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OS DILEMAS EDUCACIONAIS: PASSADO E PRESENTE EM PERSPECTIVA * 0 Sr. Florestan Fernandes — St. Prof. Manuel Marcos Ma- ciel Formige; St. Prof. Ferando Affonso G. da Fonseca; Sra. Prof.” Maria Rosa de Abreu: Eu nfo esperava que isto acontecesse na minha vida. A vida 6 feita de imprevistos. Tenho atacado muito esta nova Repibli- a, porque ela é um prolongamento da ditadura militar. E, no entanto, estou aqui. para sustentar as minhas idéias, 0 que mos- tra quo poderosa é a Histéria. Ainda nao fomos acabados de ser expulsos das instituicées dentro das quais nos formamos © jé podemos falar naquelas instituig6es que foram pisoteadas pelo poder militar ¢ pela autocracia civil. Agradeco & Prof.* Maria Rosa. Bla fez uma sintese 0 pene trante de coisas que dizem respeito & minha vida, fez afirmagdes que no merego de modo algum. Eu sou uma pessoa modesta. Eu no me compararia com pessoas que cla citou aqui. Acho ‘que uma grande virtude das pessoas é nao confundir até onde podem chegar. Sei até onde posso cheger e tento chegar 1. Mas sei que nao poderia ser um Campanella e nenhuma dessas figu- ras que foram arroladas nessa lista que foi preparada pela minha + Tramerigio de depoimenta feito no programa “Memra Viva da Eds eo Basi erento a ga aro ino Cro Sn Amn © profesor Marcos Maciel Fornia e, a meu repel, a prof Maria Rome de Abreu. O programa entra sendo inaugurao, na otasfo, como incaiva do. Tastiito Nacional de Extadow Pedagogcos. Por emotion Sing, aqu a8 fo reprodunido 0 depoimento de minha stiri. A partir de certo ponto, pe a tratar das petguntas intrrompendo o plan ex postive, 0 evento realizowse 4-12/4/89, bob a. presdencia ‘do pro. Manuel Marcos Maciel Fores, dietorgeal do INEP. 26 colega, Mas, principalmente, fiquei fortemente emocionado com 4 sua sensibilidade humana. Praticamente, ela me roubou o dis- curso e voo8s poderiam interromper a cctiménia aqui. Se me é deda a liberdade de dizer 0 que penso, a primeira coisa que eu queria pedir € que todos se levantassem para nds fazermos uma saudago 2 Anisio Teixeira, com palmas, com ale- aria, para recuperar aquela figura humana que dew tanto aos outros e recebeu em troca a exelsio. (Palmas protongadas) ‘Anfsio Teixeira foi, inclusive, imolado nao se sabe de que forma. Ninguém consegue explicar dircito as condigées de sua morte. E € com orgulho ¢ emocio, emocao que chega as légri. mas, que venho aqui prester esta homenagem a Anisio Teixeira uma homenagem que ndo pode ser singular, porque ela € uma hhomenagem a uma geragéo muito ampla, que contou com Fer- nando de Azevedo, que foi um dos meus maiores amigos — fui assistente dele sem ter sido seu aluno. Trabalhei com ele longos anos, depois com Roger Bastide, que foi meu professor. Nao se pode esquecer outros nomes. A Histéria registra todos eles. E se podemos dizer que eles advogaram a causa de uma concepta0 burguesa da revolugio educacional, € preciso atribuir grandeza histérica a essa equagio burguesa da revolugao educacional, por que eles pretendiam, por af, ocupar os espagos de uma civilizagao ue nao tinha chegado no Brasil até o fundo de suas potencia- lidades. Portanto, eles queriam passar 0 Brasil a limpo, por 0 Brasil na idade histérica em que eles viviam. Lutaram denoda- damente. Lutaram contra eruzados, alguns de muito valor, pre- cisamos reconhecer, valor intelectual © valor humano, mas que estavam obnubilados por uma concepgio da educacdo que jé fora ultrapassada, primeiro pela propria Repablica, depois pela peda- gogia moderna, 0 valor de Anfsio Teixeira é que ele cra o maior pedegogo daquele grupo, do_de Azevedo fosse a cabeca mais organizada. ‘0 que Anisio retendia 0 de escola que expressasse a nossa realidade humana, que fosse capaz je funcionar como um dinamo na criagéo de um processo civi- izatério que rompesse de uma vez com o passado. Ele era um ‘homem em permanente diélogo filos6fico com ele préprio e com 21 Nao vou dar exemp eles. so muito co- nhecidos. Portanto, ew queria vir aqui, sem desmerecer os outros que trabalharam em prol dessa instituigéo, para prestar o resgate & a meméria desse grande educador e dizer que ele no foi esque- ccido. Sua obra continua viva, E se nés temos, hoje, a obrigagio de partir de outtos pontos mais avangados, esse néo é um pro- blema dele, € um problema da Hist6ria, A Historia deslocou os seus eixos e n6s fomos colocados dentro de uma perspectiva mais avangada e podemos discernir transformagdes ainda mais profundas, alimentar esperancas que ele néo ousou insuflar nos seus companheiros ¢ nos seus seguidores ©, ao mesmo tempo, colocar o idedrio educacional dentro do campo da agao politica, da agdo transformadora do homem. Dito isto, eu me ponho & disposi¢ao dos que me convidaram para vir aqui para responder a algumas quesiées. Naturalmente, ‘eu néo sei se essc formulério € rigido, se querem ou nfo alterar alguma questio. O primeiro tema seria a importéncia do INEP durante a gestio de Anisio Teixeira © a educagéo brasileira Devo dizer que a importincia do INEP ¢ a importancia de Anisio Teixeira so duas coisas tio associadas que 0 passado anterior do INEP desapareceu, cle se esfumou na nossa memé- ria histérica, INEP se identificou com 0 préprio Anisio Tei inka: He earn ede‘ iia a Se lie nfo pensava a educacéo em termos estritos de uma atividade segredada, isolada do mundo, e quando ele pensava na educacao, ele © 0s outros companheitos de gera¢do pensavam na pedago- gia, na filosofia, que séo matérias por assim dizer intrinsecas 4 propria natureza do ato educacional. Mas eles pensavam na sociologia, pensavam na biologia, pensavam na psicologia, Por- tanto, eles possuiam uma concep¢ao arquitetGnica, grandiosa, que tentaram implantar, por exemplo, no Instituto de Educa. 