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Microfisica do Poder Michel Foucault Organizagao , introdugao e Revisdo Técnica de Roberto Machado E também a época da invengdo da mamadeira moderna. ME: Nao conhego a data! AG. 1786, tradugao francesa da Maneira de aleitar as criangas 4 mado na falta de amas de leite, de um italiano, Baldini. Teve muito sucesso... MF: Renuncio a todas as minhas fungées publicas e privadas! A vergonha se abate sobre mim! Cubro-me de cinzas! Nao sabia a data da criagéo da mamadeiral Xvi A GOVERNAMENTALIDADE, Curso do College de France, 1 de fevereiro de 1978 Através da andlise de alguns dispositivos de seguranga, procurei ver como surgiu historicamente o ico da populagao, o que conduziu a questao do governo: 10. E esta tematica do governo que procurarei agora inventari Certamente, na Idade Média ou na Antigliidade greco-romana, sempre cristo ido que se apresentavam como ROREERTEISSTPABS quanto ‘ao modo de se comportar, de exercer o poder, de ser aceito e respeitado pelos siiditos; conselhos para amar e obedecer a Deus, introduzir na cidade dos homens a lei de Deus, etc. Mas, a partir do século XVI até o final do século XVII, vé-se desenvolver uma série consideravel de tratados que se apresentam nao mais como conselhos aos principes, nem ainda como ciéncia da politica, mas como arte de governar. De modo geral, o problema do governo aparece no século XVI com relagao a questées bastante diferentes e sob miiltiplos aspectos: problema do govemo de si mesmo ~ reatualizado, por exemplo, pelo retorno ao estoicismo no século XVI; problema do governo das almas e das condutas, tema da pastoral catélica ¢ protestante; problema do governo das criangas, problematica central da pedago: aparece e se desenvolve no século XVI; enfim, Co et Todos estes problemas, com a intensidade e multiplicidade tao caracteristicas do século XVI, se situam na convergéncia de dois processos: processo que, mega a instaurar os grandes jas; Dae Rao i rente diverso mas que se relaciona com o primeiro, que, com a Reforma e em seguida com a Contra-Reforma, questiona o modo como se quer ser espiritualmente dirigido para alcangar a salvagao. Por um lado, movimento de conconragao estat por outro de dispérséo e dissidéncia religiosa: & no encontro destes dois m ca, com intensidade particular no século XVI, o problema de Em toda esta imensa e mondtona literatura do govern, gostaria de isolar alguns pontos importantes que dizem respeito a defini¢ao do que se entende por governo do Estado, aquilo que ‘chamaremos governo em sua forma politica. Com este objetivo, o mais simples sem divida 6 opor esta literatura a um tinico texto que, do século XVI ao século XVIII, constitui um ponto de repulsdo, implicito ou explicito, em relacdo ao qual por oposigdo ou recusa - se situa a literatura do governo: 0 Principe, de Maquiavel. E importante lembrar que O Principe nao foi imediatamente abominado: foi reverenciado pelos ‘seus contemporaneos e sucessores imediatos como também no inicio do século XIX ~ sobretudo na Alemanha, onde foi lido, apresentado, comentado por pessoas como Rehberg, Leo, Ranke, Kellermann, etc., ¢ na Itélia - exatamente no momento em que desaparece toda esta literatura sobre a arte de governar. O que se deu no contexto preciso da Revolugao Francesa e de Napoledo, quando se colocou a questo de como e em que condigGes se pode manter a soberania de um soberano sobre um Estado; no contexto do aparecimento, com Clausewitz, da relagao entre politica e estratégia e da importancia politica, manifestada por exemplo pelo Congreso de Viena, em 1815, que se atribui ao calculo das relagdes de forga considerado como principio de inteligibilidade e de racionalizagao das relagées internacionais; finalmente, no contexto da unificago territorial da Italia e da Alemanha, na medida em que Maquiavel foi um dos que procuraram definir em que condig6es a unificago territorial da Italia poderia ser realizada. Entre estes dois momentos, houve porém uma volumosa literatura anti=Maquiavel, as vezes explicitamente ~ uma série de livros que em geral s4o eGR como por exemplo 0 texto de Ambrogio Politi, Disputationes de Libris a Christiano detestandis, e de origem protestante, ‘como o livro de Innocent Gentillet, Discours a'Etat sur les moyens de bien gouverner contre Nicolas. Machiavel, 1576 - as vezes impli mente, em oposicao velada, como por exemplo Guillaume de La Pemére, Miroir Politique, 1567, P. Paruta, Della Perfezione della Vita politica, 1579, Thomas Elyott, The Governor, 1580. © importante 6 que esta literatura anti~Maquiavel nao tem somente uma de recusa do inaceitavel: & um e e 6 em sua positividade que gostaria de analisé-lo. Sem duvida encontramos uma espécie de retrato negativo do pensamento de Maquiavel, em que se representa um Maquiavel 0 Principe, contra o qual se luta, 6 caracterizado por cipio: , lagos puramente sintéticos, fundamental, essencial, natural entre o principe e seu principado. Corolario deste principio: na medida em que é uma relacao de exterioridade, ela ameagade, exterormente pelos inimigos do principe que querem Pe ipa fo e internamente, pois . Deste principio e de seu corolario se deduz um imperativo: o objetivo do ‘exercicio do poder ser manter, reforgar e proteger este principado, entendido nao como o conjunto constituido pelos stiditos ¢ o territorio, o principado objetivo, mas como SapaSESTRE SETS que ele possui, com o territério que herdou ou adquiriu e com os siditos. E este liame fragil do principe com seu principado que a arte de governar apresentada por Maquiavel deve ter como onsequentemente, o modo de andlise tera dois aspectos: por um lado, demarcagao dos pi nee em que consistem, qual é sua intensidade); por outro