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ARTES – Prª.

CAMILA ANTUNES
ENSINO MÉDIO INTEGRADO

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Expressões anti-indígenas para tirar do vocabulário


O Plural reuniu oito termos pejorativos para evitar em conversas sobre os povos e a cultura indígena
(Por Cecília Zarpelon)

A colonização europeia no Brasil foi um processo violento que culminou na morte e


escravização de milhares de pessoas negras e indígenas. Apesar de ocorrido há mais de 500
anos, continua influenciando o modo de pensar, agir e também falar da população brasileira.
Herança desse período, ainda circulam entre o povo diversas expressões e crenças
equivocadas sobre os povos indígenas brasileiros que, à medida que continuam sendo
empregadas, contribuem para a perpetuação da discriminação contra essa população.
“É importante discutirmos isso porque a linguagem revela muitos preconceitos e opiniões
que temos no dia a dia. Pode parecer superficial você tentar mudar o jeito que falamos, mas na
verdade a língua é a primeira instituição da nossa cultura com a qual tomamos contato. Essa luta
por modificar a linguagem é fundamental porque, de certa forma, a longo prazo, ela também tem
resultados práticos na vida das pessoas, principalmente das populações indígenas”, afirma a
antropóloga do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e
doutoranda em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP), Gabriela de Carvalho
Freire.
De acordo com a especialista, desde o início do contato da sociedade ocidental com os
povos originários, foi criada e reforçada a ideia de que as populações nativas seriam “atrasadas”
e “selvagens”.
“Os europeus se comparavam a essas populações originárias como se eles fossem o
ponto em que todas as sociedades devessem chegar, em relação a avanços tecnológicos e
científicos. Além disso, como os povos indígenas estavam mais ligados à natureza, é como se
eles estivessem em um „estágio inicial‟ e „não tivessem conseguido domar a natureza‟ como a
sociedade ociental teria conseguido.”
Para Camila dos Santos da Silva, mulher indígena, artesã, etno-comunicadora e
graduanda em Ciências Sociais pela UFPR, toda forma de comunicação é renovável e pode ser
atualizada. Por isso defende que a sociedade reveja a forma de comunicar a respeito dos povos
originários.
“As pessoas têm uma visão de que indígenas são figuras caricatas, folclóricas e do
passado. Desde o genocídio que houve na invasão desse continente, a sociedade continua
reforçando esses estereótipos. Somos vários, múltiplos e diferentes povos e é importante
respeitar e validar todas as formas de vida e cultura. Saber como tratar o modo de vida dos povos
indígenas não incitando ódio em pessoas que não conhecem de fato a nossa história é
fundamental, porque usar palavras equivocadas pode ainda nos matar”, afirma Camila, que vive
na aldeia Kakané Porã, no Campo de Santana, em Curitiba.

EDUCAÇÃO EUROCENTRISTA
Na visão da antropóloga do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR, um dos fatores
centrais que estimula a população a continuar utilizando expressões pejorativas que desvalorizam
a cultura e os saberes indígenas é a educação eurocentrista.
“Dentro de uma escola não-indígena a gente não aprende a história completa. Temos
pouquíssimo conhecimento sobre a história pré-colonial, sobre como era a vida das populações
indígenas antes de 1500. Já entramos na vida escolar com essa perspectiva europeia, o que
significa que desde muito cedo nós aprendemos a entender que essas populações são do
passado, e que aquelas que sobreviveram são atrasadas e devem se aculturar, viver como os
brancos. Isso é fruto do colonialismo (da opressão de alguns povos sobre outros) e do
desconhecimento de como é a vida dessas populações.”
Raquel Teixeira, ilustradora do Quadrinistas Indígenas, coletivo que produziu uma cartilha
sobre termos racistas contra os povos originários, afirma que a discussão sobre a linguagem
empregada pelas pessoas para se referir aos indígenas é de extrema importância pois desperta a
curiosidade da sociedade para os diversos povos tradicionais presentes no Brasil, que resistem e
lutam pela perpetuação de suas culturas até hoje.
“Sempre tem alguém que não tem noção que tais termos são anti-indígenas justamente
porque nunca foi apresentado ao outro lado da discussão. Como você pode ter o questionamento
que tal termo é mal visto por uma cultura se você nunca foi apresentado de forma clara a tal
indagação? E essa falta de indagação é algo naturalizado até dentro de ambientes que deveriam
ser pontos de partida de discussões, como nas escolas. Se não há debates sobre povos
originários do Brasil, como as pessoas não-indígenas vão saber que no Brasil existem mais de
300 etnias, vivendo em todos os estados, em aldeias, quilombos e dentro das cidades?”,
questiona.

