Professional Documents
Culture Documents
TGDC I - MFS PDF
TGDC I - MFS PDF
do Direito Civil I
Regente: José Alberto Vieira
Assistente: Pedro Afonso Martinez
O Artigo 1.º da CRP declara a dignidade humana como pilar fundamental e como fundamentante do
Estado. Para além deste, o artigo 6.º da Declaração Universal de Direitos do Homem também o faz,
sendo este aplicável ex vi (= por força/determinação expressa) do artigo 16.º da CRP, quando afirma
que “todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade
jurídica”.
O Código Civil regula os direitos de personalidade nos seus artigos 70.º a 81.º do Código Civil (CC).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
A atribuição de personalidade jurídica ao homem implica reconhecer-lhe a titularidade de direitos de
personalidade. Os direitos de personalidade são identificados pelo seu objeto — os bens da
personalidade (modos de ser da pessoa, tanto a nível físico, como psíquico, como ainda jurídico).
o Distinção entre direitos de personalidade e figuras afins. Muitas vezes faz-se uma
dupla confusão – por falta de rigor ou porque um direito pode congregar em si várias
classificações (ex: direito à vida). Contudo, estes direitos não são iguais:
Como os direitos tratam de classificações diversas, podem reunir em si alguns destes atributos ou até
todos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Exemplo: O direito à vida é um direito de personalidade, é um direito fundamental (está previsto na
Constituição), é um direito originário (é pré-positivo, não é o Direito que o cria, apenas o reconhece),
é um direito humano (está por natureza na titularidade do ser humano), é um direito pessoalíssimo
(é intransmissível por natureza) e um direito pessoal (não é possível valorar a vida, não está suscetível
de avaliação pecuniária), MAS POR RAZÕES DISTINTAS.
O número de direitos de personalidade especificamente previstos no Código Civil fica aquém dos
contemplados individualmente pela Constituição.
Será que os direitos de personalidade são apenas direitos das pessoas singulares?
Isto é, quem são os sujeitos dos direitos de personalidade?
Ninguém contesta que as pessoas singulares são titulares dos direitos de personalidade.
Mas há dúvidas quanto a titularidade de direitos de personalidade por parte das pessoas coletivas.
Até porque estas não podem ser titulares de direitos humanos, por exemplo.
O problema provém dos artigos 70.º e seguintes, que aparecem num capítulo do Código Civil dedicado
a pessoas singulares.
O Artigo 70.º/1 CC, começa por dizer “a lei protege os indivíduos…”.
E, portanto, a sua inserção sistemática (capítulo das pessoas singulares) e a letra da lei (“indivíduos”)
levantam a dúvida.
No entanto, há quem ache que as pessoas coletivas também se dotam de direitos de personalidade.
➔ Artigo 12.º da CRP – Enquadra-se na Introdução aos Direitos Fundamentais – e diz que as
pessoas coletivas também gozam de direitos de personalidade: “as pessoas coletivas gozam
dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”
Os direitos aí previstos não são só fundamentais (por estarem previstos na Constituição), mas
também são direitos de personalidade (direito à vida, à integridade física, à honra, à
intimidade da vida privada, à imagem, à identidade pessoal…) porque o objeto é um bem da
personalidade.
Assim, pode concluir-se que a Constituição dota as pessoas coletivas de direitos fundamentais. Como
os direitos fundamentais são simultaneamente direitos de personalidade (bastando para tal que o
respetivo objeto seja um bem da personalidade) e como as pessoas coletivas são titulares de direitos
fundamentais, isto quer dizer que as pessoas coletivas são titulares de direitos de personalidade.
A única diferença é que as pessoas singulares são titulares de todos os direitos de personalidade
(princípio da generalidade), enquanto as pessoas coletivas só são titulares de direitos de
personalidade “compatíveis com a sua natureza” (princípio da especialidade).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
➔ Artigo 160.º do Código Civil – Capítulo das pessoas coletivas.
“A capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou
convenientes à prossecução dos seus fins”
Diz-nos que as pessoas coletivas podem ser titulares de qualquer direito (de personalidade inclusive)
desde que seja necessária a prossecução do seu fim e desde que este não esteja vedado por lei ou
seja exclusivo do ser humano.
Este artigo não limita a titularidade dos direitos de personalidade por parte das pessoas coletivas. O
leque de direitos da titularidade de uma pessoa coletiva é menor do que o cômputo dos direitos de
uma pessoa física, mas não é inexistente.
As pessoas coletivas podem ser tituladas de direito de personalidade, mas não podem ser titulares de
todos os direitos de personalidade.
Por exemplo: As pessoas coletivas são titulares do direito ao nome, mas não podem ser titulares do
direito à vida ou integridade física porque não têm um corpo biológico e não faz sentido salvaguardar
o direito a um corpo inexistente, assim, estes não são necessários à prossecução do seu fim.
➔ Artigo 484.º CC: Ofensa do crédito ou do bom nome – “Quem afirmar ou difundir um facto
capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva,
responde pelos danos causados.”
Este artigo atribui implicitamente a titularidade do direito ao bom nome (direito de
personalidade) à pessoa coletiva.
(O artigo 187.º do Código Penal faz o mesmo ao incriminar a ofensa ao crédito e bom nome
de um organismo, serviço ou pessoa coletiva.)
Este critério tem sido posto de lado pela ideia de que tal direito pode
ser violado por terceiro, que impede o cumprimento e, portanto,
deve ser responsabilizado (eficácia externa).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Exemplo: António deve-me 100€. Apenas António podia violar esse
direito de crédito, porque só António é que tinha esse dever e se não
o entregasse, estava a violá-lo. (Era esta a visão da eficácia erga
omnes/inter partes).
Nasceu, então, a necessidade de ter um outro critério para explicar o que é isto de
direito absoluto: A diferença entre um direito absoluto e um direito relativo não tem
a ver com a eficácia (que seria idêntica), mas sim com a estrutura.
O direito absoluto vale por si só, não precisa de mais nenhuma situação para poder
ser exercido e satisfazer os interesses do seu titular – é autossuficiente e não precisa
de nenhuma situação de sinal contrário (i.e., uma situação passiva).
O direito relativo existe porque há um dever contrário. Eu só posso satisfazer o meu
direito relativo (ex: direito de crédito) quando o devedor cumprir com o seu dever.
Estes direitos não são autossuficientes, já que a sua existência está dependente da
existência de uma situação de sinal contrário. Há um dever genérico por parte do
devedor, e há um vínculo, uma interdependência entre o direito e o dever, pois para
existir um direito de crédito, alguém tem de ter o dever de pagar esse crédito. Se não
houver o dever de pagar 100€, a existência do direito de receber 100€ não tem
fundamento.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o que justifica que a lei reforce a tutela do direito, impondo ao potencial infrator um
dever acrescido de reserva.
O direito é indissociável quer do seu titular, quer do respetivo objeto. Os direitos de personalidade
são intransmissíveis, inter vivos e mortis causa, e indisponíveis, não se admitindo a renúncia dos
mesmos. No caso do direito à vida, questiona-se até que ponto este não pode ser renunciável, mas
isso está redirecionado para casos como a eutanásia.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
A natureza pessoalíssima do objeto deste tipo de direitos, mercê da sua inseparabilidade do
correspondente sujeito, impossibilita a sua transmissão a outrem.
o Não prescritibilidade – O artigo 298.º/1 diz-nos que os direitos indisponíveis não são
passíveis de prescrição e os direitos de personalidade têm um caráter indisponível.
Não há limitações temporais para se exercerem pretensões relacionadas com os
direitos de personalidade, sobretudo com a sua tutela.
Não há perda de coercibilidade. Não podem ficar sem efeito porque não há prazo legal
(não são caducáveis).
o Não caducidade – Não se pode sujeitar o exercício de um direito de personalidade ou
de uma pretensão fundada num bem de personalidade a prazos ou condições.
(Estes direitos de personalidade só se extinguem com a morte, em que se deixa de ter uma
pessoa singular e se passa a ter um cadáver).
Os direitos fundamentais surgiram para fazer frente ao Estado. A sua ideia era de uma posição de
defesa perante o Estado. Era uma relação vertical (cidadão e Estado) e criaram-se os direitos
fundamentais como uma barreira entre estes, sendo estes um limite ao Estado. Logo, não faria sentido
aplicar estes direitos aos particulares.
Os direitos fundamentais representavam um meio de tutela do cidadão em face dos abusos do poder
político.
No entanto, ao longo do tempo, chegou-se à conclusão de que os problemas não eram específicos da
relação que o cidadão tinha com o Estado, porque entre particulares também podia haver esse
problema. Há direitos fundamentais que não são direitos de personalidade, como por exemplo, o
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
direito à não-discriminação e não é por isso que este direito também não deve ser aplicado às relações
entre particulares.
Ou seja, o seu papel foi sendo alargado, pelo que atualmente se admite que estes direitos comportam
uma dupla-faceta:
• A posição defensiva dos direitos dos cidadãos face ao Estado.
• O poder de exigir proteção por parte do Estado relativamente aos bens sobre os quais se
erguem.
A sua eficácia não se limita às relações com o poder público, sendo igualmente aplicáveis nas relações
entre privados.
Até que ponto é que os direitos fundamentais são aplicáveis nas relações entre
particulares?
(Pretende discutir-se o âmbito e a natureza mediata ou imediata desta eficácia)
O problema APENAS se coloca relativamente aos direitos fundamentais cujo âmbito de aplicação não
foi predeterminado.
2. Direitos configurados de forma a produzir efeitos nas relações entre privados — a própria
norma estabelece a vinculação dos privados.
3. Direitos cuja extensão não foi previamente definida — a falta de predefinição justifica a
colocação da questão sobre se os direitos contemplados se aplicam unicamente às relações
frente ao Estado ou também face aos particulares.
(Menezes Cordeiro: Esta questão tem razão de ser, uma vez que a atuação do Estado é
qualitativamente diferente da das pessoas privadas, não podendo, por isso, ser feitas transposições
automáticas.
Por exemplo: parece evidente – perante a nossa cultura – que o Estado deve tratar todas as pessoas
de modo igual. Mas um particular não está nas mesmas condições: ele poderá, arbitrariamente,
escolher contratar com uma ou outra pessoa, sem justificações nem preocupações igualitárias, salvo
particulares limites impostos no caso concreto pela boa fé ou pelos bons costumes.
Há, pois, que distinguir, o sentido de certos direitos fundamentais – quando dirijam comandos ao
Estado, não cabe, deles, extrapolar regras diretas para os particulares.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Nos restantes casos, em termos civis, os direitos fundamentais podem ser atendidos como
reformadores das posições já consagradas, maxime (principalmente) pelo direito da personalidade.
Não obstante, fazem-no com limitações que lhes restituam o seu verdadeiro sentido normativo:
❖ Com adequação axiológica (adequação em função dos valores do sistema – pode haver a
intervenção civil, pois estão em causa valores que devem ser adequados [ampliados ou
restringidos] em certos aspetos) — recorda que os direitos fundamentais não tratam
simplesmente de acautelar certos valores; atentam em certos valores de forma adequada ou
perante violações que eles considerem adequadas. É somente nesta dimensão que os direitos
fundamentais podem surtir efeitos civis.
o Exemplo: a recusa em celebrar um contrato – maxime de prestação de serviço ou de
trabalho – pode pôr em perigo a vida ou a integridade da outra parte. Mas, o direito
à vida, como fundamental que é, não exige a celebração do contrato (em princípio),
por não haver adequação axiológica em tal dimensão.
1. “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente
aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.
Embora a letra da lei seja absolutamente clara e pareça inequívoca, a doutrina e a jurisprudência
discutem o que isto quer dizer.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Não obstante, dentro destas duas orientações, há muitas variantes.
Esta posição vem dizer que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares fazia-se irradiando o conteúdo daqueles direitos para operações
necessárias, como a interpretação, a aplicação, integração de lacunas e por aí fora.
(Aplicação conforme à Constituição)
Crítica:
• Esta teoria, juntamente com a vinculação do legislador de Direito
Privado e a teoria da vinculação dos tribunais são inutilidades, pelo
que não acrescentam nada a este problema. Qualquer norma, pública
ou privada, tem de ser interpretada conforme à Constituição. Isto
decorre da hierarquia dos atos normativos. A Constituição é a lei
suprema e todo o direito ordinário tem de ser interpretado conforme
a esta (limita-se a aplicar a hierarquia das fontes decorrente do artigo
112.º da CRP).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Teoria da eficácia mediata (sentido estrito) – Para esta tese, a aplicabilidade dos
direitos fundamentais nas relações entre particulares dá-se de forma indireta, através
da densificação de certos institutos próprios do Direito privado — preenchimento de
conceitos indeterminados, cláusulas gerais, configuração e desenvolvimento dos
direitos de personalidade ou dos deveres de segurança no tráfego jurídico.
(Esta teoria tem muitos adeptos em Portugal e ninguém contesta que está correta.
De facto, está certa. Assume-se que os conceitos e os institutos de Direito privado aí
referidos devem ser densificados à luz dos direitos fundamentais. A questão é se esta
teoria é suficiente, ou seja, se a eficácia destes direitos se confina a esta dimensão ou
se é mais ampla do que isso.)
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
direito público como de direito privado e ambos estão vinculados à
Constituição.
o Ou seja, quer esteja a legislar normas de Direito privado ou
público, o legislador é sempre o mesmo, tal como a sua
vinculação aos parâmetros constitucionais.
• Limita-se a aplicar a hierarquia das fontes decorrente do artigo 112.º
da CRP.
o Teoria dos deveres de proteção — Defende que o Estado, para além do dever
(negativo) de respeito pelos direitos fundamentais, se encontra igualmente adstrito
a deveres (positivos) de proteção, destinados a tutelar os bens jurídicos que
constituem o objeto desses direitos. Como o sujeito passivo dos deveres é o Estado,
o cumprimento destes deveres de proteção pode passar pela projeção da eficácia
daqueles direitos nas relações privadas, regulando-as de modo a tutelá-los,
nomeadamente, vinculando os sujeitos à adoção de certos comportamentos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Os direitos fundamentais não se aplicam diretamente às relações entre
particulares.
▪ O único âmbito em que os direitos fundamentais podem produzir efeitos nas
relações em particulares é através da atuação dos tribunais.
▪ Os tribunais deveriam aplicar o Direito de acordo com a Constituição,
descobrindo omissões legislativas e aplicando e interpretando o Direito à luz
da Constituição. Cabe aos tribunais este papel.
• Esta teoria limita esta interpretação/integração conforme à
Constituição aos Tribunais (distinguido-se assim da teoria da eficácia
irradiante).
Críticas gerais às teorias de eficácia mediata — Em qualquer uma das teorias, expressa-se a
subordinação do legislador ou dos tribunais à Constituição. Sendo verdade, em nada acrescenta
relativamente ao problema de base, pelo que descuram a especificidade das normas que prevêem
direitos fundamentais em face das demais normas constitucionais.
o Teoria da vinculação do poder privado — Tem por base uma conceção dos direitos
fundamentais como direitos de defesa, sustentando que estes não devem valer
apenas frente ao Estado, mas também frente aos diversos poderes privados ou
poderes de facto existentes na sociedade (ex: face aos detentores do poder
económico). Ou seja, para si, os direitos fundamentais constituem direitos de defesa
contra o poder, seja ele público ou privado.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Os direitos fundamentais são direitos de defesa frente ao Estado OU a
qualquer situação de poder (ou seja, também se aplicam às situações de
poder entre privados).
▪ Esta teoria faz uma analogia a esta situação de poderoso vs. sem-poder e diz
que o que interessa é a disparidade de situações, não sendo relevante se é ou
não de direito público ou privado.
o Teoria da vinculação (ao conteúdo essencial dos direitos ou) à dignidade da pessoa
humana — Admite a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre privados,
sem ser necessária a intervenção do legislador. O âmbito de aplicação neste caso é
mais restrito quando comparado na sua aplicação nas relações com o Estado. Para
esta tese, a autonomia individual não permite que estes direitos vigorem nas relações
entre privados na sua integralidade de conteúdo, mas apenas de forma mitigada,
devendo reduzir-se o seu alcance ao seu núcleo essencial, limitando-se o seu campo
de atuação a situações extremas.
o Teoria da eficácia imediata (sentido estrito) — Esta é a teoria mais abrangente das
três, admitindo que os direitos fundamentais se apliquem plenamente nas relações
entre privados, sem necessidade de intermediação.
Contudo, chama a atenção para as diferenças de configuração das relações frente ao
Estado – onde apenas o particular é titular de um direito fundamental – em
comparação às relações estabelecidas entre particulares – onde ambos os sujeitos são
titulares desse tipo de situação.
Há, então, nas relações entre particulares, uma obrigação de fazer uma ponderação
adequada com os outros princípios constitucionais, nomeadamente, com o princípio
da autonomia privada ou o princípio do livre desenvolvimento da personalidade.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
A diferença entre estas teorias é o âmbito de aplicação.
➔ A 1ª (teoria da vinculação do direito privado) limita o âmbito de aplicação às situações em que
há uma hierarquia (um tem poder e o outro não tem).
➔ A 2ª (teoria da vinculação à dignidade humana) limita essa aplicação às situações em que está
em causa a dignidade humana – o núcleo essencial do direito.
Estas primeiras duas teorias não olham para a situação em concreto e afirmam que o âmbito de
aplicação é menor, definindo-o.
➔ A 3ª (teoria da eficácia imediata [sentido estrito]) não estabelece limites ao seu âmbito de
aplicação, a priori. Aceita, como ponto de partida, que o âmbito de aplicação possa ser
semelhante entre particulares. No entanto, na prática, o âmbito de aplicação não poderá ser
igual.
o Porquê?
▪ Quando numa situação está o senhor António contra o Estado, o particular
pode invocar a plenitude do seu direito fundamental, pois este é o único
titular de direitos fundamentais.
▪ No entanto, quando o âmbito da relação tem sujeitos detentores de direitos
fundamentais (relação entre particulares), estes direitos fundamentais não
vão poder aplicar-se na sua dimensão mais ampla, pois a partir do momento
em que temos dois sujeitos titulares de direitos fundamentais, os direitos
fundamentais de ambos restringem-se reciprocamente, através do princípio
da proporcionalidade.
• Ou seja, quando, do outro lado, está um particular, não o pode fazer;
o particular pode invocar o seu direito contra outro particular, mas
do outro lado vai haver um outro particular que também é titular de
outro direito. Assim, ficamos com dois direitos fundamentais em
confronto, que vão ter que se limitar.
• O âmbito de aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares é fatalmente menor.
➔ A 1ª e a 2ª teorias dão a resposta sem analisar a situação, pelo que o caso concreto não
depende da aplicação.
➔ A 3ª parte de um prisma aberto, com uma mentalidade de “aplicar o máximo possível”, mas
para saber como fazê-lo e qual será o âmbito da aplicação, só através do caso concreto, onde
vou ver qual é o direito restringido e qual não é, à luz do princípio da proporcionalidade.
As questões que se levanta a estas teses é a de se, uma vez aceite que os direitos fundamentais se
aplicam diretamente nas relações entre privados:
➔ Existe algum critério objetivo e vinculativo que justifique a limitação da extensão da aplicação
dos direitos fundamentais às relações entre privados, quando se verifica a supremacia de um
particular frente ao outro? Ou quando está em causa a violação do cerne essencial do direito?
o Não se nega que muitas vezes a solução prática será justamente proceder-se a um
juízo de proporcionalidade — uma ponderação adequada entre os direitos prima facie
envolvidos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o No entanto, duvida-se que faça sentido afirmá-lo a priori e de modo geral e absoluto,
pois é uma solução à que se deve chegar casuisticamente.
▪ A variedade de estruturas normativas dos direitos fundamentais e a
diversidade das circunstâncias do caso concreto impedem pré-soluções.
Daqui parece resultar que a verdadeira questão não é definir se estes direitos são ou não aplicáveis
nas relações entre particulares – dada a natureza aparentemente positiva da resposta –, mas sim
determinar a medida dessa vinculação.
Sem prejuízo do juízo de proporcionalidade perante as circunstâncias do caso concreto, considera-se
legítimo dizer que o âmbito de aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre privados pode
ser diverso do âmbito de aplicação dos direitos fundamentais nas relações com o Estado, pois nas
relações entre privados deparamo-nos com dois sujeitos portadores de direitos fundamentais.
Este facto obrigará a que se proceda à delimitação recíproca do âmbito de garantia efetiva de cada
um dos direitos fundamentais potencialmente aplicáveis.
Os direitos fundamentais são princípios constitucionais que se traduzem em mandatos de otimização
– os seus comandos são abertos e não tem de ser sempre e exatamente aplicados, devendo ser
realizados de forma gradual, em função das possibilidades fácticas e jurídicas de uma situação. Isto
quer dizer que essas normas determinam soluções prima facie e não definitivas.
Perante uma colisão de princípios, o intérprete-aplicador do Direito deve aferir qual o princípio
colidente que na situação concreta tem um maior peso relativo e que, por conseguinte, deve ser
realizado preferentemente.
Para o efeito, deve ponderar, atendendo às circunstâncias do caso concreto, qual o princípio que, se
não for realizado, é mais afetado e qual o princípio que, se for aplicado, é mais satisfeito, devendo
optar por dar preferência àquele cujo grau de satisfação é superior, desde que a medida da afetação
do outro não seja superior à satisfação deste.
Isto é o mesmo imposto pela lei da ponderação, segundo a qual “quanto maior é o grau de não
satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do
outro”.
O PESO DOS PRINCÍPIOS NÃO É DETERMINÁVEL DE FORMA ABSTRATA, ABSOLUTA E APRIORÍSTICA,
MAS UNICAMENTE POR CONTRAPOSIÇÃO A OUTROS PRINCÍPIOS E ATENDENDO SEMPRE ÀS
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. Um direito fundamental não é superior ao outro, pois são
ambos queridos e estabelecidos pela Constituição, logo não se dispõem hierarquicamente. Só se pode
optar em função de um mediante as especificidades do caso concreto.
Numa situação concreta onde se perfilem como potencialmente aplicáveis vários direitos
fundamentais, entre si conflituantes, a análise da situação à luz do princípio da proporcionalidade
demonstrará que os direitos em questão não são direitos definitivos, mas sim prima facie, pelo que
um deverá converter-se em direito definitivo.
Esse direito definitivo trata de uma “relação de preferência condicionada” entre os referidos
princípios, pois tal princípio só prevalece ao outro em certas circunstâncias. Se as circunstâncias se
alterarem, a prevalência pode ser decidida em sentido oposto.
Essas circunstâncias constituem as condições cuja verificação é necessária para que um princípio seja
preferido face a outro e sempre que estiverem preenchidas, há um benefício que ter preferência
relativamente ao outro, aplicando-se, por conseguinte, as suas consequências jurídicas.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
“As condições sobre as quais um princípio prevalece sobre o outro constituem o pressuposto de facto
de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio relevante.”