lado, desenvolvimento. di as relagées de forga que permitirao ao principe fazer com que seu principado, como liame com seus stiditos e com o territério, possa ser protegido. Esquematicamente, se pode dizer que O Principe de Maquiavel é essencialmente um tratado da habilidade do principe em conservar seu principado e ¢ isto que a literatura anti-Maquiavel quer substituir por uma arte de governar. Ser habil em conservar seu principado nao é de modo algum possuir a arte de governar. Para caracterizar esta arte de governar, examinarei o um dos primeiros textos desta literatura , que apresenta alguns pontos importantes. Em primeiro lugar, o que o autor entende por governar e governante? Diz ele, na pagina 24 de seu texto: "governante pode ser chamado de monarca, imperador, rei, principe, magistrado, prelado, juiz e similares". Como La Perriére, também outros, tratando da arte de governar, lembram continuamente que também se diz dovernar uma casa, almas, criangas, uma provincia, um convento, uma ordem religiosa, uma familia. Estas observagées, que t8m de fato implicagées paltcas importantes © pris smaguaveloo"& por defied nico em seu principado eo em posigao de exterioridade, transcendéncia, enquanto que nesta literatura 0 governante, as pessoas que governam, a pratica de governo sao, por um lado, praticas muiltiplas, na medida em ‘que muita gente pode governar: o pai de familia, o superior do © pedagogo e o professor em relagao a crianga e ao discipulo. Existem portanto Tullse Govonoaeemn relagao aos quais o do principe u Estado 6 apenas uma modalidade. Por outro lado, tact scamas Seid dacho de Estado ou da sodedade, Poranto, prided de formas da guvemo e inerencis das praticas de governo com relagao ao Estado; multiplicidade e imanéncia que se opdem radicalmente a singularidade transcendente do principe de Maquiavel. E certo que entre todas estas formas de governo, que se cruzam, que se imbricam no interior da sociedade e do Estado, uma forma é bastante especifica: trata-se de definir qual é a forma particular que se aplica a todo o Estado. E assim que, procurando fazer a tipologia das diferentes formas de governo, La Mothe Le Vayer, em um texto d de escritos pedagégicos para o Delfim), diz que Aaa RSA TTOS aa EY cons um se referindo a uma forma especifica de ciéncia ou de reflexdo. O governo de si mesmo, que diz respeito A moral; a arte de governar adequadamente uma familia, que diz respeito & economia; a ciéncia de bem governar o Estado, que diz respeito a politica. Em relacdo a moral e a economia, a politica tem sua singularidade, o que La Mothe Le Vayer indica muito bem. Mas o importante & que, apesar desta tipologia, as artes de governar postulam uma continuidade essencial entre elas Enquanto a doutrina do principe ou a teoria juridica do soberano procura incessantemente marcar ul ‘entre o poder do princi outras formas de poder, 9 (Ir : Comiinuidedgancen dents no sentido em que aquele que quer poder governar o Estado deve primeiro saber se governar, governar sua familia, seus bens, seu patriménio. E esta espécie de linha ascendente que caracterizara a pedagogia do principe. La Mothe Le Vayer escreve assim para o Delfim primeiro um tratado de moral, em seguida um livro de economia e finalmente um tratado de politica Continidade descendente no sentido em que, quando o Estado é bem governado, os pais de familia sabem como governar suas familias, seus bens, seu patriménio e por sua vez os individuos se comportam como devem. E esta linha descendente, que faz repercutir na conduta dos individuos ¢ na gestdo da familia 0 bom governo do Estado, que nesta época se comega a chamar de policia. A pedagogia do principe assegura a continuidade ascendente da forma de governo; a policia, a continuidade descendente. E nos dois casos o elemento central desta continuidade 6 0 govemo da familia, que se chama de economia. A arte de governar, tal como aparece em toda esta literatura, deve responder essencialmente & eguinte questao: = 7A introdugao da economia no exercicio politico sera o papel essencial do governo. E se foi assim no século XVI, também o sera no século XVIII, como atesta o artigo Economia Politica, de Rousseau, que diz basicamente: a palavra economia designa originariamente 0 sabio govemo da casa para o bem da familia. O problema, diz Rousseau, é como ele podera ser introduzido, mutatis mutandis, na gestdo geral do Estado. Governar um Estado significard portanto estabelecer a economia ao nivel geral do Estado, isto é, ter em relagdo aos habitantes, as riquezas, aos comportamentos individuais e coletivos, uma forma de vigilancia, de controle tao atenta quanto a do pai de familia. Uma expressao importante no século XVIII caracteriza bem tudo isto: Quesnay fala de um bom governo como de um “governo econdmico". E se Quesnay fala de govern econémico - que no fundo & uma nogao tautolégica, visto que a arte de governar é precisamente a arte de exercer 0 poder segundo 0 modelo da economia ~ é porque a palavra economia, por razées que procurarei explicitar, j comega a adquirir seu sentido moderno e porque neste momento se comega a considerar que é da prépria esséncia do governo ter por objetivo principal o que hoje chamamos de economia. A palavra economia designava no século XVI uma forma de governo; né século XVII, designara um nivel de realidade, um campo de intervengao do governo através de uma série de processos complexos absolutamente capitais para nossa histéria. Eis portanto o que significa governar e ser governado. indo lugar, encontramos no livro de fim conveniente”. Gostaria também de fazer uma série de observagées sobre esta frase, comegando com a palavra coisa. No Principe de Maquiavel, o que caracteriza 0 conjunto dos objetos sobre os