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© PENSAMENTO DO ADOLESCENTE -51- INHELDER,Barbel, PIAGET, Jean. 0 pen samento do adolescente. In: Da logica da crianca a logica do adolescente: ensaio sobre a cons- trugao das estruturas operatorias formais. Traducao por Dante Morei ra Leite. Sao Paulo:Pioneira,1976. p.249-260. (Biblioteca Pioneira de Ciencias Sociais Psicologia). # surpreendente que, considerando-se os excelentes estu- dos publicados sobre a vida social e afetiva do adolescente — sen- do suficiente lembrar, entre outros, os estudos de Stanley Hali,ae Compayré, de Mendousse, de Spranger, de Ch.Blhler, de Landis, de Wayne Dennis, de Brooks, de Fleming, de Debesse,dos psicanalistas, como A. Freud e H. Deutsch, e de sociélogos e antropélogos como Ma linovski e M. Mead — que t&o poucg trabalho tenha sido realizado quanto ao pensamento do adolescente. Os poucos estudos minuciosos a respeito sao muito valio- sos, mas até agora ndo nos permitiram ter um quadro coerente de con junto. Os testes de inteligéncia, de um lado, como os de Terman,de Burt e principalmente das frases absurdas de Ballard, nos mostra- ram o caréter hipotético-dedutivo do pensamento formal que se cons titui a partir de 11-12 anos. Alguns trabalhos, de outro lado, so- bre o pensamento matematico e fisico do adolescente — Johannot, Mi chaud, etc. — mostraram principalmente os residuos do pensamento da crianga que encontramos durante a adolescéncia, e isso por uma es- pécie de permanéncia dos problemas do plano concreto numplano mais abstrato. Por isso, neste capitulo final desejamos verificar se os resultados apresentados nos capitulos anteriores, e que se referem ao pensamento experimental de adolescentes que, sdo obrigados a’ en- frentar aparelhos que os levam simultaneamente & agao e a reflexaq, permitem identificar as grandes linhas desse quadro que nem os tes tes, nem o estudo do pensamento verbal, nem mesmo o do pensamento matematico, permitiram até agora delinear. Do ponto de vista das estyuturas légicas,os resultados pa recem comportar uma conclusao que distingue claramente o adolescen te da crianga. Este chega apenas a, lidar com operagdes concretas de classes,de relagSes e nimeros,cuja estrutura nao ultrapassa °, ni- vel dos "“agrupamentos" légicos elementares ou dos grupos numéricos aditivos e multiplicativos. A crianga chega, assim, a utilizar as duas formas complementares de reversibilidade (inversao para as clas ses e os nimeros, reciprocidade para as relagdes), mas sem fundi- -las nesse sistema tinico e total que caracteriza & légica formal.o adolescente, ao contrario,superpde a légica das preposig&es & das clas- sese das relagSes,e assim desenvolve,pouco apouco( atingindo seu patamar -53- de equilibrio por volta de 14-15 anos), um mecanismo formal funda mentado simultaneamente nas estruturas do reticulado e do grupo das 4 transformagdes; estas lhe permitirao reunir, num mesmo todo, além do raciocinio hipotético-dedutivo e da prova experimental ba seada na variagao de um Unico fator (desde que as outras coisas permanegam iguais), certo niimero de esquemas operatérios que uti- lizar4 continuamente em seu pensamento experimental,bem como 16- gico-matematico. No entanto,a légica nao é tudo no pensamento, e é preci- so verificar, agora, se tais transformagdes das estruturas ldégi- cas acompanham outras modificagdes gerais do pensamento que comu- mente — as vezes explicitamente, e fregttentemente de maneira im- plicita — se admite serem caracteristicas do adolescente. Deseja- mos tentar mostrar rapidamente, n&o apenas que isso acontece real mente, mas ainda que a transformagao das estruturas constitui co- mo que o niicleo a partir do qual se irradiam as diversas modifica gdes mais visiveis do pensamento dos adolescentes. Para isso, 6 preciso comegar por eliminar um equivoco pos sivel. Consideramos como caracteristica fundamental da adolescén- cia a integrago do individuo na sociedade dos adultos. 0 crité- rio da adolescéncia n3o deve ser dado, portanto, pela puberdade.A puberdade aparece mais ou menos na mesma idade'em todas as ragas e em todas as sociedades, o que contradiz uma opiniao errada que se divulgou amplamente (é verdade que se notou pequeno retardamen to no Canadd e na Escandindvia, mas no as diferengas considera- veis entre o Norte e o Sul, etc., supostas pela lenda). A integra Gao na sociedade dos adultos, ao contrério, varia consideravelmen te nas varias sociedades, e até em diférentes ambientes sociais. Ora, para nossos objetivos, essa transi¢3o social fundamental se- x& 0 fato essencial. , Portanto, nado interessa estabelecer relagao entre ‘o pen samento formal e a puberdade. Nao ha divida de que hdnumerosos la gos entre o aparecimento das estruturas formais e as transforma- gées da afetividade, e logo mais fa}aremos destas “ltimas. No en— tanto, tais relagSes sao complexas e no tem um sentido inico.Por isso, ainda aqui estariamos diante de uma confusio preliminar se