filosofos a por em re- Jevo o que hoje se denomina “subjetividade”. Afirmava que nao percebemos os objetos como realmente sao porque a percepcao € um ae entre 0 ob- jeto e 0 observador. Por isso 0 contetido de nossas percepcdes depende nao apenas do objeto observado, mas, igualmente, da natureza do observador. Para © tratamento das doencas também empregava a “cura pela palavra”. SOCRATES (470-399 a.C.) também afirmava que o conhecimento tem seus aspectos subjetivos, porém nao a ponto de considerar que a verdade s6 existe como uma forma de opiniao pessoal, pois acreditava na existéncia de naturezas inalteraveis e principios primeiros que sao independentes do pensa- dor, Considerava que o ser humano possui uma capacidade limitada para co- nhecer o mundo exterior, mas tem recursos suficientes para conhecer 0 seu mundo interior. A sua célebre maxima “conhece a ti mesmo” dominou todos os seus ensinamentos. E para iniciar-se nesse estudo ele dizia que a pessoa precisa libertar-se dos erros que obscurecem a sua inteligéncia, por meio da argumen- tacdo dialogada. Este método, denominado dialetica socratica, era 0 recurso que recomendava a seus discipulos para que descobrissem as verdades por si mesmos e assim chegassem aos fundamentos de uma vida plena, nisto consis- tindo a felicidade. Dizia que o ser humano tem uma tendéncia natural de lutat pela felicidade, sendo esta a raiz de todo o desejo, e que a satisfacao deste s€ encontra no bem. Assim, ser feliz, em ultima instancia, equivale a ser bom (Brett, 1963). Yolanda Cintrao Forghieri 7 PLATAO (427-327 a.C.) prosseguiu a exploragao do ser humano e do mundo. Dizia que 6 mundo, tal como o percebemos, € mutivel, imperfeito e consiste apenas na aproximagdo do mundo das idéias, que € a unica realidade perfeita, Considerava a alma como o principio da vida do corpo, e que ela pos- sui trés partes: a mente, o afeto e o desejo, que residem respectivamente na ca- beca, no peito € no ventre (Klemm, 1929, p. 42). As fungoes mais elevadas da mente orientam os processos psicologicos e fisiologicos que sao cadticos. O conflito entre os apetites inferiores desorganizados e as funges organizadoras mais altas da mente € a base da psicologia platonica (Alexander e Selesnick, 1968, p. 66). Elaborou um programa terapéutico da “cura pela palavra”, Afir- mava que a palavra, quando expressada num belo discurso, pode produzir na vida animica uma harmoniosa e justa ordenacao de todos os seus elementos, tais como crencas, sentimentos, impulsos, saberes etc. Essa harmonia da alma produz efeitos somaticos beneficos e € condigao para que a agao dos remédios seja maximamente eficaz. A terapia, portanto, para ser eficaz requer 0 uso da palavra pelo médico ARISTOTELES (384-322 a.C.) dizia que 0 ser humano, assim como todas as substancias corporais, € composto de materia € forma, e que esta confere ao ser a sua plenitude. Em todas as criaturas vivas a alma € a forma do organismo, é a concretude ou a realizagao da existéncia potencial do corpo. A alma abrange todos os graus de vida, manifestando-se nos niveis vegetativo, sensitiv € hu- mano. A forma mais elementar de manifestacao da alma € encontrada nas plan- tas e a mais elevada, no homem, nas suas faculdades intelectuais. Descreveu minuciosamente os sentidos, considerando 0 tato e o paladar como mais im- portantes para a vida, enquanto 0 olfato, a visao € a audicao, além de uteis para a vida, 0 s4o também para a vida plena, que € aquela acima do meramente ne- cessario, Descreveu o contetido da consciéncia fazendo distingao entre a sensa- ¢40, a volicdo ea afeicao, tendo como base a observa¢ao introspectiva. Distinguiu os seguintes estados afetivos: 0 desejo, a ira, 0 medo, a coragem, a inveja, a alegria, o 6dio ¢ a piedade. Fez deles descrigdes ao bem feitas quanto as mo- dernas. Dizia que o medo e a coragem derivam-se da nogao de perigo; o medo com expectativa de derrota, a coragem com expectativa de vitoria. Considerava todas as sensagdes como agradaveis ou dolorosas € 0 pensamento como um ‘entador no sentido de eliminar a dor e obter o prazer, e que 0 prazer contece na atividade mais alta, a razao. Os sonhos podem anun- esforco ori mais elevado a 8 Aconselhamento Terapéutico ciar as doengas, pois estas sio precedidas de movimentos insolitos no orga. capam ao estado de vigilia, Recomendava a terapia da palavra nismo que ¢: a, Apresentou uma nova dialética ou convincente, e da retorica ou persuasivs atuagao terapéutica, a catirtica, com o significado de liberacao ou purgagao das ixdes, seguida do correspondente alivio. Dizia que um poema tragico pode em certos doentes provocar uma catarse, mas 0 médico que souber produzir ce efeitos psicologicos semelhantes, com suas palavras, vera a sua eficacia terapeu- tica radicalmente completada (Piero e Meseguer, 1970, p. Be Ainda no periodo antes de Cristo, outros filésofos também médicos de- ram importantes contribuiges a respeito das doengas € de suas terapias. Entre eles destacam-se Democrito, Hipécrates, Asclepiades, Cicero € Aurélio Cornélio. DEMOCRITO (460-370 a.C.) estabeleceu que 0 mundo € constituido de Atomos que se encontram, agregam-se e desagregam-se no vacuo por uma lei necessaria, desde a eternidade, e nao pelas divindades. A posicao sensata do ser humano é conformar-se com essa lei universal e aceitar 0 curso inevitavel dos acontecimentos materialmente predeterminados, ou entao procurar tirar deles © maximo possivel de prazer. Para viver sem tensao emocional o ser humano deve aceitar pacificamente as imutaveis leis universais e fazer tudo para cumpri- las. A enfermidade fisica € produzida por alteracdes corporais, mas a enfermi- dade da alma é causada por algo que depende da propria pessoa e surge de representacées falsas, erréneas ou enganosas. O determinismo de Democrito foi seguido, apenas em parte, pelos estéi- cos, pois eles apregoavam também o poder da vontade, que diziam ser o funda- mento da liberdade. Assim, o ser humano tem a capacidade de dizer “nao” aos impulsos, aos desejos, aos fantasmas da imaginacao, Recomendavam uma tera- pia de disciplina pessoal e educagao do carater para desenvolver uma firmeza da alma, teoricamente inabalavel. Os epicuristas aceitavam, como Democrito, a tese de que os atomos agre- gavam-se e desagregavam-se, mas sem uma predestinacao absoluta, Diziam que © ser humano pode, até certo ponto, tornar-se independente do universal ¢ imutavel curso dos acontecimentos mundiais e atingir a sua propria felicidade. Esta consiste em encontrar o prazer, que consiste, Por sua vez, na cultura do espirito para o sofrimento, a lembranga de momentos felizes e a proscricao de pensamentos deprimentes. Consideravam ser este 0 meio para atingir a felicl- dade, mesmo quando o sofrimento fosse do proprio corpo. Yolanda Cintréo Forghieri 9 HIPOCRATES (460-377 a.C.) foi quem conseguiu separar definitivamente a Medicina da religiao, pois embora alguns de seus antecessores j4 tivessem comecado a considerar as doencas racionalmente, 0 seu tratamento ainda era feito nos templos. E conhecido como o pai da Medicina. A partir dele, pela primeira vez, foram elaboradas uma filosofia ¢ uma ética destinadas a orientar a Medicina futura (Haggard, 1933, p. 32). Muitas de suas instituigdes e ensina- mentos continuam influenciando o pensamento médico de hoje. Registrou os sintomas considerando que nao eram um fim em si mesmos, mas indicacoes de uma situa¢ao interna do organismo. Dizia que estados mentais puramente emo- tivos podem produzir mudancas profundas na pessoa e até mesmo mudancas fisiol6gicas. Quando ela se sente dominada por temores e apreensoes ou quando enlouquece, varios processos se desenvolvem no cérebro. Para o tratamento das doencas, recomendava que 0 médico conversasse com os doentes, de modo a Ihes despertar sentimentos positivos para estimular 0 seu organismo e aumen- tar a sua vitalidade, nado melindra-los e adotar os procedimentos mais aceitos pelo proprio paciente. Em alguns casos sugeria engenhosos estratagemas para persuadi-los de sua melhora (Mueller, 1968, p. 34). Combatia 0 uso exagerado de medicamentos, pois acreditava que a propria natureza é que cura, e para que isto aconteca, o médico precisa adotar procedimentos que despertem a vitali- dade do paciente. ASCLEPIADES (141-96 a.C.) contestou os ensinamentos de Hipocrates e retomou os de Democrito, considerando 0 corpo como uma multidao de ato- mos em constante movimento de atragao e repulsao através dos espacos entre eles. Dizia que a doenca surge quando esses espacos se tornam demasiadamente grandes ou pequenos. Para curd-la € preciso fazer os atomos voltarem a sua mobilidade adequada. Foi muito original no tratamento dos doentes mentais, para os quais recomendava banhos, os mais variados, exercicios fisicos, massa- gens, terapia musical, camas suspensas para acalmar o doente com seus balangos e locais bastante iluminados, pois achava que a escuridao excita o terror. CicERO (106-43 a.C.), filosofo romano, combateu os conceitos organicos de Hipécrates sobre a doenca mental, pois acreditava nas causas psicologicas desta e também das enfermidades fisicas. Dizia que 0 corpo pode ser pertur- bado sem que a pessoa cometa falta, mas a mente nao pode, pois as desordens Perturbacoes da mente procedem de um descuido da razdo; por isso, acontecem penalidades para os seres humanos. A doenga mental nao ¢ uma perturbacao do 10 Aconselhamento Terapeutco Ima, Quando a pessoa est concen. aparelho sensonal ¢ sim do espinto, daa trada em um pensnento, to CONSERUE VEE OU C como exemplo a passagem na qual Hercules atra. yuvir as comsas que chessam aos Seus ONES sensivers, C1LW Yesson sets propos fills com fechas, confundindo-os com seus NERO, nao porqtte os seus ollios o tivessem enganado, mas pelo fato de que, apesar de equivocara, Dava importancra fundamenta sua boa visto, O seu Espirito se ao espinty, dizendo que, quando este fica alterado pelo odio, pelo medo ou pela dor, pode surgira doeriga mental, Segundo ele, as pessoas sA0 responsavers por suas alteragdes emoctonats, atraem suas doengas para si proprias € podem com- baté-las. E preciso que o individuo empregue todos os seus recursos € toda a sua forga para conseguir ter o poder de ser seu proprio médico. AURELIO CORNELIO (25 a.C.