quais se exerce o poder é o fato de ser constituido pelo territério e seus habitantes. Com relagao a esse ponto, Maquiavel nao fez mais do que retomar um principio juridico pelo qual se caracterizava a so! de Média até o século XVI. Neste sentido, pode-se dizer qui do principado de Maquiavel quanto da soberania juridica do soberano, tal como a definem os filsofos e tedricos do direito. O territério pode ser fértil ou estéril, a populagdo densa ou escassa, seus habitantes ricos ou pobres, ativos ou preguigosos, etc., mas estes elementos sdo apenas varidveis com relagdo ao territério, ‘que 0 proprio fundamento do principado ou da soberania. No texto de La Perriére, ao contrario, a definigo do governo no se refere de modo algum ao territério, Mas o que significa esta expressao? Nao creio que se trate de opor coisas a homens, mas de mostrar que aquilo a que o governo se refere 6 nao um territério e sim um c Esta: s, de que o governo deve se encarregar, sao os homens, mas em que so as riquezas, os recursos, os meios de subsisténcia, 0 tertitério em suas fronteiras, com suas qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os homens em suas relagdes com outras coisas que so os costumes, os habitos, as formas de agir ou de pensar, etc.; finalmente, os homens em suas relagdes com outras coisas ainda que podem ser 0s acidentes ou as desgragas como a fome, a epidemia, a morte, etc. Que 0 governo diga respeito as coisas entendidas como a imbricagdo de homens e coisas temos a confirmagao em uma metaéfora que aparece em todos esses tratados: o navio. O que é governar um navio? E certamente se ocupar dos marinheiros, da nau e da carga; governar um navio é também prestar atengdo aos ventos, aos recifes, as tempestades, as intempéries, elc.; S40 estes relacionamentos que caracterizam o governo de um navio. Governar uma casa, uma familia, nao é essencialmente ter por fim salvar as propriedades da familia; é ter como objetivo os individuos que compéem a familia, suas riquezas ¢ prosperidades; é prestar atengao aos acontecimentos possiveis, as mortes, aos nascimentos, as aliangas com outras familias; éesta gestdo geral que caracteriza 0 governo e em relacao ao qual o problema da propriedade fundidria para a familia ou a aquisicdo da soberania sobre um territério pelo principe so elementos relativamente secundarios. O essencial 6 portanto este conjunto de coisas e homens; o territério e a propriedade sao apenas variaveis. Este tema do governo das coisas que aparece em La Perriére seré encontrado ainda nos séculos XVIL e XVIII, Frederico Il, em seu Anti-Maquiavel, escreveu passagens significativas. Diz, por exemplo: comparemos a Holanda e a Riissia; a Russia pode até ser o pais de maior extensdo em relago aos outros Estados europeus, mas é composta de pantanos, florestas, desertos, é povoada apenas por um bando de miseraveis, sem atividade nem industria; a Holanda, que é pequenissima e constituida de pantanos, possui ao contrario uma populagdo, uma riqueza, uma atividade comercial e uma frota que fazem dela um pais importante da Europa, o que a Russia esta apenas comegando a ser. Portanto, governar é governar as coisas, Voltemos ao texto citado de La Perriére: "governo é uma correta disposigao das coisas de que se assume o encargo para conduzi-las a um fim conveniente". O governo tem uma finalidade, e nisto ele também se opée claramente a soberania. Certamente nos textos filoséficos e juridicos a soberania nunca foi apresentada como um direito puro e simples. Nunca foi dito nem pelos juristas nem afortiori pelos tedlogos que o soberano legitimo teria razées para exercer 0 r um bom soberano, é preciso que tenha Tomarei como exemplo um texto do final do século XVII em que seu autor, Pufendorf, diz: "S6 Ihe sera conferida autoridade soberana para que ele se sirva dela para obter e manter a utilidade puiblica". Um soberano nao deve se beneficiar de nada se ele nao beneficiar o Estado. Em que consiste este bem comum ou esta salvagao de todos que regularmente sao colocados como o préprio fim da soberania? Se examinarmos o contetido que os juristas e tedlogos dao ao bem comum, vemos que ha bem comum quando os stiditos obedecem, e sem excecao, as leis, exercem bem os encargos que Ihe sao atribuidos, praticam os oficios a que sao destinados, respeitam a ordem estabelecida, ao menos na medida em que esta ordem é conforme as leis que Deus impés a natureza e aos homens. Isto quer dizer que Ublico , Deus. De todo modo, o que riza a finalidade da soberania é este bem comum, geral, ¢ apenas a submissao & soberania. A finalidade da soberania é circular, isto 6, remete ao proprio exercicio da soberania. O bem é a obediéncia a lei, portanto o bem a que se propée a soberania que as pessoas obedecam a ela. Qualquer que seja a estrutura tedrica, a justificagao moral e os efeitos praticos, isto nao é muito diferente de Maquiavel quando afirmava que o objetivo principal do principe devia ser manter seu principado. Estrutura essencialmente circular da soberania ou do principado com relacao a si mesmo, Com as tentativas de definigéo de governo de La Perriére, vé-se aparecer um outro tipo de finalidade. © govemo é definido como uma maneira correta de dispor as coisas para conduzi-las no ao bem comum, como diziam os textos dos juristas, mas a um objetivo adequado a cada uma das coisas a governar. O que implica, em primeiro lugar, uma pluralidade de fins especificos, como Por exemplo fazer com que se produza a maior riqueza possivel, que se fornega as pessoas meios de subsisténcia suficientes, e mesmo na maior quantidade possivel, que a populagdo possa se multiplicar, etc. Portanto, uma série de finalidades especificas que so 0 préprio objetivo do governo. E para atingir