A regra é a lei de colisão e sempre que se verificam certos pressupostos de facto, há uma determinada
estatuição/consequência jurídica.
Tem-se entendido que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais justifica a imposição
de um dever de respeito (e não de um dever de proteção — pois estes poderiam tornar a vida em
sociedade sufocante, ao converterem-se em obrigações, pois haveria uma interferência permanente
dos outros, movidos com o intuito de evitar responsabilidades).
Isto não significa que ocasionalmente os particulares não possam estar vinculados a deveres de
proteção, quando tal for imposto pelo legislador — exemplo: dever de garante subjacente à tipificação
das omissões impuras, dever de auxílio, certos deveres deontológicos e deveres de segurança no
tráfico — pelo que todos visam evitar a exposição dos outros a perigos ou riscos.
Autolimitação dos direitos de personalidade
Artigo 81.º
Limitação voluntária dos direitos de personalidade
1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for
contrária aos princípios da ordem pública.
2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de
indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte.
A questão que a formulação deste artigo levanta é: será que este artigo trata da limitação ao
exercício dos direitos de personalidade ou da limitação aos próprios direitos de
personalidade?
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Este artigo está pensado para uma possibilidade de se autorizar algo que, à
partida, estaria proibido. (No Direito Privado tudo o que não está proibido, é
permitido)
Caso prático: o sujeito A autoriza que uma empresa lhe tire fotografias e proceda à sua
comercialização numa campanha publicitária.
➔ Dúvida: o que é que é preciso para haver responsabilidade civil, ilicitude, dever de
indemnização? Quando é que há a violação do direito de imagem, por exemplo?
o Há quem diga que para se violar o direito de imagem, basta captar a imagem de
alguém. Basta haverem comportamentos positivos (comportamento humano, dano,
nexo de causalidade, culpa e ilicitude).
▪ Quem responde que basta captar a imagem de alguém para violar o direito
de imagem dessa pessoa tende a interpretar o artigo 81.º/1 como uma
autolimitação do exercício do direito – a pessoa permite, voluntariamente,
que hajam limites ao exercício do seu direito durante um certo período ou
para um certo propósito.
o Há quem diga que para se violar o direito de imagem e para haver responsabilidade
civil, não basta captar a imagem de alguém e haverem comportamentos positivos,
também é preciso que haja a ausência de algo – um elemento negativo – a ausência
de consentimento (acordo por parte do titular do bem).
Olhando para o consentimento desta forma, o consentimento que o artigo 81.º fala é
um consentimento que tem por efeito limitar o âmbito de proteção do próprio direito,
ou seja, o objeto do direito. Não seria apenas o exercício a ser limitado mas a própria
configuração/conteúdo do direito que seria definido pelo titular, através dos seus
próprios consentimentos.
Ou seja, olha-se para a letra da lei, como referente a uma autolimitação do direito de
personalidade, ao permitir que o titular do direito restrinja o seu âmbito, observando
naturalmente os parâmetros legais.
Nos casos em que houvesse consentimento, o elemento negativo do tipo de
responsabilidade não estaria preenchido, não havendo por isso lesão do bem (ainda
que lícita).
Neste sentido, partilhar algo privado ou autorizar outrem a divulgar uma informação
dessa natureza deve ser ainda visto como uma forma de exercício do direito à reserva
à intimidade da vida privada.
Ao fazer isto, o titular do direito não se limita a consentir uma lesão, procedendo
antes à conformação do próprio objeto e conteúdo do direito.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
dos representantes legais, será de exigir o consentimento quer do incapaz, quer do
representante.
➔ O que está em causa nesta situação (e neste caso prático) é conceder a outrem um direito de
aproveitar uma manifestação concreta de um direito de personalidade.
o Neste caso, não se está a transmitir a imagem, mas está-se a proceder ao
aproveitamento da imagem. O senhor A, permite ao senhor B, num contrato, que
este tire e comercialize as suas fotografias, constituindo a favor do senhor B um
direito a se aproveitar de uma manifestação concreta da imagem dele (as fotografias).
Quando celebro um contrato com alguém em que permito que me tirem fotografias e que
utilizem essas fotografias na campanha publicitária, recebendo dinheiro por isso, vai nascer
um direito para essa empresa que me contrata para a campanha publicitária de me tirar as
fotografias e utilizá-las numa campanha publicitária. O empresário fica com um direito
subjetivo.
O Artigo 81.º também tem um n.º 2 que nos vem dizer que a limitação voluntária quando
conforme à lei é sempre revogável, ou seja, quando está em causa a limitação a um direito de
personalidade, o sujeito pode desvincular-se unilateralmente de um contrato, mas é imposto
ao sujeito um dever de indemnização do prejuízo da contraparte (obrigação de indemnizar os
prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte).
No Artigo 81.º apenas estão em causa os direitos de personalidade, estando inserido na parte
do Código Civil dedicada aos direitos de personalidade.
No entanto, razões de tutela da confiança fundamentam que a lei tenha sentido a necessidade de
prever a responsabilidade do titular do direito pelos danos sofridos pela contraparte com a
mencionada desvinculação.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
(Ter em conta que as fronteiras do bem da personalidade são, em grande parte, fixadas pelo próprio,
na medida em que a forma como nós vemos e encaramos esse bem de personalidade influencia a
medida de proteção do mesmo, já que a dimensão do direito não será igual. O objeto de um direito
de quem valoriza a privacidade acima de tudo será mais amplo do que o outro objeto de alguém que
publica tudo on-line).
Os direitos têm diferentes objetos e nós podemos limitar o objeto dos nossos direitos
voluntariamente.
Artigo 81.º
Limitação voluntária dos direitos de personalidade
1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos
princípios da ordem pública.
Como o artigo 81.º pressupõe a existência de uma declaração de vontade, esta está sujeita aos limites
de validade presentes no artigo 280.º e dessa forma, não é apenas a ordem pública, sendo também
os bons costumes, a possibilidade, a determinabilidade e a lei imperativa.
o Artigo 38.º CP
Consentimento
1. Além dos casos especialmente previstos na lei, o consentimento exclui a ilicitude
do facto quando se referir a interesses jurídicos livremente disponíveis e o facto
não ofender os bons costumes.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
2. O consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade
séria, livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente protegido, e pode
ser livremente revogado até à execução do facto.
3. O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos e
possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no
momento em que o presta.
4. Se o consentimento não for conhecido do agente, este é punível com a pena
aplicável à tentativa.
o Artigo 39.º
Consentimento presumido
1. Ao consentimento efectivo é equiparado o consentimento presumido.
2. Há consentimento presumido quando a situação em que o agente atua permitir
razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria
eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é
praticado.
Ex: Preciso de uma cirurgia, tenho de consentir para que o cirurgião realize essa cirurgia (que
consiste numa agressão à integridade física).
A diferença entre permitir que se tirem as fotografias para a campanha publicitária e permitir
ao cirurgião que realize a cirurgia é que na primeira hipótese, o titular do direito concedeu ao
empresário um direito subjetivo de utilizar essas imagens. Enquanto na segunda hipótese,
quando o paciente autoriza a cirurgia, ele não está a conceder um direito ao médico, apenas
está a abdicar temporariamente e especificamente para aquele ato da tutela jurídica que lhe
é conferida pelo seu direito de personalidade.
A situação torna-se lícita e tolerada, mas não constitui um verdadeiro direito do médico.
Estes artigos (340.º do CC e 38.º e 39.º do CP) estão pensados para qualquer direito subjetivo
(o seu âmbito de aplicação é mais vasto e não se restringe aos direitos de personalidade)
tratam de situações em que se permite uma lesão, que tanto pode ser um direito da
personalidade ou de outros.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Critérios para que o consentimento seja válido e efetivo (quando há uma declaração de
consentimento por parte do titular do direito):
• Vontade livre, séria e esclarecida – tem que haver liberdade para decisão, seriedade e toda a
informação necessária para a pessoa poder decidir lucidamente e não em erro.
• Não violar a lei.
• Disponibilidade do bem – só pode haver consentimento quanto a bens disponíveis e não
quanto a bens indisponíveis. (Ex: a integridade física é disponível; furar as orelhas, cortar as
unhas etc é permitido, mas continuam a ser agressões à integridade física.)
• Capacidade natural – avalia a capacidade de um indivíduo (titular do direito – quem emite o
consentimento) querer e entender os seus atos, para saber se o sujeito está em condições de
emitir declarações. A pessoa tem capacidade para determinar a atuação de outrem em função
da sua declaração.
o Um menor de idade pode ter capacidade natural, o Código Penal admite que haja
capacidade natural para menores com 16 e 17 anos. Não aceita que alguém com 15
ou menos tenha capacidade natural.
• Não ofender os bons costumes
o É preciso ter em conta os motivos e o fim, quer do agente, quer do ofendido.
Em qualquer destes preceitos, para o consentimento ser válido, não pode haver
violação dos bons costumes.
O Código Penal vai mais longe e no seu artigo 149.º vai-nos dar critérios para aferir a
lesão dos bons costumes. Para saber se um determinado consentimento viola ou não
os bons costumes, precisamos de ter em conta:
▪ Os motivos e o fim quer do agente, quer do ofendido;
▪ Os meios utilizados;
▪ O efeito – a intensidade da lesão (se é ou não irreversível).
Ex: há consentimento para que o médico ampute o braço do paciente, mas não é isto
que faz com que os bons costumes estejam a ser respeitados.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Consentimento presumido (Artigo 340.º CC e 39.º CP):
A presunção consiste em friccionar um facto face a outro que é tido como certo.
Só pode haver consentimento presumido quando dois pressupostos estão simultaneamente reunidos:
• urgência em ter a declaração do titular do bem;
• impossibilidade do titular do bem de prestar essa declaração.
Exemplo: o sinistrado entra inconsciente no hospital e precisa de uma intervenção cirúrgica urgente.
Há uma urgência para ter um consentimento e uma impossibilidade de obter uma declaração. Assim,
presume-se que há esse consentimento e opera-se.
• Inter vivos – o que está em causa é saber como se protege uma pessoa viva de uma agressão
a um direito de personalidade de que seja titular. No momento da agressão, a pessoa está
viva.
o Artigo 70.º/2 do CC:
▪ Responsabilidade civil extra-obrigacional (artigos 483.º e seguintes)
• Responsabilidade civil significa repor a situação quando é possível ou
indemnizar o prejuízo.
• Está em causa a violação do dever genérico de proteção dos direitos
de personalidade alheios, que é ilícito. Para estarmos perante
responsabilidade civil tem que haver:
o Dano;
o Prejuízo;
o Nexo de causalidade entre a ação e o dano;
o Culpa (o comportamento do agente pode ser alvo de censura
– a culpa é um juízo de censura).
▪ Providências adequadas a evitar a consumação da ofensa ou a atenuar os
seus efeitos (a serem decretadas pelo tribunal).
• Critério da adequação – um juiz, quando tem de decidir qual a
providência a adotar, tem de escolher aquela que é idónea (apta) a
evitar a consumação da agressão ou a atenuar os seus efeitos, mas
tem de ser sempre a medida idónea menos gravosa para o agressor.
• Há uma situação que não está contemplada na letra da lei, mas está
indiscutivelmente contemplada no seu espírito. Pretende-se:
o Evitar a lesão/ofensa, que a ameaça se concretize (medida
preventiva);
o Limitar os efeitos quando a ofensa está consumada (medida
limitadora);
o Os casos em que a ofensa já está em curso, mas ainda não
terminou – estes casos não estão previstos na letra da lei,
mas é amplamente aceite que faz parte do espírito da lei.
▪ Objetivo: evitar o prolongamento da ofensa,
provocando a sua cessação.
• Post mortem – o que está em causa são as agressões que ocorrem após a morte do titular.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Caso prático utilizado como exemplo: publicação de notícias a difamar a vítima que já faleceu,
podendo lesar o que restava da honra do titular, depois desta morrer.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
desconsiderando que o direito não consegue
viver sem sujeito.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Dimensão objetiva do direito de personalidade do morto +
pessoas previstas no artigo 71.º/2
Esta teoria parece a mais adequada. É a que vem ver a tutela
da dimensão objetiva do bem neste artigo 71.º, uma vez que
a dupla inerência leva à extinção do direito subjetivo, mas o
valor (dimensão objetiva) perdura, por este ser comungado
pela sociedade. Este artigo 71.º não atribui o valor a ninguém,
porque o valor não pertence a ninguém e vale por si. Em vez
disso, atribui o direito de defesa às pessoas que gostavam do
morto (previstas no artigo 71.º/2), para protegerem esse
valor.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
a agir em defesa a este valor, é que há
coincidência. Ex: pode ser o irmão a agir e
este não se qualifica como herdeiro,
portanto não recebe a indemnização.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
compete às pessoas designadas no artigo 71.º/2,
segundo a ordem nele estabelecida”. (Neste caso
são as mesmas pessoas de que temos estado a falar,
mas podiam não ser).
▪ Só passamos ao patamar inferior, na ausência de
patamar superior: os descendentes só podem se não
houver cônjuge, etc...
Artigo 70.º
Tutela geral da personalidade
1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade
física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida
pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação
da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
Artigo 71.º
Ofensa a pessoas já falecidas
1. Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular.
2. Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no n.º 2 do artigo anterior o
cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.
3. Se a ilicitude da ofensa resultar de falta de consentimento, só as pessoas que o deveriam prestar
têm legitimidade, conjunta ou separadamente, para requerer as providências a que o número anterior
se refere.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Por outro lado, olhando para o artigo 71.º/1,
vemos que diz “igualmente” e, sabendo que
vem imediatamente a seguir ao 70.º/2, leva-
nos a pensar que se refere tanto a
providências adequadas, como a
responsabilidade civil.
▪ O efeito da indemnização é ressarcitório, é de
compensar o dano e colocar o lesado na situação em
que estaria se não tivesse sofrido o dano
(idealmente).
• Aqui não faria sentido, pois se a pessoa já
morreu, não há dano. Logo, ela não sofreu
nada. Assim, não há nenhum dano a
compensar, logo não há responsabilidade
civil.
▪ No entanto, isto é uma visão simplista.
▪ Há dano porque o dano pode ser visto de um prisma
puramente objetivo, no sentido em que há a violação
de um valor.
▪ Além disso, a responsabilidade civil também tem
uma função preventiva e sancionatória (e não apenas
ressarcitória).
• Deixar passar estes atos sem qualquer tipo
de responsabilidade civil, faria com que
outros pudessem fazer o mesmo ou a pessoa
até repetisse, porque não haveria
prevenção. Não estaríamos perante a
coercibilidade do direito.
▪ Ainda, se não aceitássemos a responsabilidade civil,
não tínhamos como restituir o lucro ilicitamente
obtido por quem agiu contrariamente à lei, e ele
manter-se-ia nas mãos dessa pessoa.
Por essa razão, apesar do nº2 do artigo 71.º não permitir estabelecer concretamente os meios de
tutela, graças ao número 1.º e a esta justificação, a doutrina tem entendido que quer as providências
adequadas, quer a responsabilidade civil são meios de tutela disponíveis.
Artigo 70.º
Tutela geral da personalidade
1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral.
Dúvida: este artigo 70.º/1 estabelece um direito subjetivo sobre toda a personalidade ou estabelece
uma cláusula geral?
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Direito subjetivo de personalidade (direito geral de personalidade) – reconhecido a cada
pessoa e teria por objeto toda a personalidade dessa pessoa, i.e. o conjunto das
manifestações dessa pessoa. A pessoa, enquanto todo, seria o titular deste objetivo.
o Críticas:
▪ Não é lógico, porque assim, todo o homem seria o objeto do direito e ao
mesmo tempo o titular do direito.
▪ Há uma duplicidade de tratamentos: se há um direito de personalidade sobre
toda a personalidade, qual é a justificação para haver a especificação dos
imensos direitos de personalidade. Para quê falar de direitos de
personalidade parcelares, se havia um todo? (Ex: direito de imagem, do
nome, etc).
▪ É muito difícil definir o respetivo objeto. Numa pessoa singular não é tão difícil
entender isso, apesar de também não ser fácil (a personalidade não é apenas
o que é, mas aquilo que pode ser), mas com as pessoas coletivas é muito difícil
definir este todo.
▪ O direito subjetivo de personalidade surge no BGB, que apenas fala do direito
ao nome e não tem mais nada sobre os direitos de personalidade. Fala apenas
da dignidade humana e respeito pelo desenvolvimento pessoal e os tribunais
usam essa menção para justificar um direito geral de personalidade, para
permitir tutelar todos os restantes direitos de personalidade. Através da ideia
de dignidade humana, defendem um direito geral de personalidade, para
conseguirem abarcar todos os outros direitos, uma vez que o seu BGB não
especifica.
▪ Na lógica do sistema português, isto não se justifica. Faz mais sentido uma
cláusula geral.
• Cláusula geral – norma aberta; é ideia de que a própria norma reconhece que há mais
situações para além daquelas que trata e aceita qualquer uma que venham a acontecer.
o O artigo permite qualificar como direito de personalidade qualquer realidade que seja
um bem de personalidade, ainda que não esteja previsto na lei.
▪ Ex: hoje em dia entende-se como direito de personalidade o direito à
identidade da genética, podendo dizer que é um direito de personalidade que
merece todos os mecanismos de tutela destes direitos, mas quando o Código
Civil foi feito, o código genético ainda não tinha sido descoberto, portanto
este direito ainda não existia e portanto não era compreendido como tal.
o É a ideia de abertura a novas manifestações da personalidade – podemos ir criando
direitos de personalidade que não eram previstos como tal à medida que se vão
explorando os direitos de personalidade.
o (Assim, garante-se uma visão atualista.)
Direito à vida
• Artigo 24.º CRP e Artigo 70.º/1 CC (qualquer direito de personalidade – engloba a vida)
o Bem superior da nossa Constituição – é o que mais vale – mas não é absoluto.
• Passível de restrições:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Não há nenhum bem no nosso ordenamento jurídico que não seja passível de
restrições.
o A vida é passível de restrições.
▪ Ex: legítima defesa.
• Início da proteção:
• Renunciabilidade? Disponibilidade?
Questiona-se se a supressão da vida por ato de outrem constitui um dano autónomo sofrido pela
própria vítima, que deve ser indemnizável.
• Artigo 26.º CRP/ Artigo 70.º1, CC (está abrangido pela cláusula geral do artigo 70.º/1 CC)
• É um direito amplo, que abarca e tutela duas dimensões:
o Honra social (externa – respeito/deferência que os outros têm por nós)
o Honra pessoal (interna – a perceção que o sujeito tem de si mesmo [a sua
autoestima])
➔ O direito à honra e ao bom nome não aparece na lista como direito de personalidade, mas o
Código Civil a propósito da responsabilidade civil faz uma referência a este direito.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
➔ Quando se fala da violação deste direito, essa violação pode ser feita de duas maneiras:
• Artigo 483.º (norma geral sobre responsabilidade civil) – o artigo 483.º abarca todas as outras
situações de violação da honra pessoal (imputação de factos + juízos de valor) + a violação da
honra social, quando em causa esteja a emissão de juízos de valor potencialmente lesivos.
• Artigo 484.º (norma sobre responsabilidade civil pela violação do crédito a bom nome) – é o
artigo 484.º que trata das situações de violação da honra social, quando são imputados factos
potencialmente lesivos da honra.
➔ Temos que olhar para o direito à honra através do elemento sistemático e assim chegamos
aos limites extrínsecos (limites/perímetro do direito não traçado por ele próprio, mas sim
pelas normas que prevêem os outros direitos).
• Limites extrínsecos
o Ex: liberdade de expressão
▪ Quais é que são os limites intrínsecos da liberdade de expressão?
• Insulto gratuito e desproporcionado;
• Enganar, não podemos mentir descaradamente e enganar o próximo
propositadamente (ex: burlão)
• Incitamento ao ódio
• Utilidade social?
o A liberdade de expressão não deve abranger as trivialidades. A lei proíbe a censura e
não nos diz que só podemos dizer o que é útil para a sociedade.
▪ Quais são os limites extrínsecos à liberdade de expressão?
• Direito ao bom nome e reputação.
➔ Como é que nós vamos conjugar a liberdade de expressão com o direito ao bom nome e
reputação?
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Olhando apenas para o direito ao bom nome e reputação diríamos: “nunca ninguém
vai poder dizer mal sobre alguém porque isso é um atentado ao direito ao bom nome
e reputação de outro”
o Olhando apenas para o direito à liberdade de expressão, diríamos: “toda a gente pode
dizer o que quer, porque há liberdade de expressão.
• Como um ato não pode ser proibido e permitido ao mesmo tempo, somos nós, intérpretes
que temos que descobrir os limites destes direitos e perceber onde termina um e começa
outro.
• As normas que prevêem estes direitos são princípios – conferem mandatos de otimização –
a ideia é proteger AO MÁXIMO estes direitos, mas sabemos que apesar desta perspetiva, isto
tem de ser feito dentro do que é juridicamente possível e, por isso, temos de proceder à
delimitação recíproca destes direitos. Só assim percebemos como esses se delimitam.
• As normas estabelecem um âmbito de tutela muito vasto, mas o âmbito de tutela não é o
âmbito de garantia efetiva (aquilo que efetivamente é protegido). Para passar do âmbito de
tutela para o âmbito de garantia efetiva, temos de fazer um juízo de proporcionalidade.
Num caso em que tenhamos um conflito entre direitos prima facie, temos de descobrir qual é o direito
definitivo, ou seja, qual é a norma que limita a outra (direito definitivo).
Conflitos de direitos prima facie (prima facie = em princípio há direito, mas as normas não
estabelecem direitos definitivos, apenas estabelecem mandatos de otimização, mas não estabelecem
uma garantia):
• Liberdade de expressão prima facie + direito ao bom nome e reputação prima facie —> Direito
definitivo
Liberdade de
expressão:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Irreversível ou não – É preciso saber se a ofensa sobre a pessoa pode afetar
permanentemente a sua reputação.
O direito à reserva da intimidade da vida privada proíbe a captação de informação sobre a vida privada
ou íntima de alguém e/ou a divulgação ou aproveitamento dessas informações. Quer a obtenção, quer
a utilização dessas informações são proibidas, porque se quer garantir a cada um de nós um espaço
de liberdade em que não estamos perante o escrutínio de outros, pois o que diz respeito à nossa
privacidade é algo que está restrito a quem não damos consentimento.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Conteúdo do direito (Não podemos ter acesso a essas informações, sem consentimento do
titular, pelo que não podemos usar essas informações)
o Natureza do caso
o Condição da pessoa
▪ Cargo ou profissão
• Ex: Caso do Figo – um jornalista tinha publicado fotografias da casa
do Figo e descrito como era a causa. O Tribunal vem entender que
havia violação da RIVP pois ele tinha notoriedade, mas graças ao
futebol e o que estava aqui em causa era a vida privada dele e a forma
como ele vive não tem absolutamente nada a ver com a forma como
ele é visto pela sociedade.