680, em Sio Paulo, na organizacao do curso de Didética da Fa- culdade de Filosofia, Ciéncias ¢ Letras ©, ao mesmo tempo, e {sto € muito importante ressaltar, eu fiz esta anélise com relago 228 8 Sociologia Educacional, obra de Fernando de Azevedo, mas cio Teixeira com maior perti- oa foram, sobretudo, grandes Teformadores socials, icaram & educagio porque com cebiam que a educagio era o elemento central da transformagao 0 mundo. lee ech Hé uma carga dé idealismo)ai, mas esse € um idealismo cri tivo, O homem precisa teF Gonsciéncia de si prOprio como indivi duo e como classe, para o bem ¢ para o mal, para a transformagao © para a conservacio da sociedade. Mas precisa ter consciénc Por isso, eles ram reformadores, Todos eles tentaram em seus Estados; nfo é 0 caso de Fernando de Azevedo, que nfo era paulista, mas tentou reforma educacional em So Paulo junto a um governo que nao merecia a sua colaboracio ¢ que causou uma experiéneia dra- ritica, porque ele soube que néo era mais Secretério de Educa- glo porque o carro que deveria pegélo nio foi buseélo em sua casa. E ele telefonou garagem para saber por que 0 carro néo ia e af na garagem o informaram que ele nao era mais Secretério de Educacio, No lugar dele foi posto alguém que servia a0 go- anaes ‘Anisio Teixeira, na Bahia; rarneito Leao, em Pernambuco; Fernando de Azevedo, em Sao Paulo, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, ¢ todos eles fize- ram reformas de grande importincia, de grande significado his- t6rico © que duraram a permanéncia do governo ¢, as vezes, nem isso, porque, em seguida, a tradicao cultural brasileira, que veio do perfodo colonial, da transigo neocolonial, do escravismo pés-Independéncia, da oligarquia republicana, essa tradicao cultu- ral yarria do mapa tudo que havia sido feito, em nome da defesa de valores sagrados da familia, da ordem social: “B preciso co baler a anarquia € ndo levar to longe os ideais de liberdade” Portanto, Anisio Teixeira trouxe para cé esse espitito de reforma e de uma reforma estrutural, uma reforma que os se- nhores podem comparar a reforma agréria, e que eu ouso dizer que & mais importante que @ reforma agréria, porque se as viti- 29 mas da concentragéo da propriedade da terra tivessem outro padrio de vida, outro nivel educacional, hé muito tempo nés no teriamos problemas da terra no Brasil, problemas de politica agré- ria ete, Portanto, eles queriam desmatar essa imensa floresta que ficou no espirito dos que sucederam aos colonizedores, com as ‘mesmas metas que transformaram o Brasil numa fonte perme- nente de privilégios para os poderosos. E nisso foram corajosos, © Anisio Teixeira € um exemplo, porque ele era um homem tt mido, um homem retraido, muito aberto a discusséo, muito aber- to A troca de idéias, ao didlogo, mas, ao mesmo tempo, adverss- rio da violéncia. Por isso ele escolheu a educagéo como um meio, E Fernando de Azevedo, reproduzindo uma afirmacio de Anténio Carlos, o politico mineiro, dizia e escreveu em um de seus livros: “E preciso fazer a revolugdo nas escolas antes que © povo a faca nas ruas”. Vocts dizem, af esté o fulero burgués dessa concepcéo peda- ségica. Mas ai estd, também, a ruptura com a ordem burguesa existente, uma ordem burguesa que, de acordo com Bobbio, possuiria uma sociedade civil ndo civilizada. Acho que vocts conhecem o ensaio desse pensador italiano, o contraste que ele faz entre a sociedade civil civilizada ea sociedade civil néo civilizada, a sociedade civil da barbétie. E eles queriam civil zar a sociedade civil, criar dentro do Brasil os dinamismos de uma sociedade burguesa moderna. E o INEP seria uma alavanca nnesse provesso. Ele iia congregar investigadores, homens de pen- samento © de pesquisa, recursos educacionais de vérios tipos, para se pér & disposicao da socicdade para construir novos ca- minhos, novos fins, para repetir uma frase de Fernando de Azevedo, na érea da educaco. Entio, 0 significado do INEP é tio importante quanto foi o do desenvolvimento da Semana da ‘Arte Moderna ou quanto o da fundacéo da Universidade de Sio Paulo. £ uma inovacdo que tinha rafzes dentro das nossas reali- dades mais profundas, que ia até as contradicdes insoltiveis dentro de uma sociedade capitalista dos problemas brasileitos e que, portanto, poderia desencadear dentro do Pais um processo de mudanca de um alcance imensurével. Lembro-me