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SOCIOLOGIAS Colao cooedensd por Rui Pea Pires ‘Ttlos publiados Joo Berea de Almeida, Casts Sons nos Compos Pere Bourdieu, MeditisPesttinas Pierre Bourdieu, Rests Prices Manuel Vllaverde Cabral, Ciadona Pate e Eide Soil em Portal Gustavo Cardoso, Par ln Svat doCierspago Antoeio Frio da Costa, Sia Bare (Chores Crothers Rater K. Morton Samuel. Ehenstadt, Fusdanenttne¢ Maderioe NNotber Els, Zoi Sindee Ara Aleandee Fernandes, his Sone {Caos Fortuna org), Cie, Culture Clbalizagso Anthony Giddens, As Consus du Materidade (ego) Aihony Giddens, MedeaadeeMevtda Peso (2° e830) Arthony Giddens Polica, Soin e Tara Saco! Antony Giddens, Tensor de vind (2 e30) Marin cas Does Guerre, Fam Actisidade Empresa Clade Javea, Lf de Sec Jonge Correia esting enor eta A Comaniade Cienfice Pertgnesa noe Fido Sino XX Hoa Kove Juan ost Castile Molde Praia Romesh Misa, O Estado Provincia Soot Capa on Mozzkafedt, Estas Pode Cidataniaen Pera! Pak Muephyaae Willan rie Dunning O Fach Bae ds Rus Frank Parkin, Mex Metur Paulo Pecos, Frnaga¢ Desenoliente Raat Alejandro Poses, Mga: torino Mike Read, Sli Goto Maria ce Lares Rodrigues, Scio das Profs: Ana de Saint Maurie, Moiese Rss Antony D. Smith Nas ¢ Machel ma Ent lab PorseSocin, He Mie Alia Cardoso Totes, Dis em Portga, Dieter Malcolm Waters, Glin Jest Manuel Late Viegas, Nacionales ¢ Preboaies José Manuel L Viegas. Anti Fda Costa (om, Praga, ue Maria? (2 edi) CARLOS FORTUNA IDENTIDADES, PERCURSOS, PAISAGENS CULTURAIS ESTUDOS SOCIOLOGICOS DE CULTURA URBANA CFLTA EDITORA, OFIRAS / 1999 © 199, Carlos Fortuna (Carlos Fortune entidades, Percusos, Pasagens Cultus: Estudos Secilégicos de Cultura Urbana Primetaedigt: Malo de 1959, “Tiager 800 exempiaes Rovisbo de texto: Cts Edtora ‘SON s72-774.0032 Dept legal: 197135/99| CCompesigt Celta Edtora, em carscters Palatino, corpo 10 Capa Maio Vaz / Ananyo e imager: Paula Neves Follies, mpressto e acmente: Tporafa Lousonense, Lia, Innpresa em Portugal Reservadostoxos os dretos para a fngua portugues ddescondo com a legislagso em vigot por Calta Editor, tia, Apartado 151, 2780 Oxi =] URISMO, AUTENTICIDADE E CULTURA URBANA Detpecsaee a yemenen Sime r ne De acoro com a sua cepresentacio imaginéria, as massas deambulam algures entrea passividace ea espontaneidade selvagem, ran Boudlaed, tute Shadow of te Silent Majors) Doniel Boorstin, destacado intelectual americano, critica impiedoso da co- municagdo de massas, abre o seu clissico ensaig The Image, com a descricao dle um breve encontro entre amigas. A situacio descrita € a seguinte: a0 aproximar-se da mae que se faz acompanhar do sea filho, a amiga exclama, "Mas que linda crianga!”, ao quea mae replica, "Oh! Isto ndoénada... Havias de ver a fotografia!” Boorstin, 1961: 7) Este breve dislogo, ele propria imaginado, revela-se carregado de enor- me significado e actualidade. A representagio esta a tornae-se mais real que a realidade, facto que o fil6sofo-historiador americano comenta com azedu- ‘me, atribuindo a televisio ea imprensa a responsabilidad pela desrealizacao do mundo. Para Boorstin, as imagens visuais eescritas, subordinadas a uma incontrolavel maquinagao, nao param de criar “pseudo acontecimentos” que despojam 0s individuos ¢ os grupos da sua accao criativa e pulverizam as relagdes sociais, a medida que a sociedade se projecta no espectaculo, Significativamente, Boorstin coloea o turismo e 6 turista entre 0s exem- plos da descaracterizacio da realidade social. Sinais da “arte perdida de viajar", 0 turismo e o [urista ilustram © modo como a experiencia real se diluiu, tomando-se objecto falsificado