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Pandemic and Pentecostalism in Brazil: Controversies between religion, sanitary

measures and pharmacotherapeutic treatments


Jacqueline Moraes Teixeira
Mariana Côrtes1

Abstract: Brazil has faced a health, economic and political crisis related to the Covid 19 pandemic since mid-
March 2020, when the first cases of local transmission of the virus and the first deaths were reported. From that
period onwards governmental initiatives for closing trade, industry, churches and services considered non-
essential broke out in several states, initiating distancing policies and a public debate on the effectiveness of social
isolation in the control of cases, in prevention deaths and the maintenance of the public health system. Since the
beginning of the pandemic, evangelical churches (the second largest religious group in the country) have raised
numerous controversies, some of them for defending a political alliance with the government of President Jair
Bolsonaro, in opposition to the sanitary measures of social distance, consolidating a political defense of openness
religious temples and the State's recognition of religions as an essential service. Such controversies became even
more acute when Bolsonaro began to openly defend the use of chloroquine in the prophylactic treatment of Covid
19, denouncing social isolation measures as part of a plot against his current government and an attempt on
citizens' freedom. This article is an analysis of the intersections between religion, politics and health, presenting as
a case study some public positions of pastors, bishops and other Pentecostal leaders regarding the use of
chloroquine hydroxide and other therapeutic possibilities for the treatment of Covid 19. More than classifying
these conducts as simply forms of denial of science, it is a matter of thinking of them as heterodox ways of
insertion in the struggles of the academic field, of appropriating the scientific lexicon and usurping the game of
legitimate discourses. When thinking about how the circulation of this knowledge is connected to party alliances,
associating a health crisis with a political and religious dispute, our objective is to analyze how such processes
resignify the relationship between religion and science, as well as the relationship between religion and the Nation
State.

1
Professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia.
1. Contexto da pandemia no Brasil: contexto do governo Bolsonaro (Mariana)

O planeta vem enfrentando uma crise sanitária de largas proporções desde que a
Organização Mundial de Saúde declarou a existência de uma pandemia causada pela
disseminação global do vírus Sars-Cov-2 no dia 11 de março de 2020. No mundo todo, até a
presente data, há o registro de 115.781.179 casos de coronavírus e 2.572.353 mortes. Em
número de vidas perdidas para a doença, o Brasil ocupa o segundo lugar com 261.188 mortos,
ficando atrás apenas dos Estados Unidos, com 520.028 mortos2. Não é uma mera coincidência
o fato de que os dois países que ocupam o topo do ranking de letalidade causada pelo
coronavírus tenham sido administrados durante o ano de 2020 por governos populistas de
extrema direita liderados pelos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro. No Brasil, no mês
de março, os primeiros casos de transmissão local do vírus foram registrados e as primeiras
mortes notificadas. Contudo, o governo do presidente Jair Bolsonaro, eleito no segundo
semestre de 2018 e empossado no cargo em janeiro de 2019, apresentou-se contra, desde o
início, às medidas preventivas de isolamento social e às iniciativas implementadas por parte
dos governos estaduais e das administrações municipais de fechamento de indústrias,
comércios, escolas, universidades, igrejas e de todos os serviços considerados não-essenciais.
Para uma grande parte dos pesquisadores e dos jornalistas, a posição do poder executivo
poderia ser considerada como negacionista, pois negava a gravidade da enfermidade ou
desqualificava as medidas preventivas como o uso de máscaras e a necessidade de manter-se
isolado. Contudo, os discursos do presidente sobre a pandemia oscilaram entre comentários que
claramente atenuavam a letalidade do vírus e falas que, de forma surpreendente, seguiam a
direção contrária, pois reconheciam a capacidade de produção de morte da covid-19 e, ainda
assim, afirmavam que era preciso enfrentar a doença através de uma espécie de ethos viril, em
uma convocação para a guerra, em um diagrama militar. No dia 17 de março de 2020, quando
os primeiros casos e mortes foram notificadas, Bolsonaro declarou: “Esse vírus trouxe uma
certa histeria”3. No dia 20 de março, Bolsonaro qualificou a síndrome provocada pelo Sars-
Covid-2 como uma “gripezinha”: “Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar” 4. No dia
22 de março, dois dias depois, o presidente se posicionou contra os decretos públicos de
quarentena obrigatória assinados pelos governos estaduais: “O povo saberá que foi enganado
por esses governadores e por parte da grande mídia”. No dia 24 de março, em pronunciamento
oficial à nação brasileira, Bolsonaro volta a minimizar a gravidade da doença ao denomina-la
2
Dados contabilizados até o dia 04 de março de 2021.
3
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=D4xrXcq867U. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
4
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=352RoCLIy1Q. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
como uma “gripezinha”: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse
contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria, ou seria, quando muito,
acometido de uma “gripezinha” ou “resfriadinho”5. Contudo, a partir do final do de mês de
março, o discurso do presidente da República produz uma inflexão que parece ter passado
desapercebida pelos analistas que sustentam a tese de que líderes políticos de extrema direita,
como Bolsonaro e Trump, operaram por meio de uma posição de “negacionismo” da
capacidade de produção de morte da pandemia. No dia 29 de março, diante de membros da
imprensa e grupos de apoiadores que o aguardam no caminho para o Palácio da Alvorada,
declarou: “O vírus tá aí, vamos ter que enfrenta-lo. Mas enfrentar como homem, pô! Não como
moleque, com a realidade. É a vida. Todos nós vamos morrer um dia”. No dia seguinte, no dia
30 de março, Bolsonaro afirmou: “Vai morrer gente? Vai!”. No dia 02 de abril, ao conversar
como uma comitiva de pastores evangélicos que vieram de diferentes partes do Brasil para
reivindicar a reabertura dos templos religiosos, Bolsonaro debochou da posição dos
governadores estaduais que decretaram o fechamento de atividades dos setores industriais,
comerciais e de serviços: “Tá com medinho de pegar o vírus?”. No dia 20 de abril, ao ser
interrogado por um repórter sobre o número de mortes provocadas pelo coronavírus no Brasil,
ele respondeu: “Não sou coveiro”6. Quando interrogado por um jornalista sobre o fato de o
Brasil ter atingido o número de cinco mil mortos e ultrapassado a China, Bolsonaro, no dia 28
de abril, desdenhou: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço
milagre”7. No dia 18 de setembro de 2020, em evento de entrega de títulos de propriedade rural
no interior do estado de Mato Grosso, Bolsonaro discursou para um público composto por
integrantes do agronegócio: “Para vocês não entrarem naquela conversinha mole de “fica em
casa” e a economia a gente vê depois. Isso é para os fracos” 8. No dia 10 de novembro, quando
o Brasil atingiu a marca de 162.842 mortos, Bolsonaro, em uma coletiva de impressa, declarou:
“Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio, pô! Lamento os mortos, lamento.
Tem que deixar de ser um país de maricas, pô!”9. Bolsonaro, no dia 11 de fevereiro de 2021,
em uma de suas lives semanais na plataforma Youtube, sustentou: “A vida continua (...). Não
adianta ficar em casa chorando, não vai chegar a lugar nenhum” 10. No dia 04 de março de
2021, quando o Brasil atingiu o número de 1.786 mortes diárias e o número 261.188 mortes no
total, Bolsonaro, em um evento de inauguração de um trecho de ferrovia, dirigiu-se a um

5
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=mc37lXPnEas. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
6
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=aIpUbYjjdn0. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
7
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=4HFbUzzpUoE&t=189s. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
8
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=cHm6uobUR74. Acesso em 12 de fevereiro de 2021
9
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=RVoJld9fsjE. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
10
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=vaSGPeORMFA. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
público de agricultores: “Vocês não ficaram em casa. Não se acovardaram. Nós temos que
enfrentar nossos problemas. Chega de frescura. De mimimi. Vão ficar chorando até
quando?”11.
As declarações do presidente passaram, portanto, logo no primeiro mês de incidências
dos primeiros casos e mortes no país, por uma espécie de turning point. Não se tratava mais de
atenuar a gravidade da doença nem de diminuí-la como uma gripezinha. O que estava em curso
era algo mais assustador – o presidente não estava mais mentindo, ele estava falando a verdade.
Bolsonaro não negou que o vírus produziria a morte de parcela da população – “Vai morre
gente? Vai”. Ao contrário, ele anunciou a letalidade do vírus, e ainda assim, convocou os
cidadãos a saírem de suas casas, irem para as ruas, voltarem para o trabalho, enfrentarem a
doença como “homens”, não como “maricas”. Ele, de forma consciente, por meio de uma
espécie de call of duty, expõe a população brasileira ao risco de contágio de uma doença que
pode provocar a morte, altos índices de hospitalização em cuidados intensivos, e sequelas
respiratórias, cardíacas ou neurológicas, cuja durabilidade ainda permanece incerta. Qualificar
a posição Bolsonaro como exclusivamente “negacionista” é alimentar a ilusão de que bastaria
uma força tarefa de iluministas esclarecidos para dissipar o erro, arrancar o véu e restituir a
verdade, em uma atualização do velho sonho civilizatório cuja aposta emancipatória acredita
que trazer à luz a verdade é o suficiente para desmascarar lideranças manipuladoras e recuperar
o julgamento racional de um povo ignorante. Não é isso que estamos assistindo. Não há
ninguém enganado. O filósofo esloveno Slavoj Zizek sustentou a tese que não estaríamos
vivendo em uma era pós-ideológica mas tampouco estaríamos ainda submetidos ao velho
formato da ideologia como ocultamento da realidade. A ideologia havia se metamorfoseado.
Nesse novo modus operandi, “o que as pessoas desconsideram, o que desconhecem, não é a
realidade, mas a ilusão que estrutura sua realidade, sua atividade social. Elas sabem muito bem
como as coisas realmente são, mas continuam a agir como se não soubessem. A ilusão,
portanto, é dupla: consiste em passar por cima da ilusão que estrutura nossa relação real e
efetiva com a realidade”. Não estaríamos ludibriados por uma “falsa consciência”, mas por
uma estrutura de operação do capitalismo que é objetivamente “encantada”, pois a ilusão que
sustenta o fetiche da mercadoria se fundamenta no duplo contraditório entre sua dimensão
concreta e abstrata, portanto, não é forjada a partir de uma mentira que se desfaz com a
revelação do seu segredo. Assim, quando contemplamos uma mercadoria não conseguimos
evitar de pensar que ela criou a si mesma pois o processo que produz a liquefação do concreto
em abstrato, a alquimia que faz esfumar a qualidade singular de cada trabalho em pura

