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Um diálogo entre a música, cultura e educação: exu nas escolas para


uma educação antirracista e inclusiva

A dialogue between music, culture and education: exu in schools for an


anti-racist and inclusive education

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Resumo

O presente artigo pretende fazer uma análise histórica, social e elucidativa da narrativa cultural que envolve as
questões afro-brasileiras em nossas escolas. Levando em consideração a necessidade urgente do enfrentamento da
violência e do preconceito que são submetidos diariamente as pessoas pretas em nossa sociedade ainda tão desigual. Para
isso, utilizaremos a música enquanto arte, dispositivo de enfrentamento das violências e ponto de reflexão de temas como:
o colonialismo, racismo, religião e educação. Para isso, utilizaremos do aporte teórico de Bhabha (1998) e Cesar e Maher
(2018) para falar de cultura e colonialidade, além de Souza (2011) e Santos (2016) apara tratar do preconceito e as práticas
docentes. Para a nossa análise, faremos uso da letra da música “Exu nas escolas” que está presente no álbum “Deus é
Mulher” de Elza Soares, a fim de debater alguns conceitos, como as ações afirmativas no Brasil, a educação e a cultura
associadas à herança negra, além de outros temas revelados na metáfora de Exu, deus ioruba, que é trazido para o
contexto escolar de forma tão primordial e necessária a fim de reparar uma desigualdade histórica e garantir a justa
oportunidade a que se refere Jhon Rawls (1981).

Palavras-Chave: Exu nas escolas. Música. Cultura e educação.

Abstract
This article intends to make a historical, social and elucidative analysis of the cultural narrative that involves Afro-Brazilian
issues in our schools. Taking into account the urgent need to face the violence and prejudice that black people are subjected
to daily in our society, which is still so unequal. For this, we will use music as art, as a device to face violence and as a point
of reflection on themes such as: colonialism, racism, religion and education. For this, we will use the theoretical contribution
of Bhabha (1998) and Cesar and Maher (2018) to talk about culture and coloniality, in addition to Souza (2011) and Santos
(2016) to address prejudice and teaching practices. For our analysis, we will make use of the lyrics of the song “Exu in
schools” that is present in the album “Deus é Mulher” by Elza Soares, in order to discuss some concepts, such as affirmative
actions in Brazil, education and associated culture to the black heritage, in addition to other themes revealed in the metaphor
of Exu, the Yoruba god, who is brought to the school context in such a primordial and necessary way in order to repair a
historical inequality and guarantee the fair opportunity referred to by Jhon Rawls (1981 ).
.

Keywords: Exu in schools. Music. Culture and education

Introdução

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Maior Titulação. Instituição (Nome completo, cidade, estado, país). Orcid: https://orcid.org/ E-mail:
autor@gmail.com (Fonte Arial Narrow, 10). Não preencher nenhum dado de autoria
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Maior Titulação. Instituição (Nome completo, cidade, estado, país). Orcid: https://orcid.org/ E-mail:
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Para os primeiros passos deste estudo, propomo-nos a verificar como a arte muitas vezes não
é elaborada e executada apenas com o fim de entretenimento, de acordo com Rolnik (2002), arte é
uma forma de experimentação das sensações, exploração do corpo vibrátil que se dá em outra
dimensão da subjetividade, sendo esta, diferente da memória, inteligência, percepção e sentimentos;
algo além que acontece na nossa relação com o mundo. Neste sentido, a arte e toda expressão
artística provoca uma imersão e reflexão sobre si e sobre outros, podendo ser uma importante
ferramenta de conhecimento, emancipação e empoderamento. No entanto, a arte enquanto música,
teatro e outros movimentos artísticos é pouco valorizada como forma de conhecimento e estudo. O que
tomamos aqui é, como a música enquanto movimento artístico nos possibilita diversas interações com
a sociedade e nos possibilita reflexões em diversos contextos que vão da análise de versos às análises
jurídicas e sociais, além de um vasto material discursivo para estudo e pesquisa.
O álbum musical “Deus é Mulher” nos remete a vários paradigmas sociais tal como a
possibilidade de uma entidade espiritual na figura de uma mulher, César Thiago do Carmo Alves que é
doutorando e mestre em Teologia Sistemática, faz uma pequena análise da música “Deus é mulher”
onde ele diz que “alguns exemplos bíblicos que corroboram a possibilidade da afirmação do atributo de
Deus como mulher/mãe” e é nesse cenário que se constrói a narrativa do álbum, da comparação do
amor e a ternura de Deus à mulher até a denúncia das mazelas sociais e humanas de uma realidade
tão atual. Nesse sentido, o discurso de Elza Soares se insere no debate a respeito de questões de
gênero e de raça, assim como nas intersecções entre essas pautas, ao destacar aspectos
discriminatórios pontuais da sociedade.