estas diferentes finalidades deve-se dispor as coisas. E esta palavra dispor 6 importante, na medida em que, para a soberania, o que permitia atingir sua finalidade, isto é, a obediéncia a lei, era a propria lei; lei e soberania estavam indissoluvelmente ligadas. Ao contrario, no caso da teoria do govemo ndo se trata de impor uma lei aos homens, mas de dispor as coisas, -as do que leis, ou utilizar ao maximo as leis como taticas. Fazer, por varios meios, com que determinados fins possam ser atingidos. Isto assinala uma ruptura importante: enquanto a finalidade da soberania é ela mesma, e seus instrumentos tém a forma de lei, a finalidade do governo esta nas coisas que ele dirige, deve ser procurada na perfei¢ao, na intensificagao dos processos que ele dirige e os instrumentos do governo, em vez de serem constituidos por leis, sao taticas diversas. Na perspectiva do governo, a lei nao é certamente o instrumento principal; e este é um tema freqliente nos séculos XVII e XVIII que aparece nos textos dos economistas e dos fisiocratas, quando explicam que nao é certamente através da lei que se pode atingir os fins do governo. Finalmente, quarta observagao sobre o texto de La Pertiére. Ele diz que um bom governante deve ter paciéncia, soberania e diligéncia. O que entende por paciéncia? Para explica-la, ele toma o exemplo do “rei dos insetos do mel’, isto é, 0 zangao, dizendo que 0 zangao reina sobre a colmeia sem ter necessidade do ferrao; Deus quis mostrar com isso, de modo mistico, diz ele, que o verdadeiro governante nao deve ter necessidade de ferrdo, isto é, de um instrumento mortifero, de uma espada, para exercer seu governo; deve ser mais paciente que colérico; nao é o direito de matar, nao é 0 direito de fazer prevalecer sua forga que deve ser essencial a seu personagem. E que contetido positivo é possivel dar a esta auséncia de ferro? A sabedoria e a diligéncia Sabedoria: ndo, como para a tradigao, 0 conhecimento das leis humanas e divinas, da justiga ou da eqliidade, mas 0 conhecimento das coisas, dos objetivos que deve procurar atingir e da disposigao para atingi-los; € este conhecimento que constituira a sabedoria do soberano. Diligéncia: aquilo que faz com que o governante sé deva governar na medida em que se considere e aja como se estivesse ao servigo dos governados. E La Perriére se refere mais uma vez ao exemplo do pai de familia, que é 0 que se levanta antes das outras pessoas da casa, que se deita depois dos outros, que pensa em tudo, que cuida de tudo pois se considera a servigo da casa. Vé-se como esta caracterizagao do governo é diferente da caracterizagao do principe que se encontra ou que se pensava encontrar em Maquiavel. Creio que este esbogo da teoria da arte de governar nao ficou pairando no ar no século XVI. Nao se limitou somente aos tedricos da politica. Pode-se situar suas relagdes com a realidade: em primeiro lugar, a teoria da arte de governar esteve ligada desde 0 século XVI ao desenvolvimento do aparelho administrative da monarquia territorial: aparecimento dos aparelhos de governo; em segundo lugar, esteve ligada a um conjunto de andlises e de saberes que se desenvolveram a partir do final do século XVI e que adquiriram toda sua importancia no século XVII: essencialmente ‘© conhecimento do Estado, em seus diversos elementos, dimensdes e nos fatores de sua forga, aquilo que foi denominado de estatistica, isto é, ciéncia do Estado; em terceiro lugar, esta arte de ‘governar nao pode deixar de ser relacionada com o mercantilismo e o cameralismo, Esquematicamente, se poderia dizer que a arte de governar encontra, no final do século XVI e inicio do século XVII, uma primeira forma de cristalizagao, ao se organizar em torno do tema de uma razao de Estado. Razéo de Estado entendida nao no sentido pejorativo e negativo que hoje the 6 dado (ligado a infragao dos principios do direito, da eqiiidade ou da humanidade por interesse exclusivo do Estado), mas no sentido positivo e pleno: o Estado se governa segundo as regras racionais que Ihe so préprias, que nao se deduzem nem das leis naturais ou divinas, nem dos preceitos da sabedoria ou da prudéncia; o Estado, como a natureza, tem sua racionalidade propria, ainda que de outro tipo. Por sua vez, a arte de governo, em vez de fundar-se em regras transcendentes, em um modelo cosmolégico ou em um ideal filoséfico-moral, devera encontrar os principios de sua racionalidade naquilo que constitui a realidade especifica do Estado. Os elementos desta primeira racionalidade estatal sero estudados nas proximas aulas. Mas desde logo se pode dizer que esta razao de Estado constituiu para o desenvolvimento da arte do governo uma espécie de obstaculo que durou até 0 inicio do século XVIII E isto por algumas razées. Em primeiro lugar, razées historicas em sentido estrito: a série de grandes crises do século XVII, como a guerra dos 30 anos com suas devastagdes; em meados do século, as grandes sedigdes camponesas e urbanas; finalmente, no final do século, a crise financeira, a crise dos meios de subsisténcia que determinou a politica das monarquias ocidentais. ‘Aarte de governar sé podia se desenvolver, se pensar, multiplicar suas dimensdes em periodos de expanséo, e ndo em momentos de grandes urg&ncias militares, politicas e econémicas, que ndo cessaram de assediar 0 século XVII Em segundo lugar, esta arte de governo, formulada no século XVI, também foi bloqueada no século XVII por outras razées, que dizem respeito ao que se poderia chamar de estrutura institucional e mental. A primazia do problema da soberania, como questao teérica e principio de organizagéo politica, foi um fator fundamental deste bloqueio da arte de governar. Enquanto a soberania foi o problema principal, enquanto