11
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=WixwfR_AHDY. Acesso em 04 de março de 2021.
“gelatina” é um processo real, não um logro de presdigitador. Portanto, como argumenta Zizek,
as pessoas sabem o que fazem, estão perfeitamente esclarecidas do embuste que sustenta a
todos nós, mas agem como se não soubessem. Como desvendou Silvia Viana (2014) em sua
análise sobre a lógica ideológica dos realities shows, a grande desafio à compreensão
acadêmica não é o que sustenta o saber das pessoas, mas como opera sua prática, em outros
termos, como a prática se produz de forma cotidiana a despeito do saber que a contradiz. Zizek
denominou essa dissociação entre o saber e a prática de cinismo.
Bolsonaro é, portanto, cínico: ele anuncia que a pandemia provocará a morte de parcela
da população e ainda assim convoca a todos a fazerem parte, de forma voluntária ou
obrigatória, de seu projeto genocida. Em vários vídeos disponíveis no youtube, durante toda a
pandemia, é possível ver Bolsonaro proferir seus discursos para grupos de apoiadores, em
eventos de promoção do agronegócio, em templos evangélicos, em manifestações políticas
contra o poder judiciário, em passeios por calçadas, comércios, lagos e praias, sempre
provocando aglomerações. Entre o público que o escuta, vemos pastores e fiéis evangélicos,
produtores do agronegócio, trabalhadores rurais, batalhadores urbanos, empresários,
comerciantes, empreendedores, cidadãos comuns – todos estumados a saírem às ruas,
arregaçarem as mangas, engajarem-se na guerra econômica... e morrerem. Não é a primeira vez
que o desnudamento do mal e o cumprimento do mal se fundiram em uma síntese diabólica.
Como mostra Silvia Viana, “o desvelar e a permanência do falso real se amalgamaram
historicamente, no momento em que a história não dobrou a esquina, sob o nazismo” (2014).
Em “O que resta de Auschwitz”, Giorgio Agamben (2008) comenta sobre uma partida de
futebol narrada por Primo Levi a partir do relato de outro sobrevivente dos campos de
extermínio, Miklos Nyiszli, um dos membros dos últimos Esquadrões Especiais de Auschwitz,
os infames Sonderkommandos, grupo de prisioneiros cuja tarefa era operar as câmeras de gás e
os fornos crematórios. Primo Levi narra um jogo de futebol entre membros da SS e
representantes do Sonderkommando, assistida por outros soldados SS e o restante do
Esquadrão, que torcem, apostam, aplaudem e estimulam os jogadores. A partida poderia até ser
percebida como uma “breve pausa de humanidade em meio a um horror infinito” (Agamben,
2008, p. 35). Contudo, Agamben não se deixa enganar. “Aos meus olhos, porém, como aos das
testemunhas, tal partida, tal momento de normalidade, é o verdadeiro horror do campo”
(Agamben, 2008, p. 35). E de novo, parecemos assistir à mesma temporalidade vazia e circular
de uma partida de futebol que, na verdade, jamais terminou. Para grande parte da população
brasileira, a morte de 236.386 de concidadãos começou a ser encarada com “normalidade” –
poderíamos dizer que isso se refere aos óbitos de desconhecidos que são apenas números nos
noticiários, mas a sensação de fatalidade começou também a ser dirigida aos próximos. O
comunicado da morte por Covid-19 não parece ser mais capaz de despertar nas pessoas o
sentimento de indignação, a percepção da injustiça, a raiva descomedida, a comiseração
solidária. No lugar dessas emoções, resta apenas uma espécie inaudita de torpor. Em seu
comentário ao filme “O Lagosta” 12, Carlos Eduardo Rebuá (2019) fala que a “sensibilidade
passiva” das personagens é conduzida por “uma reação apática”, “uma espessura quase
incomum diante da dor repentina, do trauma”. Ele completa: “A materialização do mal não
incita, de início, o susto, a resposta enérgica, o movimento, mas a quase normalização” 13. O
amálgama entre anunciar o mal e cumpri-lo com diligência encontrou na experiência histórica
do nazismo sua síntese definitiva. Em 2020, na gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro,
mas também pelo governo Trump, assistimos a atualização dessa síntese, que no abismo cínico
entre o saber e a prática, produz efeitos duradouros, não apenas das mortes que se acumulam
nas estatísticas, mas também na fabricação insidiosa – discreta – desse torpor, cuja reação ao
mal não produz perplexidade.
A oscilação entre o negacionismo e o cinismo, a produção de uma zona de
indecidibilidade entre um e outro, não é resultado, contudo de um comportamento errático ou
de um atestado de incompetência. Trata-se, ao contrário, de uma estratégia de governo. A
gestão da pandemia pela administração Bolsonaro foi marcada por uma série de idas e vindas.
Como mostra Léticia Cesarino (2021)14, em um primeiro momento, na esteira de Trump,
qualificou a doença como uma “gripezinha” para logo em seguida recomendar de forma
veemente tratamentos com medicamentos cujo eficácia não havia sido comprovada, como a
hidroxocloroquina. Inicialmente, terceirizou a responsabilidade da condução da pandemia para
governadores e prefeitos, ao mesmo tempo em que criticava a posição dos últimos na decisão
de fechamentos de setores da indústria, comércio e serviços não essenciais. Alegava estar de
mão atadas, pois, na construção de sua narrativa, o Superior Tribunal Federal (STF) o havia
impedido de agir à nível federal. Em relação à vacina, observa-se a produção constante do
mesmo campo de indeterminação. Desde o início, o governo federal agiu para inviabilizar
contratos de compra de vacinas com laboratórios farmacêuticos. Essa conduta está sendo

12
O enredo do filme, dirigido pelo grego Yorgos Lanthimos e lançado em 2015, se centra na história de um
homem e uma mulher que, em um cenário distópico, são obrigados, em um intervalo de tempo determinado, a
encontrar parceiros amorosos. Se fracassarem, serão metamorfoseados, através de um procedimento cirúrgico, em
animais de sua escolha.