▪ Postura da pessoa
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Se a pessoa tem por hábito de partilhar tudo o que lhe acontece,
inclusivamente as coisas mais íntimas, é normal que o seu âmbito de
tutela da RIVP seja menor do que aquelas pessoas que são mais
reservadas.
• O próprio titular define o âmbito de tutela do direito em função do
seu comportamento.
• Limites extrínsecos – limites provenientes das outras normas que prevêem outros direitos (de
personalidade ou fundamentais):
o Ex: Liberdade de expressão
Em determinada situação pode questionar-se se uma pessoa (ex: jornalista) pode partilhar
informações da vida privada de alguém.
Para sabermos isto, temos de ver, dentro destes dois direitos prima facie, potencialmente aplicáveis,
qual deles se vai tornar em direito definitivo — isso faz-se através de um juízo de proporcionalidade
— um balanceamento em concreto.
1.º Temos de ver qual a área da reserva da intimidade da vida privada (íntima ou privada — quanto
mais íntimo, mais difícil é dizer-se que se pode partilhar aquela informação)
2.º Dimensão da afetação — intensidade.
Do outro lado, temos de ver o interesse legítimo na divulgação. Se não houver interesse legítimo na
divulgação, o direito definitivo é a RIVP, mesmo que a intensidade da afetação seja menor.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Trataremos deste direito, porque este se encontra previsto no Código Civil, mas em rigor, este direito
não tem autonomia e é uma manifestação da reserva da intimidade da vida privada, sendo esse o
direito que está a ser tutelado. O legislador apenas sentiu a necessidade de especificar uma
manifestação concreta deste direito — as cartas missivas.
Aquando a feitura do Código, em 1966, o legislador referia-se a cartas de papel quando falava em
cartas missivas, mas a verdade é que a interpretação é objetivista e atualista, pelo que devemos
acompanhar a evolução — as cartas missivas atualmente são qualquer carta/mensagem/e-mail.
Este artigo deixa claro que as cartas missivas confidenciais não podem ser partilhadas com terceiros,
sem a autorização do autor. A proibição deste artigo é só relativa a cartas confidenciais.
Então, o mais importante é determinar:
• Caráter confidencial:
o Quando é que uma mensagem é confidencial?
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
os efeitos dos artigos 75.º e 76.º, uma carta cujo conteúdo não seja
tutelado pela RIVP.
• Memórias
o O regime da tutela da confidencialidade das cartas missivas vale, por maioria de razão,
para as memórias.
▪ Ex: Diário – a pessoa escreve as suas informações íntimas, mas não as partilha
com ninguém, não as envia.
o As memórias, por natureza, têm conteúdo relativo à reserva da intimidade da vida
privada. O autor não quis partilhar. Escreve-se no diário, coloca-se na gaveta e não se
partilha com ninguém.
o Há um dever de sigilo quanto aos diários – não podemos ler diários alheios, durante
a vida da pessoa, e se for de um morto, não podemos divulgar o seu diário.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Ex: a pessoa dá consentimento em publicar diários, a editora gasta imenso
dinheiro a imprimir os livros e está pronta para os publicar, assim que a
pessoa revoga o consentimento, vai ter que indemnizar a editora.
Direito à imagem
o N.º 2 – Estabelece a exceção, ou seja, os casos em que é possível captar e/ou divulgar
SEM CONSENTIMENTO:
▪ Notoriedade ou cargo da pessoa
• O que vimos para a RIVP também se aplica aqui. A
captação/divulgação da imagem tem de estar relacionada com a
razão da notoriedade/cargo da pessoa.
▪ Finalidades científicas
• Ex: Mundo da medicina – quando está em causa uma determinada
patologia, é muito comum documentar o processo de tratamento
através de imagens e é muito importante para o progresso científico.
As imagens devem ser partilhadas, mas deve-se sempre tentar
captar/divulgar imagens que não permitam identificar a pessoa.
▪ Lugares públicos
• A lei permite tirar e divulgar fotografias de lugares públicos, mesmo
que apareçam lá pessoas, desde que a fotografia esteja centrada no
monumento/lugar público.
➔ Se um dos requisitos para estas exceções estiver preenchido, pode haver captação/divulgação
da imagem.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o N.º 3 – Limite à exceção do n.º 2: direito à honra
▪ CUIDADO: Pode haver uma exceção desde que a imagem não comprometa o
direito à honra/não ofenda o bom nome da pessoa.
Direito ao nome
• Função do nome
• Composição
• Princípio da imutabilidade
• Homonímia
o Um dos problemas que pode surgir em função do direito ao nome – quando duas ou
mais pessoas têm o mesmo nome.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Isso cria um problema quando num caso concreto se surge um conflito de interesses
(as pessoas vivem no mesmo sítio, exercem a mesma profissão, etc).
o Quando a identidade de nomes compromete a possibilidade de distinguir os sujeitos,
o tribunal pode ser chamado a intervir neste conflito de interesses.
o Quando as pessoas que têm o mesmo nome provém da mesma família, uma maneira
de resolver é acrescentar o laço familiar no final (Ex: António Silva Junior/filho/neto).
o Quando as pessoas não provém da mesma família, abreviam-se os nomes de forma
diferente. Como em geral uma pessoa tem pelo menos dois apelidos, um pode ficar
António Silva e o outro António Lopes.
• Figuras afins
o Pseudónimo – o nome que a pessoa voluntariamente adota para se fazer designar.
▪ É diferente da alcunha, que é dada pelas outras pessoas.
▪ O pseudónimo é quando o próprio passa a usar outro nome.
o O pseudónimo goza da mesma tutela do que o direito ao nome (apenas não tem a
mesma natureza), podendo ser usado em relações sociais e até profissionais, mas esse
pseudónimo nunca fica registado, então, quando estamos a lidar com situações
oficiais, nunca podemos utilizar os nossos pseudónimos.
▪ Quem utilizar o meu pseudónimo sem a minha autorização, viola o meu
direito ao nome.
o Também se tem atribuído a tutela do direito ao nome ao nosso endereço de e-mail,
pois retrata a nossa identidade digital.
➔ No que diz respeito ao nome, as pessoas coletivas não são titulares ao nome propriamente,
são titulares de firma (pessoa coletiva constituída de acordo com o direito comercial) ou de
denominação social. Apesar do rótulo ser diferente, a função é a mesma e a tutela é a mesma.
Continuam a ser titulares de um direito ao nome, mas no caso de um direito à firma ou de um
direito à denominação social.
O nosso ordenamento jurídico aceita como sujeito de direito e de obrigações, não apenas as pessoas
singulares (seres humanos), mas também as pessoas coletivas (entes criados pelos seres humanos,
para satisfazer fins dos seres humanos — ex: sociedades, fundações, associações (— determinadas
pessoas juntam-se e criam um ente diferente, ou constitui-se um património e esse património vai dar
origem a um ente diferente). As pessoas coletivas também são reconhecidas pelo Direito como
sujeitos.
[Vamos dar especificamente esta matéria no final do semestre (tal como o direito de personalidade
do ser humano)].
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
1.1.4. Princípio da autonomia privada
Está previsto na nossa Constituição de forma difusa, não havendo um artigo que trate especificamente
do princípio da autonomia privada, decorrendo da conjugação de vários princípios. É um direito
fundamental de natureza análoga (não está previsto especificamente, mas de forma difusa, não se
pode dizer que seja um direito fundamental enquanto tal, mas é algo que a Constituição trata como
direito fundamental, portanto o seu regime é o mesmo).
O Código Civil trata especificamente do princípio da autonomia privada, consagrando-o no artigo 405.º
o Ao ser titular de um direito, posso decidir se o exerço ou não, não sendo obrigada a
exercê-lo. Esta liberdade de decisão é uma manifestação na autonomia privada.
2. Liberdade contratual:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Limites específicos – Há leis especiais que especificamente vêm determinar que certo
conteúdo negocial é proibido. Ex: contrato de trabalho têm muitos limites – limites
ao termo, à discriminação.
o Limites genéricos
• Limites à liberdade de escolha da contraparte – Ex: quando existe alguém que é titular de
direito de preferência, isso significa que o titular tem prioridade para celebrar o negócio. Por
exemplo, quando o senhorio quer vender a casa, o inclino tem direito de preferência e se
quiser celebrar o contrato nos termos do senhorio, o senhorio tem que celebrar o negócio
com o inclino.
• Artigo 280.º do CC – Artigo que vem elencar limites genéricos à liberdade de estipulação.
o Enumera 5 pressupostos de validade do objeto negocial (esta expressão tem um
sentido muito amplo, uma vez que nos estamos a referir ao conteúdo do negócio e
aos efeitos que ele vem perseguir, quer à realidade a que esse conteúdo se refere [ex:
coisa, prestação, pessoa, etc]). O que nos interessa é ver se o conteúdo preenche
estes requisitos e ver se o objeto em sentido estrito (realidade a que o negócio se
refere) preenche estes requisitos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Impossibilidade jurídica – quando se fala de possibilidade jurídica, pode falar-se tanto
do conteúdo quanto do objeto. Existe sempre que o Direito não conhece aquela figura
ou não confere as ferramentas necessárias para a criação daquela figura.
o A maior parte das vezes, o problema não se coloca porque os negócios têm um
objeto/conteúdo determinado. Ex: António vende o livro x a Bento. Objeto – livro x.
Conteúdo do negócio – contrato de compra e venda, transmissão da propriedade,
constituição da obrigação de pagar o preço e de entregar a coisa.
o Às vezes, o conteúdo/objeto não está determinado. O problema não é o
conteúdo/objeto não estar determinado, pois para o negócio ser válido o
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
conteúdo/objeto não tem de estar determinado, mas a lei exige que o
conteúdo/objeto seja determinável.
o Se for determinável, estamos dentro dos limites de autonomia privada.
o Se for indeterminável, temos um caso de nulidade.
▪ Muitas vezes, os negócios jurídicos que incidem sobre os direitos de
personalidade têm um problema de determinabilidade, porque não se
estabelece até quando há essa autolimitação de direito.
➔ Conformidade à lei – A autonomia privada permite fazer tudo, desde que não viole uma
norma imperativa.
o Como é que se viola uma norma imperativa? Há duas possibilidades:
▪ Violação direta – O artigo 131.º do CP diz “é proibido matar”. António celebra
um contrato de prestação de serviços com Beto em que acordam matar C.
Neste caso, viola-se diretamente a lei, pois o conteúdo daquele negócio é
diretamente contra legem.
▪ Violação indireta – Há casos em que a desconformidade à lei é indireta – o
negócio, à primeira vista parece estar de acordo com a lei, mas na realidade
não está. Há FRAUDE À LEI, uma contrariedade indireta à lei. As partes
celebram um negócio com a aparência de cumprir a lei, mas na realidade não
estão. Ex: quando temos uma norma proibitiva, ela pode dizer que é proibido
fazer A, B e C e sabemos que se fizermos A, B e C estamos a violar diretamente
a lei, mas essa norma pode estar a proibir A, B e C a titulo exemplificativo e
em rigor pode estar a querer proibir certo resultado. A norma não está a
proibir o ato em si (o acento tónico da proibição não está na ação), mas no
resultado. Quando isso acontece, haverá fraude à lei sempre que o negócio
implique uma ação que em si mesmo não está proibida na lei e a ação em si
parece permitida, mas é uma ação que conduz ao resultado proibido.
• Sempre que a razão da proibição está no resultado, qualquer ação
que conduza a esse resultado – mesmo que não esteja prevista –
estará proibida.
• A fraude à lei é a possibilidade de ser celebrado um negócio que prevê
uma ação que a lei diretamente não proíbe, mas que conduz a um
resultado proibido.
➔ Respeito pelos bons costumes e ordem pública (artigo 280.º/2 CC)– A autonomia privada
permite tudo desde que não se viole os bons costumes e a ordem pública.
o BONS COSTUMES:
▪ Os bons costumes são uma cláusula de receção no ordenamento jurídico de
normas morais (é uma porta no Direito que se abre, para receber normas
morais, aceitando que o Direito dá cobertura a normas morais).
▪ É uma cláusula de receção porque o Direito vai permitir e conferir valor
jurídico a normas morais.
▪ Há duas visões quanto a quais são as normas aceites e cobertas pelo Direito:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Visão tradicional: os bons costumes são um conceito extra-
sistemático – as normas morais das pessoas de bem/ moral
socialmente dominante.
• Menezes Cordeiro: isso significaria acabar com a ordem moral
através dos bons costumes, porque toda a ordem moral entraria na
ordem jurídica.
o Normas morais relativas à família
o Normas morais relativas à conduta sexual
o Normas morais de deontologia
o ORDEM PÚBLICA:
▪ Visão tradicional: encara a ordem pública como um conceito sistemático que
agrega todos os princípios previstos na Constituição.
▪ Visão mais recente: está a por a visão tradicional em causa por razões
puramente jurídicas – a autonomia privada é um Direito Fundamental de
natureza análoga.
• O artigo 18.º CRP diz-nos quando é que podem haver restrições à
autonomia privada.
• Este artigo vêm-nos dizer que só é possível haver restrições se for
para tutelar outro valor constitucionalmente relevante.
• Num caso destes, tem de ser um bem previsto na Constituição e que
naquele caso concreto seja considerado como mais importante.
• Ora, se tivermos em conta o enquadramento constitucional,
percebemos que não será possível haver restrições a direitos
fundamentais com base em valores morais, só com base em valores
jurídicos.
• Por essa mesma razão, essa visão tradicional que considera que os
bons costumes são normas morais tem sido posta em causa porque
se considera que a moral não pode limitar um Direito Fundamental.
Apenas o direito pode limitar direito.
• Adicionalmente, é pacificamente aceite que o preenchimento de
conceitos indeterminados deve ser feito à luz da Constituição e
sobretudo à luz dos Direitos Fundamentais (aplicabilidade dos
direitos fundamentais nas relações entre privados – teoria da eficácia
mediata em sentido estrito – é pacificamente aceite).
o Considerar que os bons costumes são normas morais foge a
esta visão de preenchimento de conceitos indeterminados à
luz da Constituição.
o Se partimos do princípio, à luz do artigo 18.º da CRP, que quer o conceito de bons
costumes, quer o conceito de ordem pública têm que ser preenchidos, enquanto
conceitos indeterminados, por valores constitucionais – torna-se claro que os bons
costumes não podem ser considerados cláusulas de receção de normas morais, pois
têm que passar a ser preenchidos com valores jurídicos presentes na Constituição.
➔ A questão, então, passa a ser: como distinguir? Quais são os valores constitucionais que
preenchem o conceito indeterminado de bons costumes e de ordem pública?
o Bons costumes: vamos buscar à Constituição valores que tenham conteúdo ético e
que pautem a vida do indivíduo nas suas liberdades. São normas relativas à conduta
da pessoa individualmente considerada (dizem respeito à pessoa em concreto).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Ex: contrário aos bons costumes – prostituição.
o Artigo 282.º do CC – negócios usurários são proibidos e existem sempre que alguém,
aproveitando-se da vulnerabilidade de outrem, explora essa situação.
▪ Ex: alguém, que está com dificuldades económicas, precisa de vender um bem
para pagar dívidas e a outra pessoa aproveita-se disso para retirar um
benefício excessivo.
o Princípio da igualdade?
▪ Será que o princípio da igualdade limita o princípio da autonomia privada? É
possível celebrar negócios dizendo que só o faz com pessoa de determinado
sexo, religião, orientação sexual, raça?
▪ O que é que é o princípio da igualdade?
• “Igualdade é tratar o igual de forma igual e o diferente de forma
diferente, na medida da diferença”
• Então, temos que ver se estamos a tratar de realidades iguais ou
diferentes.
• O juízo de igualdade é um juízo comparativo, que pressupõe, por
isso, um critério de comparação.
• O que interessa para saber se há igualdade ou desigualdade é aferir
se o critério selecionado é materialmente adequado ao fim/razão
da comparação e tem de ser bem aplicado. O que interessa não é a
igualdade absoluta, até porque, na maior parte dos casos, é
impossível.
o Ex: um Professor dá notas – critério para comparar:
conhecimentos dos alunos – os alunos são tratados de forma
diferente, em termos de nota, graças ao critério de
comparação dos conhecimentos. Se o Professor decidir usar
o critério da altura para dar notas, estava a tratar de forma
igual (todos os que tinham 1,80m tinham 18 e por aí fora),
mas não estaria a respeitar o princípio da igualdade porque o
critério selecionado era materialmente adequado ao fim da
comparação, que era determinar a avaliação do aluno. Não é
adequado saber se é alto ou baixo e é irrelevante para isto.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
mais concretamente entre a liberdade de contratar/iniciativa
económica/escolha da contraparte vs. Direito a não ser discriminado
– voltamos ao problema de averiguar qual é o direito definitivo. Para
isso:
o 1.º — Saber se há leis que tratam do assunto; há leis
específicas que proíbem a utilização de certos critérios.
o 2.º — Na ausência de lei – juízo de proporcionalidade (olhar
para as circunstâncias concretas e ponderar):
▪ É preciso entender que liberdade de autonomia
privada confere a autoridade de fazer escolhas.
▪ Devemos distinguir se estamos a falar de um mero
particular (a sua liberdade é maior) ou de um
particular que tem um estabelecimento aberto ao
público (para ter um estabelecimento destes,
necessitamos de uma licença e se nessa licença não
há uma delimitação que tal estabelecimento só está
aberto para o público [e isso não acontecerá], a
pessoa não pode recusar clientes, com base em
critérios não admissíveis.
• Ex: ginásio só para mulheres – há ou não
razão para excluir os homens desse ginásio?
Materialmente pode haver e o ginásio pode
permitir um tipo de aulas adequado ao corpo
feminino e não ao masculino. É
perfeitamente compreensível que se queira
especializar num tipo de mercado, e
contratar Professores especializados em
exercícios voltados para o corpo da mulher.
• Ex: pasteleiro recusou-se a fazer 2 figurinhas
do mesmo sexo para o topo de um bolo do
casamento – não pode porque tem um
estabelecimento aberto ao público e nas
regras de licença não cabe essa limitação.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Polissemia: utiliza-se a palavra propriedade em vários sentidos, tanto vulgarmente, como
juridicamente – CRP vs. CC.
o Linguagem vulgar – às vezes é utilizada com certos significados que estão errados.
▪ Ex: confundir propriedade com titularidade (muitas vezes é dito “sou
proprietário do direito”). Assim, titularidade distingue-se da propriedade
enquanto nexo que existe entre o direito e o sujeito.
▪ Ex #2: identificar o objeto com o direito – é muito frequente designar certo
terreno como propriedade.
o O Direito sai da esfera jurídica de uma pessoa e entra na esfera jurídica de outra
pessoa.
o Esta transmissão pode assumir uma de duas modalidades:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Mortis causa – a transmissão do direito vai-se dar por causa da morte, sendo
esta que determina a transmissão do direito. O nosso sistema é que, quando
morre alguma pessoa, há direitos que perduram e por isso, é necessário um
sucessor (herdeiro) que vai tomar o lugar do dono e tornar-se ele o titular do
direito, via TRANSMISSÃO MORTIS CAUSA.
• Esta continuidade é muito relevante por razões familiares (aqueles
bens, que integravam o património daquela pessoa, continuam na
mesma família) e para o direito de crédito dos credores, que podem
continuar a receber aquilo a que têm direito, sendo esse dever
transmitido para os herdeiros (que têm onde executar os seus
créditos caso precisem).
1.º Há certos casos em que quem sofre o dano, não vai ter que suportar o dano.
o Ex: contratos de seguro – se existir um dano, quem vai suportar o dano é a seguradora.
Neste caso, já não vou ter que aplicar o princípio da imputação dos danos, porque
consigo transferir o suporte do dano para a seguradora.
2.º Os outros casos são a responsabilidade (responder por) civil (pelo dano).
Nestes casos, imputa-se a responsabilidade do dano a quem não o sofreu, no caso, quem vai
suportar o dano é o terceiro que o causa ou que retira benefício com o dano.
o A mais valia do princípio da responsabilidade civil é a possibilidade de imputar a
suportação do dano a alguém que não aquele que sofreu o dano.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
➔ Temos 2 modalidades de responsabilidade civil:
• Responsabilidade objetiva – esta responsabilidade não exige, para que se efetive, que haja
um ato ilícito e que haja culpa.
o Responsabilidade pelo risco – quem retira benefício de uma fonte de perigo deve
arcar com as consequências e custear os danos criados pelo perigo.
o Responsabilidade pelo ato lícito ou pelo sacrifício – o legislador diz-nos que o ato é
permitido, mas quem vai suportar o custo é quem pratica o ato ou quem retira
beneficio do ato. É uma ideia de proporcionalidade e de razoabilidade.
▪ Caso do direito de necessidade (artigo 339.º CC)
▪ Caso da autolimitação dos direitos de personalidade (artigo 81.º/2 CC)
➔ Pressupostos cumulativos – Para que haja responsabilidade civil por ato ilícito e culposo, ou
seja, para que eu possa imputar alguém a suportação do dano, tenho que conseguir preencher
5 requisitos CUMULATIVAMENTE (facto, ilicitude, dano, nexo de causalidade, culpa):
o Facto
▪ Quando se fala de facto, o que está em causa é um ato (uma ação praticada
por uma pessoa singular ou coletiva).
• O que é isto de ação? – Discute-se hoje qual é o conceito de ação para
o Direito Civil. Tradicionalmente, o conceito de ação era um
comportamento controlável pela vontade, mas, hoje em dia, devido
aos avanços do Direito Penal, cada vez mais se vem dizer que não há
razão para tratar a ação cível diferentemente da ação penal, até
porque quando um facto é passível simultaneamente de gerar
responsabilidade civil e penal, ele é julgado nos tribunais penal
simultaneamente – o tribunal criminal vai julgar a responsabilidade
civil e penal em conjunto, pelo que o mesmo comportamento é
analisado à luz dos dois tipos de responsabilidade e por isso, tem-se
vindo a pensar que não faz sentido tratá-lo de forma diferente.
• Não há um pensamento unânime – a ação é um comportamento final
(Direito Penal) vs. a ação é apenas um comportamento controlável
pela vontade (Direito Civil).
o Ex: A está violentamente a dar murros ao B. Chega a polícia e
detém o A. Os procuradores do Ministério Público acusam
por tentativa de homicídio ou por ofensas corporais
consumadas a B?
o Esta pergunta é difícil de responder, pois o ato material de
dar murros tanto pode ser uma ação de matar que não
chegou ao fim, como pode ser uma ação de agredir e essa sim
chegou ao fim.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o O Direito Penal vem dizer que materialmente elas são
idênticas e, portanto, é necessário atender ao fim da ação,
para responder a essa questão.
▪ Isto significa que o conceito de ação, para o Direito Penal, assenta no fim da
atuação. É o fim que permite identificar/individualizar a ação.
• No Direito Penal, o conceito de ação é um conceito finalista, i.e.
conseguimos identificar as ações em função do fim pretendido pelo
agente.
▪ O Direito Civil e grande parte dos civilistas dizem que para haver uma ação, é
preciso que aquele comportamento fosse controlável pela vontade. Não é a
questão de ser controlado, mas sim de ser controlável.