-50 d.C.) foi um escritor romano de assuntos medicos, muito culto, que compilou de maneira enciclopédica os conhecimen- tos de medicina de seu tempo. Nao chegou a apresentar novas teonas Dividiu as enfermidades em gerais ¢ locais e incluiu a loucura entre as primeiras, Consi- derando que na doenca mental toda a personalidade esta envolvida e nao ape- nas um Orgao. Para o tratamento dessa enfermidade, recomendava a terapia através do trabalho e das massagens. Acreditava que um susto repentino pode causar uma mudanca no doente mental, tirando-o do estado em que se encon- tra, e que uma crueldade, como a coer¢ao fisica ou o temor, também € capaz de produzir bons resultados. Aos doentes com dores € insdnia, recomendava que bebessem uma infusao de papoulas, que mais tarde se tornou conhecida como 6pio ou morfina No ultimo século antes de Cristo, muitos médicos descontentes com as teorias anteriores procuraram um principio vital que explicasse de modo mais satisfatorio as doencas e o seu tratamento. Encontraram-no no ar (pneuma) € por isso foram chamados de pneumaticos. Entretanto, como estavam interessa- dos em uma ampla variedade de tratamentos, foram mais tarde chamados de ecléticos, porque nao se apegavam a uma teoria, mas a varias. Eles atingiram sua maior influéncia no inicio do século I depois de Cristo. ARETEU (50-130) foi o principal representante dos ecléticos, revitalizou a observacao clinica de Hipocrates, apresentando minuciosas descrigdes de varias doengas mentais. Distinguiu a mania, que considerou curavel, das enfermida- des proprias do envelhecimento, as quais disse serem progressivas e incuravels. Mencionou que ha doencas mentais em que a pessoa parece esttipida, distraida, Yolanda Cintréo Forghieri 11 enquanto existem outras que nao afetam as faculdades intelectuais, sendo este 9 caso da mania. Afirmou ser esta relacionada a melancolia, considerando am- bas como estados patologicos da mesma doenga. Esse conceito desenvolveu-se através da historia da Psiquiatria, sendo a enfermidade atualmente denominada transtorno bipolar. Mais do que qualquer de seus antecessores, deu grande im- portancia ao que os pacientes pensavam e sentiam. Nisto antecipou-se muitos séculos a sua €poca. Recomendava varios tratamentos Propostos por seus con- temporaneos, discordando apenas dos procedimentos coercitivos. SORANO (93 a.C.-139 d.C.), médico romano, Ppreocupou-se principal- mente Com Os tratamentos dos doentes mentais, e com os seus sentimentos e pensamentos. Combateu as medicacées violentas, grandes doses de alcool, a coergao fisica e 0 temor. Afirmaya ser a teoria secundaria em relacao a pratica do tratamento, que devia ser humanitario e individual. Valorizou a relacao entre o médico e o doente, considerando que este, acima de tudo, devia receber uma terapia que aliviasse 0 seu sofrimento ¢ a sua angtistia. Recomendava que o médico conversasse com 0 paciente sobre as proprias angustias e sobre assuntos. que Ihe interessassem, procurando compreende-lo, animé-lo, desperta-lo para 0 seu proprio restabelecimento. Esse tratamento humanitario voltado para a melhora e o bem-estar do pa- ciente, tao acentuado por Sorano, nao obteve repercussao em sua época, pois logo comecou a ser substituido pelo retorno da supersti¢do aliada a normas morais. CELIO AURELIANO (4 a.C.-0) foi um dos primeiros médicos desse periodo de transicao. Além de atencioso e generoso com seus doentes mentai: , protes- tava contra as perversoes € 0 sensualismo sexual difundido em sua época, con- siderando-os a mais nociva e fétida paixdo do espirito. Para o tratamento de seus pacientes recomendava os exercicios de memoria e de atengao, e a assis- téncia do médico, que deveria até visita-los em suas residéncias (Ferrio, 1948, p. 46). Apesar de ter uma atitude racional a respeito da doenca mental, foi influenciado pelo ambiente de supersticao que reapareceu em sua €poca. Assim, retomou a antiga crenga da influéncia de espiritos do mal nas doencas mentais, acreditando na existéncia de um tipo de demOnio que aparecia em forma de homem para seduzir sexualmente as mulheres, levando-as a adoece- rem mentalmente. Essa crenca influenciou a Psiquiatria durante longo tempo. O periodo de contribuigdes dos gregos € dos romanos culminou com Galeno (131-200), que foi o ultimo dos grandes médicos dessa época e durante 12. Aconselhamento Terapéutico sécullos influenciou a Medicina (Haggard, 1933, p. 36). Reuniu ¢ todo o conhecimento médico acumulado por seus antecessores, send, rado o maior dos escritores de scu tempo sobre 0 assunto. Além disso ceu sua obra com suas proprias idéias, entre as quais a que estabel, fungdes psiquicas centralizam-se no cérebro, mas o principio que TRAnizoy ‘© COnside. >» enrique. ecia que ag aS poe em € Aristote. © temperamento, Para ele a vontade dependia Por completo deste funcionamento nao € o “pneuma” ou espirito (como diziam Platdo ma porque o espirito esta estreitamente relacionado com 0 corpo, e os €stados men, ta ‘amento do corpo, visto que qualquer enfermidade consiste numa disposicao “preternatural” dele, pela qual alterados podem normalizar-se por meio do t ficam alteradas as fungdes vitais. A sua terapia estava fortemente inclinada a prescricao de medicamentos preparados com vegetais. Entretanto, Galeno referiu-se as enfermidades da alma (que inclufam as paixdes, os pecados ou coisas cometidas incorretamente), con- siderando-as afecgdes mérbidas que nao fazem parte da Medicina, e o seu tra- tamento pertence a Filosofia, devendo ser resolvidas com formulas Ppuramente filosdficas. Acreditava serem esses doentes depravados e viciados, aos quais re- comendava a convivéncia com uma pessoa saudavel e bondosa como tentativa de recuperarem a satide mental (Brett, 1963, p. 148). 1.3 A grande decadéncia A historia das doengas e do seu tratamento comecou a sofrer um periodo de Tetrocesso e obscurantismo a partir do ano 200, apds a morte de Galeno, e se estendeu de 600 a 1000 d.C. A tendencia a um enfoque racional, que havia se iniciado com Hipocrates, passou entao a declinar gradualmente até chegar a um Tetorno a cren¢a na magia, no misticismo e na demonologia que predomi- nara na €poca anterior. Assim, o tratamento das doengas mentais passou a set sinonimo de exorcismo, representando uma unido da demonologia primitiva € da mitologia crista. Apesar disso, inicialmente alguns cristaos e médicos arabes conseguiram prestar importante contribuicdo a uma terapia humanitaria dos doentes men- tais. Porém, seus ideais foram sendo depreciados, a explicacao sobrenatural Yolanda Cintro Forghieri. 13, desses doentes passou a ser predominante, e sua terapia foi se deteriorando a tal ponto, nao sendo mais possivel distingui-la do exorcismo demonologico. Ainda no inicio dessa €poca (354-430 d.C.), destaca-se a obra de Santo Agostinho por sua significativa contribuigao a Psicologia ao demonstrar que a introspeccao € fonte importante do conhecimento humano. Dizia que o funda- mento da alma € a continua autoconsciéncia e que o pensamento € a vida refle- tida em si mesma. Enfatizou o carater subjetivo do tempo considerando-o como um triplice presente: o presente Propriamente dito, que € a coisa que realmente existe, 0 passado que existe como memoria do Presente e 0 futuro como expec- tativa do presente (Russell, 2003, p. 207). As primeiras contribuicdes a uma recuperacao da abordagem racional sur- giram apenas a respeito das doencas fisicas, mas que nao se estenderam as mentais. Este € 0 caso de Alexandre de Tralles, considerado um continuador dos ensinamentos de Hipocrates e de Galeno. No inicio do século VI houve uma ascensao dos arabes, € as suas idéias sobre as doengas passaram a predominar sobre as dos Bregos, que até entao Teinavam. Os orientais se converteram em autoridades cientificas. Entre suas contribuigdes destacam-se as de Rhazes e Avicena. RHAZES (865-925), o mais ilustre dos médicos arabes, foi cognominado “Galeno Persa” (Alexander € Selesnick, 1968, p. 98). Descreveu cuidadosa- mente as doencas mentais e para o seu tratamento recomendava métodos psi- coldgicos primitivos combinados com terapias fisiolégicas. Assim, para tratar um famoso califa que sofria de grave artrite com grande dificuldade para andar, recomendou-Ihe um banho quente e, enquanto este se banhava, ameacou-o de morte com uma faca. Entao, o califa sai correndo, conseguindo superar a sua doenga. Denominou essa terapia “psychotherapeusis”, explicando que o banho quente servira para aumentar a caloria natural do corpo, que desse modo ad- quirira forca suficiente para dissolver os humores morbidos. Combateu com afinco as explicagdes e terapias demonologicas, e isto a tal ponto que numa discussao com seu patriarca, este condenou-o a ser golpeado na cabeca com seu Proprio livro, até partir-se o livro ou a cabeca. Rhazes ficou cego devido ao cas- igo (Marti-Ibanez, 1958, p. 50). AVICENA (980-1037) foi também considerado por alguns historiadores 0 mais brilhante dos médicos arabes (Robinson, 1944, p. 162). Correlacionou, brilhantemente, a filosofia aristotélica, a observagao hipocratica e a especulagao 14 Aconselhamento Terapéutico considerado 0 mais importante ¢ influente es. galénica em seu livro O canone, a Asia e, posteriormente, na crito até entao. Este se tornou biblia medica n: Europa, tendo sido usado até 0 inicio da experim: XVL Como Rhazes, Avicena relacionava estados emocionais a reagdes fisiologi. cas e aplicava terapias psicologicas primitivas, Aum doente que se queixava de sse ser um carniceiro, amarrou-lhe as pernas, di- dos alguns dias, ali- entagao anatomica, no século ser uma vaca, o médico Ihe di zendo que precisava engorda-lo para depois mata-lo. Passs mentando-o muito bem, soltou-lhe as pernas, ameagando-0 com um facdo. © doente, entao adquirindo forgas para fugir do médico, saiu correndo ¢ livrou-se de seu delirio (Brown, 1961, p. 85, 89). Entretanto, apesar dessas terapias psicologic retorno da supersti¢ao e da magia em relagdo as doeng: trando cada vez mais na medicina no decorrer do tempo, Do final do século XIV em diante, os doentes mentais passaram a ser con- da perseguicgao e do exterminio. Dois s primitivas, a tendéncia ao s mentais foi se infil- siderados feiticeiros e tornaram-se vitima monges dominicanos, Hohann Sprenger e Heinrich Kraemer, elaboraram o li- vro Malleus maleficarum, no qual codificaram a ideologia do movimento de caca as feiticeiras e entre estas incluiam, além dos doentes mentais, os dissidentes e os de comportamento excéntrico. Advertiam que eles eram os culpados pelas epidemias e pelas doengas da alma, A obra foi aprovada pelo papa Inocencio VIII, pelo rei de Roma, Maximiliano 1, e pela Faculdade de Teologia da Univer- sidade de Colonia. Nessa obra os autores afirmavam que, se 0 doente nao me- Thorasse com os medicamentos, era porque sua doenga era causada pelos demonios. Entre esses pacientes eram incluidas as mulheres, em sua grande maioria. Diziam que tais pessoas deviam ser condenadas por tribunais civis € queimadas para destruir, pelo fogo, 0 demdnio que nelas havia se instalado (Zilboorg, 1935). Os individuos que discordavam dessa pratica e se manifestassem comba- tendo-a estavam sujeitos a serem acusados de feiticeiros e a serem queimados. Nessa €poca os doentes mentais, além de feiticeiros, também eram considera dos vitimas de algum corpo celeste que os afetara porque o Céu ordenara. As- sim, algumas doengas eram denominadas lunatismo, com o significado de que a perturbacao era causada pela lua, sendo esses doentes conhecidos como lund- Uicos. Ainda hoje encontramos a referencia de lunaticos aos individuos com comportamentos excéntricos ou patoldgicos. Yolanda Cintrao Forghieri_ 15 O maximo da crueldade e inicio da repressao a feiticaria aconteceu entre 0 final do século XV e comeco do século XVI, época em que foram queimadas milhoes de pessoas, de acordo com dados de diversos historiadores (Carvalhal Ribas, 1963, p. 12). 