[...] música não é entendida apenas a partir de seus elementos estéticos, mas, em primeiro
lugar, como uma forma de comunicação que possui, semelhante a qualquer tipo de linguagem,
seus próprios códigos. Música é manifestação de crenças, de identidades, é universal quanto à
sua existência e importância em qualquer que seja a sociedade. Ao mesmo tempo é singular e
de difícil tradução, quando apresentada fora de seu contexto ou de seu meio cultural. (PINTO,
2001, p. 223)

Outro ponto importante a ser destacado, é o reconhecimento da presença cultural e histórica


do povo negro no Brasil. Sabemos que o nosso país passou por um processo de colonização histórico
e foi o último país a abolir a escravatura, no entanto o fez por pressão comercial e não por
reconhecimento de uma prática desumana da subjugação do Outro. Bhabha (1998), ao retomar Fraz
Fanon diz que precisamos afirmar as tradições culturais e recuperar histórias reprimidas, ora, se o que
precisamos enquanto sociedade brasileira é contar a história a partir do olhar daqueles que foram
silenciados, dar voz aos sujeitos e as culturas que sempre tiveram a margem, porque encontramos

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ainda em 2021 tantas dificuldades? Por que as políticas públicas e leis voltadas aos sujeitos
marginalizados, sempre encontram dificuldades no seu avanço? Fanon também nos dá uma resposta
sobre isso, ele alerta que não é fácil romper com a cultura colonial eurocêntrica dominante, pois romper
com a “atividade negadora” é romper com as estruturas dominantes que vão para além de nossas
fronteiras.
Desse modo podemos pensar em estratégia para romper as fronteiras da colonialidade e
Bhabha ao recorrer a Fanon parte de um desejo de identidade, quando ele diz "Quero que você me
toque no meu lado de dentro e me chame pelo nome" (Bhabha, 1998, p. 38). O autor ao chamar a
atenção para seu nome busca a dignidade de nomear-se e a possibilidade de ser nomeado, uma vez
que, os diversos tipos de escravidão, de violência, de discriminação e de dominação tem
reiteradamente negado ao longo da história, negando ao povo negro a sua cultura, sua religião, suas
raízes, negando até a justiça e as oportunidades. E é por isso que a luta se faz necessária em vários
campos, seja pedindo Exu nas escolas com faz Elza Soares ou pela via das ações afirmativas,
buscando políticas de enfrentamento da desigualdade e da violência.

As leis e ações afirmativas no Brasil para uma educação libertadora

Deixar um espaçamento simples entre o subtítulo e o texto. O texto do artigo deverá ser
apresentado em fonte Arial Narrow, tamanho 12, espaçamento entre linhas de 1,5 pt. O espaçamento
antes e depois parágrafos deverá ser 0 pt. O arquivo deverá conter até 20 páginas, se for artigo
acadêmico, ou até 15 páginas, se for relato de experiência ou narrativa de ensino. O arquivo de texto
submetido deverá estar formatado dentro desta folha de estilos, incluindo figuras, tabelas, transcrições,
referências e anexos. Deverá manter o espaço simples também entre os parágrafos. As citações
diretas, com até 4 linhas, deverão ser colocadas entre aspas, no corpo do texto, seguidas da referência
em sistema (SOBRENOME, ano, p.). O sobrenome do autor é grafado em caixa alta.