13
Link para o texto: https://blogdaboitempo.com.br/2019/07/25/das-normalidades-fascismo-e-o-brasil-sob-
bolsonaro/. Acesso em 12 de fevereiro de 2012.
14
Link para o texto: https://jacobin.com.br/2021/02/a-desinformacao-como-metodo-bolsonaro-e-o-novo-regime-
de-verdade-na-pandemia/. Acesso em 12 de fevereiro de 2012.
objeto de processos jurídicos e pedidos de impeachment no Congresso Nacional, tendo em
vista que o boicote para impedir uma solução que levaria a salvação de milhões de cidadãos
brasileiros, está sendo qualificado, por algumas entidades e organizações sociais, como
cometimento do crime de genocídio. Em contrapartida, o governo do estado de São Paulo,
administrado por João Dória, assumiu o protagonismo na busca pela vacina ao assumir
iniciativas próprias de negociação de compra da vacina Coronavac, produzida pela China, com
a mediação do Instituto Butantã, reconhecido instituto de pesquisa brasileiro. Na sanha do
embate entre o presidente da República e o governador de São Paulo, ambos potenciais
candidatos à presidência em 2022, Bolsonaro declarou que o governo federal não assinaria o
contrato da compra da Coronavac. Quando o governador de São Paulo anunciou que, a
despeito da inoperância deliberada da administração federal, a vacinação começaria no estado
em janeiro de 2021, a administração federal recuou e autorizou a compra de lotes da vacina
chinesa, e também da vacina Astrazeneca, do laboratório de Oxford, na Inglaterra. Entretanto,
no dia 17 de dezembro de 2020, na véspera do início da vacinação no país, Bolsonaro
discursou: “E não vou tomar. Alguns falam eu estou dando péssimo exemplo. O imbecil... o
idiota que diz que eu estou dando um péssimo exemplo, eu já tive o vírus, eu já tenho
anticorpos, para que eu vou tomar vacina de novo? Lá na Pfeizer, está bem claro lá no contrato,
nós não nos responsabilizamos por efeitos colaterais (...), se você virar um jacaré, é problema
de você, pô!”15. Letícia Cesarino (2021) demonstrou que por trás da condutava aparentemente
caótica do presidente há uma racionalidade própria que ela denominou de “hedging narrativo”.
Oriundo do mundo dos mercados, “o termo hedging faz referência a uma estratégia de risco
que visa compensar as perdas em um certo investimento apostando em outro ativo, que vai na
direção oposta”. Desse modo, aposta-se em jogo de ganha-ganha, pois em um cenário ou no
outro, é possível catalisar algum tipo de ganho ou, inversamente, se desresponsabilizar por
resultados negativos. Nessa estratégia de governo, a máquina de propaganda, pulverizada em
milhares de conteúdos produzidos pelas milícias digitais nas redes sociais, ao fazer uso do
“hedging narrativo”, fabrica desinformação no mesmo passo que diz a verdade. A filósofa
Hannah Arendt havia chamado a atenção que a propaganda dos movimentos totalitários é
“invariavelmente tão franca quanto mentirosa” (2012, p. 357). Contudo, para Arendt, o que
caracterizava os governos totalitários era menos sua capacidade de produz mentiras e mais sua
empáfia em assumir a maldade, “vangloriando-se dos crimes passados e planejando
cuidadosamente os seus crimes futuros”16 (2012, p. 357). Assim, o relativo sucesso dos
15
Link do video: https://www.youtube.com/watch?v=lBCXkVOEH-8&t=62s. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
16
Em outros termos, H. Arendt diz, em referência aos governos totalitários: “Não se pode atribuir essa
popularidade ao sucesso de uma propaganda magistral e mentirosa que conseguiu arrolar a ignorância e a
governos de extrema direita na conjuntura atual resida menos na sua engenhosidade em
manipular incautos por meio das fake news e mais na sua disposição cafajeste de dizer o horror,
e mais do que isso, encher-se de orgulho ao fazê-lo. Do desprezo ao isolamento social à
sabotagem da vacina, o governo Bolsonaro convocou uma população inteira a fazer parte de
seu plano genocida. E quando, as pessoas começaram a ver parentes, amigos e conhecidos
morrerem, era preciso engolir o choro e enfrentar a pandemia como “homem” – não vacilar
nem mesmo “quando o mostro começa a devorar os próprios filhos” (Arendt, 2012, p. 357).
As mobilizações da sociedade civil que animaram a ascensão da extrema direita no
Brasil e que culminaram na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, não podem ser caracterizados
simplesmente como conservadorismo ou neoconservadorismo. O “desprezo geral pelos padrões
morais” (Arendt, 2012, p. 357) revela uma compulsão de destruição própria dos movimentos
insurrecionais. A direita se apropriou da dinâmica revolucionária da esquerda, que se viu
obrigada a ocupar o discurso da ordem. Como aponta o filósofo Vladimir Safatle, o fascismo
funciona por meio da “colonização do desejo anti-institucional pela própria ordem” (2020). Em
janeiro de 2021, assistimos perplexos a invasão do Capitólio por acólitos de Trump como
resposta contra sua derrota nas eleições presidenciais. Em maio de 2020, apoiadores de
Bolsonaro fizeram uma carreata em Brasília que solicitava o fechamento do Congresso
Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), com fachas que reivindicavam a intervenção
militar. O presidente discursou contra a gestão da pandemia por governadores e prefeitos e
cumprimentou o público que se aglomerava de frente ao Palácio da Alvorada 17. Um mês antes,
em uma reunião com seus ministros, Bolsonaro disse: “Como é fácil impor uma ditadura no
Brasil! (...) O povo está dentro de casa. Por isso que eu quero (...) que o povo se arme, que é a
garantia que não vai ter um filho da puta que vai aparecer para impor uma ditadura aqui (...),
um bosta de um prefeito, faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de
casa, se tivesse armado, ia para rua (...) É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero
todo mundo armado. Que o povo armado jamais será escravizado” 18. Em um encontro oficial
com os principais quadros do seu governo, o presidente incita a insurgência de uma milícia
armada – agora por ele autorizada – a praticar a desobediência violenta contra as medidas
sanitárias de isolamento social. Há um elemento antiautoritário no fenômeno do nova direita
que desconcerta os analistas, pois ela captura uma potência de não identificação com o status
quo que pertencia originalmente à esquerda. Bolsonaro, bem como a maior parte dos quadros
importantes na hierarquia do poder executivo, como ministros e secretários, antes de assumir

estupidez” (2012, p. 356).


17
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=AS5PT-vCFts. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
18
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=D6Jw_GVWu0E. Acesso em 12 de fevereiro de 2021.
seus cargos, ocupavam posições subalternas e heterodoxas nos seus respectivos campos de
atuação, marcados com algum sinal ambivalente de suspeição e infâmia. Ao se investirem das
novas posições institucionais, esses sujeitos subverteram as regras do jogo político,
bagunçaram as hierarquias, quebraram os protocolos. Bolsonaro, ele mesmo, construiu sua
carreira política a partir de uma iconoclastia dos signos de respeitabilidade, dos códigos de
civilidade e das liturgias do cargo19. Os bastardos entraram em cena20. E farão sua revolução –
assim o pretendem.
A dimensão revolucionária da nova direita também se caracteriza por sua característica
apocalíptica. Como mostrou o filósofo Paulo Arantes (2020)21, a visão de mundo de uma
extrema direita nasce no final do século XVIII em resposta à Revolução Francesa. Para esse
pensamento de direita, o extermínio físico de uma classe social inteira – a aristocracia – em
nome da imposição de uma ideia de igualdade, só podia ser encarado como uma abominação.
Portanto, a Revolução Burguesa representava o ponto zero de uma catástrofe. A partir de 1989,
a história do mundo passa a ser narrada como se encaminhasse, de forma inevitável, para o
apocalipse. Diante dessa calamidade, a missão salvífica da extrema direita passar a ser acelerar
o fim da história, através da produção de uma catástrofe ainda maior, por meio de uma
purificação22. É preciso ter coragem para assumir a missão de precipitar o fim da história em
nome de uma purgação por meio da qual renasceria um mundo novo. Quando 48 milhões de
brasileiros votaram no Bolsonaro, o voto parecia também ter, em alguma dimensão, o sentido
oculto de aceleração do fim da história. Como se o esforço de reconstrução da democracia
brasileira nos últimos trinta anos precisasse ser passado a limpo em nome de uma opção
autoritária louca o suficiente para ter a ousadia de fazer o que era preciso: desestruturar as
instituições democráticas em nome de uma catarse purgatória – “ir contra tudo isso que está
aí”, como não cansa de repetir Bolsonaro. Segundo Arantes (2020), a precipitação do fim da
história é uma característica central do bolsonarismo. E, por um dos imprevistos do curso

19
Como argumenta, Vladimir Safatle, Bolsonaro, como um líder fascista, “expressa uma liderança que parece
estar acima da lei, que parece poder falar o que quiser sem culpa, expor os seus piores sentimentos em
preocupação alguma com os efeitos, demonstrar desejos mais baixos de violência como expressão de maior
liberdade conquistada” (2021).
20
Em Origens do totalitarismo, Hannah Arendt argumenta que os mais talentosos líderes das massas no
totalitarismo vieram do que ela denomina de “ralé”. Segundo ela, “o antigo partido de Hitler” era composto
“quase exclusivamente de desajustados, fracassados e aventureiros”, que não tinham, portanto, nada a perder
(Arendt, 2012, p. 367).
21
Os argumentos apresentados a seguir estão fundamentados na palestra ministrada por Paulo Arantes e veiculada
pela plataforma youtube. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=McSgNKEJoDg&t=5750s. Acesso
dia 14 de fevereiro de 2021.
22
O nazismo levou esse silogismo apocalíptico às últimas consequências. No famoso telegrama 74, Hitler ordena
a autoimolação do povo alemão, que merecia ser exterminado diante do seu fracasso na guerra.
histórico, a dimensão apocalíptica do bolsonarismo parece ter feito a cama para a pandemia:
afinal, todos já haviam se preparado de alguma maneira para a catástrofe.