quiséssemos reduzir a adolescéncia &s manifestagdes da puberdade. -54— | Por exemplo, n&o podemos sustentar que 0 aparecimento do amor se- ja caracteristico da adolescéncia; hd criangas que se apaixonam;o que, em nossas sociedades, distingue um adolescente apaixonado de uma crianga também apaixonada 6 que, geralmente, o primeiro com- plica seus sentimentos pela construg&o de um romance ou com a re~ feréncia a ideais sociais e até literdrios de todos os tipos.Ora, a invengao de um romance ou a utilizagao de modelos coletivos di- ferentes nem sao resultados diretos das transformagées neuro-fisio légicas da puberdade e nem produtos exclusivos:da afetividade; sao também reflexos indiretos e especificos dessa tendéncia geral dos adolescentes para construir teorias e utilizar as ideologias de seu ambiente. E esta tendéncia sé pode ser explicada se conside-~ rarmos os dois fatores associados que continuamente encontramos:as transformagdes do pensamento e a integragéo na sociedade adulta, devendo-se lembrar que esta Ultima inclui uma reestruturagao to- tal da personalidade, na qual o aspecto intelectual acompanha ou complementa o aspecto afetivo. No entanto, se o aparecimento do pensamento formal nado é uma consegtiéncia da puberdade, nao deverd ser considerado como uma manifestagao das transformagdes cerebrais devidas a maturagao do sistema nervoso e que podem estar em relagao direta, ou indireta, com a puberdade? Realmente, é muito provdvel que, se a crianga de 7-8 anos (a nado ser.com raras excegdes) nado pode lidar com as es- truturas que, em nossas sociedades, 0 adolescente enfrentacom tan ta facilidade, isso se explica pelo fato de nao ter certo ntmero de coordenagSes cujas datas de formagao sao determinadas pelas eta pas da maturagao. De outro lado, as estruturas do reticulado e do grupo s&o muito provavelmente isomérficas das estruturas nervo- vas e sio'certamente isomérficas das 'estruturas dos modelos meca nicos que a cibernética imaginou para imitar o cérebro*.Portanto, parece evidente que o desenvolvimento das estruturas formais: da adolescéncia est4 ligada ao das estruturas cerebrais. No entanto, esta ligagdo est4 longe de ser simples, uma vez que a constituigao | ' (1) Sabenos que W. MeCULLOCH e W. PITTS (Bull, math. Biophys. t. V. pp.115- 43, Chicago, 1943) apli caran os esquenas da logica e das proposicaes as conexdes neurolégicas. (2) Ver PIAGET, "Structures Opérationnelles et Sypernetique, “Annge psychol", t.53 (1953) ,pp.379-88. -55- das estruturas formais também depende certamente do meio social.A idade de 11-12 anos, que, em nossas sociedades, marca os seus ini cios, é certamente muito relativa, pois a légica das chamadas so- ciedades primitivas parece ignorar tais estruturas e estas tém uma histéria ligada & evolugdo da cultura e das representagdes coleti vas, da mesma forma que uma histéria ontogenética. Se, em sua re- flexSo légica e matemdtica, os gregos tomaram consciéncia de uma parte de tais estruturas, é verossimil que as criangas gregas es- tivessem atrasadas com relagdo as nossas; a idade atual de 11-12 anos seria, portanto, produto, nado apenas de fatores neuroldégicos, mas também de uma aceleragao progressiva do desenvolvimento indi- vidual sob a influéncia da educagao e nada impede que, em futuro mais ou menos longinquo,essa idade média seja reduzida. Em resumo, longe de constituir uma fonte de "idéias ina- tas" j4 inteiramente elaboradas, a maturagao do sistema nervoso se limita a determinar o conjunto das possibilidades e impossibi- lidades para determinado nivel, em determinado ambiente social, e € portanto indispensdvel para a efetivagao dessas possibilidades. Depois, essa efetivagao pode ser acelerada ou retardada em fungao das condigdes culturais e educativas; é por isso que tanto 0 apa- xecimento do pensamento formal quanto a idade da adolescéncia em geral, isto 6, a integragao do individuo na sociedade adulta, de- pendem dos fatores sociais tanto e até mais do que dos fatoresnev rolégicos. No que se refere as estruturas formais, notamos muitas ve zes a convergéncia entre algumas reagdes de nossos sujeitos e al- guns ensinamentos escolares, a tal ponto que podemos perguntar se as manifestagdes individuais do pensamento formal nao sao apenas impostas pelo grupo sodial gragas & educagSo formal e escolar.Mas a essa hipdétese sociolégica extrema,'os!fatos psicolégicos permi tem responder que a) sociedade nao atua por simples press’o exte- rior sobre os individuos em formagio, e que estes nao sdo,com ire- lag&o ao ambiente social e nem com relag&o ao ambiente fisico,sim ples tdbulas rasas nas quais as coergdes imprimiriam conhecimentos j4 inteiramente estruturados. Para que o meio social atue realmen te sobre os cérebros.individuais, é preciso que estes estejam em condigdes de assimilar as contribuigdes desse meio, e voltamos & necessidade de uma maturagao suficiente dos instrumentos cerebrais individuais. Desse processo circular, que caracteriza