2 Subtítulo em negrito, fonte Arial Narrow, tamanho 12

Podemos pensar a escola como parte de um processo que vai auxiliar no enfrentamento do
racismo, do machismo, dos preconceitos e todas as diversas formas de materialização das violências.
No entanto, a estrutura na qual se alicerçam nossas escolas ainda é escrita e prescrita do ponto de
vista eurocêntrico. O nosso currículo oficial escolar ainda reflete um país que promoveu a exclusão e o

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afastamento de suas relações com a África e que faz prevalecer em seu discurso uma narrativa a partir
da perspectiva daqueles que há muito tempo são detentores do poder. Nesse sentido, nossas relações
culturais, históricas e sociais exaltam os feitos e as conquistas do branco europeu, por outro lado,
apagam, inviabilizam e mostram de forma estereotipada a África, o povo negro e todo seu percurso na
construção do Brasil:

A prática docente de modelo ocidental parece idealizar sua audiência, tem percepção
homogeneizadora, não levando em conta a multiculturalidade: a ideia de multiculturalismo
adveio da resistência às práticas e valores disseminados pela modernidade europeia
denominada ideal de progresso. Elementos homogeneizadores foram difundidos pelos
Estados-Nação com objetivo de unificação linguística e cultural, mas o local, em sua latência
resistia (BURITY, 2001). Em suas variantes conceituais, o termo multiculturalismo já expressou
defesa à diversidade, reconhecimento da não homogeneidade étnico-cultural, não integração
entre grupos, inclusão, pluralidade, reorientação de políticas públicas para assegurar a
diversidade de grupos e tradições, passando para além da constatação da diversidade, a um
movimento de retorno ao passado (SANTOS, 2016, p.07).

Santos (2016), fala sobre a relação de poder que a escola confere ao professor e como a
prática docente de modelo ocidental pode legitimar os interesses de grupos dominantes em relação
aos valores e conhecimentos que devem ser transmitidos. Dessa forma, a escola se torna um lugar
onde o racismo e o preconceito podem se manifestar de diversas formas, seja no livro didático que
retrata a pessoa negra de forma estereotipada, seja na forma de retratar os povos originários através
de relatos depreciativos ou relacionar os negros e indígenas como exóticos e primitivos, logo, a escola
nos faz acreditar em uma ideia de valores brancos-ocidentais como valores universais.
As relações raciais estabelecidas no espaço escolar brasileiro, em sua maioria, trazem a
relação da sociedade escravocrata que se transferiu para a república e que se arrasta até hoje. Souza
(2011), diz que apesar do modelo de currículo ter sofrido mudanças com a Lei 10.639/03 que propõe
uma educação antirracista nas Diretrizes Nacionais da Educação, ainda persiste uma herança
escravocrata:

As regras do jogo – da mais precária escola de ensino fundamental até os altos postos
acadêmicos e burocráticos – ainda hoje não diferem, de certo modo, dos contornos assumidos
pelo coronelismo da primeira república, torna a solidariedade entre partes árduas, o mérito,
suspeito, confunde relações profissionais com relações sentimentais e políticas, sustenta o
servilismo nas relações hierárquicas e provoca competição por sinais de prestígio entre os
iguais, tolhendo e emergência da cooperação, atitudes de autonomia intelectual e de apreço ao
trabalho (SOUZA, 2011, p.305).

A Lei Federal 10.639/03 determinou mudanças importantes ao levar ao debate o enfrentamento


dos problemas raciais, assim como, outras Leis que foram e são de grande importância para o debate

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da igualdade racial em nosso país, como é o caso da Lei 12.288/2010, que institui o Estatuto da
Igualdade Racial, a Resolução nº 8 de 20 de novembro que define diretrizes curriculares nacionais para
a educação quilombola na educação básica, tendo como objetivo, segundo o art. 6º, inciso VII:

Subsidiar a abordagem da temática quilombola em todas as etapas da Educação Básica,


pública e privada, compreendida como parte integrante da cultura e do patrimônio afro-
brasileiro, cujo conhecimento é imprescindível para a compreensão da história, da cultura e da
realidade brasileira. (BRASIL, Res. 08 de 2012).

