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L D4 prasio D0 TeaRattio socat falar a matéria-prima, Mas, por outro lado, acalenta-se uma vi esperanga quando se acredita que a melhor ma- neira de preparar seu advento & acumular primeito, com paciénea, todos os materais que ela utilizar, porque 56 ppodemos saber quais sio aqueles de que ela necessita se la jf tver alguma nogio de si mesma e de suas neces: ddades, logo, se ela exist ‘Quanta a questio que originow este trabalho, € a das relagdes entre a personalidade individual e a solidarieda- de social. Como € que, a0 mesmo passo que se toma mais autOnomo, o individuo depende mais intimamente dda sociedade? Como pode set, a0 mesino tempo, mais ‘pessoal e mais solidiric? Pois & inconteste que esses dois ‘movimentos, por mais contraditérios que parecam, se- guem-se parilelamente. E este 0 problema que nos colo- ‘camos. Pareceu-nos que o que resolvia essa aparente an- tinomia € uma transformacao da solidariedade social, de- vida 20 desenvolvimento cada vez mais considerivel da divisio do trabalho. Eis como fomos levados 2 fazer des- ta Gltima 0 objeto de nosso estudo’ INTRODUCGAO (© PROBLEMA, CConquanto a divisio do trabalho no date de ontem, {oi s6 no fim do século passado que as sociedades come- ‘caram a tomar consciéncia dessa lei, que, até entio, elas suportavam quase sem saber. Sem divida, desde 2 Anti ‘uidade, varios pensadores perceberam sua imporanck ‘mas foi Adam Smith 0 primeiro a tentar teorizila, Foi cle, aliés,o criador dessa palavra, que a ciéncia social em- prestou mais tarde & biologia Hoje, esse fendmeno generalizou-se a tal ponto que salta aos olhos de todos. Nio ha mais ilusto quanto as tendénecias de nossa indistin moderna; ela vai cada vez ‘mais no sentido dos mecanismos poderosos, dos grandes agrupamentos de forcas e capitis e, por conseguinte, da, extrema divisio do trabalho, Nio 86 90 interior das fabsi- ‘as, as ocupagies sio separadas e especiaizadas ad inf. tum, como cada manufatura é, ela mesma, una especia- lidade que supde outras, Adam Smith e Stuart Mill ainda 2 ba prasio bo reabauno soci cesperavam que pelo menos a agriultura sera excecao a regra e viam nela o Ghimo asilo da pequena propriedade, Embora em semelhante matéria seja necessirio eviar a seneralizacao excessiva, parece dificil, porém, contestar hoje em dia que 0s principais ramos da indistria agricola sho cada vez mais arrastados pelo movimento ger. En fim, © préprio comércio esforga-se por seguir & refleti, com todas as suas nuances, a infnita diversidade das em: presis industiais; e, enquanto essa evoluglo se consuma com uma espontaneidade irefletida, os economistas que escrutam suas causas € apreciam seus resultados, longe de condendsla e combaté-Ia, proclamam sua necessidade, Nela véem a lei superior das sociedades humanas e a condigio do progresso. Mas a divisio do trabalho no & especifica do mun- do econdmico: podemos observar sua influéncia crescen: te nas regides mais diferentes da sociedade. As funcoes politicas, administrativas, judicirias especializam-se cada ‘vez mais. O mesmo ocorre com as fungdes artsticas ¢ Gientficas. Estamos longe do tempo em que a filosofia ‘era a ciéncia Gna; ela fragmentou-se numa multidao de dlisciplinas especiais, cada uma das quais tem seu objeto, seu método, seu esprit. “A cada meio século, o8 ho: mens que se destacaram nas cigncias tomaranse mais, cespeciais* Devendo relevar a natureza dos estudos a que os Centstas mais iustres se dedicaram nos otimos dois sé- culos, de Candolle observou que, na época de Leibniz. & Newton, ele precsaria ter escrito “quase duas ou tes de- sSignages para cada cientist; por exemplo, asttonomo e fisico, ou matemitico, astnomo € fisico, ou entdo em pregar apenas termos gerais como fildsofo ou naturalist E isso ainda nao teria bastado. Os matemiticos e os natu ralistas eram, por vezes, enuditos ou poetas. Mesmo no xtmonugio 3 fim do século XVII, designagoes mbltiplas teriam sido necessirias para indicar com exatidao © que homens co- ‘mo Wolf, Haller Charles Bonnet tinham de notavel em ria categorias das cigncias e das letras. No século XIX, esa dificuldade no mais existe, ou, pelo menos, € rats. sma". Nao apenas 0 cientstajé mo cultiva simultanea~ mente ciéncias diferentes, como sequer abarca © conjun- to de uma ciéncia inteira. O circulo de suas pesquisas se restringe 4 uma ordem determinada de problemas, 08 mesmo a um problema Gnico, Ao mesmo tempo, a fun- ‘sto cientifca que, outrora, quase sempre era acumulada om alguma outra mais lucativa, como a de