os intercambios entre o sistema nervoso e a sociedade, decorrem duas conseqtén-— cias. A primeira é que as estruturas formais nao sao formas inatas ou a priori do entendimento, e que seriam inscritas previamente no sistema nervoso, e nem representagdes coletivas que existam intei- ramente elaboradas fora e acima dos"individuos, mas formas de equi 1ibrio que se impde pouco a pouco ao sistema de intercambios entre os individuos e o meio fisico, e ao dos intercambios entre os indi viduos, ~ e esses dois sistemas constituem, alias, um apenas, vis~ to de duas perspectivas diferentes (distintos apenas para a anali- se). Portanto, isso volta ao que dissemos varias vezes. A segunda conseqléncia é que, entre o sistema nervoso e a sociedade, existe uma atividade individual, isto é, 0 conjunto das experiéncias e dos exercicios feitos pelo individuo para adaptar- -se simultaneamente ao mundo fisico e ao mundo social. Se as estru turas formais sdo leis de equilibrio e se existe uma atividade fun cional caracteristica do individuo, deve-se esperar que o adoles- cente — se a adolescéncia é a idade da integragao dos individuos em formag3o, na sociedade dos adultos + apresente uma série de manifes tagdes espontaneas que traduzam essa construgao das estruturas for mais de uma maneira vivida e real, e de uma maneira que assegura, nas agdes cotidianas e na vida dos sujeitos, sua integragao na vi- da social dos adultos. No entanto, devemos perguntar inicialmente o que é que, precisamente, significa essa integragao. Ao contrario do que ocor-— xe com a crianga, que se sente inferior e subordinada ao adulto, © adolescente & o individuo que comega a considerar-se como igual aos adultos'e julgd-los num plano de igualdade e de total retipro- cidade. Mas a esse primeiro trago se juntam dois outros. Em segun- do lugar, o adolescente & ainda o individuo em formagao,mas que co- mega a pensar no futuro, isto é, em seu trabalho atual ou futuro dentro da sociedade, e que 4s suas atividades do momento junta um programa de vida para suas atividadeb ulteriores ou "adyltas". Fi- nalmente, e sem diivida na grande maioria dos casos no que se refe- re a nossas sociedades, o adolescente é 0 individuo que, procuran- =57- do introduzir-se e introduzir seu trabalho atual ou futuro na s0- ciedade dos adultos, se propde também (e, segundo ele, por issomes mo) a reformar essa sociedade em algum dominio especifico ou em sua totalidade: a integragao de um individuo na sociedade adultanjo po deria, realmente, realizar-se sem conflito, e enquanto a crianca procura a solugao dos conflitos nas suas compensagées atuais (lidi cas ou reais), © adolescente acrescenta a essas compensagdes limi- tadas a compensagao mais geral que é uma vontade de reformaspu até um plano para executé-las. Ora, assim definida em seus trés aspectos fundamentals, a integragao do adolescente na sociedade dos adultos supde certamen- te alguns instrumentos intelectuais e afetivos,cuja elaboragao es- pontanea é exatamente o que distingue a adolescéncia da infancia. Se queremos comegar por eles, em que consistem tais instrumentos in telectuais novos, e qual pode ser a sua relag&éo com o pensamento formal? Se quisermos nos limitar a uma observagao inteiramente glo bal e ingénua, e sem procurar diferenciar por suas reagdes sociais especificas 0 colegial, o aprendiz, o jovem operdrio e o jovem cam ponés, o adolescente se dintingue da crianga, antes de mais nada,por uma reflexdo que ultrapassa o presente. O adolescente é o individuo que, embora diante de situagdes vividas e reais, se volta para a consideragao de possibilidades. Em ou s termos, e dando as pala- vras "teorias" e "sistemas" a significagio mais ampla, 0 adolescen te, ao contraério do que ocorre com a crianga,é o individuo que co- mega a construir sistemas ou teorias. A crianga nao constréi sistemas. Seu pensamento esponta- neo talvez seja mais ou menos sistem4tico (inicialmente muito pou- co, e depois mais), mas é 0 observador que de fora percebe isso,en quanto que a crianga nao toma consciéntia desse aspecto, pois seu pensamento n3o é auto-reflexivo. Por exemplo, quando hd tempos es- tudamos a "representagao do mundo" pela crianga, pudemos observar certo ntimero de reagSes sistematicas e construir o sistema corres- pondente a tal ou qual nivel; no entanto, fomos nés que o construi mos, enquanto que a crianga, embora freqtientemente! entdntrando es- pontaneamente as mesmas preocupagées, e dando inconscientemente res postas andlogas®, nao procura sistematizar suas idéias, pois nao (3) Ver por exenplo, La Formation du Symbole chez I'Enfant, cap.IX. -58- tem reflex3o, isto é, um pensamento em segunda poténcia ou pensa- mento sobre o préprio pensamento, e isto é indispensdvel para a construgao de qualquer teoria. © adolescente, ao contrério, reflete sobre seu pensamento © constréi teorias. O fato de que sejam limitadas, inadequadas e, 7 do ponto de principalmente, pouco originais, nio tem importanci