1.4 Aretomada da racionalidade Apesar do enorme retrocesso em relagao as doencas mentais e ao seu trata- mento, ocorrido gradualmente a partir do século Il e que se prolongou até o século XVI, a influéncia do racionalismo nao desapareceu completamente. Ela permaneceu como um fio de agua subterraneo, que a partir do século XIII comecou a se transformar em uma poderosa torrente. Porém, a maioria das pessoas ainda mantinha a reveréncia pela autoridade, que transferiu do sobre- natural para os fildsofos antigos. E como esses filésofos discordavam entre si, surgiu a necessidade do discernimento individual para decidir qual deles seguir, © que ja foi um passo em direcao a racionalidade (Mac Kinnzy, 1937, p. 50) Entretanto, s6 a medida que o ser humano comecou a confiar em seus proprios sentidos e experiéncias, e nao apenas nas idéias de algum filosofo, é que o retorno de uma mentalidade cientifica pode ocorrer e se desenvolver. Isto comegou a acontecer a partir do século XV, com o aparecimento da imprensa, que possibilitou a divulgacao dos escritos dos grandes filésofos, o emprego da polvora e a descoberta de novos continentes. Esses acontecimentos foram, gra- dativamente, trazendo o ser humano da crenca em um mundo sobrenatural para a preocupacao e interesse pelo mundo concreto, real. O século XV foi a era de transicdo na qual o ser humano comecou a ser arrancado de um sistema de tradicdes e convicgdes e ainda nao se firmara no sistema de investigacdo e pensamento critico (Ortega y Gasset, 1958, p. 186). Surgem grandes movimentos intelectuais, que embora paregam contraditorios apresentam um denominador comum: a confianga do ser humano na sua capacidade de adquirir conhecimentos sobre a natureza por meio de suas faculdades de observacao e raciocinio. Adquiriu confianga em sua capacidade de descobrir a verdade com sua propria experiéncia, que foi cada vez mais aumentando, trazendo consideravel progresso a ciéncia. Porém, tudo isso aconteceu em relagdo a natureza e ao mundo em geral, pois a doenca mental e 16 Aconselhamento Terapéutico 9 seu tratamento ainda continuavam num nivel primitivo de crengas na demo. nologia e na bruxaria. Os primeiros passos para considerar 0 ser humano doente como pessog com dignidade foram dados pelos humanistas da Renascenga. Sua contribuicao é significativa pela visao concreta que apresentaram de confianga no ser hu. mano, em suas convicgdes € sentimentos, mesmo quando adoeciam mental. mente. Muitos deles ainda se remetiam aos conhecimentos psicoldgicos de Aristoteles ou de Platao. Encontramos alguma originalidade em Julio Cesar Scaliger, Pico Della Mirandola e Juan Luis Vives. JULIO CESAR (1484-1558) descobriu o sentido sinestésico, que registra a posicao das diferentes partes do corpo humano, e postulou a idéia basica da Fisiologia de que os movimentos deste sao causados por impulsos nervosos centrais. Considerou os instintos como habitos herdados do comportamento adaptativo, que ainda hoje prevalece. PICO DELLA MIRANDOLA (1463-1494) afirmava que o ser humano, em contraste com todos os outros seres, € livre para realizar s u proprio destino, conceito que teve grande influéncia nos séculos seguintes € prevalece até hoje. Afirmava que a condigao para 0 ser humano realizar o seu ideal € a educacio, que € 0 meio pelo qual ele aprende a aproveitar, de modo construtivo, a sua fa- culdade de livre escolha. JUAN Luts Vives (1492-1540) combinou o espirito de religioso com o de um cientista que procura descobrir a verdade pela investigacao dos fatos. Tinha a convicc4o de que aprendemos mais com a natureza e 0 homem comum do que com os sabios € os professores. Foi o primeiro a descobrir a importancia das associacées psicologicas e a reconhecer a origem emocional de algumas associa- des e sua relagdo com a recordacao e o esquecimento. Descreveu como as vezes registramos certas coisas sem saber que o fazemos, e como mais tarde, mediante uma cadeia de associagées, podemos recorda-las, embora nao tivéssemos cons- ciéncia de que as sabiamos. Afirmava que o amor se encontra relacionado com © dio, introduzindo a nogao de ambivaléncia. Considerava que nada ha de mais excelente no mundo que o ser humano, e neste nada ha de mais excelente do que o seu espirito. Por isso a tarefa suprema € devolver a saude ao espirto dos doentes, principalmente dos doentes mentais. Estes devem ser tratados com 0 maior respeito. Recomendava, alem de remeédios adequados, dar atengae Yolanda Cintrao Forghieri 7 que despertam no ser humano novamente a ansiedad via-la recorrendo a forcas sobrenaturais, Talvez por es: nologia, a astrologia, a quiromancia e outras magias tiveram muita aceitacao e alcancaram progresso durante esse periodo (Alexander e Selesnick, 1968). A astrologia dava enfase a previsio do destino do ser humano, ¢ algumas outras artes combinavam pré-ci le. Ele, entao, procura ali- se motivo, além da demo- cla com previsao. Entre estas se destacaram a quiromancia é a fisionomia. Os quiromantes afirmavam que o tamanho e o for- mato da mao e os seus variados sulcos revelam os tragos de personalidade e o futuro da pessoa. Os fisionomistas estabeleciam correlacao das linhas e expres- soes da face com o carater. A astrologia e a quiromancia mantiveram-se através dos tempos, e até a atualidade, com bastante aceitacao. GIROLAMO CARDANO (1501-1576) foi um brilhante médico, anatomista sagaz, matematico considerado e, no entanto, era também fisionomista e quiro- mante quando procurava compreender o psiquismo humano. Assim, acreditava em premonicoes, visdes e demonios, embora revelasse, as vezes, genuino racio- cinio cientifico. Afirmava que o ser humano é€ a sua mente. Se esta estiver em ordem, todo o resto sera facil; caso contrario, tudo estara perdido. Dizia: “é necessario para que evites ser miseravel, que acredites que ndo o és” (Oren, 1953, p. 47). Cardano € considerado um dos precursores do hipnotismo eda auto-sugestao, esclarecidos e desenvolvidos posteriormente por Emile Coué. JOHANN WEYER (1515-1588) viveu em um periodo em que a demonolo- gia inspirava os piores excessos e tornou-se um verdadeiro apostolo da cruzada para combaté-la (Ey, 1965, p. 48). Procurou provar que as feiticeiras amy do- entes mentais e por isso deviam ser tratadas por médicos. Em sua obra A ilusdo dos demonios fez uma refutagdo, ponto por ponto, do Malleus maleficarum (Ehrenwald, 1956, p. 240). Reconheceu e demonstrou em suas obras a impor- 18 Aconselhamento Terapéutico tancia de ver os doentes mentais tal como eles sao, e de lidar com eles a julga-los, reconhecendo sua independéncia e sua propria personalidade, Nag se horrorizar nem vacilar diante de suas discordancias e contradigées, que po dem, ser proprias da psicologia humana (Zilboorg, 1945, p. 256). 1.5 Aera da reconstrugao No inicio do século XVII ainda pairava um ambiente de conilitos e contradi. goes. Entretanto, j4 comegaram a ocorrer grandes realizacoes intelectuais, que se constituiram nos primeiros alicerces do mundo moderno Na base dos conhecimentos cientificos desse periodo havia dois métodos intelectuais: um que dava énfase no raciocinio dedutivo analitico ¢ matematico (utilizado por Descartes, Hobbes e Spinoza), e outro que enfatizava 0 racioci- nio empirico e indutivo (usado por Francis Bacon e John Locke). “A cigncia, no sentido moderno, desenvolveu-se da integragao dos dois métodos. O processo de verificagao experimental das presung6es hipotéticas leva a novo conheci- mento factual nao incluido na teoria original. Isso exige a modificagao da hipo- tese original e esta leva a novas experiéncias e por meio delas a novas descobertas num movimento ciclico e espiralado, interminavel, que em uma curva assin- tota, aproxima-se da verdade absoluta, mas nunca a alcanga” (Alexander e Selesnick, 1968, p. 133). O método dedutivo e 0 método indutivo foram har- moniosamente integrados no trabalho de Galileu, um dos mais importantes fundadores da ciéncia moderna. Havia formulado no campo da dinamica a hi- potese de que 0 movimento natural de um corpo persiste por tanto tempo quanto mais desobstruido estiver o caminho, e se nao houver nenhuma interfe- réncia, 0 corpo continua se movimentando em velocidade uniforme. Entre- tanto, com suas experiéncias, acabou descobrindo a lei da gravidade exercida pela Terra, ao verificar que a velocidade do corpo nao era uniforme e sim acele- rada. Na astronomia fez importantes descobertas, tais como a de que a Terra se move. Por suas teorias inovadoras foi condenado pela Inquisigao e precise» entao, declarar em publico que nao as confirmava, para nao ser morto (Russ 2003, p. 305). Alem de importante matematico e astronomo, sempre maniles tou profundo interesse e consideragao pelo ser humano, a ponto de afirmar que Yolanda Cintréo Forghieri 19 a ciéncia necessita de pesquisas, mas estas s6 se justificam se contribuirem para melhorar a qualidade de vida das pessoas. RENE DESCARTES (1596-1650) foi o mais extremado racionalista. Preocu- pou-se principalmente com a busca de um método que representasse um cami- nho para a descoberta e a invengao. Duvidou de tudo que fosse suscetivel de duvida, decidindo que a unica coisa da qual poderia ter certeza era do proprio processo de duvidar. Este implica a existéncia de alguém que duvida. Dai a sua famosa maxima: “Penso, logo existo”. Era partidario do dualismo corpo e alma, mas também era um interacionista, procurando sempre se referir 4 interagao entre Os atos psiquicos ¢ as funcgoes organicas por meio da glandula pineal, si- tuada na base do cérebro (Hernstein e Boring, 1971, p. 250). Reconheceu a existéncia do que hoje denominamos inconsciente, conforme relatou em uma carta a um amigo na qual conta que, quando crianca, se apaixonou por uma menina estrabica, e isto se ligou tanto ao seu sentimento amoroso que tempos depois, ao ver pessoas vesgas, gostava mais delas do que das outras, sem saber 0 motivo. Desde que 0 descobriu e reconheceu ser 0 estrabismo um defeito, nao teve mais aquele sentimento (Mueller, 1968, p. 208). Era defensor de uma terapia racional, considerando que o pensamento e a vontade podem assegurar a liberdade do ser humano. E este pode utilizar-se de varias técnicas, de acordo com as circunstancias. Assim, quando a pessoa esta com medo, pode desviar seu pensamento do perigo, recorrendo as razdes pelas quais existe muito mais seguranga e honra na resistencia do que na fuga. E a terapia geral contra os excessos das paixdes significa separar de si mesmo a associagao do juizo com © sentimento. Considerava que a melhor terapia consistia em restabelecer a verdadeira hierarquia por meio de um esforco para colocar 0 dominio do pen- samento sobre a paixao. Outro importante racionalista foi Thomas Hobbes, que pode ser conside- rado um dos criadores da psicologia associacionista (Alexander e Selesnick, 1968, p. 137). Afirmava que as percepcdes sao a unica fonte de vida psiquica e encontram-se associadas entre si. E que 0 amor é uma emogao relacionada ao prazer e 0 6dio, ao desprazer. Considerava que todos os fendmenos psicologi- cos estao regulados pelo instinto de conservar a vida e pela necessidade de procurar o prazer e evitar a dor. Essas suas idéias constituiram o nucleo concei- tual de boa parte das teorias de aprendizagem de Thorndike e da Psicanalise (Cabral e Oliveira, 1972, p. 62). Era pessimista em relagdo a natureza do ser 20 aconselhamento Terapeutico perversa, considerando-o motivado pela sede, fome iderava no, que conside 7 . . 