• Ex: uma pessoa sonâmbula que causa danos está a ter um
comportamento que não é controlável pela vontade e nesse caso não
haveria ação.
▪ Quando falamos de facto ou de ação, estamos a falar quer do ponto de vista
positivo, quer do ponto de vista negativo. Pode ser um comportamento
positivo, como pode ser uma omissão. Pode haver responsabilidade civil por
algo que se faz, mas também pode haver responsabilidade civil por algo que
não se faz, mas que se deveria ter feito – uma omissão é o incumprimento do
dever de ação, num determinado caso em que o há.
o Ilicitude
▪ Violação de uma situação jurídica: ativa ou passiva?
• A ilicitude é tida por todos como a violação de uma situação jurídica
– a dúvida é se se trata de uma situação ativa ou passiva.
(A Professora Elsa Vaz Sequeira considera que se trata de uma
situação passiva.)
• A responsabilidade por ato ilícito está prevista em 3 sítios diferentes:
• A letra do artigo 483.º/1 CC sugere que a ilicitude estaria na violação
de um direito alheio ou numa disposição legal destinada a produzir
interesses alheios – estando aqui em causa a violação de um direito
ou proteção indireta (situação jurídica ativa).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
respeitar direitos subjetivos ou os deveres inerentes às proteções
indiretas, pelo que os outros deveres não interessam.
o Dano
▪ Noção – supressão de uma vantagem juridicamente reconhecida.
▪ Tipos de dano – classificações:
• Dano Real vs. Dano de Cálculo
o Dano real – vantagem que foi suprimida.
▪ Ex: Perdi a vida. O dano foi a vida. Partiram-me o
carro. O dano foi o carro.
o Dano de Cálculo – expressão monetária desse dano real
(quanto vale).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Nos danos patrimoniais (suscetíveis de avaliação pecuniária),
distinguimos entre:
▪ Dano emergente – supressão de uma vantagem já
existente. (Ex: tinha um carro, tinha uma vantagem,
fiquei sem ela e sem tudo o que o carro me permitia
– o valor do carro, as utilidades do carro, etc).
▪ Dano de lucro cessante (artigo 566.º CC)– supressão
de vantagens que eu iria ter e por causa do ato ilícito
deixei de ter (ex: partiram-me o carro e eu ia usar o
carro para o meu trabalho de motorista e não recebi
a remuneração do meu trabalho, por causa desse
dano – a vantagem não existia, mas ia existir e o
comportamento impede essa verificação).
o Nexo de causalidade
▪ Ligação que existe do facto (comportamento do agente) ao resultado (dano)
– é provar que aquela ação causou determinada consequência.
▪ A causalidade física não é suficiente.
• Ex: A deu um estalo ao B. B desequilibra-se e morre. Será justo A ser
culpado por isso? Não. Por isso, a causalidade física não é suficiente.
• Tem de haver causalidade física, é preciso comprovar que o
comportamento levou àquele resultado, mas isto não basta. Como a
lei não é clara quanto ao resto, a doutrina tem trabalhado isto:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Segundo esta teoria, o agente só pode responder por danos
que estejam compreendidos na norma violada.
o Diz-nos que as normas visam proteger determinados bens.
Então, se o dano corresponder à violação de um desses bens,
pode haver causalidade.
o Esta teoria vem delimitar os resultados que podem ser
juridicamente relevantes/atendíveis, dizendo que a norma
violada (onde fundamentamos o juízo de ilicitude) visava
proteger certos bens. Diz-nos que:
▪ Se o bem que foi ofendido está compreendido nestes
bens, então pode haver responsabilidade civil.
▪ Se o bem não estiver compreendido no escopo da
norma, então não pode haver responsabilidade civil.
o Esta teoria não nos resolve o problema da causalidade
adequada, só nos vem dizer quais são os danos atendíveis (os
danos que a norma pretendeu evitar), mas não nos diz nem
fundamenta se o resultado provém da ação.
o Apesar de ser tida como uma teoria aplicável aquando da
análise do nexo de causalidade, na realidade, não responde a
esta questão. Diz-nos que podem haver danos que são
relevantes, porque estão compreendidos no escopo da
norma, mas os que não estão seriam irrelevantes. Não
estamos a falar do mesmo.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Imputabilidade – para que uma pessoa seja alvo deste juízo de valor, é
preciso que seja imputável. Por isso, a imputabilidade é o primeiro requisito
para haver este juízo de valor.
• A imputabilidade é capacidade do agente conseguir avaliar a ilicitude
do seu ato e determinar o seu comportamento de acordo com essa
avaliação. Afeta quer a cognoscibilidade (capacidades de
conhecimento), quer as capacidades volitivas de querer (saber se a
pessoa compreende o alcance do seu ato e saber se consegue agir em
função dessa compreensão).
o Ex #1: O Código Civil presume a inimputabilidadede dos
menores de 7 anos, entendendo-se que uma criança até aos
7 anos não consegue entender o alcance dos seus atos.
▪ Quando o problema é a idade, muitas vezes, há uma
falta de cognoscibilidade e as pessoas (idades mais
tenras e pessoas idosas) muitas vezes não
conseguem perceber o alcance do seu ato.
o Ex #2: Muitas vezes, o problema pode estar na vontade.
Como por exemplo a cleptomania – a pessoa com esta
patologia sabe perfeitamente que furtar é errado e sabe que
o está a fazer e conhece o seu ato, ou seja, não há um
problema de conhecimento. O problema está no domínio da
vontade, porque esta é uma compulsão e a pessoa não
consegue controlar a vontade e determinar o seu
comportamento de acordo com o seu juízo de valor.
• Dolo e negligência
o Dolo – Há conhecimento e vontade de um facto (conhecer e
querer o desvalor jurídico de um facto).
(Para quem aceita um conceito finalista de ação, ao falarmos
de imputação subjetiva, a imputação subjetiva que está em
causa quando se fala de dolo é conhecer e querer o desvalor
do facto.)
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Dolo direto (forma mais grave de dolo) – Significa
que o agente conhece e quer o facto. A razão de agir
é aquela representada.
• Ex: António dispara um tiro contra Bento e
quer, de facto, matar Bento.
▪ Dolo indireto/necessário – O agente sabe que o seu
comportamento necessariamente vai levar à
verificação do facto e aceita. Age com uma outra
intenção mas sabe que a sua conduta
necessariamente provoca o facto e aceita-o. Ou seja,
sabe que uma consequência obrigatória do seu
comportamento é o facto danoso; a pessoa quer algo
que não é isso, mas a obtenção desse objetivo
implica esse facto danoso e a pessoa aceita-o.
• Ex: António é proprietário de um prédio e
está com falta de dinheiro. Resolve incendiar
o seu prédio para pedir à seguradora que
pague os prejuízos. Sabe que está uma
pessoa acamada lá dentro que
necessariamente vai morrer. O dolo direto é
incendiar o prédio (é a sua vontade). O dolo
indireto/necessário é a morte da pessoa
acamada, pois não é esse facto que leva a
pessoa a agir, mas é um facto que a pessoa
aceita para atingir o seu objetivo.
▪ Dolo eventual – O agente sabe que uma
consequência possível do seu comportamento é a
prática do facto danoso e conforma-se com isso.
Assume o risco dessa consequência vir a realizar-se
— “Isto pode acontecer, mas não faz mal”.
• Ex: António é proprietário de um prédio e
está com falta de dinheiro. Resolve incendiar
o seu prédio para pedir à seguradora que
pague os prejuízos. Sabe que é possível estar
lá alguém, mas não sabe que está, mas pensa
que não quer saber e assume o risco.
O Direito Penal, que assume a ação como um conceito finalista (o que permite identificar a ação é o
fim do comportamento), diz-nos que no conceito de ação temos duas dimensões:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Dimensão objetiva — o comportamento (ex: disparou, incendiou, etc)
• Dimensão subjetiva — o fim do comportamento (o que é que a pessoa queria? Ex: matar,
defraudar a companhia de seguros, etc)
o Este fim é o que o agente conhece e quer.
o O Direito Penal vem dizer que o dolo enquanto conhecimento e vontade do facto não
é relevante para a culpa, mas sim para o facto, sendo a sua dimensão subjetiva. É o
que nos permite distinguir entre ações (se é uma ação de matar, porque o agente
representa e quer a morte; se é uma ação de agredir fisicamente, porque o agente
representa e quer a agressão física).
o O Direito Penal veio mudar o lugar do dolo. Tradicionalmente, o Direito Penal
estudava o dolo a propósito da culpa (com a ideia de imputação subjetiva), mas a
partir do momento em que se aceitou o conceito finalista de ação, isso implicou que
o dolo tal como era visto (conhecer e querer o facto), passou a integrar o conceito da
ação e não o da culpa.
o O dolo enquanto conhecer o facto e querer o facto é o elemento subjetivo do facto.
MAS, para haver culpa, não basta conhecer e querer o facto. É preciso conhecer o
desvalor do facto e querer o desvalor do facto.
▪ No fundo, o que está aqui em causa é que existem dois tipos de dolo, com
relevâncias diferentes, pelo que têm efeitos diferentes:
• Dolo do facto (relevante para o conceito de ação) — Elemento
subjetivo do conceito de ação que basta com conhecer e querer o
facto. Sem valoração jurídica.
• Dolo de culpa — Elemento necessário para que haja imputação
subjetiva para que possa haver o juízo de censura que é a culpa
(conhecer e querer o desvalor do facto – conhecer e aceitar a ilicitude
do ato [faz com que o grau de reprovação/censura aumente])
➔ Negligência (mera culpa) – violação de deveres de cuidado. O agente já não quer o facto ilícito
e danoso, mas ao agir viola deveres de cuidado.
o Aferir se a lei impõe algum dever específico de cuidado.
o Se não, utilizamos o critério do homem médio. Como é que um homem médio agiria
naquelas circunstâncias? Comparar com o comportamento do nosso agente.
Comportou-se acima do homem médio, igual ou abaixo? Só há negligência se o agente
se comportou abaixo do homem médio.
o Negligência consciente – O agente sabe que está a violar deveres de cuidado, mas
acredita que o facto não vai acontecer (é uma consequência possível, mas não vai
acontecer — é um otimista. Não aceita o risco da verificação do facto).
▪ Ex: conduzir em excesso de velocidade.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Ex: durante um jogo de futebol, com bancadas em frente uma à outra, um dos
adeptos, muito contente, decidiu lançar um foguete durante um golo, tendo
atingindo um adepto da outra bancada, matando-o. À época era permitido
largar foguetes durante o jogo.
Houve negligência pois estava numa bancada cheia de gente, onde havia
trepidação, encontros, significando que ele não conseguia controlar a
trajetória do foguete e em vez de o foguete ter ido para cima, foi para a frente.
O agente não se apercebeu disto, mas devia ter percebido.
o Causas de exculpação
▪ Para aferir se o comportamento é exigível, há que procurar saber se há causas
de exculpação.
▪ Se o comportamento for errado, mas houver uma causa de justificação e de
exculpação do juízo de censura, não há culpa.
• Estado de necessidade exculpante:
o Ex: dois náufragos, uma só tábua. Se um tirar a tábua ao
outro, para sobreviver – há facto, há ilicitude (o direito de
necessidade só permite sacrificar um interesse inferior e
neste caso os dois interesses valem o mesmo pois é vida vs.
Vida), há dano (a pessoa acaba por morrer), há nexo de
causalidade. Haverá culpa? Há dolo. Mas não haverá juízo de
censura – do ponto de vista jurídico não podemos exigir a
ninguém que sacrifique a sua vida face à vida de outrem. Se
não há culpa, não há responsabilidade.
Há três modalidades incorporadas na responsabilidade civil subjetiva por ato ilícito e culposo, pelo
que a diferença entre as três está na ilicitude:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos
danos resultantes da violação.”
▪ Quando se entende que a ilicitude é a violação de um dever (situação
passiva), nesses casos, o que caracterizaria o artigo 483.º CC era a ilicitude
corresponder à violação de um dever genérico.
▪ Quando se entende que a ilicitude corresponde à violação de uma situação
ativa, a ilicitude prevista pela responsabilidade extraobrigacional consistiria
na violação de direitos absolutos (1.ª modalidade) ou de proteções indiretas
(2.ª modalidade).
• Proteção indireta — Existe sempre que a lei impõe um dever genérico
de ação, i.e., impõe-se à generalidade das pessoas uma conduta, com
o fim de tutelar um interesse privado. Quando isso acontece, não há
a concessão de um direito subjetivo, mas a imposição de um dever
genérico de ação e se o fim desse dever for tutelar interesses
privados, nesse caso, há uma proteção indireta.
o Razão histórica: O artigo 483.º é inspirado no BGB alemão, que estabelece os casos
em que pode haver responsabilidade extraobrigacional, tendo como objetivo de
restringir os casos da responsabilidade (ao fazer uma lista dos casos que são
abrangidos por esta responsabilidade – “não é sempre que há a violação de um direito
ou de um dever que há responsabilidade extraobrigacional; é só nestes casos”.
▪ O nosso Código Civil resolveu limitar este modelo, estabelecendo duas
cláusulas (duas modalidades de ilicitude), dizendo que quando uma situação
incide sobre uma destas modalidades, há responsabilidade ou poderá haver
e quando não incide, não há responsabilidade — limita a aplicação desta
responsabilidade.
o Estas modalidades são só duas – limitando-se neste sentido – mas são muito amplas,
pelo que às vezes se fala em duas pequenas cláusulas gerais.
— A emprestou 100€ a B.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
➔ Ilicitude enquanto violação de uma situação ativa, encarando a ilicitude como a violação de
um direito de outrem, i.e., olha-se para a ilicitude da perspetiva do sujeito ativo.
(A linguagem do artigo 483.º CC não combina com os demais artigos que tratam da
responsabilidade civil, pois coloca o acento tónico na ilicitude como violação de uma situação
ativa, enquanto os outros colocam na situação passiva).
➔ Ilicitude enquanto violação de uma situação passiva – olha-se para a ilicitude como violação
de um dever e não como violação de um direito.
o Exemplo: A dispara um tiro contra B e B morre. Isto seria um caso de responsabilidade
extraobrigacional.
▪ É facilmente evidente que a ilicitude é a violação de um direito — direito à
vida de B (violado de forma grave porque foi extinto).
• Esta visão é superficial, porque dando um passo à frente,
apercebemo-nos que A não poderia disparar contra B.
• E porque é que não o podia fazer?
o Porque temos o dever de respeitar os direitos dos outros.
▪ Quando A dispara e mata, está a atingir o direito à vida de B, mas só chega a
tanto, porque previamente não cumpriu o seu dever genérico de respeitar o
direito à vida de B. A conduta que era proibida era matar e ele primeiramente
violou o dever. A ilicitude está no dever, porque ao cumprir o dever, o direito
não é violado.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ A lesão do bem, vida do B, é um resultado. Mas a ilicitude está na ação de
matar — violação de um dever.
Assim, sempre que se está perante um caso destes e não há relação prévia entre o lesado e o lesante,
o que vamos aplicar é a responsabilidade extraobrigacional.
(A doutrina vem dizer que pode haver uma 3.ª modalidade de ilicitude, não prevista diretamente no
artigo 483.º, sendo o ABUSO DO DIREITO.)
➔ Responsabilidade Civil Obrigacional (artigos 798.º e 799.º CC) —em termos de ilicitude,
considera-se que há a violação de deveres específicos (dirigidos a uma ou a um grupo
determinado de pessoas). Ex: dever de crédito.
o Situação ativa — violação de direitos relativos
o Situação passiva — neste caso, em termos gramaticais, os artigos 798.º e 799.º (ao
contrário do artigo 483.º CC) deixam claro que o que está em causa é a violação de
deveres específicos.
• Há uma relação prévia entre lesado e lesante. A relação prévia é o contrato celebrado.
• No que diz respeito ao regime da culpa, o artigo 799.º vem estabelecer uma presunção de
culpa — há uma inversão do ónus da prova. O legislador presume que há culpa do devedor,
cabendo-lhe a ele afastar essa presunção.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Ex: A emprestou 100 a B. B tem a obrigação de devolver 100 a A. B não devolve
(violação de dever específico, que à partida, será ilícita, a menos que haja uma causa
de justificação). O legislador vai presumir a culpa de B, pelo que se tinha de devolver
100 e não devolveu, à partida, é censurável. B pode afastar essa presunção e
demonstrar que não havia culpa por alguma razão.
o Para o lesado, o regime da Responsabilidade Civil Obrigacional é muito melhor,
porque não tem que provar a culpa do lesante — a própria lei presume a existência
de culpa.
➔ Responsabilidade Civil Pré-contratual (artigo 227.º CC) — em termos de ilicitude, o que está
em causa é a violação de deveres específicos (dirigidos às pessoas que estão a contratar), pelo
que estes deveres têm uma origem específica — são deveres oriundos da boa fé [estes
deveres surgem em razão da boa fé e não de uma relação prévia entre lesado e lesante, como
na responsabilidade obrigacional].
o Não há uma relação prévia entre lesado e lesante.
o Em relação à culpa, o que se discute é se a presunção de culpa do artigo 799.º CC
pode ou não ser aplicada à responsabilidade pré-contratual.
• Controlo do risco — é o fundamento desta responsabilidade (em que não se exige nem
ilicitude, nem culpa). Estão em causa casos em que alguém pratica uma atividade permitida
por lei, que é em si mesmo perigosa ou em que alguém tem o controlo de uma fonte de perigo
(também permitida por lei).
o Exemplo: automóvel – é permitido possuir e conduzir automóveis. Mas o automóvel
é perigoso, pode falhar (danos mecânicos) e provocar danos nas outras pessoas e nos
outros bens. O legislador vem dizer que quem tem o automóvel, retirando benefícios
dessa fonte de perigo, deve arcar com os custos inerentes à concretização desse
perigo (ou seja, arcar com as consequências sempre que essa fonte de perigo se
converte num dano).
As fontes de perigo são permitidas, mas se o perigo se vier a concretizar num dano, então quem
beneficia ou controla a fonte de perigo deve arcar com essa despesa.
A letra do artigo 483.º/2 CC que nos diz que só existe obrigação de indemnizar independentemente
de culpa nos casos especificados na lei levanta certas questões:
• Questiona-se o sentido útil deste artigo — a sua letra significa que a responsabilidade objetiva
é uma responsabilidade excecional ou é um caso em que vigora a tipicidade e só há
responsabilidade objetiva nos casos tipificados na lei?
Duas visões:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Caráter excecional da responsabilidade pelo risco — estabelece que é possível aplicar
analogicamente as normas que prevêem a responsabilidade pelo risco a casos análogos.
O artigo 11.º do Código Civil estabelece que “as normas excecionais não comportam aplicação
analógica”, no entanto, grande parte da doutrina diz que a lei não proíbe isto, mas sim a
conversão da norma excecional em regra. Não podemos encarar a exceção como regra,
desvirtuando o caráter excecional da regra, mas podemos aplicar esta exceção a situações
onde a razão de decidir é a mesma (imposição do princípio da igualdade).
Grande parte da doutrina aceita que podemos aplicar as normas da responsabilidade pelo
risco analogicamente a situações que não estejam previstas. Isto é importante na atualidade,
onde há um grande avanço tecnológico e a tecnologia, normalmente, traz grandes vantagens
e conforto, mas é uma fonte de perigo, porque pode ter avarias e se avariar pode causar um
dano.
A questão é – será que eu posso aplicar as normas sobre responsabilidade pelo risco às novas
tecnologias que vão surgindo?
A responsabilidade objetiva por ato lícito também está compreendida na norma do 483.º/2, pois
também é uma responsabilidade que não depende da culpa.
• Artigos 483.º/2, 81.º/2, 339.º/2, 1102.º, 1129.º e ss., 1170.º, 1172.º, 1129.º e ss., 1322.º/1,
1349.º/3, 1367.º, 1554.º, 1559.º, 1560.º/3, 1561.º, do CC
o Artigo 81.º/2 — revogação da autolimitação de direitos de personalidade.
o Artigo 339.º/2 — obrigação de indemnizar em caso de estado de necessidade.
o Artigo 1102.º — O senhorio tem de pagar ao inquilino um montante equivalente a um
ano de renda no caso de denunciar o contrato de arrendamento, para sua habitação.
o Artigo 1129.º e ss — artigos relacionados com o comodato (contrato gratuito pelo
qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva
dela, com a obrigação de a restituir) e indemnizações por eventuais danos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Artigo 1170.º/1 — o mandato é revogável por qualquer das partes...
o Artigo 1172.º — ... mas quem revogar deve indemnizar a outra parte do prejuízo que
sofrer.
o Artigo 1322.º/1 —obrigação de indemnizar no caso de danos causados por perseguir
e capturar enxames de abelhas em prédio alheio.
o Artigo 1349.º/3 — obrigação de indemnizar o proprietário de prédio alheio por
passagem forçada momentânea.
o Artigo 1367.º — obrigação de indemnizar o prejuízo que a apanha de frutos em
propriedade alheia possa causar.
o Artigo 1554.º —indemnização correspondente ao prejuízo sofrido pela constituição
da servidão de passagem.
o Artigo 1559.º — indemnização do prejuízo causado pelas servidões legais de presa.
o Artigo 1560.º/3 — indemnização por servidão legal de presa para o aproveitamento
de águas públicas.
o Artigo 1561.º —indemnização por prejuízo causados por obras por servidão legal de
aqueduto.
O que é que justifica a indemnização por ato lícito, tendo em conta que o ato em si é permitido?
• Proporcionalidade e razoabilidade
o Proporcionalidade – é o princípio que nos vem explicar porque é que a atuação é
lícita. A licitude deriva da superioridade do bem tutelado face ao bem sacrificado.
Trata-se de sacrificar um bem menor, face ao bem maior. A conduta é permitida
porque vou tutelar um bem mais importante do que o outro.
▪ Ex: porque é que se pode revogar a autolimitação dos direitos da
personalidade. É lícito porque entre o direito de personalidade (limitado) e
entre a tutela da confiança da contraparte, o legislador vem dizer que O bem
superior é o bem da personalidade e, por isso, para o proteger, vamos revogar
esta autolimitação.
▪ A mesma coisa acontece no artigo 339.º — só pode haver direito de
necessidade se o bem tutelado for superior ao bem sacrificado.
• Sacrificar um bem menor, face ao bem maior.
Também aqui se questiona se pode ou não haver aplicação analógica das normas sobre
responsabilidade por ato lícito. Mais uma vez, tudo passa pela interpretação do artigo 483.º/2 CC;
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
dependendo se se admitir que este estabeleceu o princípio da tipicidade ou apenas o caráter
excecional das normas sobre responsabilidade por ato lícito:
• Tipicidade? (Tipo = modelo rígido) Onde está previsto o modelo, podemos aplicar este
modelo, se não há previsão deste modelo, não o podemos aplicar. Neste caso, nunca pode
haver aplicação analógica. A tipicidade exclui a analogia.