vista funcional, tais sistemas apresentam a significagao essencial de permitir ao adolescente sua integragao moral e intelectual na so ciedade dos adultos, e isso sem mencionar seu programa de vida e seus projetos de reforma. Estes sdo indispensdveis para que 0 ado- lescente assimile as ideologias que caracterizam a sociedade ou as classes sociais, na medida em que sao entidades opostas as simples relagées interindividuais. Examinemos, desse ponto de vista, um grupo de colegiais entre 14-15 anos e o'baccalauréat (exame francés para jovens entre 18-19 anos, e que tenham terminado a escola secunddéria). A maior parte tem teorias politicas e sociais e deseja reformaro mundo, ex plicando & sua maneira os mecanismos e as perturbagdes da vida co- letiva. Outros tém teorias literdérias ou estéticas e situam suas leituras ou experiéncias do belo numa escala de valores projetada em sistema. As crises religiosas e’a reflex3o sobre a £6, ou con- tra esta, dominam alguns, e estes partem entao para um sistema ge- ral, isto é, que desejam valido para todos. A especulagao filosdfi ca apaixona uma minoria e, para todo intelectual auténtico, a ado- lescéncia é a idade metafisica por exceléncia, cujas sedugdes peri gosas a reflexao adulta tera dificuldade para esquecer. Uma mino- xia ainda mais reduzida se orienta desd= o inicio para as teorias cientificas ou pseudo-cientificas. Mas ¢ada um tem suas teorias, mais ou menos explicitas e redutiveis a formulas, ou simplesmente implicitas. Alguns escrevem e tém grande interesse reencontrar os esquemas de idéias que as vezes foram retomados e prolongados. Ou- tros se limitam a falar e a meditar, mas cada um tem suas idéias préprias (e que geralmente acredita terem sido criados por ele) que © libertam da infancia e lhe permitem colocar-se em pé de igualda- de com o adulto*, y ' (4) AS mocas naturalnente se interessan wais pelo casamento, nas o marido com que sonhan ¢ nuito Freqiientemente "teorico" e suas reflexdes sobre ai vida conjugal adquiren auitas vezes o aspecto de "teorias™ -59- Se nos afastamos da escola secundaria tradicional e sobre tudo das classes intelectuais, e examinamos o adolescente aprendiz , operério ou camponés, encontramos 0 mesmo fendmeno sob outras for- mas: em lugar da elaboragao de "teorias" pessoais, encontramos uma adesdo as idéias transmitidas pelos colegas, desenvolvidas em reu- nides ou provocadas por leituras. Encontramos um pouco menos de cri ses familiais e ainda menos crises religiosas, e, sobretudo, menos abstragio. Mas sob aspectos externos diferentes e variados, identi ficaremos facilmente o mesmo processo central: o adolescente nio se contenta mais com viver as relagdes interindividuais que seu am- biente lhe oferece, nem com a utilizagao de sua inteligéncia para resolver os problemas do momento; procura, além disso, colocar~se no mundo social dos adultos e, para isso, tende a participar das idéias e das ideologias de um grupo mais amplo, utilizando como in termedidrio certo nimero de simbolos verbais que o deixavam indife rente quando crianga. : Ora, como explicar essa nova capacidade,caracter{istica do adolescente, de orientar-se para o que (visto de fora e por um ob- servador que o compara a crianga) é inatural e abstrato, mas que visto de dentro constitui seu instrumento indispensdvel de adapta- gao ao mundo social adulto e, por conseguinte, seu interesse mais imediato e mais sentido? Nao hd diivida de que af estamos diante da manifestagao mais direta e mais simples do pensamento formal.O pen samento formal constitui, ao mesmo tempo, uma reflexdo da inteli- géncia sobre si mesma (a légica das proposigdes constitui um siste ma operatorio de segunda poténcia, e que opera com as proposigdes cuja verdade depende de operagées de classes,de relagées e de mime ros) e uma inversao das relagées entre!o possivel e o real (pois o real é colocado, como setor particular, no conjunto das combinagées possiveis): Sao essas duas caracteristicas — cuja descrigao tenta mos até aqui na linguagem abstrata que convém & andlise dos’ racio- cinios — que est3o na origem das reagdes vividas e sempre impregna das de afetividade por meio dos quais o adolescente constréi. seus ideais para adaptar-se ao ambiente social. Se o adolescente cons- tréi teorias isso se éxplica porque! de um lado, tornol-se capaz de xreflexo e, de outro, porque sua reflexdo lhe permite fugir do con- creto atual na direglo do abstrato e do possivel. N3o queremos de -60- modo algum dizer com isso que inicialmente exista elaboragio de estruturas formais, e depois, aplicagao 4s reflexdes individual e socialmente titeis, como instrumentos adaptativos; ao contrdrio,es- ses sio dois aspectos de uma mesma realidade e é mesmo porqueo pen samento formal desempenha um papel fundamental, do ponto de vista funcional, que chega a se estruturar em seus modos gerais e légi- cos. Ainda uma vez, a légica nao é estranha a vida; é apenas a ex- pressdo das coordenagées operatérias