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Sociedade, Cultura e Cidadania 13
Sociedade, Cultura e Cidadania 13
CULTURA E
CIDADANIA
Introdução
A formação da identidade pessoal ocorre desde o nascimento, a partir das
experiências e vivências nos campos sociais. Nesses campos, as pessoas
aprendem a respeito da cultura de cada grupo étnico. Nesse contexto,
cada etnia tem uma cultura própria, forjada a partir das experiências
históricas que vivenciou, das ideias e normas sociais que produziu com
o passar dos tempos e que procurou transmitir de geração em geração.
A vida em sociedade, algumas vezes, faz com que determinadas
etnias tenham mais poder e dominem as demais. Isso afeta a produção
das identidades e pode abalar a construção da autoimagem dos sujeitos
dominados e inferiorizados. Quando a cultura de um grupo étnico é vista
como superior e procura servir como padrão para todas as demais, pode
haver efeitos indesejáveis, como o racismo e a discriminação étnico-racial.
Neste capítulo, você vai estudar a formação da identidade e da au-
toimagem pessoais, sobretudo no espaço escolar. Também vai aprender
sobre os desafios da formação de uma identidade étnica quando se trata
de grupos minoritários. Além disso, você vai verificar a necessidade de o
professor posicionar-se de forma antirracista em suas aulas.
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negação;
diferença;
relação.
forma como é porque é diferente dos demais com os quais não se identifica.
É importante você notar que “[...] a diferença é um elemento central dos
sistemas classificatórios por meio dos quais os significados são produzidos
[...]” (WOODWARD, 2012, p. 68). O problema com a questão da diferença
ocorre quando ela é utilizada dentro desse sistema classificatório para realizar
juízo de valor e construir representações ruins, negativas e que inferiorizam
algumas identidades.
Isso foi muito recorrente, por exemplo, durante os processos colonizadores
no Brasil. Nesse contexto, assumiu-se a identidade europeia (dos coloniza-
dores) como a central, mais importante e poderosa do que todas as demais.
Nesse processo, indígenas e negros foram representados como subalternos,
inferiores, selvagens e sem cultura. Convém reforçar ainda que “[...] temos
o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o
direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a
necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença
que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades [...]” (SANTOS,
2003, p. 56). As diferenças são marcadores que constituem as pessoas, as
tornam seres singulares e especiais. Dessa forma, devem ser reconhecidas
e valorizadas socialmente.
O terceiro aspecto talvez seja o mais importante de todos: o caráter rela-
cional da identidade. A identidade é produzida a partir das relações nos grupos
sociais e nas instituições que fazem parte das experiências dos sujeitos: “Nós
participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados
de escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na
verdade, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos
[...]” (WOODWARD, 2012, p. 29).
Os campos sociais são importantes e decisivos para que as relações
e interações sociais ocorram e, assim, contribuam para que os sujeitos
produzam suas identidades. Nesse contexto, a escola é uma importante
instituição, que as crianças frequentam de forma obrigatória a partir dos
4 anos de idade no Brasil e que acolhe aos mais diversos grupos étnicos e
culturais. As escolas também possuem seus contextos particulares e seus
simbolismos. Por exemplo, uma escola pública pode ser muito diferente de
uma escola privada nas questões estruturais, curriculares e, até mesmo, em
relação ao público que atende.
O processo de formação da identidade também envolve aspectos psíquicos.
O indivíduo produz tanto selfs sobre si mesmo quanto sobre todos os demais
com quem convive, formando o seu autoconceito. Segundo Goñi e Fernández
(2009, p. 25), “[...] o conceito que uma pessoa tem de seu self surge das intera-
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Quando uma cultura é tida como central, seus efeitos na formação das identidades
são muito negativos. Isso ocorre pois todos aqueles que não se enquadram na cultura
dominante tendem a ser representados socialmente como inferiores e invisíveis. Por
essa razão, contemporaneamente têm surgido políticas sociais e educacionais que
evocam o multiculturalismo, a diversidade cultural e a interculturalidade. A ideia é que
tais iniciativas produzam uma sociedade mais justa e equitativa.
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Para que a educação possa realizar a sua parte no trato das questões culturais e étnicas
tão presentes na sociedade brasileira, cada região deve ser analisada de acordo com
as suas especificidades. Cada cultura étnica precisa ser considerada a partir de suas
diferenças e semelhanças. A escola deve enaltecer as diferenças como algo positivo que
compõe cada identidade. Todos devem ser vistos como iguais em direitos e diferentes
nos aspectos que compõem a sua cultura, a sua leitura de mundo e a sua etnia.