as instituigdes de soberania foram as instituigdes fundamentais e 0 exercicio do poder foi pensado como exercicio da soberania, a arte do governo nao péde se desenvolver de modo especifico e auténomo. Temos um exemplo disto no mercantilismo. Ele foi a primeira sangdo desta arte de governar ao nivel tanto das praticas politicas ‘quanto dos conhecimentos sobre o Estado; neste sentido, podemos dizer que o mercanttilismo representa um primeiro limiar de racionalidade nesta arte de governar, de que 0 texto de La Perriére indica somente alguns principios, mais morais que reais. © mercantilismo 6 a primeira racionalizagao do exercicio do poder como pratica de governo; 6 com ele que se comeca a constituir um saber sobre o Estado que péde ser utilizavel como tatica de governo. Entretanto, o mercantilismo foi bloqueado, freado, porque se dava como objetivo essencialmente a forca do soberano: 0 que fazer ndo tanto para que 0 pais seja rico mas para que o soberano possa dispor de riquezas, constituir exércitos para poder fazer politica. E quais sao os instrumentos que o mercantilismo produz? Leis, ordens, regulamentos, isto 6, as armas tradicionais do soberano. Objetivo: 0 soberano; instrumentos: os mesmos da soberania. O mercantilismo, assim, procurava introduzir as possibilidades oferecidas por uma arte refletida de governar no interior de uma estrutura institucional e mental da soberania, que ao mesmo tempo a bloqueava. De modo que, durante o século XVII e até o desaparecimento dos temas mercantilistas no inicio do século XVIII, a arte do governo marcou paso, limitada por duas coisas. Por um lado, um quadro muito vasto, abstrato e rigido: a soberania, como problema e como instituigo. Esta arte de governo tentou compor com a teoria da soberania, isto é, procurou-se deduzir de uma teoria renovada da soberania os principios diretores de uma arte de govemo. E neste sentido que os juristas do século XVII formulam ou reatualizam a teoria do contrato: a teoria do contrato sera precisamente aquela através da qual 0 contrato fundador - 0 compromisso reciproco entre o soberano e os stiditos ~ se tomar uma matriz teérica a partir de que se procurara formular os principios gerais de uma arte do governo. Que a teoria do contrato, que esta reflexao sobre as relagdes entre o soberano e seus stiditos tenha desempenhado um papel muito importante na teoria do direito publico, o exemplo de Hobbes 0 prova com evidéncia (mesmo se o que Hobbes quis formular tenham sido os principios diretores de uma arte de governar, na verdade ele nao foi além da formulacao dos principios gerais do direito piiblico), Portanto, por um lado, um quadra muito vasto, abstrato, rigido da soberania e, por outro, um modelo bastante estreito, débil, inconsistente: o da familia. Isto é, a arte de governar procurou fundar-se na forma geral da soberania, ao mesmo tempo em que nao péde deixar de apoiar-se no modelo conereto da familia; por este motivo, ela foi bloqueada por esta idéia de economia, que nesta época ainda se referia apenas a um pequeno conjunto constituido pela familia e pela casa. Com o Estado e 0 soberano de um lado, com o pai de familia e sua casa de outro, a arte de governo nao podia encontrar sua dimensao propria, Como se deu o desbloqueio da arte de governar? Alguns processos gerais intervieram: expanséo demografica do século XVII, ligada 4 abundancia monetaria e por sua vez ao aumento da produgao agricola através dos processos circulares que os historiadores conhecem bem. Se este é 0 quadro geral, pode-se dizer, de modo mais preciso, que o problema do desbloqueio da arte de governar estd em conexéio com a emergéncia do problema da populagao; trata~se de um proceso sutil que, quando reconstituido no detalhe, mostra que a ciéncia do governo, a centralizagdo da economia em outra coisa que nao a familia e o problema da populagao estdo ligados. Foi através do desenvolvimento da ciéncia do governo que a economia péde centralizar-se em um certo nivel de realidade que nés caracterizamos hoje como econémico; foi através do desenvolvimento desta ciéncia do governo que se péde isolar os problemas especificos da populagao; mas também se pode dizer que foi gragas 4 percepgao dos problemas especificos da populagdo, gragas ao isolamento deste nivel de realidade, que chamamos a economia, que 0 problema do govemo pdde enfim ser pensado, sistematizado e calculado fora do quadro juridico da soberania. E a estatistica, que no mercantilismo n&o havia mais podido funcionar a nao ser no interior e em beneficio de uma administragao monarquica que também funcionava nos moldes da soberania, tornar-se~4 0 principal fator técnico, ou um dos principais fatores técnicos, deste desbloqueio. De que modo o problema da populagao permitira desbloquear a arte de governo? Em primeiro lugar, a populagao ~ a perspectiva da populacao, a realidade dos fenémenos préprios a populagéo = permitird eliminar definitivamente o modelo da familia e centralizar a nogo de economia em ‘outra coisa. De fato, se a estatistica tinha até entao funcionado no interior do quadro administrativo da soberania, ela vai revelar pouco a pouco que a populagao tem uma regularidade propria numero de mortos, de doentes, regularidade de acidentes, etc.; a estatistica revela também que a populagao tem caracteristicas proprias e que seus fendmenos sao irredutiveis aos da familia: as grandes epidemias, a mortalidade endémica, a espiral do trabalho e da riqueza, etc.; revela almente que através de seus deslocamentos, de sua atividade, a populagdo produz efeitos econémicos especificos. Permitindo quantificar os fenémenos préprios a populagao, revela uma especificidade irredutivel ao pequeno quadro familiar. A familia como modelo de governo vai