da imaginacdo. Boorstin nao esta sozino na sua critica a0 fendmeno turistico e aos seus agentes — os turistas. Com efeito, desde o seu surgimento enquanto actividade social organizada, © turismo € 0 turista no deixaram nunca de ser objecto das mais variadas formas de critica e desdém social. O turista que mata o viajante 6 um tema recorrente entre criticos e ensafstas de finais do século pasado, como 0 € igualmente, em alguns ensaios literérios, hist6rico-antropoligicos e sociolé gicos deste século (Buzard, 1993). Na sua grande parte, esta critica deixa-se 7 conduzir por uma de trés linhas principais de argumentacao: ou por um sentido nostilgico de um tempo perdido e ireversivel (Fussell, 1980) ou por ‘uma avaliagao da superficiaidace do acto turfstico (Urbain, 1991), ou pelos ‘maleficios da sociedade de consumo e da massificagao (Boorstin, 1961). Estas interpretagses, denegridoras do turista e do turismo como sto, produzem um efeito de generalizagio, redutor da complexidade do fentimeno turistco. © seu principal preconceito parece-me estar no facto de as suas, ncurses serem feitas com base na construcso mental, nunca assumida, de um. ‘ipo particular de turista ede turismo: aquelesa que se cenvencionou chamar turista eo turismo de massas. A Sociologia tem, em anos recentes, procurado ‘oferccer interpretacdes que nao apenas desdramatizam 9 modo como aquelas Jeituras aborclam o turismo, mas que ao fazé-lo, enureiam também as suas fragilidades tedricas ¢ esterestipos. Recorrendo a um cenjunto de contributos recente da Sociologia, em geral, e das sociologiasdo turismo, lazere da cultura, ‘om particulas, procurarei comentar algumas cas orientagbes que me parecem hheuristicamente mais valiosas para a andlise socioldgica do turismo contempo- neo, Ao mesmo tempo, procurarei delinear eineo prineipais factores de salién cia emodos deabordagem do fendmena turistico que o pxcerao eventualmente ajustar as actuas transformacoes da sociedade Devo ainda assinalar que a andlise a que procecerai se centra privilegia- slamente num tipo particularde turismo ede turista,O tipo de turismo que ests aqui subjacente & 0 que se desenrola em contextos urbanes, particularmente os que registarn uma forte incidéncia de factores arquitecksnicos, hist6ricorarqueo- lgicos e monumentais, como os referidos anteriormente (ver capitulo 2). Este tipo “urbano e cultural” de turismo, sem escapar as tendBncias ce cxganizacio ‘emercantis do chamaci turismo demassas, porém, registiuma preponderincia cle turistas isolados, ou que viajam em pequenos grupos (2-3 pessoas), que utiliza meios proprios ee transporte e tém autonomia se os itineratios ¢ os calendliries da sua visita. Do ponto de vista da sua sociografia,o tipo de turista subjacente as rellexes que aqui se produzem pertencs, clominantemente, 2 estratos socials médios ¢ méclos altos, tem um nivel de ecptal escolar ecultural relativamente clevado, é membro do grupo de profisdesintelectuais, téenicas, cientificase aristicas, tem, na sua maioria, idades compreendlidas entreas 20.€ (9539 anos e tendle, quanto & sua divisio por sexos,a repartie-se de modo igual Naturalmente que o texto que se segue introduz, aqui ei, algumas generali Bes inevitaveis que, porém, nao pextem nunca ser aplicadas a outras dimensses do turismo ou tipos de turstas que os acabadios de assinala. Economia politica e desorganizaclo do turismo A primeira dimensio do estudo socioliigico do fenémeno do turismo que tem Sido ja objecto de algumas investigacdes, mas que continua a merecer novos TURISMO, AUFENTICIDADE F CULTURA UREANA 6 esenvolvimentos, diz respeito a economia politica