• Se, pelo contrário, entendermos que o artigo 483.º/2 estabelece a excecionalidade destas
normas, isto não significa rigidez — “isto não é a regra; isto é permitido em situações que não
a regra, a regra é a oposta”. Não é impossível aplicar normas excecionais analogicamente, o
que é impossível é converter a exceção em regra, mas nada impede aplicar analogicamente a
exceção a outros casos que sejam igualmente excecionais.
o No caso da excecionalidade, há uma norma cujo o conteúdo é o inverso da regra, mas
é permitida a aplicação analógica, desde que em casos igualmente excecionais. A
proibição da analogia é a proibição de converter a exceção em regra (não se pode
aplicar a exceção a torto e a direito; apenas se pode aplicar nos casos que são
igualmente excecionais).
• Pressupostos:
o Facto — A atuação que é permitida.
o Dano — Em si mesmo é permitido, só não é razoável ser sacrificado por quem o sente.
Permite-se sacrificar o bem alheio.
o Nexo de causalidade —Relação entre o ato lícito e o bem alheio sacrificado.
Princípio da boa fé
A ideia de boa fé foi criada pelos Romanos e manteve-se até hoje como uma ideia de criar flexibilidade
no sistema. A boa fé foi/é usada para adaptar o sistema às novas realidades — cria flexibilidade,
permite que a situação seja mais justa no caso concreto.
A boa fé tem duas dimensões (ambas são usadas pelo nosso legislador):
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Dimensão subjetiva — vamos ou não proteger alguém da solução que, à partida, seria
aplicada porque está de boa fé (sendo que nunca haveria proteção dessa pessoa se não fosse
a boa fé)? Dúvida: basta a ignorância ou é preciso uma ignorância não culposa?
2. Não há definição legal (“se estiver de boa fé” — não se diz o que é boa fé)
o Deve aplicar-se o conceito de boa fé subjetiva ética e não o conceito de boa fé
subjetiva psicológica.
o Porquê? Do ponto de vista material, a boa fé psicológica pode ter duas consequências
tidas como profundamente injustas:
▪ 1.ª – Vamos tutelar o preguiçoso (que por natureza é ignorante) e, assim, vai
ter ainda menos vontade de saber.
▪ 2.ª – Vamos sacrificar o diligente (a pessoa que trabalha para se informar e
saber as coisas e não estar na ignorância e ao fazer isto está a perder a tutela),
enquanto premiamos o preguiçoso.
o Assim, tem-se entendido que é preferível optar pela boa fé subjetiva em sentido ético
do que em sentido psicológico.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Razão técnica: As normas estabelecem comandos de dever-ser — a boa fé subjetiva
ética traz esta ideia de dever-ser (o dever-ser é procurar a informação).
▪ A boa fé psicológica não traz dever-ser nenhum. Só diz: “esta pessoa sabe ou
não sabe? Não sabe, coitadinha, vamos tutelar. Sabe? Não tem tutela.”
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Ou seja, o diligente procuraria saber e iria ao registo
e se celebrasse o negócio, é porque correria o risco.
▪ Por outro lado, o negligente não iria consultar o
registo e não saberia e a lei vem-nos dizer que esse
negligente não é titulado.
• Ou seja, do artigo 243.º/3 resulta a ideia de que, a partir do registo, a
ignorância é sempre culposa e o legislador vem dizer que a partir do
registo há má fé e não boa fé.
• Apesar do 243.º/2 sugerir boa fé psicológica, só se consegue
compreender o n.º3 perante um conceito de boa fé subjetiva ética,
porque deixa de ser relevante se o terceiro sabia ou não e passa a ser
relevante se o terceiro deveria ou não conhecer.
• Apesar de minoritário, algumas vozes vêm dizendo que o conceito de
boa fé aqui estabelecido não é psicológico, mas sim ético (em função
do 243.º/3 CC).
• Dimensão objetiva da Boa Fé — Significa que este princípio estabelece regras de conduta
(formas como as pessoas devem agir – o que podem ou não fazer).
o O legislador utiliza esta boa fé em sentido objetivo em várias situações,
nomeadamente na responsabilidade pré-contratual, na alteração das circunstâncias,
na integração do negócio jurídico, na execução dos contratos e no abuso do direito.
▪ Artigo 227.º — responsabilidade pré-contratual
▪ Artigo 334.º — abuso do direito.
A verdadeira questão: Qual é a relação que existe entre boa fé e a tutela da confiança?
Há duas respostas:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o São dois princípios diferentes e um não está integrado no outro. O princípio da boa
fé é diferente do princípio da tutela da confiança.
➔ O princípio da boa fé estabelece regras de conduta (diz só como a pessoa deve agir).
➔ O princípio da tutela da confiança protege a confiança alheia.
Para qualquer das posições (quer se entenda que a tutela da confiança é um sub-princípio da boa fé,
quer se aceite a autonomia do princípio da tutela da confiança), vem-se dizer que, para haver tutela
da confiança, é preciso que estejam preenchidos certos pressupostos.
1. Para quem entenda que a tutela da confiança é um sub-princípio da boa fé, entende a
situação da confiança como sinónimo de boa fé subjetiva ética (ignorância não culposa de
uma determinada realidade. A pessoa não sabe e não sabe sem culpa certa realidade. Ex: a
pessoa não sabe que está a lesar outrem).
o Esta visão vem dizer-nos que estabelece-se uma situação de confiança quando um
sujeito desconhece uma determinada realidade, mas não sabe e não tem culpa por
não a saber.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Imputação da confiança — Significa que temos de descobrir quem criou a confiança. Se
alguém criou a confiança, esse alguém deve responder pela frustração da confiança.
o É imputar os custos da frustração da confiança a quem a criou.
o Quem criou legítimas expectativas, deve arcar com o custo da sua frustração.
Tem-se entendido que nem sempre é necessário que os 4 se verifiquem, podem ser só 3 (móveis), se
um deles for tão intenso que torna tão irrelevante a existência de um 4.º
Em geral são cumulativos, mas há a possibilidade da intensidade de um ser tal que neutraliza a
necessidade de existência de um quarto.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ A boa fé é fonte de deveres específicos.
▪ Assim, surgiu a ideia da culpa in contrahendo.
• Esta figura surgiu com a ideia de que, durante a contratação, as partes
(pessoas que participam na negociação) estão sujeitas a deveres
impostos pela boa fé. Se violarem esses deveres e daí resultar um
dano, pode haver responsabilidade pré-contratual.
o 1ª visão:
• Teoria da 3.ª via — posição que atualmente é maioritária. Esta posição é cada vez mais
utilizada, até pelos próprios tribunais.
• Pressupostos
o Facto — há aqui uma especialidade – delimitação temporal:
▪ Só são relevantes para esta especialidade os factos que ocorram entre a data
do início da negociação até à data da celebração do negócio (inclusive) — têm
obrigatoriamente que ocorrer entre período.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Pode ser ativo/positivo (ação) ou passivo/negativo (omissão).
o Ilicitude — para haver ilicitude, tem de haver a violação de 1 dos 3 deveres específicos
impostos pela boa fé.
Na aferição da ilicitude, a forma como o fazemos é diferente consoante entendamos que a tutela da
confiança é ou não um sub-princípio da boa fé.
Assim, voltamos ao problema: Qual a relação entre a tutela da confiança e da boa fé?
➔ Para quem entende que a tutela da confiança é um sub-princípio da boa fé, quando chega à
responsabilidade pré contratual lê o artigo 227.º como um artigo que tutela a confiança. E,
por isso, quando vai aferir a ilicitude, para efeitos de responsabilidade civil pré-contratual,
para além da violação de um destes três deveres, exige o preenchimento dos pressupostos da
tutela da confiança.
o Ou seja, ao entendermos que a tutela da confiança é uma concretização do princípio
da boa fé, na aferição da ilicitude, é preciso demonstrar 2 coisas, na aferição da
ilicitude:
o A violação de um dever específico da boa fé (segurança, informação e
lealdade).
o O preenchimento dos pressupostos da confiança.
➔ Quando entendemos que a tutela da confiança tem autonomia em relação à boa fé, então,
o artigo 227.º é apenas um artigo que tutela a boa fé e não a confiança e, portanto a ilicitude
basta-se com a violação de um dos deveres específicos decorrentes da boa fé – segurança,
informação e lealdade.
o Dano — O dano pode ocorrer a qualquer momento — não há limite temporal para o
dano. Pode ocorrer na fase de negociações ou depois do negócio se ter celebrado.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Nexo de causalidade
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Rutura injustificada de negociações
Devemos tutelar a confiança desta parte que confiou e que teve as suas expectativas frustradas?
Podemos indemnizar o confiante pelos danos que sofreu com esta rutura? Sim.
Mas qual é o fundamento para esta obrigação de indemnizar? Qual é a responsabilidade civil que vai
fundamentar a indemnização?
ou
o Regime regra — Estamos perante uma responsabilidade por ato lícito, graças ao
princípio da autonomia privada —> liberdade contratual negativa (decidir que não se
celebra o negócio).
▪ Se a pessoa é titular da liberdade contratual negativa, não podemos
considerar ilícito o ato em que ela diz que não vai celebrar o negócio.
• (À partida não há dever de celebrar o negócio, por isso, não celebrar
o negócio tem de ser um ato lícito – traduz o exercício da liberdade
contratual negativa.)
▪ A maior parte dos casos de rutura das negociações tem na base um exercício
de um ato lícito.
▪ Contudo, há fundamento para indemnizar os atos sofridos pelo confiante –
sendo isto exigido pelo princípio da tutela da confiança.
▪ No entanto, Não é razoável que quem suporte o custo desta liberdade seja o
confiante. Declarar e decidir que não se celebra é lícito, mas quem o faz vai
ter de suportar o custo do exercício dessa liberdade — indemnizando os
danos sofridos pelo confiante.
• (Ou seja, há uma indemnização que tem por base um ato lícito.)
o Regime residual (para casos mais graves) — Contudo, admite-se que pode haver
responsabilidade por ato ilícito, quando a parte se tinha autovinculado a celebrar o
negócio.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Nestes casos, esta teoria abre duas hipóteses, levantando uma questão:
• 1. Pode ser resolvido com base na responsabilidade pré-contratual
(o pressuposto da ilicitude nesta visão basta-se com a violação de um
dever da boa fé);
o Nesses casos limites, aos quais se aplicará o regime residual,
não se aferem os 4 pressupostos da tutela da confiança, pois
a ilicitude basta-se com a violação de um dever específico da
boa fé (neste caso, o dever da lealdade).
o Na responsabilidade pré-contratual a regra geral é o cálculo
da indemnização pelo interesse contratual negativo.
Contudo, a nossa jurisprudência tem admitido que nos casos
em que as negociações foram extensas e só faltava mesmo
assinar o contrato, a indemnização poderia ser calculada pelo
interesse contratual positivo.
• 2. Contudo, será que, em rigor, quando há esta autovinculação, em
vez de responsabilidade pré-contratual, não estaremos já perante
uma responsabilidade contratual? (— Há uma declaração de vontade
a dizer que se vai celebrar o negócio.)
o Na responsabilidade contratual, a indemnização é calculada
pelo interesse contratual positivo.
▪ Nestas situações em que as negociações já foram tão longe e que as partes
dizem claramente que vão celebrar o negócio, recusar celebrar o negócio é
um ato ilícito.
• Exemplo de autovinculação à celebração do negócio (permite quase
um juízo de certeza): quando a pessoa se compromete a celebrar o
negócio, marcando uma data, etc.
2. Facto jurídico:
2.1. Modalidades
Facto jurídico
Que tipos que eventos são estes? Há duas grandes categorias de factos, diferenciando-se entre si pelo
papel desempenhado pela vontade:
o O facto em questão pode ser fruto da vontade, mas naquele caso, a existência da
vontade seria irrelevante para o Direito, não influenciando os seus efeitos.
▪ Ex: o suicídio é uma morte proveniente de um ato de vontade. A vontade da
qual resulta o suicídio suscita duas situações:
• É relevante para a atribuição de seguros de vida. Como o facto da
morte resulta de um ato voluntário, os herdeiros não recebem um
seguro de vida.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• É irrelevante para efeitos sucessórios no património do morto, sendo
irrelevante a causa da morte e se houve vontade ou não — nesses
casos, temos sempre um facto em sentido estrito.
2. Ato jurídico em sentido amplo — É um evento que tem origem (é produto) na vontade.
Importa distinguir:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Opções:
▪ 1. Renúncia ao exercício da exceção material peremptória forte — o devedor
quer cumprir as suas dúvidas, mesmo sendo titular da exceção.
• A obrigação civil mantém-se e continua tudo igual a antes de haver
prescrição. Assim, continua a ver obrigação civil.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Interrupção do prazo — mal se verifica a causa, paramos de contar o prazo e
só retomamos a contagem quando finda a causa de interrupção e a contagem
do prazo volta ao início (voltam-se a contar 20 anos).
▪ Suspensão do prazo — quando se verifica a causa da suspensão, paramos de
contar, mas quando finda a causa de suspensão, a contagem do prazo retoma
exatamente no momento em que parou de contar.
o Prescrição presuntiva:
▪ Presunção do cumprimento — artigos 312.º e ss. CC (casos)
▪ A prescrição tem por efeito a constituição da exceção e o exercício da exceção
tem por efeito a modificação do direito e do dever. A prescrição presuntiva é
diferente – está em causa um prazo temporal curto (entre 6 meses a 2 anos)
e passado esse prazo não nasce uma exceção, mas o efeito do decurso do
prazo é a prescrição do cumprimento (presumimos que o devedor cumpriu)
e esta presunção só pode ser afastada de uma única maneira – a confissão do
devedor.
▪ São casos que tratam de despesas tão corriqueiras que não é exigível que a
pessoa guarde o comprovativo do pagamento durante tanto tempo.
▪ Como não é possível provar o cumprimento, o que se diz é que passado esse
prazo, presume-se que houve cumprimento. O devedor pode ilidir a
presunção, confessando. Se não o fizer, há cumprimento.
▪ Exemplos:
• Hotéis – Há 2 anos A foi de férias para um hotel e passado 2 anos não
tem como provar.
• Bolos da cantina – passado 1 ano, não há como provar.
• Caducidade
o Sentido amplo — Extinção de uma situação jurídica devido à produção de um facto
jurídico em sentido estrito [evento que ocorre independentemente da vontade].
Sempre que o efeito associado ao facto jurídico for a extinção de uma situação
jurídica, diz-se que essa situação caduca por efeito do facto. Na base da caducidade
estaria a produção de um facto jurídico em sentido estrito, que seria:
▪ Tempo;
▪ Impossibilidade superveniente da prestação;
• Exemplo: A ficou de fazer retrato de B. Antes de o executar, morre. A
prestação deixa de ser devida — o dever cessa por caducidade por
morte do devedor.
• Se a impossibilidade superveniente tiver caráter objetivo é a coisa
que desaparece.
o Ex: A vai vender um quadro a B e na data de entrega, a coisa
deixa de existir (queima-se, etc). A obrigação de entregar a
coisa cessa, porque ela extinguiu-se.
▪ Ilegitimidade superveniente.
• A pessoa no momento da celebração tinha legitimidade e poder para
o celebrar (podia constituir a situação jurídica) e por alguma razão
perdeu esse poder após a celebração.
• A legitimidade era a capacidade da pessoa poder praticar o ato.
“Superveniente” significa que ocorre depois da prática do ato — no
momento da prática do ato (o momento que deu origem à
constituição da situação jurídica), aquela pessoa tinha poder para
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
praticar o ato. Depois da prática do ato, por alguma razão, aquela
pessoa perde a legitimidade — deixa de poder praticar o ato (a lei
retira-lhe a possibilidade de constituir a situação jurídica).
Na base da prescrição está o decurso do tempo e na base da caducidade em sentido estrito também
o está. Ou seja, a semelhança é que o decurso do tempo produz efeitos jurídicos para ambas.
No artigo 298.º/2 CC diz-se que “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva
ser exercido dentro de certo prazo [o problema do decurso do tempo], são aplicáveis as regras da
caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”
Isto significa que em caso de dúvida, a figura que se aplica é a da caducidade. A regra é a caducidade
e para ser prescrição, tal tem que vir estabelecido.
Prescrição Caducidade
Previsão geral dos artigos 300.º e ss. CC Necessidade de previsões especiais — está prevista
em normas especiais. A propósito de cada matéria,
estabelece-se um prazo que se diz de caducidade
ou não se diz nada, mas quando nada se diz,
também é de caducidade.
Origem legal — Apenas pode haver prescrição — Matéria indisponível: origem legal (prazos de
quando a lei o determina. caducidade estabelecidos pela lei).
É um regime imperativo; não podemos criar nem — Matéria disponível: origem convencional (prazos
alterar a prescrição. de caducidade de origem negocial, i.e.,
estabelecidos por acordo entre as partes — só se
pode fazer, se a matéria for disponível [se as partes
puderem dispor sobre aquele bem — matéria
contemplada pela autonomia privada; se as partes
podem negociar sobre aquela matéria]; se for
indisponível, não é permitido a criação de um prazo
de caducidade, por via negocial.
Suspensão e interrupção dos prazos — A contagem Prazos corridos — A lei não prevê suspensões ou
do prazo de prescrição pode ser alvo de suspensão interrupções (caducidade de origem legal).
ou interrupção. No entanto, se estiver em causa uma caducidade de
origem convencional, as partes que criaram um
regime de caducidade para aquele contrato podem
estabelecer prazos de suspensão ou interrupção do
prazo.
Efeito do decurso do prazo — Facto modificativo Efeito do decurso do prazo — Facto extintivo
não automático: de acordo com o regime regra, o automático: O decurso do prazo tem por efeito a
efeito do decurso do tempo é a constituição na extinção e a regra é que este efeito é automático e
esfera jurídica do devedor da exceção material basta decorrer o prazo para imediatamente a
peremptória forte que lhe permite recusar situação se extinguir.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
licitamente o cumprimento. Se o devedor exercer Na caducidade também há o decurso do prazo, mas
essa exceção, o efeito do exercício da exceção é a o tempo provoca a extinção.
modificação do dever — a alteração da sua
natureza (deixa de ser uma obrigação de natureza
civil e passa a ser de índole natural).
O prazo decorre e nada se extingue, pelo contrário,
constitui-se algo novo — exceção material
peremptória forte — se for exercida, temos um
efeito MODIFICATIVO do dever (altera-se a
natureza do dever — passa a ser natural); mas tal
não é automático porque se não se exercer, tudo
permanece igual.
Prazo ordinário 20 anos (às vezes a lei estabelece Prazos em geral mais curtos — não há prazos de 20
prazos menores, mas em regra, são prazos longos) anos.
2.3. Ineficácia
Ineficácia em sentido amplo: o facto tem certas características, o que leva o Direito a associar-lhe um
desvalor. Trata-se de ineficácia porque sempre que há um facto “problemático”, o legislador vai afetar
os efeitos que esse facto visava produzir. O desvalor associado àquele facto, faz com que esse não
produza todos os efeitos pretendidos.
o Inexistência jurídica? — O Direito não reconhece a existência do ato e por isso, não
produz nenhum efeito.
▪ Não sabemos se existe, ou se é ineficácia.
▪ É muito discutível que esta figura exista.
• O legislador só fala de inexistência quanto ao casamento civil —
Artigo 1627.º: É valido o casamento civil relativamente ao qual não se
verifique alguma causa de inexistência jurídica ou de anulabilidade.
• Artigo 1625.º sobre casamento católico fala em nulidade e não de
inexistência.
o A lei distinguiu entre casamentos católicos e casamentos
civis, no que toca à validade do casamento.
o Para os casamentos católicos, a expressão utilizada para
denominar o desvalor que viola uma regra foi a nulidade.
o Para os casamentos civis, o que se encontra sobre regras de
validade é a possibilidade do casamento ser inexistente ou
anulado.
• Artigo 1628.º — A lei vem dizer quando o casamento é inexistente.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Olhando para o artigo 1627.º e 1628.º que fala de inexistência, parece
que sim, à conta do elemento literal.
• No entanto, olhando para o artigo 1625.º e comparando estes três
artigos, comparando casamentos católicos, com casamentos civis, o
que grande parte da doutrina diz é que o legislador utilizou
expressões diferentes para distinguir os casamentos e não porque o
desvalor fosse em si diferente. A justificação está no facto dos
casamentos em si serem diferentes, pelo que o legislador reservou a
expressão “nulidade” para o casamento católico, utilizando para o
casamento civil a expressão “anulabilidade” e “inexistência”.
• Ou seja, grande parte da doutrina vem dizer que pesa embora se fale
de inexistência jurídica quanto ao casamento civil, na realidade, trata-
se de nulidade, pois o legislador utilizou diferentes expressões apenas
para distinguir o casamento civil do casamento católico.
▪ Nulidade — O ato existe e o Direito reconhece que o ato existe e foi praticado,
mas por ser nulo, não produz nenhum efeito.
• Artigo 286.º CC
• Em termos de legitimidade, só os interessados é que têm direito a
invocar o vício que esta na base do desvalor.
• Em certas situações, a conjugação do ato nulo com o princípio da boa
fé, permite a produção de efeitos.
• Só os interessados é que têm legitimidade para invocar a nulidade.
▪ Anulabilidade —
• Artigo 287.º
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Invalidades mistas — É um figurino que mistura regras de nulidade e de
anulabilidade. O legislador estabeleceu um regime especifico de invalidade,
havendo características que denunciam a presença de nulidade e outros que
apontam para a anulabilidade.
• São regimes específicos previstos pelo legislador, mas que congregam
em si regras próprias da nulidade ou da anulabilidade. Por isso, temos
de aplicar o regime conforme o que for mais parecido (nulidade ou
anulabilidade).
Na dúvida é nulidade. Se a lei nada diz, é nulidade. Só há anulabilidade quando o legislador estabelece
que o desvalor para o ato viciado é a anulabilidade.
Está prevista para todos os casos.
Eficácia Eficácia
O negócio nulo não produz nem nunca produzirá Produz efeitos até ser invocada
efeitos
O negócio anulável produz todos os seus efeitos, mas
esses efeitos não são definitivos, pelo que podem ser
(Às vezes, o negócio + boa fé produzem efeitos, mas destruídos retroativamente.
o negócio em si não produz efeitos) Ex: A vende a coisa x a B. O negócio é anulável. Todos
os efeitos da compra e venda produziram-se. O
direito de propriedade sai da esfera jurídica de A e
Ex: A vende a B a coisa x. O negócio é nulo. O direito entra na esfera jurídica de B. A tem o dever de
de propriedade nunca saiu da esfera jurídica de A. A entregar a coisa a B. B tem o dever de pagar o preço
continua a ser proprietário. A não tem o dever de da coisa a A.
entregar a coisa e B não tem o dever de pagar o Contudo, estes efeitos podem ser destruídos
preço. retroativamente, caso haja anulação do negócio.
Legitimidade Legitimidade
Explicação:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
O negócio nulo é um negócio doente (doença
geneticamente grave — viola uma regra imperativa,
é impossível, falta-lhe um elemento, etc).