2 prescindivel a ordem social para que 0s seres huma, huma! : medo € orgulho, sendo im : m paz. 5 consigam viver €1 ; no$ Jonny LOCKE (1638-1704) condenou © sistema racionalista tradiciona, do que este era baseado numa verbosidade vazia e no emprego de pala. a one aos quais se referiam. Para raciocinar com clareza era Pre. amines os preconceitos, sendo necessario que cada pessoa fizesse suas proprias experiéncias a fim de obter um conhecimento direto dos fatos (Dicig. nario de Psicologia Larousse do Brasil, p. 21)-Atribufa um alto grau de impontan. 1s Orgdos sensoriais, afirmando que nada pode ser percebido ou convertidg cia ao: endas que conduzem ao cérebro em reacoes psicolégicas sem eles, pois sao as si sendo este o orgao central de transformacao de todos os estimulos em pensa- mentos, sentimentos e aces. Afirmou também que nao ha quem nao manifeste em suas opinides, raciocinios ou acoes algo de extravagante, algum pequeno grau de loucura, devido a uma ligacao defeituosa das idéias, j4 que estas corres- pondem a uma ligacdo natural. Porém, ha idéias que dependem exclusivamente do acaso e do costume, sendo dificil romper essa ligacdo. As idéias tiram seu contetdo da experiéncia, e a dignidade do ser humano esta em resistir as incli- nacées inferiores, opor-se aos seus desejos e tendéncias, para tentar seguir ape- nas as prescricdes da razao. Era favoravel a uma terapia racional que propiciasse ao individuo agir nesse sentido. Suas idéias foram desenvolvidas por David Hume (1711-1776) e George Berkeley (1685-1753), os quais concluiram que nenhum conhecimento absoluto € possivel, pois tudo o que sabemos € baseado em experiéncia subjetiva, transmitida pelas percepgoes dos sentidos, que nao tefletem um quadro objetivamente verdadeiro do mundo (Alexander e Seles- nick, 1968, p. 137). BARUCH SPINOZA (1632-1677), importante filésofo e psicdlogo desse pe- tiodo, estabeleceu o fundamento epistemolégico da psicossomatica, reconhe- cendo que a alma e o corpo constituem uma unidade basica. O fisico e © Psiquico manifestam-se juntos; assim, as emocdes 40, a0 mesmo tempo, esta pa alma (Brett, 1963, p. 303). Considerou o esforcgo de autocon- ‘ade fundamental de viver, um determinante do comportamento, estabelec 4 7 : ‘ endo como “bom” o que serve a autoconservagdo e como “mau” o que interfere nela. Denominou 6d “vacilacao da alma” as emogoes opostas de amor € de Ho que podem surgir a 10 Mesmo tempo em relagdo a uma mesma Colsa ~ 21 Yolanda Cintrao Forghie duzentos anos depois, Bleuler (1857-1939) chamou esse fendmeno de ambiva- lencia. Definiu também os mecanismos que, em termos atuais, so conhecidos como supercompensacao e formagao de reacdo, ao afirmar que um afeto so pode ser contrabalancado ou eliminado por outro afeto oposto e mais forte. Considerava a liberdade da mente 0 mais alto valor e que esta s6 pode tornar-se livre das paixdes pela compreensao da situacao psicoldgica total. Sustentava que a ignorancia € a causa primeira de todo o mal e que o conhecimento é a tinica condi¢do que conduz a acao adequada. Recomendava a terapia racional. WILHELM LIEBNIZ (1648-1716), filosofo, tedlogo, matematico, juriscon- sulto ¢ historiador, foi um dos maiores génios da humanidade. Com sua obra Monadologia desenvolveu uma teoria de substancias infinitamente numerosas, todas independentes, porém coordenadas. Definiu-as como atomos auto-sufi- cientes que nao podem ser alterados por nenhuma coisa criada (Cabral e Oliveira, 1972, p. 65). Todo objeto consiste de uma colonia de monadas. O corpo humano também esta organizado im, mas nele ha uma mOnada domi- nante que se destaca pela clareza da sua percepcao e porque abriga os propos tos segundo os quais agem as suas subordinadas, na sua maneira harmoniosa e preestabelecida. Admitia o livre-arbitrio, no sentido em que as razdes pelas quais 0 ser humano age carecem da rigida compulsio da necessidade logica (Russell, 2003, p. 332). Seu otimismo metafisico reflete-se na sua célebre frase “tudo corre pela melhor maneira, no melhor dos mundos possiveis”, Acreditava que, em todas as coisas, assim como no ser humano, é possivel verificar que ha um principio de aperfeigoamento. Fez uma distingao entre percepgées claras € pequenas percepcoes que nos passam despercebidas, mas chegara o dia em que irao contribuir para algum efeito, pois nada é inutil na natureza. Afirmava que as pequenas percepgdes podem influenciar nosso comportamento sem que Ppensemos nisso. Assim, de certo modo, antecipa a nocao de inconsciente. A historia de vida do individuo € 0 que ha de verdadeiro nela e no analisavel de todas as proposicbes verdadeiras (Russell, 2003, p. 334). Sua teoria, sendo pre- dominantemente logica, sugere para os doentes mentais uma terapia racional. No seéculo XVII sao significativas também para a Psicologia e a Psiquiatria as obras literarias de varios escritores, pelas descrigdes minuciosas que nelas fizeram da personalidade de seus personagens. Entre esses autores distinguem- se William Shakespeare e Miguel de Cervantes 22 ‘Aconselhamento Terapeutico Nesse periodo destaca-se, ainda, o professor de Teologia Robert Burton heceu os principais sintomas do adoecimento psicoldgico e Tecomen, dou a terapia para trata-los, embora nao fosse médico. Além de alimentos, re. jou a tel ; iversoes, aconselhava, como 0 melhor recurso para aliviar médios e di ‘ sofrimento, 0 desabafo com um amigo discreto e afetuoso, e sugeria que = fosse 0 médico. No século XVIII os desenvolvimentos racionais prosseguiram, em virtude la confianga na razao, e na observa¢ao dos fatos ter con. la crenca na divindade. Nao apenas os fildsofos mas lar um sentido aos dados racionais coligidos que recon do aumento gradativo d tribuido para a diminuicao d 0s cientistas em geral procuraram d anteriormente, organizando-os em sistemas. Embora seja considerado como 0 século do Racionalismo e do Iluminismo, apresentou varias contradigdes. As- sim, nele ocorreu a proclamacao dos direitos inalienaveis dos seres humanos e também a necessidade de condenagao a guilhotina de alguns deles, cujas cabe- cas foram cortadas. Em Filosofia as pessoas eram consideradas uma obra gran- diosa, como seres dotados de direitos e deveres inatos, enquanto no adoecimento psicolégico ou mental os individuos eram desprezados, punidos e até elimina- dos. Provavelmente, devido a essas duas atitudes contraditorias, a terapia desses doentes nao apresentou grandes progressos, chegando a um retrocesso, como pode ser observado com o médico holandés Hermann Boerhave (1668-1738). Procurando ser eclético, recomendava para os doentes mentais sangrias, pur gantes e banhos em agua gelada para neles causar um choque que poderia ser terapéutico. Por isso, recomendava também jogar o doente no mar de modo imprevisto por ele, e manté-lo forcadamente debaixo d’agua até quase se afogat. Acreditava que a terapia de choque era um bom recurso para ajudar o doente mental a se livrar de seus sintomas. Nesse tipo de tratamento talvez esteja a on- gem do uso do choque elétrico, que ainda hoje é usado por alguns psiquiatras. WILLIAM CULLEN (1712-1790), discipulo de Boerhave, foi o primeiro 4 empregar 0 termo “neurose”, definindo-a como a doenca que nao é acompa nhada de febre ou patologia localizada. Recomendava para o seu tratamento remédios ¢ terapia de choque com ameacas, severa coercao e camisas-de-forc nica st See seul, Emanuel Kant (1724-1804), deu uma a rena engao dos médicos para o ser humano prints sAo por ser livre em suas agdes. Deduziu, en Yolanda Cintréo Forghiei_ 23 que a enfermidade mental relaciona-se as necessidades, exigéncias e contratem- pos que a sociedade passou a impor e opor ao ser humano, contrariando-o e cerceando-lhe a liberdade. Embora durante o século XVIII tenham sido numerosas as contribuigdes racionais para a explicagdo e o tratamento das doencas mentais, quase nao exis- tiam locais adequados ao seu tratamento. “Os loucos eram Parias que vagavam como animais, procurando refugio nos estabulos e nas pocilgas” (Zilboorg, 1945, p. 357). Os individuos em geral cagoavam deles, riam de seu comporta- mento bizarro. Outros os capturavam e os internavam em cadeias junto com assassinos, sem esperanca de redencao. Ou entao os torturavam e os queima- vam em fogueiras. Havia pouquissimos locais, como as maisons de santé, em Paris, onde era dado um tratamento humano aos doentes mentais, mas por se- rem carissimos nao estavam ao alcance da maioria dos doentes. Apenas no final do século XVII e inicio do XIX comecou a surgir alguma acao produtiva no sentido da criagao de hospitais adequados e de humanizagao no tratamento dos doentes mentais. BENJAMIN RUSH (1745-1813), 0 primeiro psiquiatra norte-americano, embora acreditasse que a causa da doenca mental estivesse situada nos vasos sanguiineos do cérebro, recomendava medidas de cunho psicoldgico para o seu tratamento. Dizia que 0 médico precisava ouvir com atengado o doente e tomar algumas medidas que 0 ajudassem, tais como truques para forga-lo a mudar as suas idéias e as suas acoes, semelhantes aos dos antigos médicos arabes. Para um paciente que acreditava ter um pequeno animal dentro de seu corpo e nao era convencido pelo raciocinio, disse que ia Ihe dar um remédio para destruir e