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Ao se deparar com situações que envolvam racismo e injúrias raciais entre os alunos,
o docente deve agir pontualmente. Ele deve propiciar reflexões que levem ao reco-
nhecimento e à valorização das diferenças que possam existir entre as etnias e as suas
culturas. O ideal é que faça isso a partir da análise de situações do cotidiano de cada um.
Como exemplo, considere o caso de um professor que atua com uma turma
de alunos do 5º ano do ensino fundamental de uma escola de periferia. Tal
escola recebe crianças e jovens em condições de vulnerabilidade social. Na
turma em que o professor trabalha, existem dois grupos étnicos com uma
rivalidade muito grande, que se manifesta tanto entre os meninos quanto entre
as meninas. Um grupo é de alunos afrodescendentes e o outro é de alunos que
se consideram “brancos”.
O professor decide analisar o contexto dos alunos, conhecer sua vida
social, as particularidades de sua rotina diária. Assim, ele percebe muitas
semelhanças entre eles. Com base nisso, resolve confrontar ambos os grupos
e provocá-los a pensar sobre a sua condição social. Para iniciar a discussão,
o tema escolhido é a situação de pobreza em que se inserem, as perspectivas
e planos que têm para o futuro, suas angústias e desafios cotidianos, seus
problemas familiares, entre outras situações. No decorrer das aulas, o professor
realiza algumas dinâmicas de grupo e abre o canal de comunicação para que
todos se manifestem sempre que achem oportuno.
As trocas de experiências entre os estudantes negros, brancos e todos os
demais que não se identificam com esses dois grupos são muito produtivas e
significativas. Muitos percebem semelhanças em suas relações na sociedade,
nas mazelas que lhes afligem socialmente, na carência dos bens materiais,
nos sofrimentos sentidos durante a infância, nas frustrações, decepções e
mágoas familiares, nos planos para o futuro e nas perspectivas que possuem.
Essa vivência faz com que os grupos de alunos se aproximem muito e une
a todos já no primeiro bimestre. Resolvidas as questões que provocaram o
choque cultural entre os jovens alunos, não há mais problemas de ofensas
raciais ou estereótipos de qualquer natureza. O diálogo torna os estudantes
mais tolerantes, respeitosos e acolhedores das diferenças.
Oliveira e Candau (2010) refletem sobre a importância do reconhecimento
de todos os grupos étnicos nos debates interculturais realizados nas escolas
visando a uma educação antirracista. Eles afirmam que:
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Para que isso possa ser realizado pelo docente, é necessário que haja co-
nhecimento, interesse e posicionamento sobre essas questões tão importantes
e presentes na sociedade. A proposta é que os alunos entendam que a diferença
torna os sujeitos ricos e não os deprecia ou inferioriza.
Cabe aos professores e professoras, no decorrer de suas práticas docen-
tes, independentemente do nível educacional em que atuam, da educação
infantil ao ensino superior, “[...] promover processos de desconstrução e de
desnaturalização de preconceitos e discriminações que impregnam, muitas
vezes com caráter difuso, fluido e sutil, as relações sociais e educacionais que
configuram os contextos em que vivemos [...]” (CANDAU, 2012, p. 8). Para que
possa superar esse desafio, você deve estar atento às questões apresentadas de:
naturalização;
igualdade e diferença;
currículo escolar;
culturas;
intereações.
currículo escolar deve ser observado com atenção pelos professores, em cada
detalhe, na seleção de conteúdos, textos, livros didáticos e técnicas a serem
utilizadas. Deve-se reconhecer que todo saber carrega consigo o poder de
produzir um entendimento sobre o mundo.
Ao trabalhar junto aos alunos os processos de formação de suas identidades
culturais, os professores podem valer-se do importante recurso das histórias de
vida desses sujeitos. Ao narrar a sua trajetória, os alunos exercitam o processo
de escolha de suas memórias e percebem os aspectos que lhes são mais caros
e pertinentes. Da mesma forma,
Para aprender mais sobre a importância de uma educação intercultural que considere
as diferenças e desigualdades em suas práticas, assista à entrevista com a professora
Vera Maria Candau disponível no link a seguir.
https://goo.gl/Y4f5ob
12 Racismo e formação das identidades étnicas
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Racismo e formação das identidades étnicas 13
Leitura recomendada
BRASIL. Lei nº. 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera
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