desaparecer. Em compensagao, o que se constitui nesse momento é a familia como elemento no interior da populagao e como instrumento fundamental. Em outras palavras, até 0 advento da problematica da populagao, a arte de governar 6 podia ser pensada a partir do modelo da familia, a partir da economia entendida como gestdo da familia. A partir do momento em que, ao contrario, a populago aparece como absolutamente irredutivel & familia, esta passa para um plano secunddrio em relagao & populagdo, aparece como elemento interno a populagao, e portanto néo mais como modelo, mas como segmento. E segmento privilegiado, na medida em que, quando se quiser obter alguma coisa da populagao ~ quanto aos comportamentos sexuais, a demografia, ao consumo, ets. ~ é pela familia que se deverd passar. De modelo, a familia vai tornar-se instrumento, e instrumento privilegiado, para o governo da populagao e néo modelo quimérico para o bom governo. Este deslocamento da familia do nivel de modelo para o nivel de instrumentalizagao me parece absolutamente fundamental, e é a partir da metade do século XVIII que a familia aparece nesta dimensdo instrumental em relagéo & populagao, como demonstram as campanhas contra a mortalidade, as campanhas relativas a0 casamento, as campanhas de vacinagao, etc. Portanto, aquilo que permite a populagao desbloquear a arte de governar é 0 fato dela eliminar 0 modelo da familia Em segundo lugar, a populag4o aparecera como o objetivo final do governo. Pois qual pode ser 0 objetivo do governo? Nao certamente governar, mas melhorar a sorte da populagdo, aumentar sua riqueza, sua duragao de vida, sua satide, etc. E quais sao os instrumentos que o governo utilizara para alcangar estes fins, que em certo sentido sdo imanentes a populagéo? Campanhas, através das quais se age diretamente sobre a populagao, e técnicas que vao agir indiretamente sobre ela ‘que permitiréo aumentar, sem que as pessoas se déem conta, a taxa de natalidade ou dirigir para uma determinada regiao ou para uma determinada atividade os fluxos de populagao, etc. A populagao aparece, portanto, mais como fim e instrumento do governo que como forga do soberano; a populag4o aparece como sujeito de necessidades, de aspiragdes, mas também como ‘objeto nas mos do governo; como consciente, frente ao governo, daquilo que ela quer e inconsciente em relagao aquilo que se quer que ela faga. O interesse individual ~ como consciéncia de cada individuo constituinte da populagao ~ e o interesse geral ~ como interesse da populacao, quaisquer que sejam os interesses e as aspiragdes individuais daqueles que a compéem — constituem 0 alvo e 9 instrumento fundamental do governo da populagao. Nascimento portanto de uma arte ou, em todo caso, de taticas e técnicas absolutamente novas Em terceiro lugar, a populagao seré 0 ponto em torno do qual se organizara aquilo que nos textos do século XVI se chamava de paciéncia do soberano, no sentido em que a populagdo sera o objeto ‘que 0 governo devera levar em consideragao em suas observagées, em seu Saber, para conseguir governar efetivamente de modo racional e planejado. A constituigao de um saber de governo é absolutamente indissociavel da constituigao de um saber sobre todos os processos referentes populagao em sentido lato, daquilo que chamamos precisamente de "economia . A economia politica péde se constituir a partir do momento em que, entre os diversos elementos da riqueza, apareceu um novo objeto, a populagao. Apreendendo a rede de relagées continuas e milltiplas entre a populagdo, 0 territério, a riqueza, etc., se constituira uma ciéncia, que se chamara economia politica, e ao mesmo tempo um tipo de intervengao caracteristico do governo: a intervengao no campo da economia e da populagao. Em suma, a passagem de uma arte de govern para uma ciéncia politica, de um regime dominado pela estrutura da soberania para um regime dominado pelas técnicas de governo, ocorre no século XVIII em torno da populagao e, por conseguinte, em toro do nascimento da econémia politica. Com isto ndo quero de modo algum dizer que a soberania deixou de desempenhar um papel a partir do momento em que a arte do governo comegou a tornar-se ciéncia politica. Diria mesmo o contrario: nunca 0 problema da soberania foi colocado com tanta acuidade quanto neste momento, na medida em que se tratava precisamente nao mais, como nos séculos XVI e XVII, de procurar deduzir uma arte de governo de uma teoria da soberania, mas de encontrar, a partir do momento em que existia uma arte de govemo, que forma juridica, que forma institucional, que fundamento de direito se poderia dar 4 soberania que caracteriza um Estado. ‘Tomemos, por exemplo, dois textos de Rousseau. Em primeiro lugar, 0 artigo Economia Politica da Enciclopédia, 0 primeiro cronologicamente. Nele, Rouseau coloca 0 problema do governo e da arte de governar nos seguintes termos: a palavra economia designa essencialmente a gestéo dos bens da familia pelo pai; mas este modelo nao ‘deve mais ser aceito, mesmo se era este o modelo a que as pessoas se referiam no passado; atualmente, diz Rousseau, sabemos que a economia politica nao é mais a economia familiar; sem referir-se explicitamente a fisiocracia, a estatistica ou ao problema geral da populacdo, ele registra bem uma ruptura: 0 fato de que a "economia politica” tem um sentido totalmente novo que ndo pode mais ser reduzido ao velho modelo da familia. Seu objetivo portanto neste artigo é 0 de definir uma arte de governar. Em segundo lugar, O Contrato Social. Nele, o problema sera: como se pode formular, com nogées tais como natureza, contrato, vontade geral, um principio geral de governo que substitua tanto o principio juridico da soberania quanto os elementos através