de que naquela época, na década de 40, se fala- va muito num livro de Kilpatrick. A Educagdo para uma Civi- lizagao em Mudanca. Eu que fiz curso de Ciéncias Sociais logo ctitiquei essa f6rmula porque, como professor, dava cursos de Sociologia do Conhecimento para a Filosofia. E preciso qualificar 230 a mudanga, que mudanga nés pretendemos. E muito evasivo falar”... fem uma eivilizagéo em mudanca. A mudanca pode ser para pior (ou para melhor. Por isso, os especialistas falam em mudanga socal progenive ¢ em mudanga socal regresvg, Eo diem dos educadores é que eles ficaram presos dentro dessa ratocira, ‘uma rateira que implicava supor que ha um automatismo no processo de mudanca, que a mudanga iré sempre na diregio Progressiva ¢ que cla acumularé forgas e transformagdes ina-| peléveis, Sabemos que a mudanca & sempre uma realidade politica. la pode comesar a partir da fome e da miséria, pode comecar a partir da riqueza, do si imento, cla tem varios ns ‘© que uma classe pretendé conservar/na sua situagao de Tnferesses e em seu sistema de valores? O que uma classe quer ‘modifican em sua situagio de interesses e em seu sistema de va- lores? E preciso equacionar e responder @ essa pergunta, que se coloca acima de uma transformagao que se daria dentro do espa- | ‘ co da ordem social capitelista. Mas eu sei, porque trabalhei ‘muito com Fernando de Azevedo, que para ele, como para Anisio Teixeira, em virtude das influéncies de Dewey, a mudanca seria progressiva, porque ela desencadearia as potencialidades da civi- lizagdo moderna, que as classes burguesas néo difundiram, no aceleraram, ao contrério, abafaram. Nao 36 no Brasil: isso acon- teceu em toda a América Latina, E sé onde houve pressio ex- tera, de baixo para cima, é que as classes burguesas se abriram para as grandes reformas histéricas, reformas como a revoluco jonal, como a revolucso democritica, como a reforma urba- ja, como a reforma educacional etc. ‘Quer dizer que @ burguesia europeia fot intefigem rurguesia norte-americana foi inteligente, a burguesia brasileira do foi, como a burguesia de vérios outros paises. | © INEP se planta dentro desse solo historico, que hoje néo & mais 0 solo histérico no qual estamos pisando, mas que ainda 231 possui importancia, possui vitalidade. Vocés virm como se cons: tituiu 0 Centro, como 0 Centrao imobilizou 0 processo Consti tuinte, deturpou-o, desviou-o de suas potencialidades e dos seus fins, Essa luta, portanto, vem até este momento ¢ ela nio pode ser ignorada. Esses homens nfo podem ser tratados levianamen- te, como fazem alguns analistas na drea de educacdo. Pedagogia burguesa: vamos pér na lata de lixo! Nao. E preciso ver no que essa pedagogia burguesa foi sufocada, nfo dew os seus frutos, apesar de todo 0 ardor, de todo o idealismo e de todo 0 esforgo, ‘0 que ela representou, o que teria produzido e por que a resis- téncia & mudanga nos colocou na necessidade de ter, atrés da Proclamagao da Repiblica, uma repiblica oligérquica; atrés de uma revolugao politica liberal, um Estado Novo; atrés de uma tentativa de implantar uma democracia de participagio ampli da, uma ditadura militar que durou até os nossos dias, sob a forma de transi¢ao dentro da transic&o E dentro desse contexto histérico que temos de colocar 0 INEP. Ele no é uma instituigio do passado. ele nao é uma inst- tuigdo intermediéria, ele néo é um meio de mediagio do go: Yerno para atender aos interesses exclusivos das classes conser- yadoras, Ele é um nticleo de trabalho pedagégico que frutificou numa diregdo, no passado; sofreu duras contingéncias, durante ‘um perfodo mais ou menos largo: e manteve a vitalidade de che- gar até aqui, para nés travarmos esta discusslo. E Anisio Teixei- 1a foi a alma desse Instituto Nacional de Estudos Pedagégicos. Darcy Ribeito apareceu como um auxiliar de Anisio, mas, prt cipalmente, para desbordar, ampliar certas éreas de investigacéo, para estender 0 alcance da atuacto politica da direcao do INEP, cnfim, ele foi um catalisador de inquietagées. Mas Anisio Tei- xeira jé tinha tantas inquietagées, que mexer com as inquictagées dele vinha a ser até perigoso. ‘Acho que com isso digo pelo menos o que penso do INEP. Se essa representagio € gratuita ou nao, corresponde aquilo que vocés definem como a verdade, Eu peco desculpas, mas a ver- dade possut vérias faces e eu descrevi uma das faces da verdade, aquela que consegui ver numa colaboragao com Anisio Teixeira, que j4 contava com a presenga de Darcy Ribeiro, que foi meu contempordneo na Escola de Sociologia e Politica (quando fiz curso de pés-graduagao, ele fazia a graduacio, nés dois traba- Thamos com 0 Prof. Baldus, nés dois fizemos teses sobre indige- nas, s6 que eu preferi os indigenas do passado e ele preferiu os 232 indigenas do presente, Preferi os indigenas do passado porque, por um acaso, descobri que se poderia reconstruir a sociedade tribal e outros aspectos de sua civilizagio que foram ignorados nos trabalhos de Alfred Métraux) ‘Acho que, com isso, dei um retrato de uma situaglo, que pre- cisaria ser um pouquinho ampliado, porque Anisio Teixeira nfo conseguiu fazer o que ele pretendia, Ele queria criar vérios cen- tros regionais, que funcionassem como uma espécie de sistema de génglios e levassem para todo o Brasil a atividade de pesquisa, comhecimento e explicasio realizada através do INEP. Entre eles, ‘yooés conhecem o de Séo Paulo. Fle convidou para dirigit o Cen- tro Regional de Pesquisas Educacionais 0 Antonio Candido, An- tonio Candido recusou. Ai ele se voltou para mim e disse: — “Florestan, vocé nao vai me decepcionar como 0 Antonio Ci Voc8 dirige 0 Centro?”