No entanto, ainda precisamos que essas Leis se efetivem, influenciando diretamente a prática
dos professores e das escolas de forma a garantir um currículo decolonizante que insira a consciência
das relações de desigualdade socioeconômica e cultural, a fim de superá-las. Em Uma Teoria da
Justiça, John Rawls (1981)), afirma que para uma sociedade ser plenamente justa ela deveria ter dois
pressupostos: primeiro a igualdade de oportunidade a todos em condição igualdade e equidade plena;
a segunda condição seria que os benefícios advindos dessa sociedade justa, devem ser distribuídos
àquelas camadas menos privilegiadas da nossa sociedade, ele diz ainda que para uma sociedade ser
considerada justa é necessária a diminuição das desigualdades e isso só é possível com a adoção de
Leis e ações afirmativas em favor da minoria.
Dessa forma, olhando sob a perspectiva de Rawls (1981), é que vemos que para garantir a
efetivação equitativa dos direitos do povo negro, precisamos ampliar nossas reflexões para além da
remediação do problema, precisamos denunciar o passado, começando pela narrativa e pela
rememoração, olhando para a trajetória social do negro no Brasil e para as marcas sociais deixadas ao
longo de quase quatro séculos de escravização.

Ubuntu, Elza Soares, a voz ressonante do povo negro

A escolha de Elza e de sua música se dá por todo seu entrelaçamento com a história da
música popular brasileira, seu amplo reconhecimento público, principalmente por sua representação
enquanto mulher negra que desenvolve sua arte como dispositivo de crítica e denúncia. Chamamos a
atenção para o álbum “Deus é mulher”, lançado em 2018, que funciona como um indicativo da poesia
política, marcada pelo discurso social, pelo debate da intolerância religiosa e de sua fala para às novas
gerações, com composições que trazem à tona a sexualidade feminina, o desejo, o direito à voz e o
amor plural. No álbum “Deus é mulher”, Elza personifica o termo africano ubuntu “sou o que sou,
porque somos”, e se coloca em um lugar de empatia, uma vez que Elza Soares é a mulher que dá voz
e amplifica o grito de grupos minorizados.

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Elza foi mãe de oito filhos (dos quais três morreram precocemente, dois por desnutrição e um
por acidente automobilístico). Também foi perseguida pela ditadura militar e sofreu um acidente no
palco, que comprometeu sua coluna vertebral de forma irreversível. Ela tem sua trajetória marcada
justamente pela resiliência, pela força e capacidade de se reerguer de quedas e de se reinventar
esteticamente, sempre tratando temáticas relativas à sua própria realidade. Ribeiro (2017), chama
atenção para o conceito de lugar de fala, uma vez que, ele aponta para quem está falando e o lugar de
onde a pessoa vem, sendo estes fatores determinantes na produção discursiva. Nesse sentido, Elza
não reproduz sua voz somente enquanto cantora, ela representa uma infinidade de mulheres e homens
negros, excluídos e marginalizados por uma sociedade arraigada em modelos ocidentais de
colonização. O álbum Deus é mulher vem pôr em debate questões que são silenciadas em nossa
cultura ancestral, pois calar a voz das religiões de matriz afro é negar a própria história.

Exu nas escolas

Antes de partirmos para a análise, precisamos retomar a historicidade das religiões de matriz
africana. Desde a chegada dos europeus no Brasil, houve a tentativa de impor o catolicismo como
única religião válida e suprimir da cultura local aquilo que tivesse relação com as entidades dos povos
originários e as religiões africanas.

Historicamente a esfera religiosa brasileira é marcada por submissão à Igreja Católica,


doutrina que regia Portugal, nação responsável majoritariamente pela colonização
escravocrata em solo brasileiro por aproximadamente 300 anos. Os negros escravizados não
eram vistos como seres minimante dotados de alma ou humanidade. Seguindo essa lógica,
foram concebidos conceitos científicos, religiosos, culturais e legais para justificar a
inferioridade da raça negra e a escravização dela (CARNEIRO, 2016, p.125).

É a partir desse olhar histórico que Exu, deus Ioruba, sempre foi representado em nosso
imaginário como algo associado ao demoníaco, uma vez que, o catolicismo foi a religião que nos foi
imposta e tudo que era relacionado às práticas religiosas de origem africana foi tratado como algo
errado e marginalizado. Mesmo assim, a resistência à colonização por meio da manutenção das
tradições fez essas religiões persistirem e resistirem ao longo do tempo.
Para quem não conhece a cultura africana na diáspora, a figura de Exu construída por um
processo histórico a partir do olhar do colonizador, vai ao encontro com a ideia judaico cristã associada
ao próprio Diabo. No entanto, ao olharmos para sua origem na África ocidental, veremos que Exu é um
deus mensageiro, responsável pela fertilidade humana, pelo movimento e pelo dinamismo do mundo.