eliminar 0 animal. O doente tomou 0 remédio e Rush recomendou que fosse colocado um animal na privada do doente, no dia seguinte. Acreditava que o logro seria justificavel se servisse para curar 0 doente € que isto muitas vezes acontecia. Quando nao dava resultado, ele recorria a terapia do susto. Reco- mendava também a terapia através do trabalho e a cadeira giratoria que dizia aliviar 0 congestionamento do cérebro. JOHANN CHRISTIAN REIL (1759-1813), um dos primeiros médicos ale- maes a se dedicar a psiquiatria, lutou pela criacao de hospitais para os doentes mentais e pela humanizacao de seu tratamento. Publicou 0 primeiro tratado sistematico de terapia psicologica, no qual reuniu e organizou os conhecimen- tos € tratamentos psicologicos de sua época, fundamentando-os com dados 24 Aconselhamento Terapeutico € psicolisicos emptricos. Mostrou-se completamente Convencig - : lo uma enfermidade psicologica que exige Metodos Dsi psicologicos de que a doenga mental & an cologicos de tratamento. Embora fosse, também, um especialista em Anatomia cerebral, reconhecia a interagio entre os fendmenos psiquicos € fisicos, ¢ A sadia para compreender o doe! necessidade de explicar a personalidade tal, Propunha tratar o paciente por influencias psicologic ne men. Pois acreditava que os sentimentos € as ideias sAo os meios pelos quais as perturbagoes do cérehty a que 0 Medico precisa ter talento e perspicacia para influenciar 0 doente no sentido de modi. podem ser cortigidas e sua vitalidade pode ser restaurada. Di ficar seus padroes habituais de sentimento € agdo. Alem disso, recomendayg para os doentes divertimentos, viagens, frequiéncia a teatros. Usava também 9 apelo a razao e, em alguns casos, a terapia do susto. Porém, opunha-se sempre a qualquer medida violenta Os médicos franceses foram os trabalhadores mais representativos da nova orientacdo psiquiatrica. Entre eles distingue-se a figura do eminente médico Philipe Pinel (1745-1826), considerado o pai da psiquiatria cientifica (Flugel, 1948, p. 48). Criou uma espécie de ordem nos diferentes conceitos de insani- dade mental, elaborando a primeira classificagao sistematica das doencas men- tais. Acreditava que a origem destas pode ser uma lesao do sistema nervoso central, combinada com as experigneias de vida do doente. Considerava que, além da hereditariedade, a educagao falha, a vivencia de paixoes intensas, insu- Portaveis para a pessoa, como 0 medo, o odio, a adversidade, podem provocar aberracdo mental. Dizia que a doenca mental é uma molestia progressiva, mas que pode ser curada (Freeman ¢ Small, 1967, p. 311) No final do século XVIII havia na Fran¢a dois locais denominados hos- Picios, destinados a recolher os doentes mentais e os pobres: 0 Bicétre e 0 Salpetriére. Pinel assumiu a administracao do Bicétre e soltou as correntes dos doentes e dos pobres, abriu as janelas, deu-lhes alimentacao adequada e 0s tratou com bondade. Posteriormente, a direcao do Salpetriere Ihe foi confiada ele agiu da mesma maneira, Mudou a atitude da sociedade em relacao aos do- entes mentais de modo que eles fossem considerados seres humanos enfermos, necessitados € merecedores de tratamento médico humanitario. Desse modo. Pela razao e pelo amor, Precipitou uma revolugao de ambito mundial que foto comeco do fim de um reinado de terror para esses pacientes. Yolanda Cintréo Forghieri 25 on Pinel teve inicio o movimento terapéutico denominado “1 mon que een Principalmente entre os psiquiatras também, com algumas caracteristicas proprias, entre os anglo-sax6 tratamento franceses e€ es, O tratamento moral consistia em Proporcionar ao paciente wi acolhedor, prazeroso, com musica, contato com a natureza, boa companhias saudaveis e agradaveis. Nesse ambiente o médico pro m ambiente alimentacao, Nance den ; curava obter a confanga do doente para leva-lo a dominar suas Proprias paixdes, causadoras da enfermidade, suscitando o desenvolvimento de novas paixdes que as substi- tuissem, € a exercer a influéncia da razao sobre as suas idéias erroneas ou mor- bidas originadas por aquelas paixées (Pifiero e Meseguer, 1970, p. 104). JEAN ETIENNE DOMINIQUE ESQUIROL (1772-1840), discipulo de Pinel, com ele trabalhou no Bicétre e na Salpetriére. Foi um dos primeiros a empregar 0 método estatistico a Psiquiatria. Entre 1.940 pacientes mulheres e 578 ho- mens, verificou que 580 mulheres e 408 homens haviam adoecido em decor- réncia de motivos psicologicos, tais como desiluso no amor, adversidades, preocupacoes economicas, entre outros. Constatou que a capacidade de racio- cinio pode ser prejudicada por problemas emocionais e foi o primeiro médico a introduzir 0 termo “alucinacao” ¢ a distingui-lo do delirio. Neste, ocorrem falsas impress6es baseadas na ma interpretacao de um estimulo real, enquanto naquela os objetos reais nao existem. Empregava 0 tratamento moral, ressal- tando a importancia do respeito e amor ao paciente. FRANZ ANTON MESMER (1734-1815), médico alemao, desenvolveu estu- dos sobre o magnetismo animal, cujas raizes s4o encontradas nas crencas do ser humano primitivo e no médico Paracelso, que jé afirmara que os corpos celestes tinham o poder de afetar o corpo humano. JEAN BAPTISTA HELMOT, famoso quimico, acreditava que, além da natu- reza e dos astros, o homem também tem 0 poder de influenciar objetos e 0 proprio ser humano. WILLIAM MAXWEL (158 universal, responsavel pela influénci: proprio. Mesmer reuniu essas idéias € afirmava a existéncia de um fluido corporal magneto e ao qual atribuiu o poder de curar di outros disturbios indiretamente. A principio eae isso de sua forga magnetica, 1-1641) ja se referira a existencia de um fluido a do ser humano sobre a materia e sobre ele m varias proposigdes basicas nas quais com propriedades semelhantes ao stuirbios mentais diretamente € cien- objetos para fazer os pa mas com 0 tempo passou a tes sentirem a transm 26 Aconselhamento Terapéutico usar apenas um gesto de suas maos. Alcancou sucesso em Viena e post, mente em Paris, aplicando 0 seu tratamento a uma grande quantidade d soas doentes que geralmente declaravam sentirem-se curadas. Desfrut tion. © pes. 5 OU em, vida de toda a popularidade como um curandeiro, com métodos cultos efi cientes (Flugel, 1948, p. 67). Porém, nao conseguiu ver sua teoria aceita pely mundo cientifico e acabou sendo acusado de impostor. Alguns médicos comegaram a praticar a terapia magneética, entre eles Maxime Puységur (1751-1825), que acabou verificando que a pessoa, quando ficava magnetizada, podia adormecer e entao cumpria as ordens do Médico, respondia as perguntas que Ihe eram feitas, sem despertar do sono e, a0 acorda, nao se lembrava do que havia acontecido, mas sentia-se muito aliviada Consi- derou esse fendmeno como um sonambulismo artificial. Obteve muito sucesso com seus pacientes e contribuiu para uma rapida expansao do magnetismo por toda a Franca e varios paises vizinhos. No inicio do século XIX, nos Estados Unidos, 0 tratamento através do magnetismo chegou com Charles Poyen, discipulo de Puységur, que comegou a realizar sessdes publicas, em 1836, atraindo muitas pessoas. Nessas sessdes, 0 relojoeiro Phineas P. Quimby (1802-1886) formou as suas primeiras idéias a respeito da cura pela fe, considerando que as curas eram efetuadas pela fé do doente no médico. Aplicou com éxito a cura pela fé em Mary Baker, curando-a de uma paralisia histérica. Ela empenhou-se, entao, em uma cruzada que levou a “Christian Science”, movimento que sustentava ser a doenca uma ilusio que podia ser destruida pela fé em Deus. Nessa €poca, embora ja estivessem acontecendo consideraveis progressos cientificos, na medicina, paradoxalmente, desenvolveu-se também uma notavel difusdo da terapia magnética tanto na Europa como nos Estados Unidos, realizada quase sempre em sessdes publicas, reunindo grande quantidade de pessoas. JAMES BRAID (1795-1860), médico oftalmologista de prestigio nos Esta- dos Unidos, ao assistir a uma dessas sessoes interessou-se pela terapia magné- tica, passando a pesquisar o seu Processo. Acabou encontrando uma explicaca0 fisiologica para ela. Considerando que esse método exigia a fixagao do olhar do Sujeito, atribuiu o fendmeno a tensao dos musculos oculares e a fadiga subse- quente. Para verificar esta sua hipotese, realizou uma experiéncia na qual fazi@ © sujeito fixar o olhar, durante certo tempo, em um pequeno objeto brilhante, sem nenhuma outra manobra, e observou que o individuo caia num sone Yolanda Cintrao Forghieri_ 27 profundo, apresentando todos os sintomas do magnetismo. Concluiu que se tratava de um fendmeno fisiolégico natural. Denominou-o neuripnose e poste- riormente simplificou-o para hipnose (Freeman e Small, 1962, p. 22). Levando em conta o carater natural e fisiologico da hipnose, Braid dedu- ziu que a capacidade de ser hipnotizado € universal, embora existam graus diferentes desta entre as pessoas. Comecou a utilizar a hipnose em sua clinica, conseguindo curas que, junto com a Tepercussdo popular do tema, fizeram recorter a ele uma grande quantidade de doentes. Prosseguindo com suas in- vestigacdes, verificou que o estado hipnotico permitia ao médico dirigir ou concentrar a energia nervosa do paciente, aumentando-a ou diminuindo-a, po- dendo desse modo excitar ou deprimir a frequéncia da fungao cardiaca, regular e controlar a energia muscular e regular as secregdes e excitagdes organicas. Assim, deduziu que a hipnose podia curar muitas enfermidades e, também, moderar ou evitar a dor nas operacées cirtirgicas. Com o tempo, introduziu explicagdes psicologicas em sua teoria, afirmando que as mais importantes pro- priedades do estado hipnotico sao a “impressionabilidade” e a “plasticidade” do sujeito diante de estimulos externos (Braid, 1960, p. 207). Conseqtentemente, em voz alta, e nele provocar idéias o hipnotizador podia dar ordens ao sujeito, dominantes terapéuticas. Introduziu assim o que posteriormente seria chamado de sugestao verbal direta. Braid desvendou o mistério do magnetismo ao conseguir lhe atribuir ex- plicagées naturais e racionais, iniciando desse modo o processo de integragao da hipnose na medicina, tornando-a uma técnica aceita pelos médicos ¢ assunto para novas investigacoes A pratica da hipnose e o desenvolvimento de observagdes € pesquisas a seu respeito prepararam terreno para uma concepcao mais ampla das enfermi- dades mentais e para a descoberta da neurose € 0 aparecimento de técnicas te- rapéuticas com o uso da sugestao. 