2) Religião, saúde pública e secularismos: uma breve genealogia dos negacionismos no


Brasil

Em 2019 várias mídias brasileiras divulgaram os resultados obtidos por uma pesquisa
desenvolvida pelo escritório britânico da Gallup Organization, um instituto norte americano de
pesquisa de opinião, acerca da confiança da população na ciência e na produção de políticas
sanitárias. A pesquisa reuniu dados de 140 países, dentre eles o Brasil, e demonstrou que
mesmo em países cujo o padrão sócio econômico foi enquadrado como médio ou alto, há um
contingente significativo de pessoas que afirmou não confiar completamente em protocolos
científicos. O estudo chama atenção para uma especificidade no caso brasileiro pois 75% dos
entrevistados no país declararam que em caso de discordância entre religião e ciência, preferem
confiar no que diz sua religião, esse dado se relacionava a outro dado que no qual esses
mesmos entrevistados selecionaram mídias religiosas como espaços de informação sobre as
políticas de saúde23.
A circulação desses dados fez com Luiz Henrique Mandetta - que havia assumido o
Ministério da Saúde com a posse de Jair Bolsonaro a presidência do país e que deixou o cargo
em 2020, logo após os primeiros dois meses de pandemia -, firmasse uma parceria com a
Fundação Oswaldo Cruz, para a criação de um portal capaz de desmentir fake news sobre
tratamentos farmacológicos e projetos sanitários desenvolvidos pelo Ministério. O projeto se
chama Saúde sem Fake News, no site é possível encontrar inúmeras postagens desmentindo
informações que circularam por grupos de whatsapp e em outras redes sociais sobre
medicamentos e tratamentos com ação profilática contra o Sars Covid 19, porém, a última
atualização da página ocorreu em junho de 2020, comemorando o primeiro ano de
funcionamento do programa, período que corresponde ao primeiro mês do General Eduardo
Pazuello a frente da pasta como ministro interino. Vale ressaltar que a direção do atual
Ministério da Saúde, fundou um novo site para a pasta, confirmando com isso a
descontinuidade de vários programas de saúde pública e um formato de transparência comum a
esses programas, o que sugere uma mudança dos rumos no combate a pandemia a partir dessa
gestão24.
Se na parte anterior do texto, pensamos o cinismo como algo que emerge em meio a um
exercício estratégico de gestão governamental cuja linguagem de operação é apocalíptica,
produzindo uma sensação constante de indecidibilidade que é marcada pela defesa de
posicionamentos que negam a importância de determinados protocolos sanitários no combate a
23
O resultado foi obtido pelo Wellcome Global Monitor, um levantamento britânico de 2018, os países com
renda de média para alta – grupo em que o Brasil se enquadra –, 54% dos habitantes confiam medianamente
na ciência. Ver mais em: https://www.unifesp.br/reitoria/dci/publicacoes/entreteses/item/4780-
negacionismo-a-onda-de-ceticismo-sobre-o-valor-da-ciencia (acessado em 22/02/2021)
24
https://antigo.saude.gov.br/fakenews/ (acessado em 22/02/2021)
pandemia, algo que, como demonstraremos a seguir, fortaleceu posicionamentos contrários as
políticas de isolamento social. Nessa parte do texto apresentaremos um exercício genealógico
das relações entre Estado, religião e saúde pública, pensando o modo como nosso léxico
constitucional permitiu uma relação histórica de colaboração entre aparatos estatais e
denominações cristãs na gestão dos equipamentos de saúde, colocando sujeitos religiosos no
centro das disputas pela produção do conhecimento científico, e mesmo, na disputa pela
governo da vida. Nossa aposta é que esse processo pode ser pensando a partir do modo como
movimentos religiosos reconhecidos como negacionistas científicos durante o século XIX
passam a disputar a gestão do sistema de saúde durante o século XX, deslocando as teses do
negacionismo para a necessidade de se disputar os procedimentos de produção da verdade.
No Brasil, o inicio da segunda metade do século XIX é marcado pela epidemia de febre
amarela. A doença se alastrou pelas regiões mais urbanizadas do país ainda nos primeiros
meses da década de cinquenta, na época não se sabia ainda que se tratava de uma doença viral,
nem mesmo sobre o modo como o vírus era transmitido, questões que só se tornaram
conhecidas pela classe médica com os avanços da microbiologia no final desse mesmo século.
A impossibilidade de compreensão acerca das causas de uma doença com altíssimo poder de
morte, fez com que na cidade do Rio de Janeiro, a capital imperial, surgissem grupos
organizados que se recusavam a aceitar os protocolos sanitários desenvolvidos pela Junta
Central de Higiene, órgão que reunia médicos e alguns padres e que foi fundado pelo
Imperador para tentar gerir a primeira crise sanitária que o Brasil enfrentou em um contexto
marcado pela urbanização de algumas de suas cidades (Chalhoub, 1996).
A primeira ação da Junta Central de Higiene foi decretar uma quarentena na cidade do
Rio de Janeiro, sanção que envolvia restrições de circulação do porto para as demais
localidades da cidade, isso porque havia o entendimento de que a gravidade da epidemia estava
ligada a quantidade de embarcações que aportavam na região, como não se sabia que a febre
amarela era transmitida pelo contato com o mosquito contaminado, o consenso do comitê
científico da época era que a transmissão da doença estava diretamente relacionada a
população africana que naquele período ainda era trazida sob sequestro para o país para ser
escravizada. Contra as medidas de quarentena se levantaram dois grupos que afirmavam negar
a autoridade sanitária do equipamento recém criado: o primeiro era composto por algumas
irmandades católicas que abriram espaços para o cuidado dos doentes e que defendiam que o
“vomito preto” era um anjo da morte enviado por Deus como um castigo frente a
promiscuidade de festas populares como o carnaval (idem, p. 72). O outro grupo era composto
por comerciantes e empresários ligados a grupos ingleses que possuíam investimentos para a
criação das estradas de ferro e que temiam que as medidas de contenção de portos e de
circulação pela cidade afetassem o comércio no país (ibidem, p.79).
A epidemia de febre amarela produziu ondas potentes de transmissão com altíssimos
índices de mortalidade nas demais décadas do século XIX. A necessidade de conter seus
efeitos gerou alterações significativas no regime imperial, abrindo lugar para a formação de um
Estado Republicano, para a diminuição do trafico de pessoas para serem escravizadas, para a
abertura de centros para a formação de médicos, e a instauração um modelo de secularização
capaz de construir um lugar de ação e de colaboração para o catolicismo e, posteriormente,
para outras denominações cristãs.
O ano de 1889 marca a chegada da febre amarela ao estado de São Paulo promovendo
um rastro de morte em dois importantes centros urbanos e econômicos de produção e
exportação de café, a saber, as cidades de Santos e Campinas 25. Nesse período não havia
apenas um único órgão centralizador, como foi o caso da Junta Central de Saúde, o combate a
febre amarela fez com que alguns estados criassem suas Comissões Estaduais de Saúde. Em
São Paulo, a Comissão de Saneamento Estadual lançou slogan: “Sanear para governar”
exigindo que suas principais cidades apostassem em medidas sanitárias de saneamento como
maior medida de contenção das epidemias (Benchimol, 2005; Martins, 2015).

institucionalização do regime republicano em 1889 no Brasil, que definiu


constitucionalmente a separação entre o Estado e a Igreja Católica, inaugurou um intenso
debate sobre a laicidade do Estado e sobre a liberdade religiosa, as duas primeiras constituições
republicanas, a de 1891 e de 1934, definem até hoje as grandes linhas que orientam as relações
entre Estado e religião no país (Leite 2014 e Montero et all, 2017).

Quanto à laicidade do Estado, ela foi garantida por dispositivos constitucionais que
secularizaram os cemitérios, instituíram o ensino laico e o casamento civil. Quanto à liberdade
religiosa, as constituições republicanas garantiram direito ao voto aos religiosos, a
elegibilidade dos padres e a liberdade de expressão pública de todo culto desde que respeitada
a ordem e a moralidade (diferentemente da constituição imperial que, embora reconhecesse a
liberdade religiosa apenas concedia direitos de culto e direitos políticos e civis às comunidades
católicas).Talvez esteja nesses qualificativos –ordem e moralidade públicas – a chave de leitura
para a compreensão de como a ideia de liberdade religiosa variou historicamente em função
das mudanças no entendimento daquilo que poderia ser compreendido e aceito como religião.
A laicidade no Brasil, enquanto um princípio jurídico foi decretada em 1889,
estabelecendo a separação entre o Estado e as religiões, que até aquele período eram
representadas exclusivamente pela Igreja Católica. O texto constitucional aprovado na época
proibia “a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa” e
consagrando “a plena liberdade de cultos" extinguindo o padroado, sistema que havia
assegurado por séculos a centralidade política e incentivos fiscais para o catolicismo (Cunha,
2017, p. 24). Escrito com a intenção de impedir o Estado de instituir, subvencionar e dificultar
os cultos religioso, na análise de Cunha (idem), este decreto revela uma ruptura parcial entre as
duas instituições (Estado e Igreja), ou, a busca pelo entendimento entre elas e a colaboração
recíproca. Esse ato instituiu a liberdade religiosa para todos os indivíduos, inclusive em