O negócio anulável tem uma doença, mas não é uma
doença em si próprio. A doença em questão é um
juízo de desconfiança. Dadas as circunstancias em
que o negócio foi praticado, o legislador
justificadamente desconfia se os interesses de uma
das partes foram devidamente acautelados.
Exemplo: incapacidade dos menores — os negócios
celebrados por um menor, para os quais eles não
tenham capacidade é anulável, não sendo necessário
que o negócio esteja doente geneticamente ou que
seja mau, mas o negócio será anulável pois o
legislador desconfia daquele negócio, em razão da
tenra idade e imaturidade própria dos menores,
desconfiando se o menor conseguiu acautelar
devidamente os seus interesses.
O negócio existe e produz efeitos, mas como pode
não ser um bom negócio para o menor, concede-se
ao menor o direito de anular o negócio.
A titularidade do direito é do menor, mas o menor
não tem capacidade para invocar, porque é incapaz.
Tem de se suprir essa incapacidade, que é exercida
pelo representante legal. Se não tiver sido anulado
durante a menoridade, pode ser anulado pelo menor
quando for maior (dentro do prazo de 1 ano).
— O mesmo acontece quando o negócio é celebrado
em erro e esse erro é relevante — quando é
perfeitamente possível que, não estando em erro,
não se tivesse celebrado o negócio. Assim, tutela-se
os interesses desta pessoa, conferindo ao errante o
poder de anular o negócio.
— Coação moral (alguém nos ameaça, dizendo que
se não fizermos x, sofremos o mal y)
Em medo, a pessoa ameaçada cede. Num caso
destes, o negócio pode não ser bom para a pessoa e
esta pode anulá-lo.
Prazo de invocação Prazo de invocação
— O negócio foi cumprido:
A nulidade pode ser invocada a todo o tempo. O exercício do direito de anulação tem o prazo de 1
O direito de pedir declaração de nulidade nunca ano a contar da cessação do vício se o negócio já foi
caduca. cumprido
(Vício da menoridade — prazo de um ano a contar da
cessação da menoridade [após ser maior]
Vício do erro — prazo de um ano a contar da
cessação da ignorância [a partir do momento em que
a pessoa sabe que está em erro, teria 1 ano para
anular o negócio]
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Vício da coação moral — o vício da coação cessa
quando a pessoa deixe de ter medo daquela ameaça,
tendo um ano para atuar.
Pode ser invocada a todo o tempo; o vício prevalece Como a lógica do negócio anulável é proteger a parte
e o desvalor perdura. O negócio é doente e, por isso, cujo interesse pode não ter sido acautelado e isso
nasce nulo e continua nulo até morrer. causa instabilidade, pois, durante um determinado
período, nunca se sabe se vai ser exercido ou não o
direito de anulação. Assim, o legislador diz que é
justo que se permita anular, mas é igualmente justo
que se limite no tempo o prazo durante o qual pode
anular.
Se a pessoa anular dentro desse prazo, anulou e os
efeitos são destruídos retroativamente.
Se a pessoa não anular dentro desse prazo, o direito
potestativo caduca. (O decurso do prazo tem por
efeito a caducidade do efeito de anular e os efeitos
precários tornam-se definitivos, pois já não podem
ser anulados — sanação)
Muitas vezes, na prática, pese embora o negócio seja Qualquer efeito que tenha sido produzido é
nulo, as partes agem como se o negócio fosse válido, destruído retroativamente até à data de celebração
daí ser essencial esta regra da retroatividade, que do ato.
nos obriga a destruir tudo o que as partes foram
criando desde a data de celebração do ato, mesmo
que este ato, juridicamente, não tenha produzido
efeitos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Ineficácia em sentido estrito — Não há nenhum vício genético. O ato em si mesmo é
são e poderia produzir efeitos, mas não os vai produzir, pois a produção de efeitos
para aquele ato está condicionada à verificação de uma determinada circunstância
externa ao ato. Só com essa circunstância externa é que o ato produz efeitos. Se faltar
a circunstância externa, o ato não produz efeitos, ainda que não haja patologia do ato.
Essa não produção de efeitos por parte do ato (quando lhe falta a circunstância
externa) pode manifestar-se de duas maneiras — inoponibilidade ou imputabilidade.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Esta figura está prevista nos artigos 610.º e seguintes do Código Civil,
a propósito da impugnação pauliana (ação judicial que permite aos
credores atacar judicialmente certos atos [contratos de compra e
venda, doações, etc], válidos ou inválidos, se celebrados pelos
devedores em seu prejuízo]).
• Assim, esta figura está pensada para os casos em que há um credor e
um devedor e o devedor celebra o negócio com outra pessoa, sem
patologia, mas esse negócio põe em causa os legítimos interesses do
primeiro credor. Em certas circunstâncias, é possível que este credor
impugne o negócio celebrado pelo seu devedor de forma a permitir
que o património do devedor não seja afetado, de forma a tutelar os
interesses do credor, cuja garantia geral reside no património do
devedor.
o Nestes casos, A é credor de B. Para o A, é importante que B
tenha um património que possa ser executado caso B não
cumpra o seu dever. Supondo que B quer dar o seu
património a C, isso afeta os interesses de A, cujo devedor vai
deixar de ter património para executar, desaparecendo essa
sua garantia.
o Esse ato não é inválido, mas os seus efeitos podem ser
impedidos através da impugnação pauliana.
o Irregularidade? — Os atos não são inválidos, mas violam alguma regra prevista para
aquele ato. Os atos violam uma regra prevista para um determinado ato, mas o
legislador estabelece que pese embora essa violação, o ato é válido. Os seus efeitos
são condicionados — o ato vai produzir muitos dos seus efeitos, mas não vai produzir
todos.
▪ Ninguém contesta a existência da irregularidade, apenas se contesta a sua
qualificação jurídica. A dúvida é se a irregularidade se qualifica como
ineficácia, há quem diga que sim e há quem diga que não, dependendo da
forma como olham para os efeitos do ato:
• Quem coloca o acento tónico no facto do ato produzir vários dos seus
efeitos, diz que isto não é uma forma de ineficácia, pois continuam a
ser produzidos grande parte dos atos.
• Quem coloca o acento tónico no facto do ato não produzir alguns
efeitos, diz que isto é uma forma de ineficácia, pois alguns efeitos não
estão a ser produzidos.
▪ Exemplo: Casamento de menores. A partir dos 16 anos, há capacidade de
gozo para casar, mas enquanto se é menor, não se tem capacidade de
exercício para casar, sendo necessária a autorização do representante legal.
E se houver um casamento celebrado por menores em que não houve
autorização do representante? O legislador considera isto válido e parte dos
efeitos vão-se produzir, mas não se vão produzir todos os efeitos que se
produziriam se houvesse o respeito por todas as regras para a celebração do
ato. É um caso de irregularidade. A violação da norma compromete parte dos
efeitos, mas não a totalidade dos efeitos (que se produziriam, caso tivesse
havido autorização).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• O casamento regular de um menor gera emancipação plena.
• O casamento irregular de um menor (irregularidade: violação da
norma que impõe uma autorização por parte dos representantes
legais) gera emancipação restrita.
3. Objeto:
3.1. Enumeração
OBJETO (MEDIATO)
Agora vamos falar do objeto mediato, ou seja a realidade a que a situação jurídica se refere.
• OBJETO MEDIATO —> Coisas, prestações, animais, bens de personalidade, poderes (direito
potestativo — objeto: direito de anular), etc.
• Os deveres/poderes contidos numa situação podem referir-se a diferentes realidades.
• 1.ª realidade — Coisas:
o Noção legal — artigo 202.º/1 CC — “Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de
relações jurídicas.”
o Pontos negativos deste capítulo do Código Civil:
▪ Definição legal — Não é bom ter uma definição porque não é ao legislador
que cabe definir, mas sim à doutrina.
▪ A definição é má — Quando se diz que a coisa é tudo aquilo que pode ser
objeto de relações jurídicas, está-se a referir a muito mais do que ao que é
uma coisa.
Ao identificar coisa com um objeto (há muitas mais modalidades de objeto),
ou não se está a distinguir coisas dos bens de personalidade, prestações,
animais, etc, ou está-se a excluir tudo o que não seja uma coisa de um objeto,
o que está errado.
• Exemplo: A contrata B para pintar a sua casa. A tem direito a que B vá
pintar a sua casa. O objeto do direito de A é a prestação — pintura da
casa por parte de B.
o Essa é a definição de uma prestação e não de um objeto.
o A coisa é apenas uma modalidade de objeto.
▪ 2.º motivo do porquê de ser uma má definição: Nem sempre há relações
quando há situações jurídicas.
• Exemplo: Ter um telemóvel — situação jurídica (propriedade que tem
o telemóvel como objeto) — mas não há uma relação jurídica. Ao
dizer isto estamos a restringir a noção de coisa às situações relativas
(onde existe uma relação e um vínculo). O normal é a coisa ser objeto
de um direito real. Os direitos reais em si não são uma relação
jurídica, mas sim uma situação jurídica (ou seja, há um objeto e não
se está em relação com ninguém).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Proposta alternativa de definição de coisa pela doutrina — A coisa é uma realidade
autónoma, que, não sendo pessoa jurídica, é dotada de utilidade e suscetível de
dominação exclusiva pelo homem.
▪ Autonomia — saber até que ponto a coisa é juridicamente delimitada.
Pode sê-lo, porque há uma delimitação física (ex: telemóvel — tem
independência física), mas nos outros casos não há independência física, mas
sim continuidade física não obstante a uma realidade autónoma (ex: terreno
— do ponto de vista físico, o terreno é contínuo e não há fronteiras físicas,
apenas há uma delimitação jurídica, porque juridicamente há o terreno A, o
terreno B, etc, pelo que cada porção é tratada como coisa/realidade
autónoma à luz do direito [o direito reconhece existência própria]).
▪ Não é pessoa jurídica (não tem personalidade jurídica) — a coisa é um objeto
e não um sujeito.
▪ É dotada de utilidade e suscetível de dominação possível do homem — é
possível haver apropriação, porque se não for possível haver apropriação, não
pode haver um direito e se não pode haver um direito, deixa de ser objeto de
uma situação jurídica.
3.2. Coisa
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o O Código Civil trata do regime das coisas dentro do comércio
e não de fora do comércio.
• Coisas fora do comércio — Não é suscetível de apropriação individual
e privada. (Bens de domínio público [definidos pela CRP], bens
comuns [exemplo: baldios] e coisas insuscetíveis de apropriação
privada [desde logo até por designação legal — ex: não podemos
comprar monumentos])
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ As alíneas a) e b) são boas, falam de imóveis por
natureza. São aqueles imóveis que, por natureza, não
se podem mexer. (Prédios rústicos e urbanos e águas
estão presos ao solo [quanto às águas, o líquido
mexe, mas a fonte da água permanece ali] —
ninguém contesta que se classifiquem como imóveis,
é pacífico).
▪ O problema está nas alíneas seguintes: alíneas c) d)
e e):
▪ A alínea c) é um exemplo da alínea e) — a alínea e)
estabelece a categoria geral e a alínea c) dá um
exemplo dessa categoria. Não era preciso a alínea c)
porque a alínea e) já abarcava a alínea c).
▪ A alínea d) é péssima porque está a considerar como
coisa imóvel um direito. Um direito não é uma coisa,
mas sim uma situação jurídica. Considerar um direito
como coisa imóvel é um erro crasso.
▪ Na alínea c) e na alínea e) [tendo em conta que a
alínea c) é uma concretização da alínea e)] o que está
em causa são imóveis por relação [relação com o
imóvel].
• Na alínea a) e b) o que está em causa são
imóveis por natureza.
▪ A alínea e) vem dizer que são imóveis as partes
integrantes dos prédios rústicos e urbanos (definição
de parte integrante — artigo 204.º/3 CC — “é parte
integrante toda a coisa móvel ligada materialmente
ao prédio com caráter de permanência.”)
• A doutrina distingue entre partes integrantes
e partes componentes.
• Semelhança: existe uma ligação física e
permanente com o imóvel.
• Diferença: Na parte integrante, se
destacarmos essa coisa, ela ganha
autonomia e não compromete o imóvel. Há
uma ligação física e permanente, mas não é
um elemento constitutivo.
Exemplo: painel de azulejo das casas —
enquanto está preso à parede é uma parte
integrante. Ao retirar o painel, não se
compromete a existência da casa.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
As partes integrantes e componentes, por
causa desta ligação física e permanente com
o imóvel, são classificadas também elas
como imóveis e isso está correto.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• De acordo com o artigo 408.º CC, a mera celebração do negócio de compra e venda tem por
efeito imediato e automático a transmissão do direito de propriedade (no regime português).
o Exemplo: A vende um telemóvel a B. Mal se celebra o contrato, o direito de
propriedade sai da esfera jurídica de A e entra na de B.
• Quando se está a falar de partes integrantes e de móveis futuros, a situação não é assim. A
propriedade só se vai transmitir no momento em que a parte integrante é destacada. No
momento em que, neste caso, as árvores são retiradas do solo. A transmissão da propriedade
continua a ser automática, mas não é imediata, pelo que só ocorrerá quando houver a
separação da parte integrante do solo.
o Exemplo: Hoje, A celebra um contrato de compra e venda das árvores, para as
destacar do solo, sendo que as ia buscar daqui a 5 dias. A só se tornaria proprietário
das árvores daqui a 5 dias (quando fossem separadas). Isto é relevante pois se
acontecesse alguma coisa às árvores entre estes 5 dias (como um incêndio), aplica-se
o princípio da imputação do dano ao vendedor, pois ainda não se transmitiu o direito
de propriedade. Se o dano ocorrer entre a data da celebração do negócio e a data da
celebração, quem suporta o dano é o vendedor.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Exemplo: casal casado com regime de comunhão de bens —
ser for um imóvel, a regra é que para se vender, têm que ser
os dois a vender. Enquanto, para o móvel, muitas vezes, o
legislador permite que seja apenas um deles a vender. Assim,
a diferença de objeto constitui diferentes tipos de
legitimidade.
o Relevância da distinção:
▪ Diferentes tipos de direitos (há direitos para bens
registáveis e direitos para bens não registáveis).
• Hipoteca — direito para bem registável.
▪ Também é relevante para efeitos de tutela de
terceiros de boa fé.
• Artigo 291.º — Regime regra que estabelece
as condições em que podemos tutelar
terceiros de boa fé, que tenham celebrado
um negócio inválido.
• Em certos casos, apesar de se celebrar um
negócio invalido, é possível tutelar terceiros
de boa fé, conjugando esse negócio com o
princípio da boa fé. As regras da boa fé que
tutelam terceiros de boa fé exigem, em
regra, que o bem em causa seja registável. Só
pode haver tutela para imóveis e para
móveis registáveis, mas não há tutela para
móveis não registáveis.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Exemplo: A compra um kg de laranjas, pratos brancos, etc –
em geral, o bem é fungível por natureza.
• Relevância da distinção:
o Tipos negociais — Estabelecem-se contratos diferentes:
▪ Exemplo #1: A empresta 100€ ao B.
• O dinheiro é fungível (a menos que seja de
coleção) — contrato de mútuo (artigo 1143.º
CC).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Coisas consumíveis — A sua utilização normal implica a sua
destruição ou a sua alienação.
o O uso normal implicar a alienação da coisa, muitas vezes,
depende do titular do direito sobre a coisa. Enquanto, o uso
normal implicar a destruição da coisa, na maior parte das
vezes, provém da natureza da coisa.
o Exemplo: comprar uma maçã – o uso normal que se dá a uma
maçã é para a comer – comer é destruir a maçã.
o Exemplo #2: um stand compra carros para os vender — isto
implica a sua alienação, por isso é uma coisa consumível.
• Relevância da distinção:
o Justifica a criação de um regime específico de usufruto —
um usufrutuário pode gozar e fruir da coisa, mas não pode
dispor e quando o usufruto acaba, tem de devolver a coisa ao
proprietário. Se a coisa for consumível, esta vai ser destruída
ou alienada — não pode haver usufruto sobre coisas
consumíveis.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Coisas divisíveis — É possível fracionar a coisa, sem a sua perda de
valor, utilidade ou perda de natureza.
• Coisa indivisível — A indivisibilidade significa que uma coisa não pode
ser dividida/fracionada sobre a pena de perder valor, utilidade ou
alterar a sua natureza.
• 3 tipos de indivisibilidade:
o Natural — Artigo 209.º
▪ Olhamos para a coisa em si e vemos se é possível
fracioná-la sem comprometer o seu valor, a sua
utilidade ou a sua natureza.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Coisa presente — existe e está na titularidade do declarante no
momento em que emite a declaração (quem vai alienar a sua
propriedade é titular do direito sobre a coisa).
o Exemplo: venda de árvore enquanto imóvel, pelo que esta
continuará no solo.
• Coisas futuras:
o Absolutamente futuras — No momento da declaração, a
coisa não existe enquanto tal.
▪ Exemplo: Negócio de compra e venda de uma árvore
que irá ser vendida após se destacar do solo — No
momento da declaração, a árvore que está presa ao
solo é uma parte integrante (imóvel), mas não é uma
coisa, porque não tem autonomia. Tem a
possibilidade de se tornar uma coisa, por isso diz-se
ser uma coisa absolutamente futura.
o Relativamente futuras — A coisa existe no mundo físico, mas
ainda não está na titularidade do declarante.
▪ Exemplo: A compromete-se a vender a B o bem de C,
onde o declarante é honesto e admite ainda não ser
titular do bem de C, mas compromete-se a vender —
assim, está a comprometer-se a adquirir o bem, para
dessa forma transmitir a propriedade ao adquirente.
▪ Nestes casos, pratica-se uma coisa válida, pois está-
se a vender uma coisa alheia, dizendo que é alheia.
Enquanto, para ser inválido, é preciso vender uma
coisa alheia, dizendo que é própria.
As coisas, muitas vezes, estão ligadas, quer isto seja fisicamente ou juridicamente.
o Artigo 206.º CC
▪ Coisas simples — São as coisas que não agregam em si elementos
autonomizáveis, nem do ponto de vista físico, nem do ponto de vista jurídico.
Ninguém contesta a existência de coisas simples.
Exemplo: maçã – está em relação com outras coisas (árvores), mas a coisa em
si mesma não assenta numa relação.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Coisas simples — A doutrina propõe manter a classificação das coisas simples, pois,
há coisas que não agregam em si, nem do ponto de vista físico, nem do ponto de vista
jurídico, coisas autonomizáveis.
o Coisas complexas — A doutrina vem dizer que as coisas complexas agregam em si, do
ponto de vista físico ou jurídico, elementos autonomizáveis. São coisas formadas,
fisicamente ou juridicamente, por mais coisas, sendo tratadas como unidade.
Têm uma conexão física com caráter de permanência com a coisa e que perde
autonomia justamente por causa dessa ligação física com caráter de permanência,
mas têm a possibilidade em si de ser uma coisa autónoma, bastando haver uma
separação.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Só se se quebrar essa conexão física com caráter de permanência é que se podem
tornar coisas.
O artigo 210.º/2 vem dizer que os negócios jurídicos que têm por
objeto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário,
as coisas acessórias. Tem-se entendido que quando se fala de coisas
acessórias aqui é em sentido estrito.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
coisa principal nem do ponto de vista físico, nem do ponto de vista
jurídico — é tratada com autonomia.)
• Pluralidade vinculada entre si juridicamente.
o Não são parte integrante, nem componente — Não há ligação
física com caráter de permanência.
o Não são elemento constitutivo da coisa principal — Não se
trata a coisa como uma só, juridicamente. Não são uma coisa
complexa.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
periodicamente esse imóvel vai gerar um fruto — a
renda.
o 2 situações dos frutos:
▪ Frutos percebidos — Já houve separação. Já foram
recolhidos/recebidos.
• Exemplo: se apanhar a maçã/receber a
renda, o fruto já é percebido.
▪ Frutos por perceber — Ainda não foi
colhido/separado/recebido. Ainda está ligado à coisa
principal.
Os próximos são conceitos paralelos que têm de ser tratados em simultâneo. Temos de avaliar qual a
capacidade dos sujeitos têm personalidade jurídica (e averiguar qual o grau de capacidade de gozo e
de capacidade de exercício de cada sujeito).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
direitos/adstrições. Quantos direitos, quantas obrigações posso ser titular ou posso
estar adstrito?
▪ Genérica — Dizemos que alguém é dotado de uma capacidade de gozo
genérica quando pode ser titular da generalidade dos direitos ou estar
adstrito à generalidade dos deveres.
• As pessoas singulares gozam de uma capacidade de gozo genérica.
▪ Específica — Alguém só pode ser titular de certos direitos/adstrito a certas
obrigações.
• É o que acontece com as pessoas coletivas; só podem ser titulares dos
direitos/adstritas às obrigações necessários à prossecução do seu fim.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o Isto não existe para as pessoas singulares. Discute-se se se aplica às
pessoas coletivas.
▪ Específica — A pessoa não pode ser titular de certos direitos (mas não da
generalidade) ou estar adstrita a certas vinculações (mas não da generalidade).
Isto não existe para as pessoas singulares. Discute-se se se aplica às pessoas
coletivas.
o É o caso dos menores.
▪ Particular — A pessoa não pode ser titular daquele direito ou daquela obrigação
em específico.
2. Incapacidade de exercício: Medida de direitos e vinculações que uma pessoa não pode
exercer/cumprir, por si só, pessoal e livremente.
▪ Genérica — O sujeito não pode exercer/cumprir a grande generalidade dos
direitos/obrigações, por si só, pessoal e livremente.
o É o que acontece com os menores.
▪ Específica — Apenas alguns direitos/obrigações não podem ser
exercidos/cumpridos pelo sujeito, por si só, pessoal e livremente.
o Caso do maior acompanhado (mais de 18 anos, mas que sofre de alguma
patologia, por exemplo demência, que pode por isso ter uma
incapacidade de exercício específica).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Meios de suprimento da incapacidade de exercício: situações jurídicas atribuídas ao terceiro que vai
suprir a incapacidade do incapaz. É preciso que o assistente seja dotado de um estatuto para estar
nessa posição.
• Responsabilidades parentais (meio principal) — No passado, dava pelo nome de poder
paternal. Agora chama-se “responsabilidades parentais” para salientar a carga passiva da
situação (de responsabilidade, pois a atuação dos pais tem de visar atender aos interesses
legítimos dos filhos e o termo “poder” salientava uma ideia ativa; uma ideia que os pais
podiam fazer o que quisessem) e a igualdade entre pai e mãe.
• Tutela (meio subsidiário) — As responsabilidades parentais e a tutela não existem ao mesmo
tempo. Só vamos à tutela na impossibilidade de haver responsabilidade parental.
• Administração de bens (meio complementar) — Nem sempre existe, mas quando existe,
existe simultaneamente ou com as responsabilidades parentais, ou com a tutela. É uma figura
complementar, porque se junta para complementar a tutela ou as responsabilidades
parentais.