necessdrias 4 agao. No entanto, isso nao significa que a integragao do adoles cente no mundo social dos adultos se faga apenas através de teorias gerais e desinteressadas: existem ainda dois outros aspectos dessa integragao, que so o programa de vida e a reforma da sociedade atual. O adolescente constréi suas teorias, ou adota, reconstruin- do-as, as que lhe so apresentadas. No entanto, além da necessida- de de participar das ideologias adultas, para ele é indispensdvel chegar a uma concepgao das coisas que lhe dé a possibilidade de afir mar-se e criar (donde a ligagao estreita entre o sistema construi- do e o programa de vida) e lhe garanta, ao mesmo tempo, que tera mais @xito que seus antecessores (donde as reformas necessdrias, on de se misturam da maneira mais intima as preocupagées desinteressa das e as ambigdes caracteristicas da juventude). : Em outras palavras, nesse novo plano de pensamento e de realidade que é descoberto pela inteligéncia operatéria formal, ocor xe o mesmo processo que estudamos, patamar por patamar, nos dife- rentes niveis do desenvolvimento da crianga: uma indiferenciagao inicial entre o objeto ou o outro e as atividades pessoais, segui- da de uma descentrag&o no sentido da'objetividade e da reciprocida de. J4 no plano senso-motor o'beb@ comega por nao saber dissociaro que decorre de suas agdes e o que pertence apenas aos dbjetos ou as pessoas exteriore: inicialmente, vive num mundo sem objetos exte- riores permanentese sem a consciéncia de um eu ou de uma subjetivi dade interior; depois, por uma série de descentragdes devidas a coordenagao progressiva de suas agées, chega a diferenciar seu eu e a situar seu corpo num universo espacial e causalmente organiza- do, composto por objetos permanentes e por pessoas semelhantes a ele. Mas, com o aparecimento da fungao simbélica, a linguagem,a re presentagao e os intercambios com outro ampliam esse universo em -61- proporgdes imprevistas, e exigem uma nova estruturagao. Nesta se- gunda situag’o, 0 egocentrismo reaparece sob um novo pla- no e sob a forma de uma relativa indiferenciag&o inicial entre o ponto de vista pessoal (ponto de vista representativo e nao mais senso-motor) e o dos outros, bem como uma indiferenciagao relativa entre o subjetivo e o objetivo (sempre quanto & representagao e nao mais quanto aos esquemas senso-motores). Com as coordenagSes conse guidas no nivel das operagdes concretas (7-8 anos), torna-se possi, vel uma descentragao suficiente e que permite a crianga pensar ob- jetivamente as ligagSes entre classes, relacgSes e nimeros,e deagir de maneira interindividual segundo um conjunto de relagdes coopera tivas (a cooperagZo e a constituigao das operagdes representam, alias, os dois aspectos de uma mesma realidade). Mas coma nova am- pliag&o do universo que é provocada pela elaboragio do pensamento formal, inicialmente'se manifesta uma terceira forma de egocentris mo, e assinala uma das caracteristicas mais ou menos constantes da adolescéncia, até a nova descentragao ulterior que serd possivel por causa do inicio real do trabalho adulto. Esta forma superior de egocentrismo,apresentada pelo ado- lescente, é alids a conseqiéncia inevitdvel de sua integragdona vi da social adulta, pois, segundo as‘palavras justas de Charlotte Buhler, o adolescente nao procura apenas adaptar seu eu ao ambien- te social, mas também adaptar o ambiente social a seu eu.Em outras palavras, ao pensar no ambiente em que procura localizar-se, pensa x4 em sua atividade social nesse ambiente social e nos meios para transform4-lo. Disso decorre uma relativa indiferenciagdo entre seu ponto de vista de individuo chamado a@ construir seu programa de vi da e 0 ponto de vista do grupo que ele deseja transformar. Para falar mais concretamente, 0 egocentrismo! caracteris— tico da adolescéncia se manifesta por uma espécie de messianismo de tal tipo que as teorias através das quais representa ao mundo es- t&o centradas na atividade reformadora que se sente chamado a’ de- sempenhar no futuro. Aqui, convém nao nos limitarmos apenas & sim- ples observagao, mas utilizar também os documentos mais secretos,en tre os quais os trabalhos escritos, nao destinados ‘a publicagio ime diata, os didrios fritimos ou simplesmente as confidéncias que as vezes obtemos dos adolescentes quanto a seus devaneios mais inti- -62- | n08- Lembremos, por exemplo, as descrigdes que G.Dumas solicitou nu ma classe de colégio, dos devaneios noturnos. Os alunos mais nor- mais, mais modestos e mais delicados confessavam, sem preocupacao, algumas imaginagSes e fabulagdes que, alguns anos mais tarde, pare ceriam a seus olhos sinais de megalomania patolégica... Sem insis- tir nessas representagdes especificas, 0 aspecto geral do fendmeno deve sex procurado na relagio entre as teorias aparentemente abs- tratas, elaboradas pelo sujeito, e o plano de vida que traga para si mesmo: percebemos ent&o que, sob um aspecto exterior impessoal e geral, © sistema inclui