médico, pa- dre, magistrado, militar, toma-se cada vez mais suficiente por si mesma, De Candolle prevé até que, num dia pro= imo, a profissio de cientista ¢ a de professor, ainda hoje {Ho intimamente ligadas, se dssociario definiivamente. As recentes especulagdes da filosofa biol6gica ace baram de nos mostrar, na dvisto do trabalho, um fato de uma tal genenidade que os economistas, que foram 05 primeiros a mencioné-lo, nao haviam podido suspeitas, Sabe-se, com efeito, desde os trabalhos de Wolf, von Baer, Milne-Edwards, que 2 lei da divisio do trabalho se aplica tanto aos organismos como as sociedades; pode-se inclusive dizer que um organismo ocupa uma posigio ‘anto mais elevada na escala animal quanto mais as suas fungdes forem especializadas, Essa descoberta teve por feito, a0 mesmo tempo, estender imensamente 0 campo de agio da divisio do trabalho e recuar suas origens até ‘um passado infinitamente remoco, pois ela se toma quase contemporinea do advento da vida no mundo. Nao € mais apenas uma instticlo social que tem sua fonte na inteligéncia e na vontade dos homens, mas um fenéme- no de biologia geral, cujas condigdes, 20 que parece, precisam ser buscadas nas propriedades essenciais da 4 DA pmasio bo Teanatno soci matéria organizada. A divisto do trabalho social passa a parecer apenas como uma forma particular desse pro- ‘cesso geral, © a8 sociedades, conformando-se a esst lei, pparecem ceder a uma correnie que nasceu bem antes de- las e que arrasa no mesmo sentido todo 0 mundo vivo. Semelhante fato nao pode, evidentemente, prod se sem afetar profundamente nossa constiuigio moral, pois 0 desenvolvimento do homem se faré em dois sent dos de todo diferentes, conforme nos entreguemos a esse ‘movimento ou resistamos a ele. Mas, entio, coloce-se ‘uma questio premente: dessas duas dtecoes, qual deve- mos desejat? Sera nosso dever procurartornat-nos um Ser acabado e completo, um todo auto-suficiente, 0¥, 30 contritio, nlo ser mais que a parte de um todo, 0 6rgi0 de um organismo? Numa palavea, a dvisio do trabalho, 20 mesmo tempo que lei da natureza, também € uma re- ‘gra moral de conduta humana? E, se tem esse carter, por uais motivos € em que medida? Nao € necessirio de- monstrar 2 gravidade desse problema pritico; porque, qualquer que seja nosso juizo sobre a divisio do traba- lho, todo 0 mundo sente bem que ela € e se torna cada vez mais uma das bases fundamentais da ordem social Esse problema foi colocado com frequéncia pela conscigncia moral das nagdes, mas de maneira confusa € ‘sem conseguir resolver nada. Duas tendéncias contririas, ‘estio em confronto, sem que nenhuma delas consiga ad ‘quirir sobre a outra uma preponderincia totalmente in- conteste Sem divida, parece que @ opinito se inclina cada ver mais no sentido de tomar a divisio do trabalho uma zegra imperativa de conduta, a impé-la como um dever. (s que a ela se fursam nio so, ¢ verdad, punides com tuma pena precisa, fixada pela lei, mas sto criticados. Passou © tempo em que o hemem Perfeito parecia-nos vrwoDucao 5 ser aquele que, sabendo interessarse por tudo sem se dedicar exclusivamente a nada, capaz de provar tudo € tudo compreender, tinha meios de reunir e condensat rele o que havia de mais requintado na civiizacto. Hoje, essa cultura geral, tao gabada outrora, s6 nos causa 0 efeito de uma disciplina frouxa e relaxada’, Para lutar contra a natureza, precisimos de faculdades mais vigoro- sas e de energias mais produtivas. Queremos que ativ- dade, em ver de se dispersar numa ampla superice, se cconcentre e ganhe em intensidade que perde em ex tensio, Desconfiamos desses talentos demasiado méveis ue, prestando-se igualmente a todos os usos, recusam. se a escolher um papel especial «a ele se ater. Sentimo- nos distantes desses homens cuja nica preocupacio € Organizar e aglizar todas as suas faculdades, mas sem fa- zer nenhum uso definido e sem scrificar nenhuma, co- mmo se cada um deles devesse ser auto-suficiente ¢ formar um mundo independente. Parece-nos que esse estado de ‘distanciamento e de indeterminagio tem algo de antiso- cial. © homem de bem de outrora jé nio é, para n6s, sendo um diletante, e recusamos ao diletantismo todo € qualquer valor moral; vemos, antes, a perfeigio no ho- mem competente que procura, nao ser completo, mas produzi, que tem uma tarefa delimitada e que a ela se dedica, que faz seu servo, traca seu caminho. "Aperfei- course”, diz Secrétant, "€ aprender seu papel, €tomar-se apaz de cumprir sua fungio... A medida de nossa perfel- ‘co no se encontra mais em nossa complacéncia para ‘onasco mesmos, nos aplausos da multid20 ou no sort 0 aprovador de um diletantsmo precioso, mas na soma dos servigos prestados e em nossa capacidade de prestar rmios outros mais."