25
O café foi a principal monocultura do Brasil durante o século XIX e inicio do século XX. A econômica
cafeeira foi fundamental para o processo de urbanização do país e para a expansão das ferrovias ( Morganelli
2008)
espaços públicos. A defesa da liberdade religiosa descrita pela constituição de 1889 também
estabelece um caminho de relação entre o Estado e as religiões ao colocar a esfera federativa
como unidade reconhecedora das práticas religiosas cristãs que ao obterem tão reconhecido (e,
consequentemente, direito livre aos seus cultos) passam a atuar em regime de colaboração
realizando atividades assistenciais que configuram a extensão de parte significativa das
políticas públicas, relação que se intensifica com a promulgação do código civil em 1918, que
permite que religiões reconhecidas pelo Estado possam atuar como associações civis. Esse
mesmo reconhecimento não foi dado às religiões de matriz africana que sofreram e que ainda
são alvo de inúmeras perseguições (Giumbelli, 2004 e 2009).
Os trabalhos de Schritzmeyer (2004) e Giumbelli (1997) mostram como as diferentes
ciências em formação nas primeiras décadas do século XX – a Medicina, o Direito, a
Psicologia e a Antropologia - se ocuparam intensamente, no Brasil, com o problema do “transe
mediúnico”. Era preciso decidir o grau de tolerância para com esses fenômenos generalizados
de alteração da consciência, uma vez que a criminalização das práticas de curandeiros e
feiticeiros dependia da justa qualificação de sua intenção de praticar o dolo. Apesar das
divergências entre diferentes correntes de pensamento, o transe já fora bastante tratado pelas
teorias psiquiátricas e psicológicas europeias que o tinham como fenômeno bio-patológico de
alteração da consciência a ser tratado no campo do hipnotismo. Como observamos em trabalho
anterior (Montero 2010), a variedade de formas como esses estados se apresentavam no Brasil–
mediunidade espírita, psicografia, danças de possessão, xamanismo, etc. - impediam a
aplicação pura e simples da ciência europeia às especificidades do contexto local. No ambiente
intelectual cientificista daquele período era mais fácil para médicos e juristas aceitarem a
“mediunidade” espírita associada as práticas terapêuticas dos “médiuns curadores” dos que as
danças de possessão. As primeiras podiam ser assimiladas como resultantes de processos bio-
psicológicos universais estudados pelas ciências da mente; já as segundas remetiam ao
repertório cristão que as tinham como danças demoníacas, sacrifícios de animais, sortilégios e
invocações secretas de negros escravos e libertos, práticas que deviam ser controladas e até
mesmo suprimidas em nome da ordem pública.

Mas quando os casos de “médiuns receitistas” chegam aos tribunais, no início do século
XX, essa distinção que operava subrepticiamente no senso comum das classes letradas
esmorece frente a letra fria da lei ameaçando indistintamente todos os grupos espíritas
existentes. A Federação Espírita Brasileira, fundada em 1884, pede a imediata revisão do
Código Penal de 1890 em seus artigos 157 e 158 que se referem especificamente ao
espiritismo. Em sua defesa os espíritas reclamam da associação, no código penal, entre essa
‘nova ciência’ que é o espiritismo e os ‘sortilégios da velha magia’. Argumentam que ao
criminalizar o espiritismo, estariam contrariando dispositivo da Constituição republicana de
1891 que garantia a liberdade de crenças e a liberdade religiosa. Esse argumento constitucional
perfeitamente estabelecido e aceito começa, a partir de então, a sensibilizar os juízes. Mas a
proteção legal das liberdades religiosas exigia resolver o problema de como diferenciar um
“culto religioso” das “práticas mágicas”.

Esse problema, os próprios intelectuais espíritas se encarregaram de enfrentar ao longo


de um debate que perdurou por muitas décadas. Embora o espiritismo se pretendesse uma
‘ciência’ que combatia, ao mesmo tempo, os dogmas da religião e os erros materialistas da
ciência, para não serem perseguidos pela polícia por prática ilegal da medicina foram obrigados
a buscar refúgio nas únicas brechas legais que lhes afiançavam o exercício de sua mediunidade
para fins terapêuticos: o artigo 72 da Constituição que garantia a liberdade de culto. Para
descriminalizar a mediunidade era preciso convencer médicos, legisladores, jornalistas e
policiais de que as pessoas se curavam nas sessões espíritas em razão de sua fé, e não pelas
‘falsas promessas de cura’; além disso, a inexistência de ganho pecuniário para os espíritas
tornava mais fácil a desqualificação das curas mediúnicas como atos de ‘subjugação da
credulidade pública’.

O espiritismo vai, assim, aos poucos se apresentando como a prática de um culto – por
oposição ao exercício fraudulento de uma profissão- que pretende prestar um serviço público.
É sobre essa estreita e ainda frágil ponte que a Federação Espírita do Brasil pretende abrir
caminho para defender seu direito de expandir suas práticas de atendimento aos pobres,
necessitados e doentes, até então, prerrogativa apenas permitida à igreja Católica. Ajustando e
procurando padronizar a condutas de seus filiados foi, paulatinamente, sendo construída uma
nova fronteira classificatória que passa a distinguir um ‘verdadeiro’ e um ‘falso’ espiritismo: o
primeiro deixava para o segundo (àqueles que escapavam às regras disciplinadoras da
Federação), as acusações de exercício da magia.

Assim, os limites do que podia ser considerado religioso foram, aos poucos se
alargando, e passam a incluir essas formas até então consideradas extravagantes de culto: a
mediunidade e suas formas de se relacionar com os espíritos dos mortos. Se o ‘alto espiritismo’
conquistou aos poucos o reconhecimento social e foi aceito como um ‘culto religioso’, o ‘baixo
espiritismo’, tal como a ele se referiam os discursos médicos, jurídicos, jornalísticos e até
mesmo dos estudiosos espíritas (muitos deles também médicos, engenheiros, militares) passou
a abrigar todas as outras práticas reconhecidas como de origem africana. Dessa maneira, as
magias populares que aos poucos vão recebendo diferentes nomes como
‘macumba’’umbanda’, ‘candomblé’,etc. são progressivamente alocadas nessa categoria
genérica, legalmente denotada, de ‘baixo espiritismo’ que sob esse termo continuaram a ser
reprimidas até os anos 1940. Ainda assim, nesse processo, a oposição legal “magia”/”religião”
começa a dissolver-se uma vez que, pelo menos no caso do “alto espiritismo”, as práticas
mágico-terapeuticas passam a receber as garantias constitucionais conferidas aos cultos
religiosos. O reconhecimento do “alto espiritismo” como um culto abre o caminho para um
alargamento da ideia de “religião” que começa, a partir da segunda metade do século XX, a
abrigar, paulatinamente, diferentes espécies de práticas mediúnicas e de cura.

Apesar de não possuir a palavra laicidade na Carta Magna de 1988, texto constitucional
que marcou o processo de redemocratização do país após 21 anos de suspensão de acordos
civis e democráticos por causa de uma ditadura militar, o Brasil possui algumas dessas marcas
jurídicas que o caracterizam como um país laico. Por exemplo, o artigo 5 declara que todos são
iguais perante a lei e o artigo 19 que veda qualquer forma de aliança do Estado com as
religiões, mas não impede a participação de sujeitos religiosos nas esferas de poder. Esta
concepção de laicidade configurada por uma ambivalência de sentidos capaz de regular por
meio de uma mesma letra os distanciamentos e a participação religiosa junto ao Estado
prevalece nos dias de hoje.

2. Isolamento social

No dia 06 de fevereiro de 2020, antes de haver casos da síndrome causada pelo vírus
Covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que que regulamenta as normas
da quarentena no país e modalidades de combate à doença. No entanto, as iniciativas de
imposição de quarentena aos cidadãos não foram tomadas pelo governo federal e sim pelas
administrações dos governos estaduais. O governador do Distrito Federal foi o primeiro a
adotar medidas de quarenta, no dia 11 de março, seguido pelos governos de São Paulo, no dia
16 de março, e Rio de Janeiro, no dia 17 de março. As aulas da rede pública e privada foram
suspensas, bem como as atividades de atendimento ao público, incluindo igrejas, restaurantes,
bares, lojas, salões de beleza, entre outros. Após o pronunciamento oficial do presidente, no dia
24 de março, no qual o mesmo qualificou o coronavírus como “gripezinha” e criticou as
iniciativas dos governos estaduais, 25 dos 27 governadores mantiveram as medidas de
quarentena. No dia 26 de março, os noticiários mostravam imagens das ruas vazias das grande
metrópoles e cidades brasileiras, em um cenário pós-apocalíptico, após um mês do anúncio da
primeira morte no país. No mesmo dia, em resposta à pressão da Frente Parlamentar
Evangélica e dos principais líderes de megaigrejas evangélicas do país, Bolsonaro assinou o
decreto que incluía as igrejas na lista dos serviços essenciais e autorizou seu funcionamento na
pandemia, o que gerou uma série de batalhas judiciais. A Conferência Nacional dos Bispos no
Brasil, a Confederação Israelita do Brasil e a Federação Espírita do Brasil, organizações
centrais de representação do catolicismo, judaísmo e espiritismo no país, se posicionaram a
favor da manutenção do isolamento social, a despeito do decreto federal. No campo
evangélico, contudo, há uma enorme heterogeneidade nas formas de condução da pandemia. A
maioria das igrejas do chamado protestantismo histórico, como as igrejas presbiteriana,
luterana, metodista e batista, adotaram as medidas de quarentena e transfeririam seus cultos
para as plataformas digitais. No âmbito de um pentecostalismo difuso, formado por uma
miríade de pequenas igrejas espalhadas pelos bairros periféricos em salas comerciais alugadas
ou nas residências dos próprios pastores que operam como pregadores autônomos, é difícil
medir, de forma precisa, a adesão às recomendações de quarentena, uma vez que não há uma
organização centralizada e hierárquica que emita orientações gerais de gestão da condução
pastoral na pandemia. Na corrente progressista do campo evangélico, crítica ao governo
Bolsonaro e alinhada às pautas da esquerda, houve uma defesa clara do isolamento social e
uma transferência dos cultos e estudos bíblicos para a internet. No universo do chamado
neopentecostalismo, as grandes igrejas-empreendimento, como a Igreja Universal do Reino de
Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus, a Igreja
Renascer em Cristo, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que possuem megatemplos
espalhados pelo país, um número expressivo de fiéis, uma poderosa rede de canais de rádio e
televisão e um gerenciamento profissional das redes sociais, mantiveram seus cultos
presenciais, serviços de atendimento pastoral e práticas de coleta de dízimos e ofertas 26. Entre
as mega-denominações, forjou-se um discurso explícito de apoio ao governo Bolsonaro na sua
forma de gestão da pandemia, por meio do uso de plataformas digitais como Facebook,
Instagram, Twitter, Youtube, como lócus de reverberação de falas com críticas ao isolamento
26
Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha, embora a maioria dos evangélicos no Brasil seja a
favor das medidas de isolamento, o índice do que são contra o isolamento e consideram que a população deve sair
para trabalhar (44%) é maior entre eles do que na população em geral (37%). Link para a reportagem:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/evangelicos-tem-tendencia-pro-bolsonaro-e-relativizam-mais-
coronavirus-indica-datafolha.shtml?origin=folha. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
social e de defesa da manutenção do funcionamento das atividades das igrejas. Para além da
elaboração de uma rejeição direta às medidas de quarentena, elaborou-se entre algumas
denominações, uma narrativa elaborada, densa e complexa, que vê na pandemia do coronavírus
um sinal inequívoco do evento do apocalipse. Em um culto da Igreja Universal do Reino de
Deus27, transmitido on line no fim de março de 2020, intitulado “Os oito fatos da pandemia que
apontam para o fim dos tempos”, o pastor Renato Cardoso, genro do líder da denominação
Bispo Edir Macedo, performa uma prédica pastoral na qual argumenta que existem oito
acontecimentos que indicam a Segunda Vinda de Jesus Cristo. Contudo, nessa narrativa, os
signos de antecipação do fim do mundo são menos a pandemia em si mesma em sua
atualização do horror das pestes que assolaram a história, e mais as modalidades de governo do
mundo que emergem como formas de administração da doença, e sob esse pretexto, implantam
operadores inéditos de dominação dos homens. A pandemia haveria assim preparado o terreno
para o aparecimento de uma liderança mundial diabólica. O AntiCristo, sob subterfúgios
insuspeitáveis e nobres, como a proteção da saúde da população, prepararia formas insidiosas
de sujeição dos indivíduos. Em uma interpretação do versículo 17:17 do livro do Apocalipse 28,
o pastor mostra o que seria o terceiro acontecimento que provaria a proximidade do fim do
mundo:

Em nome de proteger a saúde das pessoas, que é o principal argumento por trás das medidas
das quarentenas, dos confinamentos, de fechar tudo, de fechar o comércio, as pessoas
ficarem em casa, etc., de parar tudo, qual o principal argumento por trás disso? O principal
argumento é: “nós temos que salvaguardar a saúde todos”. “Você precisa sacrificar a sua
vida para a saúde de todo o país, de toda a humanidade”. Isso novamente, você percebe que
todos esses acontecimentos, todos esses acontecimentos que eu estou citando (...), tem um
grande apelo, um grande atrativo às pessoas, por que quem que vai combater a ideia de que
nós temos que salvaguardar a saúde de todos, ninguém vai dizer isso (...). Mas o que
acontece na verdade, na prática? Muitas pessoas por causa dessas medidas, elas estão
perdendo o direito de ir e vir, elas não podem abrir seu comércio, não podem ir à igreja, não
podem trabalhar, o empresário não pode exigir que o funcionário venha trabalhar, não pode
nem mandar embora o funcionário, por causa do coletivo os direitos individuais vão sendo
infringidos, vão sendo perdidos, vão ficando em segundo plano. Hoje por exemplo já em
Israel e na China, eles estão usando a tecnologia de rastrear a localização das pessoas por
meio do celular delas, pessoas que estão contagiadas com o coronavírus. Eles já podem
através do celular da pessoa, mesmo sem a autorização dela, por decreto do governo, o
governo pode controlar os movimentos de uma pessoa. isso está acontecendo agora em Israel
e na China. Está acontecendo agora, você pode pesquisar e ver que isso é um fato. Governo
de Israel, governo da China, usando a tecnologia para dizer para a pessoa: você não pode sair
desse lugar e ir junto a outras pessoas. Se uma pessoa contaminada com coronavírus se
aproxima de outras pessoas, imediatamente a pessoa vem para impedir que aquilo aconteça.
Então a privacidade, o direito à privacidade, o direito individual da pessoa é superado pelo

27
Link para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=7aFmA-f6gi4. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
28
O versículo 17:17 do Livro do Apocalipse diz: “pois Deus pôs no coração deles o desejo de realizar o propósito
que ele tem, levando-os a concordar em dar à besta o poder que eles têm para reinar até que se cumpram as
palavras de Deus”.
direito da comunidade. Quer dizer, aquela comunidade, aquele sistema de Big Brother, não
é? De controle social, da vigilância do governo sobre o que os cidadãos estão fazendo agora
já está se tornando uma norma.

Assim, sob argumentos que dificilmente seriam contestados, como a defesa da vida dos
cidadãos, os governos empregam técnicas de controle dos movimentos dos corpos, como o
rastreamentos de celulares, que vigia, de forma onipresente, a circulação dos indivíduos,
impedindo-os de ir e vir, caso seja detectado que sejam possíveis vetores perigosos de
contágio. O prenúncio de implantação de um governo totalitário, relatadas nas distopias de
Aldous Huxley e George Orwell – ameaça que se imaginava extirpada com a conquista
autocongratulante das democracias liberais em um Ocidente triunfante e globalizado, volta a
assombrar o mundo nessa narrativa neopentecostal do Apocalipse. Contudo, nesse caso, o
diagnóstico sobre uma eminência totalitária não foi construído por um pensamento crítico de
esquerda, mas por parte das igrejas neopentecostais que passam, por uma estranha inversão, a
disputar as narrativas de crítica social, como se coubessem a elas – e não mais aos espaços
consagrados de denúncia do status quo, como as universidades –, elaborar agora uma reflexão
teológica, mas também sociológica, sobre os riscos que afrontam os direitos civis dos
indivíduos. Em outro momento da prelação, o pastor continua:

O dinheiro em espécie se torna indesejável. Você sabe que o dinheiro em espécie, notas,
moedas, são focos de bactérias, de vírus, eles passam de mão em mão, e normalmente o vírus
está onde a pessoa mais manuseia alguma coisa, está no dinheiro mais do que em qualquer
outra coisa. Na Bélgica, durante essa pandemia, o governo proibiu o uso do dinheiro em
espécie (...), hoje só pode usar cartão ou algum outro tipo de pagamento digital, não se usa
mais dinheiro, então o dinheiro se tornará indesejável, o dinheiro em espécie se tornará algo
que é ultrapassado. Então, por exemplo, com essa experiência hoje na Bélgica que está
proibido o uso do dinheiro em espécie, depois de tudo passado, vão concluir que a sociedade
funcionou muito bem, e até melhor, sem o uso do dinheiro em espécie (...). É o que todo
mundo hoje já tem, mas o dinheiro ainda oferece para a pessoa um tipo de valor nas suas
mãos que ela pode ter em mãos, mas quando tudo estiver digitalizado, a pessoa vai ser
oficialmente parte de um sistema, ou seja, ela não vai poder comprar nem vender se ela não
tiver como pagar com o método digital. E isso nos faz lembrar imediatamente de uma
profecia que está também feita a respeito, que muitos conhecem como a marca da besta. Olha
o que diz o texto sagrado em Apocalipse 13:17: “Para que ninguém possa comprar ou
vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu nome”. Quer
dizer, a profecia bíblica diz que na época do AntiCristo ninguém vai poder comprar ou
vender sem a marca da besta (...). Não se sabe se vai ser uma marca literalmente na pele, um
sinal, se vai ser um chip. Nós sabemos sim, que hoje a tecnologia já existe, e já está sendo
usada em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, a tecnologia de implantação de chips
nas mãos, que ali contém os dados todos das pessoas, dados bancários, a pessoa pode pagar,
pode abrir portas, ali tem seus dados médicos, a pessoa tem uma série de vantagens de ter um
chip implantado na sua mão, que facilita a sua vida. E novamente, mais uma medida que será
dificilmente resistida porque atrai tantas vantagens para aqueles que a adotarem. Então isso
já está acontecendo agora fortalecido por essa pandemia. Um sinal de que nós estamos
prosseguindo aí muito próximo a chegada do nosso Senhor Jesus. Falaram ainda vários
especialistas dentro desse assunto durante o tratamento e o diagnóstico do coronavírus, que
se as pessoas estivessem chipadas, ou seja, se elas estivessem com os seus dados médicos já
implantados, e ligados com os computadores dos hospitais, o tratamento seria muito mais
rápido e acelerado, e eles poderiam então tratar muito mais pessoas (...). Por que depois
dessa pandemia, o que as pessoas vão precisar? O que as autoridades de saúde, as
autoridades que lidam com o assunto de epidemias, o que elas vão precisar fazer? Elas vão
precisar trazer respostas. A humanidade vai querer saber: como nós podemos evitar que isso
aconteça lá na frente? Então se apresentarão soluções. E esta, não tenham dúvidas, será uma
das soluções, que todas as pessoas sejam marcadas, tenham de alguma forma os seus dados
computadorizados, ligados diretamente com o hospital, ou seja, ligados com o sistema do
governo, para que sua saúde toda esteja ali controlada por um computador.