um programa de ag3o com uma ambig3o ing®- nua € muitas vezes desmedida. Consideremos, como exemplo,alguns an tigos alunos de uma pequena classe, numa pequena cidade suiga de 1ingua francesa. Um deles, que depois se tornou comerciante,espan- tava seus colegas por suas doutrinas literdrias e escrevia, em se- gredo, um romance. Um outro, que se tornou diretor de uma compa- nhia de seguros, se interessava, entre outras coisas, pelo futuro do teatro e mostrava, a alguns intimos, a primeira cena de um pri- meiro ato de uma tragédia — e que, alias, nao passou dessacena Um terceiro, apaixonado pela filosofia, buscava simplesmente a recon- ciliag&o entre a ciéncia e a religiao. Nem é preciso lembrar os re formadores sociais e politicos, de esquerda e de direita-Havia ape mas duas excegées a esses surpreendentes programas de vida: eram dois adolescentes um pouco dominados por "superegos" dos pais,e cu jas fantasias secretas nado eram conhecidas. Em alguns casos esses tipos de programas de vida tem uma influéncia real no desenvolvimento ulterior do individuo e pode ocorrer que encontremos, em seus papéis de adolescentes, 0 esbocgo de algumas idéias que efetivaniente desenvolveram mais tarde.Mas em muitos outros casos, os projetos de adolescentes parecém mais| uma espécie de jogo superior com fungdes de compensagao, de participa- gao em ambientes realmente inacessiveis, etc. Assim, o adolescente aceita orientagdes que o satisfazem durante certo tempo, e sao em seguida abandonadas. M.Debesse falou, a respeito, no egotismo e na crise de originalidade do adolescentd. No entanto, pensamos que, nessa espécie de egocentrismo caracteristico do adolescente,existe mais do que um simples desejo de ser ‘diferente dos outros: hd tam- bém um fendmeno de indiferenciagao a’ respeito do qual convém insis -63- tir um pouco mais. & caracteristico do processo que, em qualquer dos patama- res de desenvolvimento, leva do egocentrismo 4 descentragao, subox dine 0 progresso do conhecimento a uma revisdo constante das pers~ pectivas. Todos ja notaram que a crianga confunde o subjetivo e o objetivo,e, se a hipétese do egocentrismo se limitasse arepetir is so, seria perfeitamente initil; sua significagao real consiste, ao contrério, em sustentar que o progresso do conhecimento nao é adi- tivo e que o fato de acrescentar um conhecimento a outro nao é su- ficiente para a formagSo de uma atitude de objetividade. Esta su- pode, ao contrério, uma descentragado, isto é, uma revisao continua das perspectivas: o egocentrismo é 0 estado de indiferenciagads que ignora a multiplicidade das perspectivas, enquanto que a objetivi- dade supde, ao mesmo tempo, uma diferenciagao e uma coordenagao dos pontos de vista. Ora, @ um processo andlogo a esse o que encontramos no ni vel da adolescéncia, nesse plano superior do pensamento que éo0das estruturas formais: a ampliacgdo indefinida da reflexdo que permite esse novo instrumento que é a ldgica das proposigdes leva, inicial mente, a uma indiferenciagao entre esse poder novoe imprevisto que © eu descobre e o universo social ou césmico que é 0 objeto dessa reflexdo. Em outras palavras, 0 adolescente passa por uma fase em que atribui um poder ilimitado ao seu pensamento, quando o fato de pensar num futuro glorioso ou em transformar o mundo pela idéia (mesmo que esse idealismo adquira a forma de um materialismo com to das as variedades) parece nao somente um ato de conhecimento posi- tivo, mas ainda uma agao efetiva que modifica a realidade como tal. Portanto, af existe uma forma de egocentrismo do pensamento,bem di ferente da encontrada na crianga (que é senso-motor,ou simplesmen- te representativo, mas sem "reflexao"), mas que decorre do mesmo mecanismo em fung&o de condigdes novas, criadas pela elaboragao do pensamento formal. Existe uma forma para verificar essa interpretagdo: estu- dar 0 processo de descentragao que permite, a seguir, que o adoles cente escape dessa relativa indiferenciagdo inicial e se cure de sua crise idealista para chegar novamente ao real, e, portanto,que © conduz da adolescéncia ao inicio real da vida adulta. Ora, essa -64- descentragao se realiza, como no nivel das operagdes concretas,si- multaneamente no plano social e no plano do pensamento. Socialmente, todos notam a tendéncia do adolescente para se reunir em grupos com seus semelhantes: grupos de discussao ou de agao, grupos politicos, movimentos de juventude, acampamentos de f& xias, etc., Charlotte Buhler fala de uma fase de expansio, poste- rior a uma de fechamento, sem que possamos sempre dintinguir niti- damente uma da outra. Ora, essa vida social & origem de descentra- g&o intelectual e no apenas moral: é principalmente nas discus- sSes com os colegas que o criador de teorias freqlientemente desco bre, pela critica as dos outros, a fragilidade das suas. No entanto, do ponto de vista da descentragaop fato prin- cipal é o inicio do trabalho propriamente dito.f ao empreender uma tarefa efetiva que