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Exu é o portador das orientações e ordens, é o porta-voz dos deuses e entre os deuses. Exu
faz a ponte entre este mundo e o mundo dos orixás, especialmente nas consultas oraculares.
Como os orixás interferem em tudo o que ocorre neste mundo, incluindo o cotidiano dos
viventes e os fenômenos da própria natureza, nada acontece sem o trabalho de intermediário
do mensageiro e transportador Exu. Nada se faz sem ele, nenhuma mudança, nem mesmo
uma repetição. Sua presença está consignada até mesmo no primeiro ato da Criação: sem
Exu, nada é possível. O poder de Exu, portanto, é incomensurável. (PRANDI, 2001, p. 50)

Exu é considerado um dos mais poderosos e importantes Orixás dentro do Candomblé e da


Umbanda, é ele quem faz a intermediação e o transporte de oferendas entre os homens e as demais
“divindades”, entre Àiyé e Orun, termos utilizados pelo Candomblé e pela Umbanda que significam
segundo José Beniste (2016), Àiyé: “Mundo, plano terrestre, planeta” e Orun: “Plano divino onde
estão as diferentes formas de espíritos e divindades” (BENISTE, 2016, p. 77 e 625). Dessa forma, Exu
seria a ligação entre o mundo terrestre e o mundo das divindades.
A música “Exu nas Escolas”, de composição de Kiko Dinucci em parceria com Edgar,
interpretada por Elza Soares dá voz a uma narrativa, que critica os dogmas religiosos e o lugar da
cultura africana em nossa sociedade. Vale ainda chamar atenção para a musicalidade, a
instrumentalização, o ritmo marcante e a sobreposição de ritmos africanos, a canção ainda conta com
a participação do rapper Edgar que faz o uso da sua voz em primeira pessoa para dar vida a Exu
enquanto personagem, nesse momento a música torna-se mais falada que cantada e alcança-se o
ápice da obra.
Entendemos Exu nas escolas como uma chamada de respeito e reconhecimento da história,
da religião e da cultura afro-brasileira, contribuindo para a reflexão da importância em levar esse
conhecimento para dentro das escolas a fim de garantir que ela seja de fato um ambiente democrático,
plural e acolhedor de todas as culturas.
Em uma sociedade de formação heterogênea como a nossa, é grande a possibilidade de
encontrarmos em sala de aula, alunos pertencentes a religiões de matriz africana. No entanto, no
ambiente escolar, os professores quando não se negam a tratar sobre o tema, o fazem associando as
“divindades” das religiões de matriz africana a um retrato negativo e pejorativo, construído
historicamente pelo olhar distorcido a partir do cristianismo impositivo. O conteúdo dos materiais
didáticos e o despreparo técnico dos profissionais da educação são fatores que intensificam o
problema e perpetuam o preconceito.
Exu brasileiro

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Exu nas escolas


Exu nigeriano
Estou vivendo como um mero mortal profissional
Percebendo que às vezes não dá pra ser didático
Tendo que quebrar o tabu e os costumes frágeis das crenças limitantes

No recorte do verso da canção vemos exatamente a luta de Exu, em primeira pessoa, o Orixá,
sendo imortal, resiste à imposição de tradições e crenças que lhe nega, demoniza e estigmatiza.
Recorremos ao conceito de estigma uma vez, na visão de Goffman (2017) estigma nada mais é do que
os traços caracterizadores de fenótipo de um indivíduo que o identifica perante uma sociedade,
diferenciando-o dos ditos “normais”.

Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo
que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser
incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável […]. Assim deixamos de considerá-la
criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é
estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande […] (GOFFMAN,
2017, p. 12).