1.6 A descoberta da neurose Até 0 final do século XVIII e inicio do século XIX, a psiquiatnia concentrava-se Nas pessoas notoriamente desequilibradas, denominando-as doentes mentais. Mas, além destes, havia uma grande quantidade de individuos que, apesar de 28 Aconselhamento Terapéutico apresentarem alguns sintomas psicologicos, ainda mantinham contato com realidade e nao eram reconhecidos nem tratados como doentes, Posterigg. , Mente foram chamados de neuroticos. JEAN MARTIN CHARCOT (1825-1893), importante neurologista do S€culo XIX, foi também quem mais contribuiu para a descoberta da heurose, por ele denominada inicialmente histeria. Invoduziu a hipnose na Salpetriére, onde Pinel ja havia humanizado o tratamento dos doentes mentais. Com suas inves. tigagdes chegou a conclusao de que a histeria nao € um disturbio mistetioso do Utero € sim um mal provocado por alguma lesao do sistema nervoso, motivo pelo qual ela acabou sendo conhecida como neurose. Sendo assim, poderig ocorrer nao apenas nas mulheres mas também nos homens. Além disso, admi- tia que a neurose poderia ser provocada por um trauma psicoldgico. Suas idéias expandiram-se, tanto na Franca como em outros paises, des- pertando intensos estudos sobre a neurose. Entre estes se destacam os de Hippolyte-Marie Bernhein (1840-1919) e Ambrose-August Li¢beaut que, dis- cordando de Charcot, afirmaram que a sugestao, e nao o cérebro, era a causa da neurose. Insistiram na necessidade de estudos do processo da sugestao, consi- derando ser este 0 responsavel por uma série de outros comportamentos pato- logicos, ampliando 0 campo da neurose. Bernheim aprofundou seus estudos da sugestionabilidade verificando que ela pode também influenciar comportamen- tos normais. Por meio de investigacdes minuciosas, procurou pela psicopatolo- gia chegar ao conhecimento profundo tanto desta como do comportamento humano em geral (Zilboorg, 1945, p. 422). Reconheceu a existéncia de atos desprovidos de intengao consciente que nos enganam e aos outros, por intime- tas formas, evidentes ou obscuras, nas quais se manifesta nossa capacidade de sugestao e de imitacao. E que todos nds somos sugestionaveis na maior parte de nossa vida (Zilboorg, 1945). Afirmava que a persuasao € uma forma de s- gest4o que apresenta bons resultados na terapia. O grande mérito das escolas que se formaram com Charcot e Bernheim deve-se ao fato de que suas investigacdes aprofundadas tinham por objetiv? Principal o tratamento tanto de doentes mentais como de neuroticos. Assi! conforme se desenvolviam seus esforcos nesse sentido, aliviando os sofrimento> dos pacientes, mais coisas iam descobrindo sobre a vida psiquica subjetiva de tes e dos individuos normais. Berheim chegou a conclusao de que, s€ 05 5” Yolanda Cintro Forghieri_ 29 tomas eram provocados por uma sugestdo, o tratamento devia ser pela “des-sugestao” para extirpar aqueles sintomas. No final do século XIX, a terapia pela sugestao, devido a seus bons resul- tados, continuou a ser utilizada por muitos médicos, entre os quais merece destaque Joseph Babinski. Para ele, a histeria, ou neurose, revela-se um estado psiquico que torna 0 sujeito capaz de sugestionar a si mesmo, e que essa auto- sugestao depende, também, das opinides ou acoes de outras pessoas. Observou que 0 neurdtico podia ser curado pela persuasao, nao necessitando entrar em sono profundo como na hipnose EMILE COUE (1857-1926), farmacéutico, discipulo de Liebeault, desen- volveu os conceitos de auto-sugestéo e aplicou-os a terapia de uma grande quantidade de neuroticos. Dizia que a imaginacao domina a vida psiquica e frequentemente vence a livre escolha, Sua terapia baseava-se nesse dominio da imaginacao que podia alcangar o inconsciente, atribuindo grande valor a este. Pedia aos seus pacientes que repetissem muitas vezes, em voz alta, para se ou- virem “dia a dia, sob todos os pontos de vista, estou melhorando”. No campo das neuroses e da sua terapia destaca-se, ainda, Pierre Janet, discipulo de Charcot na Salpetriere. Além de apoiar a teoria de Charcot de que havia uma fraqueza no sistema nervoso do neurotico, acrescentou que havia neste, também, uma fraqueza constitucional que contribuia para uma tensao psicologica inadequada e uma resultante falta de coesao psiquica, Chamou essa tensao de psicastenia e afirmou que ela poderia s T posterior a uma fadiga ex- cessiva ou a um choque. Hipnotizou muitos neuroticos e verificou que, sob a hipnose, eles relembravam de situagdes traumaticas relacionadas com 0 inicio de seus sintomas, e que pela experiéncia catartica, ao relatarem essas situa- Ges, muitos pacientes livravam-se de seus sintomas. Esta descoberta também foi feita por Breuer. Alem da hipnose, Janet utilizava a terapia da sugestao pela persuasao. Ainda no século XIX, J. Moreau de Tours (1804-1884) sistematizou os conhecimentos dos discipulos de Pinel, mas foi dinamico e original em suas opinides. Afirmou que a base para a compreensao do psiquismo de uma pessoa € a introspecgao e que o médico, para saber o que € o sofrimento do paciente, precisa experimenta-lo. Chegou a tomar haxixe para ter experiéncias de sensa- goes alucindgenas, semelhantes as dos doentes. Foi 0 primeiro a salientar a importancia dos sonhos para o conhecimento das fungoes psiquicas alteradas 30 ‘Aconselhamento Terapeutico s com o mesmo material das alucinacoes, Por essoa saudavel e a doente. Para ele, sonhar do oa sa, enquanto a insana sonha acordada, P; erem elaborado: por st a Tmindo 4 re ge Joel . OcuTOU ex car a semelhanga entre o genio € 0 doente mental, dizendo que em a 5 a nec uma superatividade da mente, que no insano se manifesta ema Essa relaca : + s, de forma perturbadora. Essa relacdo entre a genialidade guns guma cem um elo entre a Pp psicopatologia da pe: pli ocorre momento’ : acio mental teve grande influéncia durante bc perturbagaio ment al teve g} esse século, em deconency da qual alguns génios contemporaneos de Moreau foram considerados insanos Entre eles 0 fildsofo Nietzsche € os escritores Dostoiévski e Guy de Maupassan (zilboorg, 1945, p. 535). JOHANN CHRISTIAN HEINROTH (1773-1843), psiquiatra alemdo de tradi. cao religiosa luterana, expressava suas ideias de acordo com sua religiosidade cia individual € 0 representante interior de Deus, ¢ Assim, dizia que a cons 0 pecado e a paixdo sao os causadores da doenca mental. A origem desta seria © conflito entre a consciéncia e os impulsos moralmente inaceitaveis ~ idei que foi, posteriormente, desenvolvida por Freud (Alexander e Selesnick, 1968, p. 195). Foi o primeiro psiquiatra a usar 0 termo psicossomatico, pelo qual quis expressar a unidade do corpo e do psiquismo, considerando ambos como as- pectos do eu, que é indivisivel. Recomendava como tratamento fisico a fisiote- rapia, o calor, a sangria e a regularizacao das funcoes digestivas. Como terapia psicolégica, empregava, principalmente, 0 metodo reeducativo de correcio cognitiva para as perturbacoes do discernimento e imposic¢ao de principios mo- rais para as perturbacoes da volicao. Mas, como Hipocrates, dava importancia aos poderes curativos naturais do proprio doente. Por isso recomendava evitar 0 excesso de terapias que pudessem impedir a acao da propria natureza e ado- tar técnicas adequadas a cada doente. Dizia que alguns precisam de calor hu- mano e bondade, enquanto outros necessitam de forca e€ firmeza. O Teconhecimento que teve da peculiaridade de cada pessoa doente, aliado ao set conceito do conflito moral existente no fundo de todas as perturbagdes men tais, fez de Heinroth um dos psiquiatras mais avancados do século XIX. ERNEST VON FEUCHTERSLEBEN (1806-1849) deu notaveis contribuicoes# abordagem psicossomatica. Considerava 0 corpo e a mente um unico fenomen? singular ¢ indivisivel. Acentuava a importancia da terapia psicologica, acted tando ser ela o melhor tratamento, por ajudar o doente a compreender © dese Sew 0. 5 volvime ial Imento de seus desvios mentais e indicar-Ihe uma segunda educ Yolanda Cintréo Forghieri 31 extremado espiritualismo levou-o a escrever sobre uma arte de viver, cujo obje- tivo geral € conseguir um império saudavel do espirito sobre 0 corpo KARL GUSTAV Carus (1789-1896) iniciou sua carreira como obstetra, interes ndo-se posteriormente pela Psicologia, na qual deu destaque ao que denominou “inconsciente”, equiparando-o a forga vital criadora, Dizia que a chave para a compreensao dos processos mentais conscientes reside na regiao do inconsciente. E ela que torna possivel esclarecer os mistérios da mente hu- mana. O primeiro objetivo da Psicologia deve ser verificar de que modo o cons- ciente pode descer as profundezas do inconsciente. Nele se encontram as idéias da infancia. Esses seus conceitos assemelham-se aos que, meio século mais tarde, foram desenvolvidos por Freud, tretanto, para Carus o inconsciemte é muito mais que um contetido que foi consciente no passado, pois envolve todo 0 processo, tanto organico como mental, animando tanto os dinamismos psico- logicos quanto os fisiologicos. Conseqttentemente todas doengas encontram-se enraizadas no inconsciente, que abriga as idéias relativas a saude € a auto-reali- zagao, e também as idéias estranhas e doentias que se sobrepoem aquelas. A esséncia de qualquer doenca encontra-se no conflito entre as idéias estranhas e 0 designio sadio do organismo humano. Recomendava a terapia psicologica que consistia no dialogo com o doente para lev: idéias estranhas -lo a conseguir desvendar as suas As idéias psicodinamicas desses psiquiatras do século XIX, embora ja apresentassem significativos avancos na Psicologia € nas terapias psicologicas, ainda eram predominantemente teoricas. De certo modo se mantinham influen- ciadas pela filosofia vitalista dos antigos, que encaravam a vida como realizagao de um plano divino e os processos vitais como manifestagdes de uma forga di- tigida para um objetivo mistico. Faltava-lhes uma base solida de observacao e investigacao dos fendmenos psicoldgicos, assim como das terapias que reco- mendavam e praticavam. Provavelmente, por todos esses motivos, no final desse século houve um movimento de reacdo as idéias predominantemente tedricas e as vezes misticas dos médicos e filosofos. Assim, ocorreu o reaparecimento de uma orientacdo organicista na Psiquiatria e na Psicologia. WILHELM GRIESINGER (1817-1868), professor de psiquiatria e neurologia da Universidade de Berlim, foi o mais importante e influente responsavel pelo teferido movimento. Considerou ser sua missao libertar a Psiquiatria da espe- 32 Aconselhamento Terapeutico culagao de seus antecessores € propor um modo de encarar a etiologia i a mental que fosse mais os doentes. A partir de descobertas dos psiquiatras Bayle e Calamiel, que m lesdes no cérebro de pacientes psicoticos, € de suas Proprias ob. servagoes, concluiu que as doencas mentais sao enfermidades somaticas, espe. cificamente do cerebro. Portanto, stias causas sao fisioldgicas € 0 seu diagnésticg deve set feito com base nelas, embora em alguns