dos quais se pode definir e caracterizar uma arte de governo Portanto, 0 problema da soberania ndo é de modo algum eliminado pela emergéncia de uma nova arte de governo; ao contrario, ele torna-se ainda mais agudo que antes. A disciplina também nao ¢ eliminada; é certo que sua instauragao ~ todas as instituigdes no interior da qual ela se desenvolveu no século XVII e inicio do século XVIII, a escola, as oficinas, os exércitos, etc. - 6 se compreende a partir do desenvolvimento da grande monarquia administrativa. Mas nunca a disciplina foi tao importante, to valorizada quanto a partir do momento em que se procurou gerir a populagao. E gerir a populago nao queria dizer simplesmente gerir a massa coletiva dos fendmenos ou geri-los somente ao nivel de seus resultados globais. Gerir a populagdo significa geri-la em profundidade, minuciosamente, no detalhe. A idéia de um novo governo da populagao torna ainda mais agudo o problema do fundamento da soberania e ainda mais aguda a necessidade de desenvolver a disciplina. Devemos compreender as coisas nao em termos de substituigao de uma sociedade de soberania por uma sociedade disciplinar e desta por uma sociedade de governo. Trata-se de um tridngulo: soberania~disciplina-gestao governamental, que tem na populagdo seu alvo principal e nos dispositivos de seguranga seus mecanismos essenciais. © que gostaria de mostrar é a relagdo histérica profunda entre: o movimento que abala a constante da soberania colocando o problema, que se tornou central, do governo; o movimento que faz aparecer a populagao como um dado, como um campo de intervengao, como o objeto da técnica de governo; ¢ 0 movimento que isola a economia como setor especifico da realidade e a economi politica como ciéncia e como técnica de intervengao do governo neste campo da realidade. SA0 estes trés movimentos ~ governo, populagdo, economia politica - que constituem, a partir do século XVIII, um conjunto que ainda nao foi desmembrado. Para concluir, gostaria de dizer 0 seguinte. O que pretendo fazer nestes proximos anos é uma historia da governamentalidade. E com esta palavra quero dizer trés coisas. 1 - o conjunto constituido pelas instituig6es, procedimentos, andlises e' reflexes, calculos e téticas que permitem exercer esta forma bastante especifica e complexa de poder, que tem por alvo a populagdo, por forma principal de saber a economia politica e por instrumentos técnicos essenciais 08 dispositivos de seguranca. 2~a tendéncia que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, a preeminéncia deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre todos os outros ~ soberania, disciplina, etc. - levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos especificos de governo e de um conjunto de saberes 3 ~ resultado do processo através do qual o Estado de justiga da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado. Sabemos que fascinio exerce hoje 0 amor pelo Estado ou 0 horror do Estado; como se esta fixado no nascimento do Estado, em sua hist6ria, seus avangos, seu poder e seus abusos, etc. Esta supervalorizagao do problema do Estado tem uma forma imediata, efetiva e tragica: o lirismo do monstro frio frente aos individuos; a outra forma é a analise que consiste em reduzir o Estado a um determinado niimero de fungées, como por exemplo ao desenvolvimento das forcas produtivas, & reprodugdo das relagées de produgao, concepeao do Estado que o torna absolutamente essencial como alvo de ataque e como posigao privilegiada a ser ocupada. Mas 0 Estado ~ hoje provavelmente nao mais do que no decurso de sua histéria ~ no teve esta unidade, esta individualidade, esta funcionalidade rigorosa e direi até esta importancia. Afinal de contas, o Estado no é mais do que uma realidade composita e uma abstra¢ao mistificada, cuja importéncia & muito menor do que se acredita. O que é Importante para nossa modernidade, para nossa atualidade, no é tanto a estatizagao da sociedade mas o que chamaria de governamentalizacao do Estado. Desde 0 século XVIII, vivemos na era do governamentalidade. Governamentalizacao do Estado, que 6 um fendmeno particularmente astucioso, pois se efetivamente os problemas da governamentalidade, as técnicas de governo se tornaram a questao politica fundamental eo espago real da luta politica, a governamentalizagao do Estado foi o fenémeno que permitiu ao Estado sobreviver. Se o Estado é hoje 0 que é, é gragas a esta governamentalidade, ao mesmo tempo interior e exterior ao Estado. So as taticas de governo que permitem definir a cada instante ‘© que deve ou ndo competir ao Estado, o que é ptiblico ou privado do que é ou nao eslalal, etc.; portanto o Estado, em sua sobrevivéncia e em seus limites, deve ser compreendido a partir das taticas gerais da governamentalidade. Talvez se possa assim, de maneira global, pouco elaborada e portanto inexata, reconstruir as grandes formas, as grandes economias de poder no Ocidente: em primeiro lugar, o Estado de justiga, nascido em uma territorialidade de tipo feudal e que corresponderia grosso modo a uma sociedade da lei; em segundo lugar, o Estado administrative, nascido em uma territorialidade de tipo fronteirigo nos séculos XV-XVI e que corresponderia a uma sociedade de regulamento e de disciplina; finalmente, um Estado de governo que nao é mais essencialmente definido por sua territorialidade, pela superficie ocupada, mas pela massa da populagao, com seu volume, sua densidade, e em que o territério que ela ocupa é apenas um componente. Este Estado de governo que tem essencialmente como alvo a populagdo e utiliza a instrumentalizagao do saber econdmico, corresponderia a uma sociedade controlada pelos dispositivos de seguranga. Nas préximas ligdes, pretendo mostrar como a governamentalidade nasceu a partir de um modelo arcaico, o da pastoral cristé, apoiou-se em seguida em uma técnica diplomatico-militar e finalmente como esta governamentalidade s6 péde adquirir suas dimensdes atuais gragas a uma série de instrumentos particulares, cuja formagao é contemporanea da arte de governo e que se chama, no velho sentido da palavra, o dos séculos XVII e XVIII, a policia, Pastoral,novas técnicas diplomatico-militares e finalmente a policia: eis os trés pontos de apoio a partir de que se pode produzir este fenémeno fundamental na historia do Ocidente: a governamentalizagao do Estado. Referéncias Bibliograficas Os textos 1, 2, 3, 4, 8, 9, 10, 11, 12 compée edigéo italiana de Microfisica del potere, Torino Einaud, 1977, organizado por Pasquali Pasquino e Alexandre Fontana. Os outros foram selecionados para presente edicéo. 