. Eu disse: — Nao, néo dirijo. Nio & meu objetivo, tenho outras aspiragdes dentro da minha vida intelectual. Seria uma distorcio muito grave, mas acho que o Dr. Fernando faria isso. Ele disse: — “O Fernando? Mas como eu posso convidar 0 Fernando para isso?”. E eu Ihe disse: — B simples, traga o Fernando de Azevedo aqui, mostre o prédio, conte a dotagio de que ele dispord, fale sobre os objetivos, que a imaginagio do Dr. Fernando vai trabalhar no sentido de ver que se trata de uma atividade digna da sua competéncia e da sua capacidade criadora, E foi o que aconteceu. O Fernando de Azevedo, eu e o Antonio Candido assistimos passo a passo, re- ppetimos todo o passeio, subimos até aquela srea, que era uma espécie de telhado; e, no fim, Fernando de Azevedo aceitou, 0 Anisio ficou feliz e 0 Centro produziu um trabalho criativo em Sio Paulo, suplementando a Faculdade de Filosofia ¢ a Univer- sidade de Sio Paulo numa rea de pesquisa que jamais ela pode- ria desenvolver por sua prépria conta, ampliando os cursos de ‘extensio e de atualizacao de professores de ensino de nfvel médio no Brasil inteiro, levando para esses cursos os melhores profes- sores com que cle podia contar ¢ desenvolvendo programas de pesquisa de grande alcance. Se ele nao fez mais, foi porque os ‘meios foram escasseando: 'Néo sei se seria melhor acabar esse roteiro, falando mais rapidamente, porque senfo eu vou tirar os poucos cabelos que 233 ll estdo na cabega do Senador Nelson Carneito, faltando a votacdo, | cle vai me descontar 1/30 avos dos meus vencimentas. (Risos) verdadeiro caréter do substitutivo apresentado pelo Depu- tado Carlos Lacerda a Lei de Diretrizes e Bases da Educacéo Nacional. Sobre iss0 foram publicados varios livros © existe um eo- v nnhecimento vivo, Voces todos ssbem, tio bem como eu, qual foi a batalha que se travou. Os pioneiros da edueacéo nova tinham em mente um fim estratégico, no confessado, que cra, através do Conselho Federal de Educacio, forjer um pélo indutor de transformasao educacional de cima para baixo. Eles nio conta ram com o que a sociedade brasileira & capaz de fazer com as inovagdes. Mas, de qualquer forma, o Conselho Federal de Edu: cagio era um objetivo com propésitos muito mais amplos do que aparentava. No mai s. Ele travou essa batalha durante toda a sua vida. E tanto ele quanto Fer- nando de Azevedo tinham vinculos profundos com a formayéo religiosa. E, no entanto, queriam uma educagao que fosse demo- crética, laica, gratuita. E defendiam @ democratizagio do ensino piblico, quer dizer, pela via da escola publica © gratuita, para ' todos. E claro que 0 Ministro Clemente Mariani — a luta por esse objetivo jé transparece na Constituigo de 1934 —, mas é sob 0 Ministério de Clemente Mariani que eles conseguem dar uma certa impulsio aos scus propCsitos. O Ministro apresenta um projeto (em 1948) que era, em grande parte, um projeto que traduzia as aspitagdes dos pioneiros, mas fazendo concessdes 4 outras exigéncies de sctores diferentes. ' Ministro sempre € po- litico e, como politico, ele precisava atender as pressées que ele h sofria ou de cima ou de baixo (ou do lado ou de dentro dele préprio), .. © fato é que o projeto de Clemente Mariani atendia uma porcentagem muito grande das reivindicacées dos pioneiros, 1. Quanto a integra do projeto ver R, Spencer Maciel de Barros (ore.), Diretrizes © Bases da Educa;do, Sio Pavlo, Livraria Pioneira Eaitora, . 479-503). } 234, ‘mas no todas. Houve uma polémica muito complexa entre Ii berais e conservadores, entre catélicos, macons € agnésticos, entre idealistas e pessoas que queriam objetivos mais limitados. fiato que a escola piiblica estava em ctescimento, E escola piblica em crescimento significa escola privada em processo de encolhimento. Travou-se, entfo, uma disputa que eu caractetizei uma vez: de um lado, a Igreja Catélica querendo ter © monopélio da educago de mentes coragGes — felizmente nem 2 minha jente nem © meu coragio, mas daqueles que fossem as escolas atdlicas —; 0 setor comercializado tentando transformar o ensi- 10 em uma atividade empresarial, definidamente, e 2 possi ‘dade de competir com esse sistema de ensino piiblico em cresci- mento, limitando a sua capacidade de expansio. Vosés encontram no trabalho do Prof. Jodo Vila Lobes, 0 qual voc8s podem ler sem susto, porque a regressio ideolégica dele € posterior & redacao desse livro, Ele é um homem de valor, eu ainda tenho um grande respeito por ele. Podem ler também cs documentos publicados por Roque