Mais uma vez, na prédica do pastor, observamos a fabricação de um discurso que vê na


pandemia um pretexto para que os governos avancem seus planos de governo dos homens. A
proibição do uso do dinheiro em espécie pelo seu alto poder de contágio suscita o estímulo ao
uso dos meios digitais de pagamento, o que insere as pessoas em um sistema eletrônico de
comércio. Como comprovação da realização da profecia sobre a marca da besta no livro do
Apocalipse29, os indivíduos terão uma marca, que provavelmente será um chip implantado na
pele, no qual estarão contidos todos os seus dados, incluindo dados bancários e médicos. O
pastor constrói um diagnóstico sobre a contemporaneidade que dificilmente poderíamos
desvincular das análises filosóficas e sociológicas elaboradas sobre o mundo atual. Afinal, o
rastreamento por celulares, a informatização do dinheiro, a implantação de chips para a
extração de dados biométricos, são processos que denunciam ou anunciam as formas
contemporâneas de biopolítica (Foucault, 2008), ou seja, a tomada de poder sobre o corpo
biológico da população: seu comportamento econômico, sua circulação pela cidade, seu
processo de adoecimento. A estatização do biológico estende seus poderes de capilaridade
sobre os corpos justamente em períodos extraordinários, como o advento de uma pandemia 30,
no qual o Estado soberano, diante de uma situação de extrema ameaça para a sustentação
biológica da vida da espécie, pode suspender a lei e decretar um estado de exceção: os direitos
civis podem ser temporariamente retirados e os cidadãos convertidos em vida nua, uma pura
vida animal, zoé, nos termos de Agamben (2004). Em análises mais recentes sobre a
digitalização da vida, Shoshana Zuboff (2018) mostra como os procedimentos de extração,
análise e comercialização dos dados de usuários das plataformas digitais e das redes sociais por
grandes empresas do capitalismo informacional, como o Google e o Facebook, por exemplo,
configura “um ubíquo regime institucional em rede que registra, modifica e mercantiliza a
experiência cotidiana, desde o uso de um eletrodoméstico até seus próprios corpos, da
comunicação ao pensamento, tudo com vista a estabelecer novos caminhos para a monetização
29
O versículo 13:17 do livro do Apocalipse diz: “para que ninguém pudesse comprar nem vender, a não ser quem
tivesse a marca, que é o nome da besta ou o número do seu nome”.
30
Em Vigiar e Punir, Michel Foucault mostra como o acontecimento da peste na Europa no século ??? suscitou a
invenção de uma série de mecanismos disciplinares de repartição do espaço, esquadrinhamento dos corpos e
vigilância dos movimentos.
e o lucro” (Zuboff, 2018, p. 44). A autora nomeia essa forma emergente de regime de
acumulação de “capitalismo de vigilância”, uma espécie de “Big Other” que se funda como um
“poder soberano” capaz de aniquilar o tipo de contrato social estabelecido pelo Estado de
direito e as liberdades civis garantidas até então pela sociedade liberal-democrática (Zuboth,
2018). Os argumentos sobre a biopolítica, o estado de exceção e o capitalismo de vigilância,
forjados no pensamento acadêmico de crítica social, são aqui incorporados, e ao mesmo tempo
transmutados, de forma surpreendente, pelo discurso neopentecostal sobre o Apocalipse. A
prédica pastoral usurpa o discurso da esquerda por dentro, como se o “profanasse” ao retirá-lo
dos seus locais consagrados de enunciação da doxa acadêmica. Essa, por sua vez, às custas do
“mito do ‘dom natural’ e do racismo de inteligência”, pretende manter o discurso protegido, às
sete chaves, nos rituais que nomeiam e consagram aqueles que podem falar, ao mesmo tempo
que deslegitimam a fala dos que não devem falar, os proscritos do campo acadêmico
(Bourdieu, 2001). Contudo, os “não autorizados” tomaram a palavra por autoproclamação, e
usam o discurso de denúncia sobre a ameaça totalitária da catástrofe pandêmica para acusar a
trama oculta e ignominiosa que está por trás dos planos aparentemente bem-intencionados de
imposição da quarentena e controle digital sobre os corpos. Na esteira dos argumentos contra
as medidas sanitárias de isolamento social, forja-se uma narrativa que estabelece uma relação
de tensão com a ciência. Não exatamente para negá-la, mas para estabelecer uma crítica, que
replica, em outros termos, e com sinal trocado, a crítica construída durante décadas no campo
das ciências humanas. Na prelação da Igreja Universal do Reino de Deus, não se trata de negar
a legitimidade da ciência na perseguição da verdade e na criação de métodos profiláticos para o
combate de doenças, mas de apontar para as modalidades de poder que acompanham
necessariamente a formação dos saberes. Como demonstrou Michel Foucault em seu
empreendimento genealógico sobre as formas emergentes de poder na modernidade, o
dispositivo disciplinar ofereceu as condições de possibilidade para o desenvolvimento dos
saberes clínicos. A estratificação espacial, a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora
permitiram a criação do exame clínico que constituiu “o indivíduo como efeito e objeto de
poder, como efeito e objeto de saber” (Foucault, 2002, p. 160). A criminologia, a pedagogia, a
medicina, todas as “ciências com que nossa ‘humanidade’ se encanta há mais de um século têm
sua matriz técnica na minúcia tateante e maldosa das disciplinas e de suas investigações”
(Foucault, 2002, p. 186). A crítica sobre o par poder-saber agora se anuncia pela boca de um
pastor de uma das maiores igrejas neopentecostais do país, que se alinha, de forma explícita e
verborrágica, nos múltiplos meios de comunicação das plataformas digitais, ao projeto
genocidário do governo Bolsonaro. Essa estratégia discursiva arma, de forma engenhosa, uma
armadilha para a esquerda, que se vê em uma situação sem saída. Se a esquerda adota, sem
culpa nem pejo, todas as medidas sanitárias contra a propagação do coronavírus, incluindo o
gerencialmente algorítmico dos movimentos dos corpos infectados, ela está desviando os olhos
para a possibilidades da corrosão dos direitos civis. Se ela rejeita os procedimentos científicos
de combate ao vírus, ela é cúmplice de um dispositivo necropolítico que fomenta a exposição
da população à letalidade de uma doença, ainda mais devastadora entre pobres e negros. Entre
uma opção e outra, coube ao chamado campo progressista a defesa da segunda alternativa, que
se vê obrigado agora a fazer a defesa do Estado, da lei e da medicina, tornando vazio e
inoperante qualquer impulso insurrecional contra a ordem das coisas. De mão atadas, a
esquerda resigna-se a advogar pelo status quo. A potência da revolta, por sua vez, foi
apropriada pela direita, e especificamente, no caso descrito, pela prédica neopentecostal, que,
em uma apropriação criativa do messianismo apocalíptico, apossou-se do discurso da crítica,
arrancando-lhe, na marra, dos espaços consagrados de legitimação da doxa acadêmica
(Bourdieu, 2001). Contudo, trata-se, de fato, de um empreendimento contrarrevolucionário,
uma vez que a crítica à administração estatal e à intervenção médica servem, nesse caso, à
cumplicidade com uma prática que fomenta a possibilidade de morte, internação hospitalar e
ocorrência de sequelas entre os fiéis da igreja e pessoas de seu entorno.

3. Considerações finais

O presente artigo pretende pensar as formas de gestão da pandemia do coronavírus no