4.3. Legitimidade
➔ Legitimidade (posição específica de alguém perante uma situação, que lhe vai permitir
praticar o ato) vs. Titularidade (nexo que liga o sujeito à respetiva situação, nomeadamente,
ao direito; é um nexo de pertença):
• Estas figuras costumam andar de mãos dadas, mas há casos em que há uma e não há
outra. Há casos em que há legitimidade, mas não há titularidade. E há casos em que há
titularidade, mas não há legitimidade (exemplo: contitularidade; há titularidade, mas não
têm legitimidade total para atuar sozinhos).
• Legitimidade direta — Há legitimidade que provém de titularidade. Andam de mãos
dadas.
• Legitimidade indireta — Confere-se legitimidade a alguém que não é o titular.
➔ Esfera jurídica: conjunto das situações na titularidade da pessoa num determinado momento.
É uma fotografia de todas as situações (todos os direitos que somos titulares/obrigações a
que estamos adstritos) num determinado momento. A esfera jurídica está sempre a ser
alterada.
• Hemisfério não patrimonial — As situações não são suscetíveis de avaliação pecuniária.
o Exemplo: direito à vida, direito de propriedade intelectual quanto à ideia
propriamente dita; direito à imagem enquanto bem de personalidade sem mais.
• Hemisfério patrimonial — As situações são suscetíveis de avaliação pecuniária.
o Exemplo: direito de propriedade; direito de propriedade intelectual quanto ao
valor da ideia; direito à imagem enquanto objeto suscetível de ser avaliado em
dinheiro.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
2ª PARTE: DIREITO DAS PESSOAS
5. PESSOAS SINGULARES
PESSOAS SINGULARES
Início e Termo de Personalidade Jurídica
A nossa jurisprudência resolveu questionar o regime vigente – hoje em dia tem-se dúvidas sobre o
que vigora e não apenas quanto ao que devia vigorar.
NASCITURO ≠ CONCETURO
• Conceito de nascituro:
o Nascituro em sentido amplo – engloba o conceturo e o nascituro em sentido estrito.
o Nascituro em sentido estrito – pessoa que já foi concebida, mas que ainda não
nasceu.
▪ O problema da personalidade jurídica coloca-se face aos nascituros em
sentido estrito (período que vai desde o início da gravidez e o nascimento
completo e com vida).
• Conceito de conceturo — Pessoa que ainda não foi concebida, mas que se espera virem a ser
concebidos. Não há dúvida que não tenham personalidade jurídica.
o Exemplo: “os netos que virei a ter”.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
d) Artigos 2033.º e 2240.º — é possível haver sucessão de nascituros e sucessão testamentária
de nascituros e conceturos (posso fazer um testamento, deixando parte da herança aos meus
futuros netos).
As alíneas a) e d) não são grande ajuda para o nosso problema, porque estabelecem o mesmo regime
para nascituros e para conceturos e assim não nos permitem tirar uma conclusão quanto à
personalidade jurídica do nascituro, pois, se estes artigos fundamentassem a personalidade jurídica
do nascituro, também o fariam para o conceturo (o que é um absurdo).
As alíneas b) e c) vêm dar a entender que o nascituro em sentido estrito já existe e pode ter um
representante e um património — argumentos a favor para haver personalidade jurídica do nascituro
em sentido estrito.
• 2ª dimensão — É esse o regime previsto no artigo 66.º? Como é que se deve interpretar este
artigo?
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
a) Visão tradicional — a personalidade jurídica só se adquiria com o nascimento completo e com
vida.
c) Redução teleológica do artigo 66.º/2 CC — Esta interpretação foge a esta crítica quantitativa
da personalidade. Vem dizer que temos de distinguir direitos patrimoniais de direitos não
patrimoniais e que o artigo 66.º/2 em rigor só falaria de direitos patrimoniais. Ou seja, com a
conceção haveria a aquisição de personalidade jurídica para a titularidade de direitos
pessoais, mas a aquisição de personalidade jurídica para a titularidade de direitos patrimoniais
estaria dependente do nascimento completo e com vida.
o Dentro desta visão, temos duas sub-hipóteses – pretendem distinguir qual o efeito
do nascimento:
▪ Condição suspensiva — Com a conceção nasce a pessoa jurídica, mas não há
capacidade jurídica; essa capacidade só se adquire com o nascimento
completo e com vida. Não há efeitos até ao nascimento – estão suspensos.
▪ Condição resolutiva — Com a conceção, adquire-se a personalidade jurídica
e a capacidade, mas a capacidade pode ser extinta retroativamente, se não
houver nascimento completo e com vida – a capacidade resolve-se/destrói-
se.
o Crítica: Olhando para o Código Civil, observamos que em momento algum o legislador
trocou as palavras e esta teoria aparece como um estratagema para defender um lado
do problema e não como interpretação do artigo em si.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
e) Interpretação conforme à Constituição — O artigo 24.º CRP não distingue fases da vida e não
distingue entre vida intra-uterina e vida extra-uterina. O artigo 66.º tem de ser interpretado
face à CRP, que é posterior ao Código Civil e se a CRP tutela a vida intra-uterina, o Código Civil
tem de seguir essa visão e o artigo 66.º tem de ser lido como “a personalidade começa com a
conceção”.
f) Teoria do ónus da prova — O artigo 66.º em rigor não fala de personalidade jurídica
verdadeiramente (não diz quando se adquire), trata apenas do ónus da prova. Segundo esta
visão, a personalidade jurídica dá-se com a conceção, mas entre a conceção e o nascimento,
cabe àquele que invoca a personalidade jurídica do nascituro provar que há nascituro. Depois
do nascimento completo e com vida já não é preciso provar porque a própria lei diz que há
personalidade jurídica.
O artigo 66.º é visto como uma norma que prova que há personalidade após o nascimento.
Até essa fase caberia àquele que invoca demonstrar a existência da personalidade/da vida.
Morte declarada:
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Regra: A morte tem de ser declarada. É necessária uma declaração de óbito; em regra, tem
de ser passada por um profissional de saúde (normalmente, um médico) que atesta que, de
facto, aquela pessoa está morta.
• Em certas situações, isto não é possível, desde logo, porque não há corpo.
o Exemplo: acidente de aviação – o avião fica completamente destruído e não há
corpos.
o O artigo 68.º/3 CC estabelece que quando se dá um acidente cujas circunstancias não
permitam duvidar da morte da pessoa e o cadáver não foi encontrado, a declaração
tem de ser passada por um juiz. O Tribunal tem de declarar que, naquelas
circunstâncias, a pessoa certamente morreu, para que se desencadeiem os efeitos da
morte.
• Morte presumida: o que está em causa é o desaparecimento de alguém, sem qualquer tipo
de contacto, durante x tempo (que varia entre 5 a 10 anos, consoante as idades).
o Também o Tribunal que vem presumir a morte.
o Esta morte presumida é relevante para efeitos patrimoniais – assim, pode abrir-se o
processo sucessório, para os bens não ficarem congelados indefinidamente.
o Não se diz que a pessoa morreu; presume-se que a pessoa morreu e aplica-se o regime
como se ela tivesse morrido.
5.4. Incapacidades:
5.4.1. Noção.
5.4.2. Causas.
5.4.3. Efeitos.
5.5. Menoridade
MENORIDADE
• Capacidade de gozo genérica — O menor pode ser titular da generalidade dos direitos ou
estar adstrito à generalidade dos deveres.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Incapacidade de exercício genérica — a regra é que o menor não pode exercer a generalidade
dos direitos/cumprir as suas obrigações por si só, pessoal e livremente.
Como os direitos/deveres não ficam congelados, até à maioridade, é preciso encontrar formas
de suprir esta incapacidade de exercício.
o Formas de suprimento:
o Meios de suprimento:
▪ Responsabilidades parentais (meio principal) — É o que se tenta aplicar em
primeiro lugar. A regra é que as responsabilidades parentais cabem a ambos
os progenitores e qualquer um deles pode agir, sem necessidade do outro,
exceto quando a lei imponha a atuação de ambos ou quando o ato seja muito
importante, pois aí também têm que agir ambos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Os pais já morreram.
▪ Os pais são incógnitos.
▪ Há uma incapacidade de facto prolongada – os pais estão incapazes
há mais de 6 meses. (Ex: coma depois de um acidente de viação)
▪ Os pais foram inibidos das responsabilidades parentais.
▪ Prazo:
▪ Se o ato não foi cumprido — Não há prazos até o ato ser cumprido.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ O ato não pode ter sido anulado previamente pelo
seu representante legal (o direito ainda existe na
esfera jurídica do recém-maior);
▪ Se o ato não tiver sido previamente confirmado pelo
representante legal – se o representante legal anulou
ou confirmou, o direito de anulação do menor
extingue-se.
o Os herdeiros podem anular o ato no prazo de 1 ano a contar
da morte do menor.
o Dolo do menor:
▪ Âmbito de aplicação do artigo 126.º CC — “Não tem o direito de invocar a
anulabilidade o menor que para praticar o acto tenha usado de dolo com o
fim de se fazer passar por maior ou emancipado.”
▪ Está em causa o chamado dolo artimanha – quando o menor finge ter
capacidade de exercício genérica (ser adulto), para enganar a contraparte, de
modo a celebrar um ato.
▪ Pressupostos para que se aplique o regime do dolo do menor:
▪ O menor tem que se fazer passar por maior ou emancipado.
▪ A contraparte tem de acreditar que o menor era maior ou
emancipado.
▪ Um homem médio, colocado na situação da contraparte do menor,
também precisava de ter acreditado que o menor seria maior ou
emancipado – não basta uma crença subjetiva da contraparte.
▪ Quando o dolo é bem feito, a consequência é que o menor não vai poder
anular o ato, por muito que o ato tenha um vício (incapacidade de exercício
do menor).
▪ Este é um dos casos da figura do tu quoque – a lei estabelece um regime
especial para uma figura de abuso do direito; o direito de anulação é
conferido ao menor, em geral, porque se entende que é a parte mais fraca (a
sua tenra idade e imaturidade precisam de ser protegidas). Se estamos
perante um menor que faz de propósito para enganar o próximo e bem, deixa
de haver razão para lhe permitir anular o ato; a justificação para a concessão
do direito de anulação deixa de existir.
▪ Será que os representantes legais e os herdeiros (no caso do menor morrer)
não poderão anular?
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Os representantes legais, em regra, têm legitimidade para praticar o ato
de anulação, mas não têm titularidade do direito de anulação. O
representante exerce os direitos do representado; se o representado não
tem o direito de anular, então, o representante também não poderá
anular, pois não há nenhum direito a ser exercido.
• O direito de anulação é um direito que está na titularidade do menor; se,
por causa do dolo, ele não tem o direito de anular, se ele morrer, esse
direito não integra a sua herança. Se não integra a sua herança, o herdeiro
não vai poder herdar e, consequentemente, não vai poder anular.
• Apesar da letra da lei, no artigo 126.º CC falar apenas do menor, o que se
deve retirar deste artigo é que, em caso de dolo de menor, o ato é
anulável, mas não pode ser anulado, nem pelo menor, nem pelos
representantes legais, nem pelo herdeiro.
2. Ao alcance da sua capacidade natural — a lei não pode fazer uma lista
dos atos que o menor pode celebrar; a nota da capacidade natural é
propositada, pois não se podem tratar da mesma forma um recém-
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
nascido e um menor de 17 anos; à medida que o menor vai ganhando
idade, vai tendo mais consciência e mais maturidade, pelo que vai
conseguir avaliar mais atos (se são bons ou maus e se deve ou não
praticar), ao longo dos anos.
▪ Isto é feito, de modo a que a transição para a fase adulta seja mais
gradual (olha-se para a idade e para a capacidade do menor).
c. Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido
autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa profissão, arte ou
ofício.
o Emancipação (artigo 132.º CC) — A emancipação significa que alguém é menor, mas
vai ter um estatuto de maior ou semelhante a tal. É uma forma de não cessar a
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
menoridade (pois a idade continua a ser inferior a 18), mas de cessar a incapacidade
genérica de exercício.
▪ Em Portugal, só há uma maneira – o casamento de menores com 16 ou 17
anos – têm capacidade de gozo para casar, mas não têm capacidade de
exercício; neste caso, a forma de suprimento é a assistência e não a
representação.
▪ É necessário que os pais ou o tutor autorizem o casamento, ou que
haja um suprimento da falta de autorização por parte do conservador
do Registo Civil.
▪ Emancipação plena (artigo 133.º CC) — Houve assistência (os pais/tutor
autorizaram o casamento ou houve um suprimento da falta de autorização
por parte do conservador) – o casamento é regular.
▪ O menor adquire capacidade genérica de exercício.
▪ Emancipação restrita — Não houve assistência, nem suprimento por parte do
conservador – o casamento é irregular. O menor continua casado, mas os
efeitos deste casamento resultam na emancipação restrita – há uma limitação
à capacidade de exercício adquirida pelo menor.
▪ Artigo 1649.º CC — o menor continua a ter uma incapacidade
genérica de exercício quanto à administração de bens que leve para
o casal ou que posteriormente lhe advenham por título gratuito até à
maioridade. Continua a ser considerado menor no que diz respeito as
atos de administração.
▪ Terá o menor capacidade para dispor desses bens?
o Atos de administração ≠ atos de disposição
o O nosso património é composto por elementos que podem
desempenhar funções diferentes no património – há
elementos que entram pretendendo estabilidade (não têm
de permanecer permanentemente, mas prevê-se que fiquem
durante muito tempo. Exemplo: quando adquirimos uma
casa, o direito de propriedade entra no nosso património,
considerando-se que vai ficar durante algum tempo) e há
elementos instáveis, que entram, esperando-se que saiam
logo de seguida (exemplo: compramos maçãs; esse direito de
propriedade entra no nosso património e sai logo de
seguida).
o Ato de administração — aquele que implica o uso, a fruição,
a conservação ou o melhoramento de um elemento estável
ou a alienação ou o consumo a título oneroso de um
elemento instável.
▪ Pintar as paredes do meu apartamento, comer as
maçãs que comprei, vender os frutos do meu pomar
– atos de administração.
o Atos de disposição — alienação de elementos estáveis ou a
alienação anormal de elementos instáveis (a titulo gratuito –
quando oferecemos algo).
▪ Vender uma casa – atos de disposição
▪ Vender um elemento instável faz com que ele saia e
entra o preço (ato de administração). Quando se
oferece um elemento instável, esse valor sai e não
entra nada em retorno; é um ato verdadeiramente
de alienação – assim está-se a dispor
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
verdadeiramente do património e não se está
puramente a administrá-lo.
▪ Então, poderá o menor praticar atos de disposição?
o 1.º argumento: não pode — Apesar de a lei apenas dizer atos
de administração, engloba também os atos de disposição; os
atos de disposição são muito mais onerosos que os atos de
administração; então, por maioria de razão – se a lei proíbe o
menos, tem de proibir o mais.
o 2.º argumento: pode — Esta norma é uma norma
sancionatória. O efeito normal do casamento regular leva a
emancipação plena; quando há irregularidade por falta de
assistência, vai-se punir civelmente e limitar os efeitos deste
casamento. As normas sancionatória estão sujeitas ao
princípio da legalidade; só existem as sanções previstas na lei
– não podemos aplicar sanções por analogia e não podemos
criar sanções. Se a lei só fala em atos de administração, se
aplicar aos atos de disposição, estou a violar o princípio da
legalidade.
▪ O princípio da legalidade nesta dimensão
sancionatória vem dizer que não há crime nem há
pena se não houver lei prévia.
Artigo 1649.º/2 CC — os bens subtraídos à Administração do menor (os bens que o menor levou para
o casamento ou que adquiriu a titulo gratuito depois do casamento) não respondem nem antes nem
depois da dissolução do casamento por dívidas contraídas por um ou ambos os cônjuges durante esse
período —> SEPARAÇÃO IMPERFEITA – dívidas anteriores ao casamento: os credores podem ir aos
bens separados e aos bens que o menor venha a adquirir; dívidas posteriores ao casamento: os
credores não podem ir satisfazer o seu crédito aos bens que os menores tinha anteriormente ao
casamento.
➔ MAIOR ACOMPANHADO
Atualmente, faz-se um fato à medida. Por isso, o regime é vago e só se percebe verdadeiramente o
alcance desta figura daqui a uns anos, quando começar a ser mais aplicada.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• Deficiência — no fundo, é um resquício do que estava previsto no regime anterior para a
interdição ou inabilitação, que eram os casos de surdez, mudez ou cegueira verdadeiramente
incapacitante.
• Desvios comportamentais — está pensado para situações como toxicodependência,
alcoolismo, prodigalidade (ser pródigo é demonstrar não ser capaz de gerir património –
gastar mais do que se têm, muitas vezes associado ao vício do jogo).
➔ Estas patologias/desvios têm de ter tal intensidade que resultem numa impossibilidade de
exercer os seus direitos ou cumprir os seus deveres de forma plena, pessoal e livremente.
Procedimento:
1.º Passo: Requerimento ao Tribunal – abrir o processo (as restrições à capacidade de gozo/exercício
são restrições a direitos fundamentais, desde logo à liberdade, por isso, o Tribunal tem a função de
assegurar que as restrições só são aplicadas quando estritamente necessárias e na medida do que é
necessário)
• O próprio – alguém quando está com noção dessas dificuldades (exemplo: alguém que sofre
de uma dependência ou deficiência incapacitante pode perceber e pedir ajuda);
• O cônjuge, o unido de facto ou parente sucessível + autorização do visado (maior) ou, não
sendo possível, com o respetivo suprimento da autorização, por parte do Ministério Público;
• Ministério Público.
2.º Passo: Interrogatório judicial (possibilidade de perícia) — é obrigatório que o juiz interrogue a
pessoa que pode vir estar sujeita à medida de acompanhamento, para poder ver aos certos as suas
reais capacidades. Muitas vezes, os casos não são óbvios e quando o juiz não se sente à vontade para
aferir quando há estas patologias/desvios, pode pedir uma perícia – avaliação das reais capacidades
da pessoa (psiquiatra para as anomalias psíquicas ou neurologista para as demências).
4.º Passo: Registo do acompanhamento na Conservatória do Registo Civil — para que haja
publicidade da medida, para efeitos da tutela da própria pessoa.
Se a medida foi decretada, a lógica é a capacidade genérica de gozo para tudo. No entanto, a lei
permite que, na sentença, o juiz estabeleça algumas incapacidades específicas de gozo (fato à
medida).
Algumas incapacidades específicas de gozo que não têm que existir, mas podem existir:
• Incapacidade para casar;
• Incapacidade para testar;
• Incapacidade para perfilhar;
• Incapacidade para ser tutor;
• Incapacidade para exercer responsabilidades parentais.
A maior parte das vezes, os problemas do maior acompanhado estão na incapacidade de exercício,
pois é aí que o fato é completamente feito à medida.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Não se consegue dizer a priori se há uma incapacidade específica de exercício ou uma incapacidade
genérica de exercício.
A incapacidade específica tem prevalência, mas o seu âmbito é determinado pela sentença.
Formas de suprimento: Todo este regime é flexível e, por isso, o julgador pode criar um mix e aplicar
uma forma para uma área e outra forma para uma outra área.
• Assistência — Como a lógica é preservar ao máximo a autonomia deste maior que vai ser
acompanhado, o nosso regime prefere a aplicação de um regime de assistência, ou seja, de
acompanhamento, em que o ato é praticado em conjunto entre o maior e o acompanhante
ou é praticado pelo maior, mas sujeito à autorização prévia do acompanhante.
• Representação (pode haver cumulativamente, ou em alternativa): Em casos mais graves,
quando o fundamento para a decretação do acompanhamento, a assistência não chega, pois
a pessoa não consegue fazer com ajuda nem sozinha, mas com autorização e precisa que o
façam por ela.
o Representação Específica – O legislador prefere a representação específica à
genérica. Para certas áreas da vida daquele maior (o mais delimitadas possível) há
representação, mas no resto, não haverá (ou não há nada, ou há assistência).
o Representação Genérica – Só no limite é que vamos para a representação genérica.
Para todas as áreas da vida do maior, há representação (é o figurino mais pesado de
todos).
Meios de suprimento: A lei oferece três exemplos possíveis, mas aceita que o juiz tenha a criatividade
para estabelecer algo diferente, desde que seja adequado e suficiente.
• Responsabilidades parentais
• Tutela
• Administração de bens
• Intervenções de outro tipo — Total flexibilidade.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Qualquer dos pais
▪ Pessoa designada pelos pais ou tutor
▪ Filhos maiores
▪ Avós
▪ Pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado está integrado
▪ Mandatário a quem o acompanhado havia conferido poderes de
representação
▪ Pessoa idónea – alguém que ofereça garantias de credibilidade.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ 3) Atos anteriores ao anúncio da propositura da ação (atos que se
passem antes do processo se iniciar).
o A única maneira de tutelar, se for tutelável é através da
incapacidade acidental (artigo 257.º CC); se houver
incapacidade acidental e se os requisitos tiverem
preenchidos o ato será anulável e o acompanhante poderá
anular ou o acompanhado uma vez cessada a incapacidade.
Cessação do acompanhamento:
• Cessa quando o Tribunal levantar o acompanhamento. O tribunal pode ser instado pelo
próprio acompanhado, pelo acompanhante ou por qualquer uma das pessoas que tenha
legitimidade par pedir a aplicação da medida do acompanhamento para levantar o mesmo.
o Isto verifica-se em casos onde já não há necessidade para o acompanhamento
(exemplo: alcoolismo, vício no jogo). Tem que ser pedido e o tribunal avalia. Ou
concorda e levanta o acompanhamento, pelo que estaremos perante um maior; ou
pode também concordar parcialmente (reconhecer que há melhorias, mas não
suficientes para levantar o acompanhamento), mas pode alterar o facto e torná-lo
mais leve, ao estabelecer um regime diferente.
• O Tribunal tem o dever de ofício de periodicamente, pelo menos de 5 em 5 anos, avaliar se
ainda há justificação para esta medida de acompanhamento e se este precisa de ser alterado.
Se ainda houver justificação para o acompanhamento, o Tribunal deve avaliar se esse regime
precisa de ser alterado para mais ou para menos.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
• O nosso legislador resolveu isto criando requisitos de relevância.
Logo, para além do vício (incapacidade acidental) é preciso que se
verifique um certo requisito de relevância.
Consequência: anulabilidade.
Havendo incapacidade acidental relevante e portanto geradora de anulabilidade, nasce na esfera
jurídica do incapaz o direito de anular.
Quem pode exercer este direito: O incapaz quando cessa a incapacidade.
(Mas, se estivermos a falar de alguém que tem uma patologia persistente [maior acompanhado] e que
praticou um ato antes do anúncio da propositura da ação, nesse caso, depois de ser decretado o
acompanhamento, o acompanhante poderá exercer o direito de anulação durante o período do
acompanhamento. Se o incapaz morrer e o direito de anulação ainda existir, tal será herdado pelos
respetivos herdeiros.)