1— Verité et pouvir, in "L’Arc", n®°70, 1977. Entrevista originalmentepublicada com introdugao de Microfisica del Potere, Torino, Einaudi, 1977 2- Nietzsche la génealogie, 'historie, in "Hommage a Jean Hyppolite". Paris, P.U.F. Tradugao marcelo Catan 3— Sur la justice populaire, in "Les Temps Modernes" n° 30 bis, 1972 Tradugéo de Angela Loureiro de Souza e Roberto Machado 4— Les intellectuels et le pouvir in "arc", n° 49, 1972. Tradugéo Roberto Machado 5—O nascimento da medicina social, conferéncia realizada no instituto de Medicina Social da U.ER.J, outubro 1974. Tradugéo Roberto Machado 6—O nascimento do hospital. Conferéncia realizada no Instituto Médico Social da U.E.R.J, outubro de 1974. Tradug&o Roberto Machado 7 La maison des fous, publicado originalmente, em tradugdo italiana, in Franco Basagha ¢ Franca Basaglia Ongrano, Crimini di Pace, Torino. Einaudi 1975. A tradugao de Lilian Holzmeister, a partir do original francés, foi inicialmente publicada in Chaim S. Katz, Psicandli'se e Sociedade Belo Horizonte, Interlivros, 1977. 8 ~Enireiien sur la prison: Ie livre et sa méthode, in "Magazine Littéraire", n° 101, 1975. Tradugéo de Marcelo Marques Damiao. 9 Pouvoir-corps, in "Quel Corps?", setembro-outubro de 1975. Tradugao de José Thomaz Brum Duarte e Déborah Danowski. 10 ~ Quesfions a Miche! Foucaul: sur la géographie, in "Hérodote’, n® 1, 1976. Tradugéo de Roberto Machado e Angela Loureiro de Souza. 11 ~ Genealogia e Poder. Curso no Coilége de France. 7 de janeiro de 1976. Tradugéo de ‘Angela Loureiro de Souza e Roberto Machado. Soberania e Disciplina. Curso no Coilége de France. 14 de Janeiro de 1976. 12 Soberania e Disciplina. Curso Collége de France, 14 de janeiro de 1976 13 La politique de la santé au XVIll siécle, in Les Machines a guérir. Paris, institut de envirinnement 1976. Tradugéo de Thomaz Brum Duarte 14 - L'oeil du pouvoir, in Jeremy Bentham, Le panoplique, Paris, Pierre Belfon, 1977. Tradugao de Angela Loureiro de Souza. 15 ~ Non au sexe roi, in "Le Nouvel Obsérvateur”, Paris, 12 de margo de 1977 A tradugao de Angela Loureiro de Souza foi originalmente publicada em "Ensaios de Opiniao", n° 8, 19718, Rio. 16 ~ Le jeu de Michel Foucagdi, in’ "Ornicar?", n° 10, Paris. Tradugao de Angela Loureiro de Souza, 17 - A governamentah’dade, curso no Coilége de France, 19 de fevereiro de1978. Tradugéo de Roberto Machado e Angela Loureiro de Souza. Notas Capitulo I! 1G.C.§7, 2H.DH. §3. 3GM, Il, §60§8. 46.C,§ 110, 111,300. 5A, 102. 6 G.C, § 151 e § 353. A § 62; G.M, 1, 14; Cl, Os Grandes Erros, § 7. 7 A obra de P. Rée intitula~se Ursprwig de, moralischen Empfindung. 8 Em H.D.H,, 0 af. 92 se intitula Urspnung der Gerechtigkeit. 9 Mesmo no texto de Para Genealogia da Moral, Urspnmg e Herkunft so empregados varias vezes de maneira mais ou menos equivalente (1, 2; I, 8, 11, 12, 16, 17). 10 Aurora, § 123. 11 H.D.H.,§34. 12.0 Andarilho e sua Sombra, §9. 13 O Andarilho e sua Sombra, § 3. 14 Aurora. § 49. 15 Nieizsche contra Wagner, epilogo § 2. 16 G.C. § 265 6 § 110. 17 O Creptisculo dos Idolos, "Como 0 mundo-verdade se tornou enfim uma fébula." 18 Por exemplo, G.C. § 135; P.B.M. § 200, 242, 244; G.M, I, § 5. 19 G.C. § 348 e 349; PBM. § 260. 20 P.B.M. § 244. 21 G.M, Ill, 17. Abkunft do sentimento depressivo. 23 Aurora, § 247. 22 C.I., Razdes da Filosofia 24 G.C. § 348 © 349. 25 Ibid.: "Der Mensch aus einen Auflésungszeitalters... der dei Erbschaft einer vielfaltigere Herkunft im Leite hat" (§200). 26 Aurora. § 42. 27 P.B.M,, § 262. 28.G.M.,Il,13. 29 G.C. § 148. E também a uma anemia da vontade que é preciso atribuir a Entestehung do Budismo e do Cristianismo. § 347. 30 G.M,,I, 2. 31 P.B.M,, § 260. Também G.M., Il, 12. 32V.S., § 9. 33 G.C., § 111. 4G, 11,6. 35 GM. ~ Prefacio ~ § 7; e 1,2. P.BM, § 224 36 G.C., §7. 37 G.C., §7. 38 G.M,, Il, 12. 39A,, § 130. 40 G.M,, Il, 12 4TH.DH,, § 16. 42 C.l,, "Divagagées de um inatual", § 44. 43 Cl, "A razao na filosofia", § 1 @ § 4. 44V.S., § 188. 45 G.M,,Ill, 25. 46 P.B.M., § 223. 47 V.S. (opiniées e sentengas misturadas) § 17. 48 H.DH,, §274. 49 Consideragdes Extemporneas, Il, 3. 50 Aurora. § 429 e § 433; A Gaia Ciéncia, § 333; P.B.M.. § 229, 230. 51A,, § 501. 52A,, § 429. 53 P.B.M, § 39. 54A.. §45 Capitulo Ill 1 F. Engels, A situagao da classe trabalhadora na Inglaterra, Cap. XI Capitulo V 1 In Da Policia Médica & Medicina Social, Rio, Graal, 1979. Capitulo Xill 1 Cf. G. Rosen, History of Public Health, 1958. Capitulo XIV 1-Miche! Foucault situa assim o Panopticon e Jeremy Bentham em seu livro: Surveiller et punir, Gallimard, 1976 (traduzido pela Ed. Vozes com o titulo Vigiar e punir. 1978) 2 John Howard torna piiblicos os resultados de sua investigagao em sua obra: The State of the Prisons in England and Wales with Preliminary Observations and an Account of some Foreign Prisons and Hospitals (1777).

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