Spencer Maciel de Barros, que passou por um processo paralelo, mas, felizmente, poste- riormente & publicacao do livro. Ou no meu livro Educagdo e Sociedade no Brasil e em livros mais recentes, que foram pu- blicados por educadores jovens este ano, o ano passado etc. O fato é que Carlos Lacerda nfo foi o autor do projeto. Houve um grupo de educadores e intelectusis leigos e catdlicos, ligados ao ensino privado confessional ou comercializado, que elaborou um novo projeto, © Carlos Lacerda apresentou o subs- titutivo? E Carlos Lacerda era um homem de uma mente muito poderosa, Fernando Henrique Cardoso, que naquela época pat- ticipava também da campanha de defesa da escola péblica, dizi “O mal de Carlos Lacerda é que ele nao esti do nosso lado! Quer dizer, era um homem de uma capacidade de aco parlamen- tar muito alta e as pressOes externas o ajudaram. Naturalmente, a batalha se travou em torno de princfpios, como o da liberdade de ensino, como conceber a liberdade de ensino. A liberdade ¢ do professor, a liberdade é da escola, a liberdade € da familia? Atrds de cada uma dessas armadilhas existe uma solucdo. E, por af, a drenagem dos recursos piblicos para a educagio pode-sc fazcr sob varias formas, O Senador Jodo Calmon é um homem devotadissi- mo a defesa de verbas para o ensino, mas ele nunca esclarece 2 Quanto & integra do projeto, ver obra citada, pp. 504-522. 235 Tet et a) ences como é que ele quer destinar as verbas 20 ensino. # como outros, apesar disso respeito muito a tenacidade dele, pelo menos & meio caminho andado. .. Para mim as verbas piiblicas deveriam ser, como pensavam Anisio Teixeira, Fernando de Azevedo e outros, destinadas ao ensino pablico. No entanto, a idéia da liberdade do ensino levou a uma polémica acesa e os pioneiros tiveram de assumir essa polémica, despertando desconfiancas entre os berais, que foram seus aliados ¢ acabaram ficando em posicdes mais ow menos dabias, porque jé nao sabiam a quem atender, Parecia-lhes que, atrés das concepedes pedagégicas dos pioneiros, havia a idéia da estatizayao do ensino. Mas, ao mesmo tempo, muito desses liberais eram macons e eles néo queriam ver @ educago como um privilégio religioso e de classe. Entfo, travou- se uma luta dentro do préprio campo que apoiava os pioneiros da educagdo nova, Essa diviséo acabou sendo nefasta para a tra- mitagio do projeto na Cémara, enquanto, de outro lado, o poder da Igreja Catélica era (como é até hoje) um poder monolitico © avassalador. A alianga com a escola privada mercantilizada aca- bow representando uma vantagem tética insuperdvel para a pri vvatizagao-dos-recursos pablicos na érea da educacéo. Ai esté 0 jelemento central. Existem outras diferencas que néo vem 20 caso discutir_aqui,-porque cu iria ser enfadonho e iria insistir sobre coisas conhecidas. A importincia das cincias socials para uma melhor com- preensio da realidade brasileira do ponto de vista econémico, politico e social. ‘Acho que, naturalmente, essa pergunta necessitaria de um adendo para a educacdo. As cifncias sociais tendem a estudar 0 modo capitelisia de produclo. Por exemplo, as sociedades de classes, 0 Estado capitalista. A Psicologia que, também, sob muitos aspectos, € uma cincia social, explica tendénci formismo, repress, & opressdo, & agressio, porque, contas, muitas vezes aqueles que precisam mais da educacéo acabam sendo também os que rejeitam a educagio. Voces podem ficar assombrados lendo os jornais de Brasilia, Eles reproduzem situagdes de depredacdo da escola, que sio universais na socie- dade brasileira. Ocorrem em Sao Paulo, principalmente na peri- feria de So Paulo. Por que esse vandalismo? Esse vandalismo nasce de uma frustracdo. A agressio € transferida para fora. 236 ‘Aqueles que se sentem excluftos ¢ negados se afirmam destruin- do. Quer dizer que a educacao, nesse processo, acaba nio sendo | um elemento excessivo; ela acaba sendo aquela cadcia que falta para que os excluidos ¢ oprimidos adquiram uma consciéncia de ‘que a sua liberagéo depende de sua consciéneia critica e que essa consciéncia eritica pode passar por um tipo de educagio ‘que_pio seja conformista, mas sim ativista e militante, is. No-Brasil hé pouco trabalho nessa direcdo, e uma das [pessoas que trabalhou nessa rea te6rica com um pouquinho mais de insisténcia fui eu mesmo — fui uma excec#o que confirma fa regra. A maior parte dos meus colegas sempre preferiu conhe- cer mais a realidade, a sociedade brasileira, dentro da perspec- tiva segundo a qual é preciso conhecer para transformer a reali- dade. O ideal comtiano: conhecer para prever ¢ para dominar. ‘A minha visio nao é bem essa. Mas no Brasil se desenvolveu essa perspectiva, que nés difundimos na Universidade de Sio Paulo, Agora, o importante € a contribuigéo das ci para 0 conhecimento da educacao, para colocar a educagio den- tro do seu eixo histérico. Por que um pais precisa mais da edu- cago que outro? Por que um pais de periferia, com dese ‘vimento capitalista desigual, precisa da educacgo para diminuir 4s desigualdades, para eliminar iniqilidades, para