o adolescente se torna adulto e o reformador idealista se transforma em realizador. Em outras palavras, é o tra balho que permite que o pensamento ameagado de formalismo se volte para o real. Ora, a observa¢gao mostra como essa reconciliagao en- tre o pensamento e a experiéncia pode ser trabalhosa e lenta. Bas- ta examinar o comportamento de estudantes que se iniciam numa dis ciplina experimental para verificar até que ponto a crenga do ado- lescente no poder do pensamento pode durar muito tempo e até que ponte o espirito est4 pouco inclinado a subordinar as idéias a and lise dos fatos (o que nao significa que os fatos sejam acessiveis independentemente de uma interpretacao, mas sim que a construgaoin terpretativa sé adquire valor com a sua verificagao experimental). A respeito, os resultados dos capitulos I-xv deste livro apresentam um problema de certa importancia. As reagdes dos sujei~ tos aos aparelhos experimentais muito diferentes mostram que de- pois de uma fase de elaboragao (11-12 até 13-14 anos) em que o pré ~adolescente.chega a dominar algumas’opéragdes formais ( implicagao, exclusdo, etc.) mas! sem constituir um método suficiente de verifli- cagao, o adolescente de 14-15 anos chega (e espontaneamente,pois é neste dominio que o verbalismo escolar assinala sua maior deficién cia) a utilizar sistematicamente os processos de controle que im- plicam uma combinatéria, fazendo varilar um Gnico fator com.a exclu so dos outros ("conservando iguais as outras coisas",etc.).Ora,es ta constitui¢gao dos instrumentos de verificagao experimental decor -65- xe diretamente, como o vimos repetidamente, do pensamento formal e das operagées interproposicionais. Portanto, como é possivel —ees te é o problema — que, mostrando-se assim capaz simultaneamente de dedugao e de indugdo experimental, o adolescente d@ um tal poder & primeira a chegue t&o tarde a utilizar a segunda num trabalho con- tinuo e efetivo (pois uma coisa é reagir de maneira experimental a um aparelho anteriormente preparado,; e outra organizar sozinho um trabalho de pesquisa)? 0 problema nao é apenas ontogenético; é his térico, e a mesma pergunta se prope quando procuramos compreender Porque os gregos se limitaram (salvo algumas excegdes) a refletire ea deduzir? » @ que a ciéncia moderna, centralizada na fisica, te- nha levado tantos séculos para se formar. E para resolver esse problema (e aqui falamos apenas do adolescente) que nos parece indispensdvel lembrar, ao lado do apa- recimento do pensamento formal, a indiferenciagSo relativa do su- jeito e do objeto'e que acompanha, nesse novo plano, a sua utiliza $80, e depois a descentragZ0 trabalhosa e lenta que so provocadas apenas por algumas colaboragées sociais e pela progressiva submis- so a um trabalho efetivo. Verificamos, assim, que as principais caracteristicas in- telectuais da adolescéncia decorrem‘direta ou indiretamente da ela boragdo das estruturas formais, e que essa elaboragao constitui o acontecimento central do pensamento caracteristico dessa fase.Quan to as novidades efetivas que assinalam essa fase, podemos falar em duas novidades principais e que, como sempre, sao Paralelas ou cor xespondentes as transformagdes intelectuais, pois a afetividade re Presenta o fator de energia das condutas, enquanto a estrutura de- fine as fungSes cognitivas (o que n3o significa que a afetividade Seja determinada pelo intelecto, os e nem o inverso mas, que 6 in- telecto e a afetividade estio indissoluvelmente unidos no funciona mento da pessoa). Se a adolescéncia é a idade da integrag3o dos individuos (5) kinds nao se encontrou, do ponto de vista sociologico, una explicagao satisfatoria para esse Fato. 0 fate de atribuir as estruturas formais exp! itadas pelos gregos [ao carbter ‘contenpla tivo de tal ou qual classe social nao explica porque essa contemplacao nao se linitou 3s ideo logias metafisicas e tenha chegado 3 criagdo de una matemstica. -66- em formagao no universo social adulto (e esta integrag&o coincide ou no com a puberdade), esta adaptag3o social decisiva deve exi- gir, em correlagao com o desenvolvimento das operagdes formais ou proposigdes que garantem a sua estruturagao intelectual, as duas transformagdes fundamentais exigida pela socializagao afetiva adul ta: os sentimentos relativos a idéias, que se acrescentam aos sen- timentos entre as pessoas, e a formagao de personalidades,caracte- rizadas pelo papel social e aescala de valores que se atribuem (e nao mais apenas pela coordenag&o dos intercambios que mantém com o meio fisico e as outras pessoas). , Evidentemente, este ndo 6 um lugar para nos dedicarmos a um ensaio de psicologia afetiva, mas é interessante notar,para con cluir, como esses dois aspectos efectivos essenciais de adolescen- cia também s&o ligados 4s transformagdes de comportamento provoca-— das pela construgdo das estruturas formais. No que se refere, inicialmente, a sentimentos relativos aos ideiais, é notdvel observar até que ponto a