EXPRESSÕES
Tendo como base as conversas com Gabriela, Camila e Raquel, e a cartilha do coletivo
Quadrinistas Indígenas, o Plural reuniu oito termos e expressões depreciativas sobre os povos
originários para tirar do vocabulário. Confira:

Tupiniquim (como sinônimo de brasileiro)


Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), o povo Tupiniquim habita três Terras Indígenas
em Aracruz, no norte do Espírito Santo. Atualmente, são cerca de 2.901 indígenas Tupiniquim no
Brasil.
O termo Tupiniquim, no entanto, é comumente utilizado para se referir a algo nacional, por
exemplo, ao invés de “cinema brasileiro”, utiliza-se “cinema Tupiniquim”. Conforme o ISA e a
cartilha do Quadrinistas Indígenas, os Tupiniquim são um povo com especificidades e algo só é
Tupiniquim se for produzido por eles.
“O uso do termo Tupinikim (ou Tupiniquim) como sinônimo de „ser brasileiro‟ acaba
apagando e trazendo difamação a toda uma cultura que resiste até hoje”, pontua Raquel Teixeira.

Índio
Apesar de ser muito utilizado atualmente, o termo “índio”, quando empregado por pessoas
não-indígenas, carrega um imaginário estereotipado e perpetua ideias trazidas pela colonização.
Gabriela de Carvalho Freire explica que o termo é associado à chegada dos europeus no
Brasil. “Eles chegaram aqui e acharam que estavam nas Índias, por isso chamavam a população
originária de „índio‟.”
Uma alternativa para o termo é utilizar a palavra “indígena”, que, segundo Gabriela,
significa uma população originária, autóctone.

Tabajara (como sinônimo de algo falsificado ou ruim)


O povo Tabajara vive hoje em três estados brasileiros: Piauí, Ceará e Paraíba. São cerca
de 2.881 indígenas. Utilizar o nome de um povo para designar algo negativo ou de má qualidade
é uma forma de discriminá-lo.
“Quando são utilizado falas/termos que associam toda uma raça a questões pejorativas e
negativas, depreciando a forma de viver, apagando ou revivendo estereótipos colonialistas,
podemos considerar como violências aos povos indígenas. Ao evitar o uso de tais termos,
podemos respeitar diversas etnias que já sofrem com políticas públicas pouco favoráveis à
perpetuação de sua cultura”, diz Raquel.

Tribo
O termo “tribo”, segundo a cartilha dos Quadrinistas Indígenas, remete a uma ideia de uma
população primitiva, sem organização ou capacidade. Além disso, carrega um imaginário
depreciativo de estereótipos e preconceitos.
Por isso, é preferível utilizar o termo “povo” ou, para se referir a um local ou território
“aldeia” ou “comunidade”.

Descobrimento do Brasil
O Brasil, evidentemente, não foi descoberto. Já havia milhões de povos nativos vivendo em
terras brasileiras antes dos colonizadores chegarem. No processo colonizador, essas populações
foram dizimadas, junto de suas culturas, línguas e costumes.
Por isso, falar em “descobrimento” do país, além de equivocado é fazer referência à
violência extrema cometida contra os povos originários e negros do Brasil.

Programa de índio
Comum no cotidiano das pessoas, a expressão “programa de índio” é outra forma de
associar as populações originárias a alguma atividade ou evento considerado chato, entediante.
“Essa expressão também é uma forma pejorativa de olhar para os costumes indígenas,
como se fossem coisas atrasadas e não interessantes”, afirma Gabriela.

Muito cacique para pouco índio


De acordo com a antropóloga, a expressão “muito cacique para pouco índio” se relaciona
com o incômodo que as sociedades não-indígenas sentem com a forma de organização política
das comunidades originárias.
“Geralmente, as populações indígenas se organizam de uma forma não tão centralizada
como a nossa (com um Estado e algumas figuras que concentram a representação do poder).
Elas não têm isso. Há uma divisão maior de poderes dentro da sociedade indígena. Essa
expressão é uma forma preconceituosa que temos quando vemos a maneira de lidar com poder
de um jeito diferente.”

Quem fala “mim” é índio


Existe uma ideia muito difundida entre a população brasileira de que os indígenas falariam
usando o pronome “mim” seguido de um verbo no infinitivo. Por exemplo: “mim fazer”, “mim não
comer”. Esse imaginário, inclusive, foi bastante repercutido em produções cinematográficas e
desenhos animados (tanto norte-americanas quanto brasileiras) que representavam as
populações originárias.
Atribuir essa construção considerada gramaticalmente errada pela norma culta da Língua
Portuguesa aos povos originários é mais uma forma de discriminá-los.

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