Brasil, a partir das relações de imbricação entre o Estado e o pentecostaismo. De um lado, no
âmbito do Estado, existem as modalidades de governo da doença empreendidas pelo poder
executivo. De outro, no âmbito da gestão das populações à margem da sociedade brasileira,
existem as modalidades de governo da doença agenciadas pelas igrejas pentecostais e
neopentecostais, base de apoio significativa da administração de Jair Bolsonaro. Entre os dois,
é possível entrever espaços de interseção. O pentecostalismo, desde a sua origem nos Estados
Unidos, teve como camada portadora central as classes dominadas. Não as classes dominadas
de forma geral, mas uma fração de classe específica: uma “massa enorme de gente nas franjas
da sociedade, sem um lugar específico no sistema de produção” (Souza, 2010, p. 275). A
Apostholic Faith Mission, fundada por Willian Joseph Seymour na Azuza Street, em Los
Angeles, mito de origem do pentecostalismo, era formada por “negros, imigrantes e um
número significativo de mulheres” (Souza, 2010, p. 273). Em sua expansão pelo mundo ao
longo do século XX e no início do século XXI, o pentecostalismo manteve “sua ‘vocação’
inicial para atender as demandas das classes subintegradas da sociedade capitalista” (Souza,
2010, p. 274), tornando-se “a força mais dinâmica e expansiva do cristianismo no mundo,
crescendo nas regiões em que as contradições do capitalismo se tornaram mais radicais, como é
o caso da crônica desigualdade social da América Latina” (Souza, 2010, p. 274). Com o
arrefecimento da migração rural-urbana a partir da década de 1980, os fluxos migratórios se
concentraram no interior das regiões metropolitanas, formando então o que a antropóloga
brasileira Clara Mafra denominou de um “cinturão pentecostal” no entorno das áreas centrais
das grandes cidades, composto por uma massa de pobres, miseráveis e pretos 31, convertidos ao
pentecostalismo, habitantes das favelas, bairros e subúrbios periféricos. De alguma forma, um
“processo de conversão religiosa em massa” se conectava com um “padrão de habitação das
metrópoles” (Mafra, 2011). Nessa nova configuração da metrópole, com espaços segmentados
e exclusivos, os sujeitos moradores das margens, encapsulados em seus enclaves periféricos,
passaram a se afastar dos modelos hierárquicos, paternalistas e fideístas de convívio interclasse
que regulavam as relações entre classes abastadas e classes trabalhadoras, patrões e
empregados, superiores e subordinados no Brasil, mediadas pelas formas de ajustamento do
conflito do catolicismo brasileiro (Mafra, 2011). O afastamento desse modelo católico de
naturalização da desigualdade social criou as condições de possibilidade para que os sujeitos
periféricos fabricassem, nas margens, seus próprios mecanismos de sociabilidade, agora
focados em relações intraclasse. O pentecostalismo ofereceu então, de forma plástica e
inventiva, uma nova gramática social e simbólica capaz de traduzir como os sujeitos pensam
seus lugares no mundo social – o que inclui a recusa das formas tradicionais de humilhação
social em uma sociedade radicalmente estratificada32. Nas relações intraclasse, movimentadas
nas redes de vizinhança e nos espaços congregacionais, novas formas de hierarquização são
produzidas pelas diferenças na aquisição de atributos carismáticos, como a capacidade de
receber a unção do Espírito Santo e exercer seus dons, como curar, falar em línguas ou fazer
profecias.
É possível, assim, retraçar três processos da formação do pentecostalismo brasileiro que
oferecem uma chave diacrônica de interpretação para a forma como parte do campo
pentecostal, e mais especificamente, o neopentecostal, conduz a pandemia na
31
Segundo o Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil o
pentecostalismo é a variante religiosa formada por fiéis com os níveis de renda e escolaridade mais baixos, em sua
grande maioria, composta por pobres, miseráveis, pretos e mulheres.
32
Em seu artigo, Clara Mafra (2011) relata a história narrada por uma amiga evangélica que trabalha como
faxineira em uma casa de classe média no Rio de Janeiro. Paula (nome fictício) queixou-se de que a patroa havia
retirado a carne do feijão ao servir seu almoço. O gesto, que antes poderia ter sido percebido de forma
naturalizada em um modelo hierárquico de relações interclasse, foi percebido por Paula como uma injustiça
imerecida, signo de humilhação social.
contemporaneidade. Em um primeiro processo, o pentecostalismo se forma, desde a sua gênese
na sociedade norte americana, bem como no seu desenvolvimento ulterior na sociedade
brasileira33, como uma religião formada pelos “bastardos” do protestantismo ascético, por
sujeitos ocupantes da margem que contestaram a ortodoxia puritana e criaram novas mediações
entre os homens e o sagrado a partir de uma recusa da autoridade teológica, eclesiástica e
sacerdotal e uma possibilidade de democratização do êxtase. Em um segundo processo, da
década de 1980 em diante, intensifica-se no Brasil a configuração de um “cinturão pentecostal”
(Mafra, 2011) nas periferias das cidades grandes e médias, composto por sujeitos pobres e
pretos que rompem com a resolução católica de conflitos entre classes antagônicas e criam
interações vicinais e congregacionais dentro da mesma classe. Em um terceiro processo, com a
difusão das plataformas digitais e das redes sociais na sociedade brasileira a partir dos anos
2000, observou-se a formação de clusters virtuais, como comunidades do Facebook e grupos
de conversa do WhasApp, nos quais, em um contexto de gestão algorítmica e “entropia
informacional” (Cesarino, 2021), os usuários se isolam em grupos segmentados. A partição
urbana do “cinturão pentecostal” que privilegia a sociabilidade congregacional é replicada e
radicalizada nas comunidades virtuais de “crentes”, amplificada em múltiplos marcadores de
pertencimento como: redes de família e amigos; denominação; congregação; grupos internos
da mesma igreja; cargos na administração dos cultos; entre outros.
Os três processos – a genealogia nas margens; a formação das interações intraclasse e a
gênese das bolhas digitais – contribuíram para a configuração de uma nova relação do
pentecostalismo com a produção de regimes de verdade. Como religião formada pelos
“bastardos” do protestantismo ascético, o movimento pentecostal brasileiro nasce nas margens
do processo de implantação de uma sociedade urbana-industrial nos trópicos. A possibilidade
de dispor do sagrado por meio da intervenção extramundana do Espírito Santo permitia aos
sujeitos pretos, pobres e marginais, “mancos” e “ambíguos” (Bourdieu, 1999), subverterem o
jogo social do campo religioso: não apenas os membros da camada sacerdotal burocrática do
protestantismo histórico, dotada do capital simbólico da formação teológica, poderia acessar a
verdade da revelação – a experiência corporal do transe místico poderia ser tão ou mais
poderosa do que o conhecimento acadêmico das escrituras. A formação de “enclaves
pentecostais” nas periferias, por sua vez, fomentava a ruptura com a subserviência servil em
relação aos membros das camadas médias – o afastamento das relações de prestação de
serviços/contraprestação de favores próprias das interações com os “patrões” implicava

33
O movimento pentecostal no Brasil se inicia no Brasil com a fundação das igrejas Assembleia de Deus e
Congregação Cristã no Brasil, nos anos 1910 e 1911, respectivamente.
também uma rejeição sutil e silenciosa aos signos de status de classe, como a posse de
diplomas universitários, o exercício de profissões qualificadas e a aquisição de conhecimentos
especializados. Por fim, a difusão das plataformas digitais e das redes sociais diluiu a
hierarquia entre saberes autorizados e saberes não autorizados. A sacralidade dos especialistas
e a legitimidade dos sistemas peritos foram corroídos, pois qualquer conteúdo veiculado dentro
do círculo de confiança das comunidades de Facebook ou das conversas dos grupos de
WhatsApp tem mais chance de ser portador de verdade do que os enunciados das grandes
mídias, como o rádio e a televisão. Esses três processos contribuíram para a fabricação de um
dispositivo que por vezes é ignorado nas análises sobre o pentecostalismo: seu caráter
profundamente antiautoritário. O pentecostalismo, desde sua gênese, foi marcado por uma
contestação da autoridade, em suas múltiplas encarnações: a autoridade da teologia, a
autoridade da ciência e/ou a autoridade da grande mídia. Assim, a condução da pandemia por
parte das igrejas pentecostais e neopentecostais, sua reação às medidas de quarentena, a adoção
do tratamento precoce e a crítica à vacina, só poder ser compreendida se levarmos em conta
esse dispositivo antiautoritário e a fabricação de uma nova relação com a verdade. O discurso
médico pode ser arrancado do seu monopólio sobre a produção de um regime infinito de
visibilidade sobre a doença (Foucault, 2000) e recolocado na disputa ordinária pela detenção da
verdade. Nesse processo, o saber do especialista pode ser brutalmente dessacralizado e
restituído ao seu uso comum – profanado, enfim, no sentido que o filósofo italiano Giorgio
Agamben (2000) recupera dos gregos. Assim, o debate sobre o chamado “negacionismo” da
ciência por parte de grupos religiosos considerados conservadores deveria ser recolocado em
outros termos. Trata-se menos, portanto, do impulso de “negar” a ciência e mais da disposição
em usurpá-la por dentro, nos seus próprios termos, no interior do seu próprio jogo social – em
uma espécie de insurreição dos bastardos. Contudo, trata-se de um jogo perigoso. O dispositivo
antiautoritário do pentecostalismo, presente nas congregações soteriológicas de fiéis, que
compõem suas camadas portadoras por excelência, as franjas precarizadas das classes
dominadas da periferia do capitalismo, pode se relacionar, de forma imprevista e não
intencionada, ao dispositivo cínico do governo Bolsonaro e de parte das lideranças das
megaigrejas neopentecostais brasileiras, algumas delas ocupantes de posições e cargos chaves
nas administrações federais. O movimento dos sujeitos pentecostais, de contestação dos
mecanismos de autoridade e de recusa da humilhação social, que tem sua genealogia na
trajetória diaspórica dos negros nas Américas, pode estabelecer um nexo de sentido, em um
determinado arranjo de forças, nunca definitivo e sempre conjuntural, com dinâmicas religiosas
e políticas que estão ocorrendo no plano dos governos municipais, estaduais e federais. Assim,
novos regimes de verdade criados no campo pentecostal – que hoje contestam as medidas
médico-sanitárias de combate à pandemia do coronavírus – se conectam com planos genocidas
do governo federal que expõem a população ao risco de contrair uma doença que debilita,
fragiliza e mata cidadãos brasileiros, cuja parcela mais vulnerável é composta justamente pelos
sujeitos pobres, pretos e periféricos, portadores do pentecostalismo.

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