criar uma pe- dagogia dos oprimidos, como dizia Paulo Freire? As ciéncias sociais tém uma importancia fundamental. Flas podem servir as classes dominantes, podem servir as classes intermedisrias, po- dem servir &s classes subalternas Nao posso discutir esse assunto aqui porque ele sozinho requeriria uma exposigo longa. Porém, as ciéncias sociais fo- ram o canal que serviu para que os pioneiros da educagao nova, primeiro, ¢ os educadores que vieram mais tarde tivessem a ambi- ‘go de expandir a pesquisa biol6gica, a pesquisa psicolégica, a pesquisa sociolégica, a pesquisa econémica etc., para colocar ‘esses conhecimentos ao alcance de uma escola de maior ren- dimento. E claro que hé um monopélio do conhecimento numa socie- dade de classes. Sem quebrar esse monopélio é dificil tornar a pparticipago dos conhecimentos produzidos avessivel a todas as classes em confronto. Nesse ponto, © Brasil sofreu modificagées profundas nestes iltimos 30 ou 40 anos. Infelizmente, no posso 237 discutir isso aqui, mas & importante demonstrar que as ciéncias socials, j4 @ partir de Fernando de Azevedo e principalmente depois dele, contribuiram para que se tivesse uma nova visio da educagio, do educador. Marx pergunta, nas teses sobre Feucrback, “quem educaré 0 educador?”. Esse € uma pergunta decisive, Marx, nessas mesmas teses, fala que é preciso superar a tre digdo filosofica de explicar o mundo para se transformar o mun- do. As ciéncias sociais tém uma tradiefo, em todas as suas ten- déncias, que leva & idéia de uma aplicacao ao estilo liberal. O cientista produz o conhecimento puro eo técnico aplica; ou entio uma concepefo que é mais moderna, que nasceu com_a Fisica |Nuclear ou entio com a Sociologia marxista) de que(ndo se pode |separar 0 conhecimento da transformago do mundo, da trans formagio da pessoa ¢ da sociedade, E muito importante aqui 0 fato de que a educaco acabou sendo posta naquela posigio de relevo, que nos permite falar que ela é o requisito para todas as outras revolucdes e reformas sociais — dentro da ordem e contra a ordem existente. Hé uma outra pergunta: os avancos obtidos pela Constitui- sfo de 1988, que cu devo pular, porque acredito que vocés estio mais preocupados com os avangos que no foram conquistados © que provayelmente poderdo ser conseguidos dentro de poucos anos, quando fizermos a préxima revisio constitucional. De qual- quer maneira, a nossa Constituigdo é uma Constituigio inaca- bada. Ela é uma sonata que ndo terminou. F ela néo responde as exigéncias hist6ricas do presente da sociedade brasileira. Mas, se ela respondesse daria no mesmo, porque a questao é de poder. Quem pode controlar as estruturas de poder, o sistema de poder © usar a Constituigéo como um elemento de transformagio da ‘ordem, porque vocés sabem que existem duas concepedes opostas de Constituicéo: uma concepedo estética codificadora, tecnicista, 08 principios estio enumerados e cada caso precisa ser resolvido de acordo com aquele cédigo que € fornecido pela Constituicao, E existe um outro paradigma, que foi, por exemplo, o da Consti- tuigdo portuguesa claborada depois da Revolugo dos Cravos, € ‘que hoje est em provesso de regressio em Portugel. Aquela era uma Constituicdo dinémica, uma Constituicao feita para promo- ver avangos sucessivos, encadeados. Ela prevé situac6es existentes « situagdes que poderdo ser criadas, no transcorrer do processo histérico. E 0 Direito, entéo, inclusive, na forma mais pura do 238 Direito, que ¢ o Direito Constitucional, ele ndo é apenas uma ‘arma de defesa da ordem, ele ¢ um instrumento de eperfeigoa- mento e de transformacio da ordem. Isso poderia acontecer den- tro de uma sociedade capitalista. Aconteceu j& cm paises da Europa, aconteceu nos Estados Unidos, infelizmente nao aconte- ceu entre nés. Importancia da elaboragao de uma nova lei de diretrizes € bases que assegure 0 direito & educacio para todos. ‘Aqui esté 0 ponto crucial, que mereceria maior saliéncia esta discussio, Anisio Teixeira insistia em que a educacio nao privilégio. Hoje, o grande drama central da sociedade brasilei a € 0 da liberacdo das classes destituidas, tanto dos trabalhado- res livres, quanto dos trabalhadores semilivres, quanto aquele xército de miscréveis de terra que S40 téo numerosos na cidade no campo. A Lai de carse do toy 1a Eu no sou um educador. Até fico envergonhado quando alguém me diz que eu sou um educador. Sou um professor, sou ‘um socidlogo, sou um intelectual, mas acho que ainda seria pre- ciso alguma coisa a mais para eu me apresentar de pablico como educador. E a imaginacdo dos outros que me transforma em edu- cador. Mas, por ter sido privado da escola, por ter sido uma pessoa que sai do curso primério no inicio do 3.” ano, que queria estudar € conseguia livros emprestados ou doados, apren- dia sozinho, foi ao curso de Madureza, chegou & Universidade na idade normal, porque © antigo art. 100 oferecia esse privi- légio. Eu podia concorrer ao pré-universitério ¢ podia concorrer diretamente a0 exame de habilitagao. Entrei nos dois. No pré da Faculdade de Filosofia, em 2.