* Por isso, 0 ideal moral, de uno, de simples e de impessoal que era, vat se diversificando ca- da ver mais. Ji nto achamos que 0 dever exclusivo do 6 a bras Do TRamauto soctat hhomem seja realizar em si as qualidades do homem em ‘eral; mas cremos que, nada obstante, ele & obrigido a ter as de sua fungl0. Um fato entre outros tora sensivel esse estado da opinido; € 0 cariter cada vez mais espe- cial que @ educagio adquire. Cada vez mais, julgamos necessirio no submeter todas as nossas crianas a uma cultura uniforme, como se devessem levar todas a mesma vida, mas formé-las de maneira diferente, tendo em vista as diferentes fungdes que serio chamadas a. preencher. ‘Numa palavra, por um de seus aspectos, 0 imperativo ca- tegérico da consciéneia moral esti tomando a seguinte forma: Coloca-te em condigdes de cumprir provettosamen- te uma fungdo determinada. ‘Mas, em relagdo a esses fatos, podemos citar outros ‘que os contradizem. Se a opinito pablica sanciona a re- fra da divisio do trabalho, nao o faz sem uma espécie de inquictagdo e de hesitagio, Ao mesmo tempo que ‘manda os homens se especializarem, sempre parece te- ‘mer que se especilizem demais. Ao lado das maximas {que exaltam 0 trabalho intensivo, ha outras, no menos dlfundidas, que assinalam seus perigos. Diz Jean-Baptiste Say: "E um triste testemunho que alguém se presta o de fnunca ter feito mais que a décima oitava parte de uma agulha; € ndo imaginem que € unicamente 0 operiio due toda a sua vida! maneja uma lima e um martelo que degenera assim da dignidade da sua natureza, mas tam- bém 0 homem que, por oficio, exerce as facukdades mais suis de seu espirit.”” Desde 0 principio do século, Le- rmootey, comparando a existéncia do operirio modemno 4 vida live e larga do selvagem, achava © segundo muito ‘mais privilegiado do que © primeiro. Tocqueville mio € ‘menos severo: “A medida que © principio da divisio do trabalho recebe uma aplicagio mais completa, a ante pro- ride, 0 aresio retrocede."” De maneira geral, a méxima srmopego 7 aque nos manda especalizar-nos é, em toda parte, como ‘que negada pela maxima contria, que nos manda reall za, todos, um mesmo ideal e que esti longe de ter per dido toda a sua autoridade. Sem divida, em principio, fesse confito nada tem que deva surpreender. A vida mo” ri, como a do corpo e do espiito, corresponde a neces: sidades diferentes e mesmo contradt6rias; logo, € natural aque ela seja feita, em parte, de elementos antagénicos que se limiam e se ponderam mutuamente. Nao & me- nos verdade que existe, num antagonismo tao acentuado, ‘elementos aptos a perturbar a consciéncia moral das 1 ‘goes. Porque € preciso, além de tudo, que ela possa ex plicar-se de onde pode provirsemelhante contradicao. Para por fim a essa indecisio, nao recorremos 20 ‘método ordinério dos moralistas, que, quando querem ddeterminar 0 valor moral de um preceito, comegam pot colocar uma fGrmula geral da moralidade, a fim de, em seguida, confrontar com ela a méxima contestada. Sabe- mos hoje © que valem essas generalizagdes sumarias" Colocadas desde o inicio do estudo, antes de qualquer observagio dos fatos, eas alo tém por objeto explici- los, mas enunciar o principio abstrato de uma legistag20 ideal a ser instituida integralmente. N20 nos oferecem, pois, um resumo das caracteristcas essencais que a8 re ‘gras morais apresentam de fato em determinada socieda- ‘de ou em determinado tipo social, mas expeimem apenas 2 maneira como o moralista representa a moral. Sem dir Vida, a esse titulo, elas nao deixam de ser instrutivas, porque nos informam sobre as tendéncias morals que es. 'Bo se manifestando no momento considerado. Mas tém apenas o interesse de um fat0, ndo de uma visio cientfi- ca. Nada autoriza a ver, nas aspiragdes pessoais sentidas por um pensador, por mais feais que possam ser, uma fexpressio adequada da realidade moral, Elas traduzem a a nso bo TRamato soctat necessidades que minct sio mais que paris, comes- pondem a algum destderat parca © determina, {hea conscnc, por uma ust que the € costume, erie em fialidae ohia ou ica, Quan Vres acon tee inci stem de nature svat Porta, 0 ‘© polerafefonrse a eas como cterios ODEO qe permam apes morlidade dss pate DDevenoe afastar essis dedugbes qe, em ger io so empregadassenio para fate gta de argue: {o'er pero, sentiments preconcebios ¢ soe pesos Aika ant de her a prea

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