casos a lesdo cerebral nag ssa ser ocularmente demonstrada pela anatomia patologica. Para Griesinger a Psiquiatria e a Neurologia constituem um tnico, campo no qual se fala um unico idioma e onde regem as mesmas leis. Apesar dessa sua énfase na Fisiologia, apresentou alguns conceitos psicologicos, como o da im- concreto, baseado em uma investigaca: doen: 8940 cuidy. dosa d encontraral po: portancia que deu a realizacao de desejos nos sonhos. Dizia que, quando o in- dividuo esta aflito por complicagdes organicas e psicolégicas, no sonho ele concretiza o que a realidade Ihe recusou: felicidade, amor, realizagoes. Assim também na doenca mental, do fundo escuro da emocdo morbida e dolorosa, afundando em um estado de sonho, o doente realiza as idéias e sentimentos reprimidos colidentes, as idéias brilhantes de grandeza, eminencia e fortuna (Zilboorg, 1945, p. 108). Para o tratamento, Griesinger combinava métodos somaticos e psiquicos. Afirmava a eficacia de medicamentos e banhos, mas a recuperacao so poderia ser completa quando estes fossem associados a “remé- dios” psiquicos, entre os quais inclufa a terapia pelo trabalho, passeios, viagens € conversacées com o médico. Gustav THEODOR FECHNER (1801-1887) foi o primeiro psiquiatra a lidar com o problema da relacao entre o estimulo fisico externo e as sensagdes Oticas. actsticas e tateis. O fisiologista Weber ja havia realizado estudos sobre a sens S40, porém 0 mérito de Fechner foi ter introduzido 0 método experimental n° sae . fenomenos leemeipes Seu método inspirou oa pea e Selesnick, 1968 ovo campo, o da Psicologia Fisiolégica (Alexan . Pp. 227), cs ebm cnn oe ES com em algumas doencas mentais e, impress!” nados com suas descobertas, comecarai ; € também ao com, m a aplicé-las a todas essas enfermidades influenciada arama humano, A mentalidade da época era bastante conceitos evoluci . ancia da hereditariedade lucionistas de Darwin, que ressaltam a imp Yolanda Cintréo Forghieri 33 BENEDICT AUGUSTIN MorEL (1809-1873) oria de Darwin, chegou a conclusao de quea tado de degeneragées, transmitidas em grau Cesare Lombroso afirmou que o criminoso degenerado que pode ser identificado pela fi foram desacreditadas posteriormente, A medida que avangava o século XIX, os médicos Pprocuravam, cada vez mais, transformar a Psiquiatria e a Psicolog; else nese pono de visa levou a dahon dee eee A cao de tantos dados necessaria uma organizagao destes. EMIL KRAEPELIN (1856-1925) foi quem assumiu esse empreendimento. Wundt havia fundado o primeiro laboratorio de Psicologia Experimental e Kraepelin foi seu discipulo. Elaborou uma classificagao das enfermidades mentais que constitui uma base para algumas classificagées atuais. Ainda no século XIX, além dos médicos, alguns filosofos também contri- buiram para progressos da Psiquiatria e da Psicologia, com investigacées e enun- ciados sobre 0 psiquismo humano que tiveram muita influéncia na Psiquiatria. Entre eles destacam-se Herbart, Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche, William James e Brentano. JOHANN HERBART (1776-1841) contribuiu muito para transformar a Psi- cologia em uma disciplina empirica, independente da filosofia. Considerava a que se tornou alma como uma das unidades indivisiveis do mundo fisico que age de acordo com as leis fisicas de Newton. As respostas da alma aos estimulos externos sao as percepcoes. Estas sao forcas que podem ser combinadas e divididas, dirigidas em direcdes idénticas ou opostas, relacionadas entre si ow excluidas mutua- mente, Estabeleceu relaces entre os fendmenos psicoldgicos e 0 organismo, e com Liebniz estendeu o psiquismo ao inconsciente ao se referir a um limiar de consciéncia no qual os processos psicolégicos nao sao percebidos, mas ore inconscientemente. Distinguiu trés graus de consciéncia: o das idéias que sao claramente apreendidas, o das idéias que sao obscuramente apresentadas e 0 ciéncia. Uma idéia que sofreu inibi- das idéias que foram forcadas a sair da cons que foram banidas da cons- Ges nao deixa de existir. Ela se retine as outras A a ciéncia e qualquer uma delas pode retornar a consciénc! tece por ur ou por uma cooperacgao ou unido de varias pazes de vencer as resistencias que inicial- a, Isto acontece por um enfraquecimento das idéias opostas, delas que, desse modo, se tornam caj 34 Aconselhamento Terapéutico mente eram muito fortes. A alma tem uma espécie de superfator percepcdes novas € as associa as antigas, formando a “massa aperceptiva”, Este consiste na totalidade de percepgdes conscientes, que controla a atividade da alma. De seu conceito de apercepcdo, Herbart desenvolveu os Principios edy. cacionais da sua psicologia e se tornou “pai” da pedagogia cientifica ARTHUR SCHOPENHAUER (1788-1860) deu forte énfase a volicao, conside. rando-a como o principio basico da Psicologia. Afirmou que o fato de a pesso, sentir e querer € 0 processo primordial do ser humano. Substituiu 0 “ Que aceitg Penso, logo existo” de Descartes pelo mais dinamico “quero, portanto existo” Afirmoy, que o intelecto nao tem existéncia independente, pois esta a servigo da vonta- de, que é uma forga dinamica irracional ou super-racional que a pessoa experi. menta como sentimento e esforco. E 0 esforgo irracional da vontade que governa o mundo. Por esse motivo o ser humano deve ter como Propésito er. guer-se acima de sua dependéncia em relaca meio da arte, da renuncia e do ascetismo. SOREN KIERKEGAARD (1813-1855) é considerado, por muitos filosofos e psicdlogos, como o precursor do existencialismo. Disse que a excessiva preocu- as forgas volitivas irracionais, por pacao do ser humano com o universo levou-o a perder 0 contato com 0 que esta mais proximo dele: o seu proprio eu. Que a “grande questao € encontrar uma verdade para mim, encontrar uma idéia pela qual quero viver e morrer, pois a verdade € a propria vida que a exprime, € a vida em ato”, E preciso viver a verdade, em lugar de apenas a pensar (Jolivet, 1961, p. 35). O ideal de pura objetividade de sistema e de especulacao nao € possivel, pois a nossa vida esta entrelacada a de nossos semelhantes e ao mundo, por isso nao nos é possivel contemplar a verdade com um coracao desinteressado. Conseqtientemente, 0 que existe nao € uma verdade em si mesma, mas como a pessoa se relaciona com 0 objeto ou qualquer fato, ja que o observador precisa incluir a si mesmo como parte da investigacao. Ha uma necessidade de entrega ou de envolvi- mento do sujeito com a verdade. Esta se converte em realidade quando a pessoa a produz em sua acdo, quando contrai uma relagdo de compromisso com 2 verdade. Entretanto, um individuo pode falar sobre seus problemas sem senut se atingido. A verbosidade, embora tenha a aparéncia de objetiva, pode ser um Fecurso para disfargar a verdade e para nao se comprometer, pode ser um ardil defensivo contra a propria vitalidade. Sem pretender ser psicologo, fez um analise penetrante da angustia, da depressio e do desespero do ser humano Yolanda Cintréo Forghieri 35 decorrentes de sua alienagao de si mesmo (Kierkegaard, 1968 e 1961). Anteci- pou-se @ Freud em meio século com suas observac6es sobre o significado da consciéncia e sua andlise dos conflitos psiquicos, FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900), embora nao tivesse conhecimento das obras de Kierkegaard, apresentou algumas idéias iniciais semelhantes as dele. Afirmou que a ciéncia aliena a pessoa de si mesma. Ela deve experimentar cada verdade nao ao observar outra pessoa, e sim na sua propria carne. “Nos queremos olhar nossas experiéncias cara a cara e com todo 0 rigor de um expe- auto rimento cientifico, queremos ser o nosso material de experimentacao e nossas cobaias” (Kauffmann, 1950, p. 53). Assinalou a desintegracao psicologica do ser humano, existente em sua €poca, e a perda de f{é em sua dignidade essencial, em sua humanidade. Consagrou-se ao enobrecimento do ser humano e buscou uma base sobre a qual ele pudesse restabelecer sua propria dignidade. Propés, entdo, que se cultivasse a “vontade de poder” como objetivo supremo da vida humana. A “vontade de poder” implica a auto-relacao da pessoa até o maximo de suas potencialidades. Consiste no seu empenho no sentido de concretiza-las. Tal poder nao significa agressividade nem afa competitivo e sim a afirmacao e realizacao dos proprios direitos e dos proprios recursos por meio de suas aces. amica e a necessidade essencial da vida, que nao é 0 afa do Nisto consiste a di prazer e sim concretizar as proprias potencialidades. Ser 0 que realmente se € Este € 0 poder. A dignidade, a individualidade e 0 mérito nao representam coi- sas que nos sao dadas por graca da natureza, mas coisas que nos assinalam como uma tarefa a ser realizada (Idem, p. 136). Nas suas obras encontramos enunciados psicologicos profundos que, provavelmente, cerca de meio século mais tarde, influenciaram varias das idéias de Freud, que foi um estudioso de Nietzsche. Entre essas influéncias encontram-se os mecanismos de defesa, assim denominados por Freud, mas que sao expressos em afirmagoes de Nietzsche tais como: Todo 0 instinto ao qual nao se da expansao volta-se para dentro. Isto € 0 que chamo de interiorizacao (Nietzsche apud Kauffmann, 1950), que preconiza o mecanismo de repressao. “Pode ocorrer que o apareci- mento de uma atividade estética que ndo suspenda a sensualidade, mas apenas a transforme de modo que (0 sujeito) nao a experimente em forma de incentivo sexual”, que preconiza 0 mecanismo de sublimacao. “Ha pessoas importantes (..) cheias de agressoes, mas fechadas, cuja felicidade € puramente passiva € reveste a forma de uma tranquilidade entorpecida que consiste em espregui- 36 Aconselhamento Terapéutico cavse e bocejar em paz", que preconiza o mecanismo de formacao reatyg (Nietzsche, 1967). WILLIAM JAMES (1842-1910) foi um fildsofo pragmatista que consideroy que a Filosofia nao deveria divorciar-se da concretude das aspiragoes e esforcos humanos. Sempre aderiu ao método cientifico de cuidadosa observacio, Su, Psicologia era inteiramente empirica, baseada na introspec¢ao. Afirmava que og contetidos mentais sao produtos da atividade organizadora da mente que cria um todo com os elementos. Sob a corrente de pensamento ha sempre um pro- posito adaptador e a servico do organismo em sua luta para sobreviver. O fluxo dessa corrente é dirigido pelas memonas, as intencoes ainda nao formuladas ¢ as antecipagdes. Deu énfase a natureza dinamica dos processos psicologicos, baseando-se em descrig6es introspectivas concretas. Entendeu de grande im- portancia os fendmenos anormais da mente e as ligoes que podem ser aprendi- das com eles sobre as pessoas normais. Sua importante obra Principles of Psychology (1970) abrange a grande matona de conhecimentos