Segundo o autor, essa categorização do indivíduo se dá por meio de uma identidade social que
lhe é atribuída diante de uma primeira impressão feita por outros indivíduos. O que discutimos até
agora revela toda uma narrativa histórica feita a partir do colonizador que impôs seu olhar sobre o
outro, categorizou, negou e marginalizou a cultura do povo negro. Nesse sentido a música nos revela
que é preciso quebrar o estigma, quebrar o tabu e os costumes frágeis de uma crença limitante que
impõe atributos depreciativos ao povo negro.
Exu nas escolas
É tomar de volta
A alcunha roubada
E para refletir e conter o estigma imposto pelo outro do qual aponta Goffman (2017), é que se
faz necessário Exu nas escolas, para ressignificar e, tomar de volta a alcunha roubada pelo processo
de colonização.
Ressignificar o interior da escola e a sociedade começa pela não naturalização de símbolos
religiosos judaico-cristãos em detrimento de símbolos de outras crenças, uma vez que a escola deve
promover e valorizar a diversidade de ideias e a riqueza cultural do nosso país. Nesse sentido,
precisamos radicalizar a democracia, para que não haja espaço para a negação do outro, para a
negação da política e para o silenciamento dos mais vulneráveis. Tomar a alcunha roubada é tomar de
volta a dignidade de Exu, e consequentemente tomar de volta a dignidade do povo negro.
Mesmo pisando firme em chão de giz
De dentro pra fora da escola é fácil aderir a uma ética e uma ótica
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Presa em uma enciclopédia de ilusões bem selecionada


E contadas só por quem vence
Pois acredito que até o próprio Cristo era
Um pouco mais crítico em relação a tudo isso

A alusão ao giz no chão, remete tanto à relação de Exu presente nas escolas através daqueles
que cultuam as suas crenças como remete aos terreiros de Umbanda e do Candomblé, que tem seus
pontos riscados com giz no chão e através da metáfora do giz acabam por atravessar esses dois
mundos.
A crítica do silenciamento das raízes culturais e religiosas vem à tona através de uma
enciclopédia presa de ilusões bem selecionadas e contadas só por quem vence, Cesar e Maher (2018),
nos revelam uma narrativa de conhecimento “universal” que é criticada tanto pelo povos originários
como pelo povo negro, elas dizem ainda que, o Estado muitas vezes age como “forma central de
controle da autoridade coletiva, associada à colonialidade do saber, que tem o eurocentrismo como
forma hegemônica de controle no modo de produzir conhecimento” (CESAR e MAHER, 2018, p.3).
Dessa forma, a escola muitas vezes descarta o conhecimento cultural, linguístico e histórico da
periferia, do povo negro e dos povos originários, estabelecendo uma forma de poder da colonialidade
sobre o saber.

Acrescenta à noção de colonialidade, um padrão de poder que não se limita à relação formal
de poder entre dois povos ou nação, mas ressalta como o trabalho, o conhecimento, a
autoridade e as relações intersubjetivas se articulam para construir a base sobre o qual o
poder e a dominação se instalam. Desse modo a colonialidade atravessaria, em todos os
níveis, o nosso cotidiano e as formas de ser/pensar/fazer implicadas nas identidades culturais
de (re) existência (CESAR e MAHER, 2018, p.2).

Logo, o que vemos é um racismo estruturante, aos moldes dos padrões de dominação e como
suas formas de controle estão em todos os níveis da sociedade, e a escola é uma delas. Nesse ponto,
fica claro que a Lei 10.639 não é aplicada da maneira ideal. A lei nos garante a existência e a produção
de material didático voltados para a cultura negra, no entanto o racismo e o preconceito ainda
persistem uma vez que as propostas que são inseridas nas escolas para esse debate, ficam no campo
do lúdico e do eventual, não havendo de fato uma efetividade de transformação desse currículo com
heranças coloniais. O ensino religioso por exemplo, integra a Base Nacional Comum Curricular, no
entanto como aponta a canção não há um espaço plural de discussão religiosa, mas sim a
catequização e a negação de religiões fora do cristianismo. Por isso a importância do debate de Exu
nas escolas, com convicção, com propriedade, pisando firme, sem transformar isso em algo banal,
afinal, não é show da Xuxa, como bem alerta a canção.