Prazo: 1 ano a contar da cessação do vício.
➔ PESSOAS COLETIVAS: O conceito de pessoa coletiva alcança-se por exclusão de partes - temos
um regime dual (só temos 2 sujeitos): é pessoa coletiva todo o ente a que o direito reconhece
personalidade jurídica e não seja pessoa singular.
Elementos:
• Elementos internos:
o Substrato (ato constitutivo): Realidade sobre a qual se vai erguer a pessoa coletiva. É
preciso sempre uma realidade que serve de base à atribuição de personalidade
jurídica. Em Portugal temos 2 realidades possíveis — pessoas e patrimónios.
▪ Substrato pessoal: Há pessoas coletivas que são constituídas pelo
agrupamento de pessoas (várias pessoas singulares ou coletivas). Juntam-se
pessoas e dessa junção nasce a pessoa coletiva.
▪ Substrato patrimonial: Atribui-se personalidade jurídica a um património
criado.
• A identificação de substrato é aquilo que vai constar do ato
constitutivo da pessoa coletiva (criação do seu substrato – grupo de
pessoas ou património).
o Organização formal (estatuto): A pessoa coletiva necessita de órgãos (centros de
imputação de poderes funcionais) para funcionar, ter uma vontade, para poder
exteriorizar a sua vontade e agir no comércio jurídico.
▪ Ao conjunto dos poderes funcionais atribuídos a um órgão chama-se
competência (a competência do órgão é o conjunto dos poderes funcionais
que lhe são atribuídos).
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
▪ Temos orgãos singulares (composto por um titular) e colegiais (compostos
por vários titulares – várias pessoas singulares).
▪ Temos também órgãos consultivos (preparam/estudam as decisões, podem
emitir opiniões, mas não vinculam) e ativos (aquele que forma a vontade da
pessoa coletiva e age).
Podemos ter duas dimensões de órgãos ativos:
• Órgãos ativos internos: forma a vontade/delibera e diz que a pessoa
coletiva quer x.
• Órgãos ativos externos: exteriorização da vontade da pessoa coletiva
para a realidade – a sua atuação no comércio jurídico, a celebração
de negócios, etc.
o Reconhecimento: Reconhecer que há ali uma pessoa dotada de personalidade
jurídica. O Direito, através do reconhecimento, vem dizer que tal substrato com tal
organização tem personalidade jurídica.
▪ Normativos vs. individual:
• Normativo — O reconhecimento normativo provém da lei – se a
previsão da norma estiver preenchida, a estatuição da norma é a
atribuição de personalidade jurídica.
• Individual — O reconhecimento individual provém de um órgão/ato
administrativo - é preciso submeter um pedido a um determinado
órgão administrativo, para que seja concedida/reconhecida a
personalidade jurídica. O pedido é seguido de análise e caso a
resposta seja afirmativa, reconhece-se personalidade coletiva à
pessoa colectiva. É um reconhecimento individual porque é feito caso
a caso.
▪ Explícito vs. Implícito:
• Explícito — O reconhecimento resulta direitamente ou da norma ou
do ato administrativo.
• Implícito — O reconhecimento resulta indiretamente da norma ou do
ato administrativo.
• Elementos externos:
o Fim: É o interesse prosseguido pela pessoa coletiva. O que é que ela quer? Para que
é que ela serve? Foi criada para quê? Ex: Ganhar lucro
o Objeto: Atividade da pessoa coletiva. Ex: Atividade de construção civil
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
o A pessoa coletiva de fim ideal existe quando o interesse não é suscetível de avaliação
pecuniária.
▪ Exemplo: Pessoas coletivas com fins culturais, artísticos, educacionais e de
solidariedade social.
c) Pessoas coletivas de tipo associativo/cooperativo ou de fim fundacional: A diferença está no
substrato.
o Fim associativo/cooperativo — o seu substrato é pessoal (conjunto de pessoas);
o Fim fundacional — o seu substrato é patrimonial.
d) Pessoas coletivas de vontade imanente ou de vontade transcendente:
o Pessoas coletivas de vontade imanente quando a vontade da pessoa coletiva é criada
pelos seus próprios membros.
o Pessoas coletivas de vontade transcendente quando a vontade da pessoa coletiva é
limitada e dirigida pela vontade de alguém que não integra a pessoa coletiva.
Tipos legais:
1. Associações em sentido amplo — pessoa coletiva cujo substrato é composto por um conjunto
de pessoas.
1.1 Associações em sentido estrito — ou têm um fim económico não lucrativo ou têm
um fim ideal (o interesse não é suscetível de avaliação pecuniária).
1.2 Sociedades — têm um fim económico lucrativo (querem ter lucro; é essa a sua
função):
a. Sociedades comerciais: Dedicam-se à prática de atos de comércio e são criadas à luz do
Código das Sociedades Comercias. Este Código prevê 4 tipos de sociedades: sociedade
anónima, sociedade por quotas, sociedade em comandita e sociedade em nome coletivo.
b. Sociedades civis sob forma comercial: Sociedades cujo objeto não é a prática de atos de
comércio, mas que foram criadas de acordo com o regime previsto pelo Código das
Sociedades Comerciais.
c. Sociedades civis: É discutível que elas existam. Não é pacífico que estas sociedades previstas
no artigo 980.º CC e ss. sejam pessoas coletivas.
A maioria da doutrina diz que sim, mas não é pacífico. Olhando para o Código Civil, na parte geral, no
capítulo II fala-se de pessoas coletivas e, ao folhear esses artigos, apercebemo-nos que só se fala de
associações e de fundações. As sociedades civis propriamente ditas só são faladas nos artigos 980.º e
seguintes.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
O regime das associações e das fundações aparece na parte dedicada às pessoas coletivas (artigos
157.º e seguintes), enquanto o regime das sociedades civis aparece na parte dedicada aos contratos.
Essa matéria aparece tratada enquanto modalidade dos contratos.
A razão da dúvida também tem a ver com o reconhecimento – o reconhecimento é um elemento
intrínseco da pessoa coletiva e é através do reconhecimento que, regra geral, se adquire a
personalidade jurídica (exceção muito ampla: sociedades comerciais e sociedades sob forma
comercial).
Os artigos 157.º e seguintes têm uma norma sobre o reconhecimento das associações em sentido
estrito e sobre o reconhecimento das fundações. Não existe no Código Civil, pelo menos,
explicitamente, nenhuma norma sobre o reconhecimento das sociedades civis e é aí que está o
problema.
A inexistência de uma norma que trate do reconhecimento das sociedades civis – é por isso que muitos
autores vêm dizer que estas não têm personalidade jurídica. Assim, através da sociedade civil cria-se
um património coletivo – ao qual se aplica um regime de contitularidade.
Há outros autores que vêm dizer que, em certos casos, a sociedade civil pode ter personalidade
jurídica e noutros não, pelo que nos casos em que não tem, temos um património coletivo e as regras
aplicadas são as da contitularidade.
Porque é que a maioria da doutrina defende a possibilidade das sociedades civis terem personalidade
jurídica em certos casos?
• Terminologia — Olhando para o regime previsto para as sociedades, percebemos que a forma
como ele está redigido sugere que a sociedade é uma pessoa diferente dos sócios. Os artigos
980.º e seguintes falam dos direitos, das obrigações da sociedade, dos direitos/obrigações do
sócio em face da sociedade, etc.
A linguagem/construção frásica sugere que a sociedade é uma entidade diferente dos sócios.
É uma pessoa.
• Regime de separação patrimonial imperfeita previsto para a sociedade civil — Ideia de que,
com a sociedade civil é criado um património social e, em relação aos credores da sociedade,
esses podem executar o património social ou o património dos sócios, mas os credores dos
sócios não podem executar o património da sociedade. Essa separação patrimonial imperfeita
é semelhante à que existe nas sociedades em nome coletivo, que são pessoas jurídicas porque
o Código das Sociedades Comerciais reconhece personalidade jurídica. Vem-se dizer: se as
sociedades em nome coletivo podem ser pessoas coletivas, porque é que as sociedades civis
não podem ser?
• Organização: A organização que está prevista para as sociedades civis nos artigos 980.º e ss.
é decalcada da organização das sociedades em nome coletivo. Mais uma vez a dúvida é: se as
sociedades em nome coletivo podem ser pessoas coletivas, porque é que as sociedades civis
não podem ser?
• Artigo 1007.º CC: Trata do caso em que, por alguma razão, fica só um sócio. O que este artigo
prevê é a subsistência da sociedade durante o prazo de 6 meses até esta poder voltar a ter
pluralidade de sócios – o simples facto de admitir a subsistência da sociedade quando só existe
uma pessoa, parece sugerir que a sociedade é uma realidade diferente daquela pessoa. Se
não fosse algo diverso, não faria sentido dizer que a pessoa subsistia.
• Artigo 2033.º/2 CC: Reconhece capacidade sucessória às sociedades civis - significa que estas
podem vir a herdar algo/suceder no direito do de cuius. A pergunta é: O ser herdeiro
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
pressupõe que sejam pessoas coletivas. Se as sociedades civis não são uma pessoa coletiva,
como é que podem ser herdeiras?
Tudo junto isto sugere que a sociedade civil pode ser uma pessoa coletiva.
O problema continua a ser a ausência de uma norma que estabeleça ou discipline o reconhecimento
de personalidade jurídica às sociedades civis.
Sugestão da Doutrina:
Artigo 157.º CC
Campo de aplicação
As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro
económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia
das situações o justifique.
O Artigo 157.º CC permite que os artigos seguintes sejam aplicados analogicamente às sociedades
civis.
Artigo 158.º
Aquisição da personalidade
1 - As associações constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido, que
contenham as especificações referidas no n.º 1 do artigo 167.º, gozam de personalidade jurídica.
Todavia se a sociedade civil não for constituída por escritura pública ou se a escritura pública não tiver
os elementos exigidos pelo 167.º, só tenho um caso de contitularidade e não tenho uma pessoa
coletiva.
2.º Reconhecimento: A regra para a generalidade das pessoas coletivas é que a aquisição da
personalidade jurídica se dá na data do reconhecimento.
(Exceções à regra geral: sociedades comerciais, sociedades civis sob forma comercial ou sociedades
de advogados em que a aquisição da personalidade jurídica não se dá com o reconhecimento, mas dá-
se com o registo.)
• Reconhecimento normativo — Provém da aplicação da estatuição de uma norma.
• Reconhecimento individual — Provém de um ato de um órgão administrativo.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
3.º Registo enunciativo no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC)
Como a regra é que a aquisição da personalidade jurídica se dá com o reconhecimento, o registo, em
regra, será enunciativo – serve apenas para publicitar.
(Nos casos excecionais, como as sociedades comerciais, sociedades civis sob forma comercial ou
sociedades de advogados, o registo é constitutivo, porque é aí que se adquire a personalidade
jurídica).
3.º Registo enunciativo no Registo Nacional das Pessoas Coletivas – dar a saber que nasceu esta nova
associação, somente para efeitos de publicidade.
Constituição de sociedades civis: Aplicar por analogia o regime das associações previsto nos artigos
157.º e 158.º/1.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
No entanto, o próprio legislador, no regime dos contratos de sociedade, vem tentar salvar este
contrato e, portanto, vem dar 2 hipóteses de salvação a estes casos em que a lei impõe que o contrato
seja celebrado por escritura pública para que seja formalmente válido.
1.ª hipótese de salvação — conversão: tentar alterar a natureza (ler com outros olhos) da
contribuição do sócio que justificava a imposição de escritura pública.
Exemplo: 3 sócios celebram um negócio em que o que justificava a imposição de escritura pública era
um dos sócios, C, entrar para o património social com um imóvel. Os outros sócios, A e B, contribuem
com dinheiro e C contribui com o direito de propriedade sobre o imóvel. Assim, para tentar salvar este
negócio através da conversão, A e B continuam a contribuir com dinheiro, mas C, em vez de contribuir
com o direito de propriedade sobre o imóvel (para tal, é preciso escritura pública), vai contribuir com
um direito pessoal de gozo sobre o imóvel – permite que utilizem o imóvel. A propriedade continua a
ser dele, mas ele está a permitir que a sociedade venha a usar o imóvel. Como o direito pessoal de
gozo já não exige escritura pública, é possível salvar o negócio.
2.ª hipótese de salvação — redução: não sendo viável a conversão, tenta-se aplicar a redução e excluir
a participação que justificava a imposição de escritura pública.
No caso, vamos constituir uma sociedade formalmente válida entre A e B mas excluir o C porque a
razão de exigência da escritura pública estava na contribuição do C – o direito de propriedade sobre
o imóvel.
2.º Reconhecimento normativo implícito (é implícito porque é um reconhecimento indireto, uma vez
que é feito através de analogia) — aplica-se analogicamente o artigo 158.º/1, por força do previsto no
artigo 157.º, pelo que o reconhecimento é implícito.
Fonte do reconhecimento normativo implícito – analogia.
3.º Registo enunciativo no Registo Nacional das Pessoas Coletivas — Para efeitos de publicidade.
Constituição de fundações:
Neste caso, o substrato é patrimonial e está-se a atribuir personalidade jurídica a um património.
1.º Ato de dotação ou instituição da fundação — Este ato pode ser feito por 2 maneiras:
• Ato intervivos: a pessoa que vai instituir a fundação fá-lo em vida – feita por escritura pública.
• Ato mortis causa: a fundação é criada depois da morte da pessoa – feita por testamento.
Para além deste ato constitutivo, a fundação também precisa de um estatuto. Aqui, temos regimes
diferentes. O instituidor não precisa de fazer os estatutos (como os sócios/associados), pode optar
por os fazer.
Quando não é o instituidor a fazer os estatutos temos que distinguir a instituição intervivos da mortis
causa.
• Instituição intervivos – se o instituidor não tiver feito os estatutos, tais devem ser feitos pela
entidade a quem compete o reconhecimento da fundação.
• Instituição mortis causa – se o instituidor não tiver feito os estatutos, tais devem ser
elaborados, em primeira linha, pelos executores do testamento; só no caso de eles não
fazerem é que caberá à entidade com competência para reconhecer a fundação.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
2.º Reconhecimento individual explícito — O reconhecimento, nas fundações, é feito por ato
individual de avaliação daquele projeto de fundação.
Atualmente, a competência para avaliar cabe ao Primeiro Ministro que delegou na presidência do
Conselho de Ministros. Depois de criado o património, é preciso remeter um pedido à presidência do
Conselho de Ministros para reconhecer a fundação e vai avaliar.
Se o desfecho for sim: temos um ato administrativo que reconhece personalidade jurídica à fundação
x (reconhecimento individual e explícito). A personalidade jurídica da fundação adquire-se nesta altura
— com o ato administrativo que reconhece a existência daquela fundação dá-se um reconhecimento
individual explícito que confere personalidade jurídica à fundação.
3.º Registo enunciativo no Registo Nacional das Pessoas Coletivas — efeitos de publicidade.
Recusa do reconhecimento de uma fundação: O que é que deve ser avaliado e qual é a consequência
do pedido ser indeferido? (Se o pedido for deferido, adquire-se personalidade jurídica)
Na hipótese do reconhecimento ser negado, a lei só trata de uma das causas. O artigo 188.º/5 CC fala
dos efeitos da recusa de reconhecimento com fundamento na insuficiência definitiva do património.
Artigo 188.º/5 CC — “Negado o reconhecimento por insuficiência do património, fica a instituição sem
efeito, se o instituidor for vivo; mas, se já houver falecido, serão os bens entregues a uma associação
ou fundação de fins análogos, que a entidade competente designar, salvo disposição do instituidor em
contrário.”
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
outros olhos, de maneira a continuar a ir ao encontro do interesse da parte(s), mas sem que haja
fundamento para a invalidade do mesmo.
Neste caso, é preciso olhar para aquela instituição e ver se não é possível criar uma instituição com
um fim prático parecido com o pretendido pelo instituidor, mas que seja socialmente relevante. Se
for possível identificá-lo, essa será conversível e vamos ter uma fundação com esse fim admissões.
Se não for possível converter e se a instituição for inter vivos, os bens são devolvidos ao instituidor;
se a instituição for mortis-causa, os bens serão entregues aos herdeiros.
Artigo 160.º
Capacidade
1. A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou
convenientes à prossecução dos seus fins. (Delimitação positiva)
2. Exceptuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade
singular. (Delimitação negativa)
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Será, então, que uma sociedade não pode fazer uma doação? A resposta é: pode.
Pese embora o princípio da especialidade, uma sociedade pode efetuar doações. Não pode é
converter a sua atividade principal em doações (a sua atividade principal não pode ser doações, pois
isso comprometeria o fim lucrativo inerente às sociedades).
Quais são os fundamentos para admitir que as sociedades podem proceder a doações de forma
residual?
1. O Código das Sociedades Comerciais admite as doações – não são incompatíveis com a ideia de
sociedade e de obtenção de lucro.
2. O Estatuto dos Benefícios Fiscais concede benefícios às pessoas coletivas por mecenato – apoio que
as pessoas coletivas possam dar a atividades de cariz social, cultural, etc – portanto, o simples facto
de dar um benefício fiscal à pessoa coletiva que procede a este tipo de apoio financeiro demonstra
que este tipo de apoio existe e é permitido.
3. Para além disto, em Portugal vigora o princípio da solidariedade (ajuda ao próximo) e não faz
sentido excluir as pessoas coletivas do âmbito deste princípio e dizer que estas não devem ajudar o
próximo. Pelo contrário, muitas vezes, a capacidade económica de uma pessoa coletiva é bastante
superior à capacidade económica de uma pessoa singular, pelo que, em prol da sociedade e da
solidariedade, faz mas sentido a pessoa coletiva colaborar do que a própria pessoa singular – pode
marcar mais a diferença.
LIMITAÇÕES ÀS DOAÇÕES:
• O destinatário nunca pode ser um sócio. A ideia é favorecer terceiros e não nós próprios.
• As doações também não podem comprometer a existência de lucro (pode afetar o montante,
mas não se pode fazer uma doação de modo a comprometer a existência de lucro, de todo).
2.º Problema — Poderá uma associação ou fundação de fim ideal/altruísta praticar atos lucrativos?
(Exemplo: organizar um espetáculo em que cobram entradas, organizar campeonatos em que cobram
entradas, vender algum tipo de lembranças, etc — a ideia destes atos é trazer lucro)
Mais uma vez, a resposta é positiva. Podem, mas não a título principal. Como a sua principal atividade
não é lucrativa, não podem passar a ter uma atividade lucrativa – não têm capacidade de gozo para
tal. Podem, contudo, praticar atos que são lucrativos em si mesmo considerados, desde que sejam
instrumentais para a prossecução dos seus fins.
Mesmo as atividades mais altruístas pressupõem a existência de fundos e de bens materiais e,
portanto, é preciso financiamento que pode vir de doações, patrocínios, etc, mas como tal pode não
ser suficiente, é possível que a própria pessoa coletiva precise de angariar os seus fundos para poder
canalizar para a sua atividade não lucrativa.
Só podem realizar atos lucrativos se esse lucro for canalizado para o exercício da sua atividade.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
com a natureza da pessoa coletiva), mas aí caímos na primeira delimitação
(positiva) e estamos a falar de direitos e vinculações inseparáveis da
personalidade singular e, portanto, não era necessário haver proibição legal,
pois tal resultaria da própria natureza da situação.
▪ Ou então (o que faz sentido), é uma política-legislativa – por alguma razão
(que não a natureza de certos direitos), o legislador entendeu que se deve
vedar a titularidade de certos direitos às pessoas coletivas. É preciso descobrir
se há esta limitação caso a caso. Se houver, aplicamos. Caso contrário aplica-
se o regime geral da capacidade de gozo das pessoas coletivas.
▪ Ou seja, falamos de direitos e vinculações que, por natureza, podiam estar na
titularidade de uma pessoa coletiva, mas que por razões puramente legais
não estão.
➔ PESSOAS RUDIMENTARES
(Expressão criada na década de 70)
Problema subjacente a esta noção: será que a personalidade jurídica é um conceito quantitativo?
Quando falámos dos conceitos fundamentais, a personalidade jurídica foi apresentada como um
conceito qualitativo – é uma qualidade que se tem; a qualidade de ser suscetível a ser titular de um
direito ou de estar adstrito a obrigações. Essa é, claramente, a posição maioritária.
No entanto, às vezes questiona-se se será sempre assim e se não é possível haver uma dimensão
quantitativa, pelo que haveriam graus de personalidade; personalidade de grau pleno para as pessoas
singulares e coletivas e personalidade de grau menor para as tais pessoas rudimentares.
Estamos a falar de entidades que, à partida, não têm personalidade jurídica, mas que, no entanto, têm
personalidade judiciária e, portanto, podem propor ações e podem ser intentadas ações contra elas,
assim como podem praticar todos os atos processuais no decurso das ações.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Artigo 2.º do CIRC
(Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas/Coletivo)
Sujeitos passivos
1 — São sujeitos passivos do IRC:
Retiramos destes artigos que, no âmbito do processo civil, entidades que não teriam personalidade
jurídica podem ser partes num processo. Ou, no âmbito do Código do Imposto sobre o Rendimento
Coletivo que entidades que não tem personalidade jurídica podem estar obrigadas a pagar impostos.
Ou seja, retiramos que estas entidades podem ser titulares de direitos (nem que seja direito de ação),
ou adstritas a vinculações (nem que seja a obrigação de imposto) – serão pessoas coletivas? Serão
pessoas jurídicas? Como explicar estes artigos?
• 1.ª visão (fação, hoje em dia, claramente menor): Afirma que há inexistência de
personalidade jurídica apesar de ser verdade que haja uma atribuição de personalidade
judiciária e possibilidade de ter um direito de ação e uma potencial obrigação tributária.
o Esta visão defende que o que temos é um tratamento global do coletivo — na maior
parte das vezes estamos a falar de patrimónios sem sujeito (ou com um sujeito
indefinido), pelo que para facilitar, trata-se de tudo ao mesmo tempo, permitindo que
vão a juízo e que o fisco cobre imposto.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
Esta visão, no entanto, não é muito seguida, porque, de facto, o que a lei diz é que estas entidades
têm direito de ação/obrigação de pagar impostos, por isso, a maior parte da doutrina segue um dos
caminhos que é a existência de personalidade jurídica.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa
quando transposto para as pessoas singulares e não há nada
que impeça que o possamos fazer, pois as capacidades físicas
e intelectuais das pessoas singulares são diferentes. Há o
perigo que a certa altura, quando falado de um recém-
nascido ou de uma pessoa com demência, se defenda que se
diminua a personalidade jurídica, porque essa pessoa, em
rigor, não tem capacidades para ser titular de certos direitos
e estar adstrita a certas vinculações. Há um perigo de
começarmos a distinguir graus de personalidade dentro das
próprias pessoas singulares – algo que o nosso ordenamento
jurídico não tem.
▪ Só se encontram esses graus na capacidade.
Sebenta de Teoria Geral do Direito Civil I (2021) — Margarida Araújo Freitas de Sousa