crianga permanece quase que inteiramente estranha a eles. Uma pesquisa sobre a idéia de patria e sobre as atitudes sociais ligadas a ela®, nos mostrou que a crianga é sensivel & sua familia, aos lugares em que mora, a sua cidade, & sua lingua materna, a alguns costumes, etc., mas que permanece surpreendentemente ignorante e espantosamente insensivel no que se refere, nao talvez & sua qualidade ou & qualidade de seus parentes de serem suigos, franceses, etc., mas & sua patria enquan to realidade coletiva. Isso é alids muito natural, pois,se a légi- ca de 7 a 1l anos se limita a lidar com objetos concretos e manipu ldveis, nenhuma operagao disponivel messe nivel permitird a elabo- xagao de um ideal que ultrapasse o sensivel. Este é apenas um exem plo entre outros: as nogdes de humanidade, de justiga | social (por oposigaéo & justiga interindividual que é profundamente vivida des- de o nivel concrets), de liberdade de consciéncia, de coragem civi, ca e intelectual, etc., sdo.ideais que comoverao profundamente, co mo a idéia de patria, a afetividade do adolescente, sem que possam ser compreendidos ou sentidos, a nojser através de alguns refle- xos individuais, pela mentalidade da crianga. Em outras palavras, dos sentimentos sociais a crianga co-, (6) J.PIAGET © A. H. WEIL, Le Developpement chez I'Enfant de I'Idée de Patrie et des Relations avec 1'Etranger, Bull, Intern. des Sc. Sociales (UNESCO), t-1II (1951), pp.605-21. ~67- nhece apenas os afetos interindividuais, pois os sentimentos mo- rais so vividos apenas em fungdo do respeito unilateral (autorida de) ou do respeito mituo. A esses sentimentos, que evidentemente permanecem no adolescente e no adulto, a partir dos 13-15 anos se acrescentam os sentimentos relativos aos ideais ou &s idéias como tais. Evidentemente, um ideal & sempre mais ou menos encarnado nu- ma pessoa e continua a ser um elemento interindividual importante nessa classe de sentimentos novos; mas o problema & saber se a idéia é objeto da afetividade por causa da pessoa, ou a pessoa por causa da idéia. Ora, enquanto a crianga nunca sai desse circulo por que seus tnicos ideais sensiveis so os ideais encarnados,na ado- lescéncia ocorre uma superag0, no sentido da jindependéncia dos ideais e percebemos, sem comentario, a semelhanga entre esse meca- nismo afetivo e o pensamento formal. No que se refere & personalidade, pode-se dizer que nao hA outra nogSo t&o mal definida no vocabuldrio psicolégico — j4 tao dificilmente manej4vel — e a causa disso é que a personalidade se orienta em sentido inverso ao do eu: se o eu é naturalmente egocén trico, a personalidade 6 0 eu descentralizado. 0 eu é detest4vel,e to mais detest4vel quanto mais forte, enquanto que uma forte per- sonalidade é aquela que chega a disciplinar seu eu. Em outras pala vras, a personalidade é a submissio do eu a um ideal que encarna, mas que o ultrapassa e ao qual se subordina; é a adesao a uma esca la de valores, nao abstrata, mas relativa a uma obra’; portanto, é a adogao de um papel social, mas nao preparado como uma fungao ad- ministrativa, e sim de um papel que o individuo ird criar ao repre sentar. : ' Dizer que’a adolescéncia é a idade da integragdo nd uni- verso social adulto é, portanto, sustentar que 6 a idade da forma- gao da personalidade, pois essa integragao é, sob outro aspecto,ne cessariamente complementar, a construgao de uma personalidade.Além disso, o programa de vida eo plano de reformas que, segundo, acaba mos de ver, constituem, sob o angulo das fungdes cognitivas ou do pensamento, uma das caracteristicas essenciais da\conduta do ado- lescente, sé ao mesmo tempo o motor afetivo da formagSo, da perso- (7) Para discussio da relagao entre a personalidade e a obra, ver I.MEYERSON, Les Fonctions Psychologiques et les Oeuvres (Vrin). -68- nalidade. Um plano de vida é, em primeiro lugar, uma escala de va- lores que colocara alguns ideais como subordinados a outros e su- bordinard os valores meios aos fins considerados como permanentes. Ora,essa escala de valores é a organizagao afetiva correspondente & organizagao intelectual da obra que o recém-chegado ao universo social pretende realizar. Um plano de vida 6, de outro lado, uma afixmagao de autonomia, e a autonomia moral enfim inteiramente con quistada pelo adolescente, que se considera igual aos adultos,é um outro aspecto afetivo essencial da personalidade nascente que se prepara para enfrentar a vida. . Em conclusao, as aquisigdes afetivas fundamentais da ado- lescéncia s&o paralelas as suas aquisicdes intelectuais. Para po- dex compreender o papel das estruturas formais no pensamento, na vi da do adolescente, precisamos finalmente inseri-las na sua persona lidade total. Mas, dé outro lado, n&o compreenderfamos inteiramen- te a formagao dessa personalidade sem ai englobar também as trans formagSes do pensamento e, conseqlientemente, a construgao das es- truturas formais, -69-

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