° lugar, e no curso de Ciéncias So- ciais, em 5.° lugar. Eram 30 vagas no curso de Ciéncias Sociais, 29 candidatos. Os franceses aproveram 6, eu era o 5! E fui examinado sobre 0 texto de um livro que, hoje, os estudantes de pés-graduaco renegam, quando sc fala nisso como tarefa obri- gatéria: De La Division du Travail Social. Era fantastico o fosso, a tremenda distincia que existia entre a concepedo fran- cesa do ensino universitério ¢ a realidade brasileira 238 42) Pois bem, cheguei ld, ¢ exatamente por causa da minha pri- vyaga0, por causa dos amigos que eu vi se tornarem bandidos, vi se tornarem alcoSlatras, dos grandes homens humildes que co- nheci, jovens e velhos, © que nunca foram nada, porque estavam sala de aula e escola. E isso € ignorado. Poucos autores o salien- tam, como Schmidt, um educador libertério, anarquista. & muito importante que nés retiremos da educacio as cadeias que a amar- ram a uma sociedade muito hierarquizada, muito autocritica, |muito repressiva, Liberar 0 processo educacional, transferir para dentro da sala de aula o cardter que cla deve ter de experimentumt ‘crucis, no nivel mais profundo de uma pessoa que se da & outra Tive a felicidade de conhecer um auténtico educador, 0 professor Benedito de Oliveira, que foi diretor do Colégio chuelo, antes professor do Liceu Coragdo de Jesus, ge6grafo, historiador, homem humilde — morreu desconhecido. Com ele eu descobri qual € a medida de um educador. Jamais passaria pela cabeca dele alimentar formas de coercao dentro da sala de aula. A aprendizagem precisa ser liberada, as mentes precisam set criativas. Entio, temos de inverter toda a nossa rota pedagé- ‘ica, acompanhando as vies histéricas novas. E isto é uma coisa que nio existia no idedrio dos educadores, dos pioneiros da edu- cago nova. Eles queriam quebrar os privilégios. Hoje, jé podemos por de lado essa necessidade de quebrar privilégios, embora eles existam, para lutar para que a escola a sala de aula retomem toda a sua dignidade, toda a sua impor- tancia, Nao fazer uma lei pata impedir que elas funcionem, para que as coisas subam de uma autoridade escolar para a outra, até chegar as méos dos burocratas supremos — ou do Ministro. Parece que 0 Ministro nfo tem mais 0 que fazer! Ele tem de assinar toda a papelada. Ora, € uma concepeao retrégrada do pprocesso educacional. O processo educacional se desenrola denj tro da escola. E se € preciso instituir uma lei de diretrizes bases, essas diretrizes e bases sfo apenas coordenadas, que visa a impedir que dentro dessa imensa liberdade se instaure um desordem que destrua todo 0 processo educativo. ‘Af esté 0 que penso. Pode estar errado. Vocés so educedo- res, eu sou aprendiz de educador. Vocés julgardo sc estou certo ou errado. 240 © outro elemento € aquele que eu tenho definido de uma forma parecida com a de Paulo Freire, s6 que numa direso mais radical. Ele fala na liberacao dos oprimidos e eu falo nai GEER 1, cama do Universidade no € fe melhorar a sua qualidade, a sua transparén | @ sua capaci dade de produzit bom ensino, conhecimento original. Ela é, prin- cipalmente, a de levar o conhecimento mais avancado Aqueles que nfo tiveram a oportunidade de aprender, Aqueles que foram expulsos, Primeiro, foram expulsos socialmente e, depois, cultt- ral e economicamente e que precisam ser reincorporados. Temos de aprender. Pode-se conseguir isso de uma maneira severa, como fazem os japoneses; pode-se fazer isso de uma maneita branda, tolerante, suave, como seria @ da transigéo da pedagogia ocidental mais inovadora. Eu acho que nés temos de quebrar todas as barreiras, de impedir esse afunilamento do sistema de ensino, que debati muito na campanha em defesa da escola pablica, A primeira tentativa de analisar o sistema de ensino como uma talidade partiu de um trabalho que eu fiz para uma conferéncia sindical. £ 0 estudo que abre Educacdo ¢ Sociedade no Brasil, quando se relaciona aquela imensa base com uma estrutura termediéria muito menor e com um ponto. Esse afunilamento ‘vem até hoje, s6 que aqueles 1,5% hoje sic 4, 4,5%. Nos nio podemos ser um pais civilizado, um pais que elimine a barbérie nessas condigdes. Entio, € por isso que eu disse que preciso uma revolugo educacional, porque € uma reforma tao profun- da quanto a reforma agréria. Ela vai abalar as estruturas sociais do Pafs. Mas, com isso o Pais poder dar um salto enorme na diregfio da criagio de novos destinos e se tomar uma na¢o autd- noma ¢, inclusive, ser capaz de colocar a questo de capitalismo fou socialismo como uma opcfo das classes, como uma opcao, uma escotha daqueles que estéo em confronto ¢ nfo como uma jimposigfo da ordem. ‘Trata-se de um delineamento um pouco sumério, ou muito elementar da minha posigao, que pode ser tachada de ideol6gica; ‘mas tudo € ideolégico. Também é ideol6gico defender uma con- cepeio fechada, muito centralizada da educagao, que leva 20 Conselho Federal de Educaco, com qualquer que seja @ sua qua- lidade ¢ abertura, e a0 Ministro a deciso de todos os problemas. s problemas fundamentsis tém de ser