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As escolas se transformaram em centros ecumênicos


Exu te ama e ele também está com fome
Porque as merendas foram desviadas novamente
Num país laico
Temos a imagem de César na cédula e um "Deus seja louvado"
As bancadas e os lacaios do Estado

Através deste trecho da canção é possível observar a forte relação do cristianismo com o
Estado, além das questões de colonialidade ligadas ao capitalismo. Cesar e Maher (2018) apontam
que a questão do capitalismo está estreitamente ligada à uma base de classificação racial/étnica para a
sustentação do capitalismo mundial, logo todas estas questões estão atravessadas por uma relação de
poder entre capitalismo, estado e religião, que impõe determinadas posturas guiadas pela moral cristã,
que por outro lado subverte a ética humana que coloca a imagem de César na cédula em um Deus
seja louvado, ou que saia impune o desvio de merenda escolar em um país que volta a entrar para o
mapa da fome. Exu te ama e ele também está com fome, representa todas as mulheres, homens e
crianças pretas em situação de vulnerabilidade que são negligenciadas pelo Estado em prol de
bancadas como a da bíblia e a da bala que muitas vezes representam uma cultura opressora do
patriarcado cristão.
A canção finaliza com o desafio de devolver a Exu a alcunha de um deus, ter Exu nas escolas
é garantir um espaço democrático e plural de discussão, é despertar uma visão crítica, decolonial e
transgressora, é a compreensão de que há sim uma recompensa em uma pedagogia engajada na
riqueza cultural que muitas vezes o medo e o preconceito querem esconder.

Conclusão

Iniciamos este artigo com a proposta de evidenciar através da música de Elza Soares,
nominada de “Exu nas escolas”, a importância da educação para as relações étnico raciais de forma a
compreender que a educação precisa ser antirracista e decolonialista. Para isso, passamos pela
relação da arte e da cultura enquanto dispositivos de enfrentamento das violências raciais e sociais que
ainda enfrentamos, observamos também que a cultura materializada através da música faz com que as
mensagens de empoderamento e de enfrentamento das mazelas sociais cheguem nos mais diversos
espaços. Discutimos como as Leis criadas e voltadas para igualdade racial, devem partir da discussão
sobre equidade como forma de garantir uma verdadeira justiça social como afirma John Rawls.
Podemos perceber que mesmo com a Lei 10.639/2003, a Lei 12.288/2010 e a Resolução nº08
de novembro de 2012, ainda temos muito para avançar, uma vez que ainda somos atravessados por

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uma cultura eurocêntrica que insiste na negação do Outro, como exemplifica Cesar e Maher (2018,
p.14), mas que, no entanto, “há um movimento de (re) existência para que sejam reconhecidos os
saberes que são próprios dos indígenas e quilombolas”. Nesse sentido é preciso garantir que se
cumpram as Leis, não só pelo que elas determinam, mas pela importância de ter Exu no interior da
educação tanto para as relações étnico raciais como para traçar um caminho para uma educação mais
equitativa e plural, a fim de garantir o respeito pelas diferenças culturais e religiosas principalmente
aquelas de matriz africana.
Refletimos ainda sobre a importância de termos artistas como Elza Soares que dá voz ao povo
negro e que traz para o debate temas que são tão raros para aqueles que são constantemente
silenciados por uma cultura eurocêntrica hegemônica ainda presente. Sobre a análise da canção,
buscamos uma imersão nas relações socioculturais que envolvem o contexto educacional olhando para
o apagamento do negro e a constante degradação da figura de Exu pelos colonizadores. No entanto, o
que a música nos mostra é um Exu íntegro, na forma de um deus iorubano que possibilita a partir dele,
reflexões históricas, sociais e culturais das raízes negras de nosso país.
Buscou-se reiterar que não é possível compreender a luta e a resistência cultural afro-
brasileira, sem olhar para seu aspecto religioso como um símbolo para a sua permanência. Olhar para
o espaço escolar através da música Exu nas escolas nos permite perceber para além do religioso, uma
contextualização histórica que possibilita a desnaturalização da demonização, bem como amplia a
imersão na cultura afro-brasileira de forma decolonizada, garantindo assim uma educação
culturalmente inclusiva, socialmente construtiva e libertadora.

Referências

CARNEIRO, S. MULHERES NEGRAS NA EDUCAÇÃO: DESAFIOS PARA A SOCIEDADE


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