de Psicologia de sua época, debatidos e enriquecidos com suas perspectivas FRANZ BRENTANO (1838-1917), embora filosofo, € considerado um dos fundadores da “psicologia ativ ¢ distingue da “psicologia de contetide’, . que predominante entre os primeiros experimentalistas da consciéncia. O impor- tante € a vivéncia, pois € ela que revela, concretamente, a atividade mental, € nao um contetido inerte de sensagdes e suas combinagoes. As sensacoes exis tem, mas elas mesmas nao sio mentais. Mental é a atividade que ocorre quando uma pessoa “vé” uma cor, “ouve” um som ou “cheira” um odor. Estendeu a in- tencionalidade a todos os fendmenos psiquicos afirmando que a propria cons- cléncia € intencional (Flugel, 1948). Todo fendmeno psiquico contém em s! algo a titulo de objeto, mas contém a sua maneira; assim, na representagio € alguma coisa que € representada, no juizo, alguma coisa é admitida ou ree tada, no amor, alguem ou alguma coisa ¢ amada, no desejo, algo & desejad? Essa presenga intencional pertence exclusivamente aos fendmenos psiquices:? que nenhum fendmeno fisico apresenta algo semelhante. Definiu a represe™ ¢40 nao como o que € representado, mas 0 proprio ato de representar. Elam? €um som ou uma cor, mas a audicao d se en sse som € a visio dessa cor, Ao s¢ © Cerrar 0 séctlo XIX, a Psiquiatria e,ligada a est anna consideraveis conhecimentos sobre Para trata-las. Entretanto, a, a Psicologia haviam scurses a doenga mental, a neurose € os reel! J erapl>> mbora ja possamos encontr r, entre as tent Yolanda Cintrao Forghieri 37 algumas de cunho psicoldgico, 0 método organico era o mais amplamente usado. Isto porque ainda existia entre os médicos predominancia da atribuicao de causas organicas tanto a doenca mental como a neurose. IVAN PETROVICH PAVLOV (1849-1936) destaca-se no inicio do século XX entre esses médicos. Importante profissional, recebeu o Premio Nobel de Fisio- logia e Medicina, em 1904, por seu trabalho experimental sobre a circulagao sangiifnea ¢ a digestao. Prestou também significativas contribuicées a Psicolo- gia, embora duvidasse que ela pudesse se desenvolver como uma ciéncia inde- pendente da Fisiologia. Dizia que esta constitui os alicerces sobre os quais a Psicologia deve levantar a sua estrutura, pois como trata dos estados subjeti- vos, a sua posi¢aéo como ciéncia é “completamente desesperadora” (Pavlov, 1927, p. 219). Aplicou aos animais, principalmente aos caes, a teoria do deter- minismo mecanicista, por meio de muitas pesquisas pelas quais explicou todo © comportamento animal como uma corrente de energia regulada por uma causalidade de estimulo e resposta. Quanto maior for a energia do estimulo, mais intensa sera a resposta. Quanto mais carregado estiver um centro nervoso, mais poderosa sera a sua reacao aos estimulos. Mas admitiu, também, o princi- pio do equilibrio, segundo 0 qual as forcas internas do organismo, em cada momento, equilibram-se com as forgas externas do ambiente. O elemento de interacdo entre essas duas forcas € 0 reflexo, que se caracteriza por reacdes constantes, imutaveis e inatas, e € a funcao principal do sistema nervoso. O re- flexo € positivo quando provoca um processo de excitacdo e negativo quando inicia um processo de inibigao. A mudanga da situa ‘40 em que se encontra 0 estimulo pode modificar o curso usual do processo estimulo-reflexo, dando origem a um novo reflexo que nao é inato como 0 primeiro, mas adquirido: € 0 reflexo condicionado. Pavlov aplicou ao comportamento humano suas descobertas sobre 0 com- portamento animal. Nao se preocupou com a elaboracao de técnicas terapéuti- cas, mas os seus ensinamentos forneceram fundamentos para as terapias comportamentais, muito utilizadas até hoje. No inicio do século XX, o médico Freud e o fildsofo Husserl provocaram uma revolugao na psiquiatria e na filosofia respectivamente. Sigmund Freud, médico neurologista, sofreu a principio, grande influén- cia da abordagem fisiologica predominante nessa ocasiao, tendo realizado con- sideravel trabalho como neuropatologista. Entretanto, sua importancia maior 38 ‘Aconselhamento Terapéutico encontra-se no campo da Psiquiatria e da Psicologia, pois criou uma Tevolucio, naria teoria do psiquismo humano, de sua patologia e de um método para trata, la: a psicandlise. A partir desta e de outras abordagens, o campo da Psicoterapig passou por um grande progresso, no decorrer de todo 0 século XX. Dele _ trato aqui porque 0 objetivo especifico deste meu trabalho é 0 Aconselhamentg Terapéutico. O filosofo Edmund Husserl, inspirado na nogao da intencionalidade da consciéncia de Brentano, e em suas proprias idéias, apresentou a sua Fenome. nologia, que sé constituiu em um movimento revolucionario no método de elaboracao da Filosofia e das ciéncias em geral, também exerceu significativg influéncia, principalmente nas Artes, na Psiquiatria e na Psicologia. Psiquiatras, tais como Binswanger e Boss, fundamentando-se nas idéias de Husserl e nas de seus seguidores Heidegger € Merleau-Ponty, chegaram a uma nova perspectiva do ser humano, de seu adoecimento e de sua terapia. Trato com pormenotes dessa perspectiva na Parte 3 “Quem somos nds?” por ser nela que me inspiro para fundamentar minhas proprias idéias sobre 0 Aconselhamento Terapéutico MARTIM BUBER € 0 fenomenclogo das relacées interpessoais. Embora te- nha sido contemporaneo de Husserl e de Heidegger, parece nao ter tomado conhecimento das idéias destes, pois o seu pensamento € bastante original. Considero-o como um dos mais importantes pensadores do século XX e aquele que maior influéncia tem exercido tanto em meus conceitos como em minhas vivencias do amor. Dele trato, também, na Parte 3 com alguma racionalidade, mas com bastante carinho. 1,7. Sintese das origens e desenvolvimento No breve historico que apresento nesta parte do trabalho, encontrei varias tera- pias que podem ser consideradas como raizes do Aconselhamento Terapéutico em um sentido amplo e flexivel, que foi a forma pela qual ele surgiu inicial- mente: uma ajuda terapéutica destinada a aliviar os sofrimentos existenciais 40s seres humanos, com procedimentos variados, sem o estabelecimento de teorias ot regras rigidas. Quando uso a expressio “sofrimentos existenciais”, refiro-m* a vivéncias € comportamentos que dificultam as pessoas, profunda e prolong* damente, de serem felizes e realizadas no decorrer de sua existencia. E evident® Yolanda Cintréo Forghieri 39 ue todos nds vivenciamos momentos dificeis durante nossa vida. Porém, ge- yalmente, vamos as POUuCcos conseguindo resolvé-los ou supera-los, Assim, ora 0s sentimos aflitos e frustrados, ora nos sentimos tranqitilos e realizados, pois nao costumamos nos manter permanentemente em apenas um desses dois tipos de vivencias. E se, por algum motivo, nossos momentos de contrariedade e afligdo se tornarem muito prolongados, podemos adoecer existencialmente e, entao, necessitar da ajuda de alguém, um aconselhador terapéutico, um psico- terapeuta ou um amigo no qual confiamos. Voltando a busca de raizes historicas do Aconselhamento, verifico que elas aparecem desde a Antigidade. Logo no inicio de forma indireta, pois o tera- peuta invocava os deuses do Bem para espantarem os deuses do Mal, causado- res da doenca e dos sofrimentos humanos. Com o correr do tempo, a terapia passou a ser exercida pelo proprio terapeuta na “cura pela palavra” recomen- dada e/ou praticada por varios filosofos dessa época, como Empédoc! goras e Platao. Com Socrates e sua maxima “conh , Prota- “€ a ti mesmo” encontramos a impor- tancia da subjetividade e uma terapia com 0 uso da argumentacao dialogada, denominada dialética socratica, na qual aparece, de modo explicito, o dialogo terapeutico com 0 objetivo de chegar aos fundamentos de uma vida plena. Em Aristoteles encontramos a terapia pelo didlogo convincente ou per suasivo. Hipocrates combateu 0 uso exagerado de medicamentos e recomendou a conversagao com o doente para nele despertar a propria vitalidade. Areteu, Sorano e Célio Aureliano tambem recomendavam o dialogo no qual o médico devia procurar conhecer e entender 0 modo de pensar do doente para aliviar a sua angustia e o seu sofrimento. Galeno recomendava para os doentes mentais convivéncia e conversacao com uma pessoa saudavel e bondosa, como recurso para recuperarem a saude Mental. Apés a morte de Galeno, a partir do ano 200, as doencas mentais € 0 seu ‘atamento sofreram um periodo de retrocesso e obscurantismo, declinando gradualmente até chegar a um retorno a demonologia, a crenga na magia e no Misticismo, A terapia passou a ser sindnimo de exorcismo, que representava uma unia . Essa decadéncia 10 da demonologia primitiva com a mitologia cris €stendeu-se até o ano 600. Entretanto, nesse longo periodo € possivel ainda 40 Aconselhamento Terapéutico encontrar alguns filosofos ¢ médicos que mantivetann terapias baseadas - didlogo e no respeito a dignidade dos doentes mentais. Assim, Rhazes e Avicena combateram a demonologia, recomendando tera, pias psicoldgicas para os doentes mentais. Pico Della Mirandola ressaltou que todos os seres humanos sio livres Para realizar seu proprio destino, que os doentes podem conseguir isso por meio do didlogo com os educadores. Vives e Weyer recomendavam a terapia da conversacao e atencdo ao doente para aliviar a sua angustia. No inicio do século XVII ainda pairava um ambiente de conflito e contra. dicdes, mas comegaram a ocorrer grandes realizacoes intelectuais que se cons. titufram nos primeiros alicerces do mundo moderno. Em Galileu encontramos uma enorme consideragao a dignidade e valor de todos os seres humanos e que as pesquisas cientificas devem sempre contribuir para que eles tenham melhor qualidade de vida. Descartes, Locke, Spinoza, Liebniz, Kant, Reil, Heinroth, Feuchtersleben e Schopenhauer indicavam como tratamento um didlogo racional que contii- buisse para que o doente conseguisse assegurar sua liberdade com o dominio do pensamento sobre as paixdes. Burton, Rush, Pinel e Charcot orientavam como recurso para aliviar 0 sofrimento a conversacao amigavel e afetuosa com 0 médico ou um amigo de confianca. Babinski, Coue, Janet, Carus, Griesinger recomendavam uma conversac40 persuasiva com o doente. Kierkegaard ressaltou a importancia de um didlogo auténtico em lugar de uma verbosidade vazia de significados - Pavlov lancou os fundamentos para uma terapia a partir do reforco dos estimulos prazerosos e da rejeicao dos desagradaveis, que pode ser propiciada na conversacao com o terapeuta. De os fildsofos Husserl, Merleau-Ponty, Heidegger e Buber e dos psiquia- tras Binswanger eB ‘Oss trato com pormenores na Pa’ ja refert i r como ja me anteriormente. o eg J

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