resolvidos onde eles sur- gem. Se eles precisam ir para o tope, entdo essa sociedade é uma sociedade que politiza a educagdo de tal maneira que acaba des- 241 truindo a educaeio como um processo psicolégico ¢ como um processo de desenvolvimento dinamico da personalidade, ‘Temos de parar por aqui. Vou debater as perguntas. Educagdo para a classe trabalhadora, Esse € um tema que também exige uma conferéncia. A educacéo para a classe traba- thadora no comeca, como se pensa, na escola. O grande drama da educagao € que seus problemas aparecem no sistema escolar, mas nascem antes, quando a crianga ainda é parte do ventre da Se voots estudam uma tribo, vocés aprendem como se educa a crianga quando ela é um ser vivo que nao anda, nio fala, nao come, nfo bebe @ nao ser através da mae. A educago comeca ai, Ou entiéo a deseducacio, a destruicdo, E nés, nessa fase, igno- ramos a crianga, ignoramos que a educagao comega ai. E hé toda essa fase que vai do zero aos seis anos, que nés pensamos resol: ver com creches, com pré-escolas, mas que néo slo atin pelas creches e pelas pré-escolas. Sao atingidas pelas familias, sao atingidas pela vizinhanga, so atingidas pela opressio de clas- se, pela exploragdo de classe. E, por isso, € necessério transfor- mar a sociedade, para termos 0 requisito principal, niimero um, de imaginar uma educacéo necesséria & classe trabalhadora. HG muitos que pensam na educacdo para a classe trabalhe dora como uma educacdo exclusivista. E trebalhador? Entao set operdrio, ele precisa de uma educagio técnica, precisa ser instruido, ndo educado; ele precisa ser adestrado, nao polido, in- telectualizado! Ora, 0 trebalhador tem tanta necessidade da cultu- 1a quanto aquele que nio ¢ trabalhador, aquele que € proprieté- rio dos meios de produga0. Por que 0s que s4o proprietdrios dos meios de produgdo t8m capacidade de comandar, a arrogincia de mandar etc.? Porque eles aprendem nas escolas uma educa- ¢f0 de classe ¢ adquirem uma cultura geral que é uma cultura formativa. Temos de dar ao trabalhador essa mesma educacéo, © educador precisa conhecer mundo, explicar 0 mundo, trans- format 0 mundo e, para isso, nao basta Ihe dar o adestramento 1a situago de trabalho, a escolaridade técnica. Ele precisa, in- clusive, se possivel, percorrer todos os graus de ensino, ‘Quando trabalhei na Novoterdpica eu jé estava com 17 anos © acabei substituindo um colega suico que cra chefe de seco de dentes da Novoterdpica. Ele me disse que na Sufca as vezes se paga # passagem do bonde a um cobrador que é um doutor pela Universidade, Hé uma abundéncia de pessoas educadas, de nivel 242 2x -« superior, que no sdo aproveitadas no sistema produtivo, tanto econémico, quanto cultural, quanto politico. Isso é um luxo? Néo, é uma necessidade. © trabathador precisa de uma educagéo que o transforme em alguém capaz de manter uma posicao ofensiva nas relagdes de classe. Fiz com o Prof. Roger Bastide a pesquisa sobre o negro, 1a famosa investigago de 1951, que suplementei sozinho, depois que cle foi para a Franca, em 54, Havie aquela propensio da capitulagto passiva do negro. Essa capitulagdo passiva precisa ser climinada do dicionério de todos os brasileiros. Como fazer isso? Através de processos educacionais, Antes de sentar no diva, f pessoa passa pela escola. E, a0 passar pela escola, ela pode se livrar do diva ¢ pode tornar-se mais atil a si propria, como pes- soa e como classe. Entio, ha uma imensa revolugio a fazer aqui Lamento nao poder ir longe. Outra questio: a ligagio da escola e do movimento educa- cional com o partido politico. Esse € um problema grave, porque no Brasil o monopélio da educagao pelas classes dominantes transformou os partidos politicos em instituigdes que s6 servem para a pugna eleitoral. Quando se trata do momento de ratear © poder, de negociar, de conciliar ou entéo de esmagar os de baixo, ai os partidos tém utilidade; depois, eles so postos de lado. Esse pessoal todo tem as suas elites econémicas, elites culturais, clites politicas, nao precisem da escola de partido. Jé os partidos proletarios necessitam de escolas de partido. Algumas 8 figuras mais eminentes na hist6ria do socialismo © do comu nismo nio foram professores de universidades, foram professores de escolas de partido. Rosa Luxemburg é um-exemplo, Bukharin € outro exemplo, 0 prOprio Lenin dew cursos no partido. O fa- oso economista austriaco Hilferding foi professor de escola de partido. Quando os professores universitérios concentraram em suas mos a responsabilidade por desenvolver o socialismo ¢ 0 ‘marxismo, eles retiraram 0 marxismo da atividade politica, trans- formaram-no em especulagao: a ligaco entre teoria e pratica se desvaneceu desapareceu. ‘A propria escola também pode preencher fungSes para as classes trabalhadoras, que tornem prescindiveis a escola de par- tido, Isso nfo sconteceu no Brasil, porque nao chegamos sequer & escola de partido. O PT esté tentanto isso, 1é em Cajamar, ‘mas lidando com grupos pequenos, com lideres sindicais, com 243

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