da viagem e da mobili- dade, Scott Lash John Urry fazem assentarno desenvolvimento tecnologico dios transportes e das comunicagdes a matriz do desenvolvimento do taris- ‘mo. Natransigéo do capitals liberal ce meados do século passado para o capitalismo organizado ou fosdista, a tecnologia dos transportes cio con digoes para quese passasse de uma configuracio social em que predominava a Viagem individualizada de membros dos grupos sociais mais abastados, parauma utraem que, sem climinara primeira seinstitucionaliza turismo Coiectivo ou de massas (Lash e Urry, 1994 ap, 10. Ainda que patlatinamente, os moos de onganizacao politica e social do trabalho foram responséveis pelocrescimentoe democratizagaoclaacesso 420 turismo, a medica que permitiram o aumento dos tempos livres dos trabalhacloresefomentaram a ideotogia das férias: Das tomeréras iniiativas dde Thomas e John Cook na Gri-Bretanha de meados do século passado (Brendon, 1991) até as projecedes mais recentes sobre 0 movimento titstico mundial da proxima década vai um pequeno passo de uma sociedade que iio parou de privilegiar a viagem turistica ea mobilidade, tendovas mesma erigicio a condigdo de diveito de cidadania (Urry, 1995: 168) Do ponto de vista politic, o turismo, enquanto pratica especiiea de lazer, aerescenta cidadania uma concepcao nova, Naose trata agora apenas de teconhecer a legitimidade politica das tempos, das priticas ¢ dos espacos sielazer Wilson, 1988}, masde prolongartal reconhecimentoa uma condicao territorial especial, Oclireto a0 turismo é uma forma especial de organizacio social do lazer que se conceetiza na mobilidade dos sujetos denito e para além das fronieiras geopolitcas clos Estados nacio. Deste modo 0 turismo (© a viogem) investe 0 direito de cidadania da eondigao de aceder a uma dliversdacle de bens, servigns e produtos culturais de outras sociedad. Yale a pena destacar, por um instante estas cas dimensdes. Comeco por refer, em primero lugar, esta questa da mobilidace dos sujeitos que se converte, com o turismo, em predicado da cidadania, Refiro-me ao facto de © acto turstico se coneretizar em contextos sacioespaciais outros que nso osshabituaiscontextos de residéneia e uabalho do trista, Podendo, natural menie, corner adentro clo espaco nacional, o turism implica, na general dade das situagoes, uma passagem pelasfronteiras geopolitiens formals dos Estados. Fst aqui contida uma coneepea0 cosmopolita de cidadania, cujo sen= Lido, porém, ndo &o da emancipacio politica dos sujeltes, O cidadao-tarista um cosmopolitas apenas no sentido em que se mostra disponivel para interagis com outrose reflectir sobre essa interacgSo, pondo‘em evidéncla as diferengasenteosambientessociis,culturas, histéricose naturaisvisitados ‘eaqueles que emolduram o seu quotidiane rotineto.Trata-se de um cosmo roltisma esti, para usar a linguagem de Lash e Urry (1994: 256), em que sobressai a capacicade individual dos sujeitos para procedercen a esta 50 mesTiOaDes, PexcuaSOS, PAIBACENS CULTURAIS avaliacao comparativa, pelo recurso a dispositivos culturais e sensoriais, Por esta razio, Lash e Urry sustentam que este atrbuto cosmopolita da cidadania info pode pensae-se sento no quadro daquilo que Giekdens chama a *moder- riclade reflexiva” isto 6, numa situagao em que a modemnizacdo da sociedade corresponde uma capacidade dos sujeitos para reflectrem, de modo intenso, sobre as suas proprias candigdes de existéncia (Giddens, 1994) ‘A seguncia dimensio da cidadania que o turismo concretiza diz respeito ‘a0 acesso a uma variedacle de bens, servigos e produtos culturais que $6 0 turismo facula, ‘Trata-se cle reconhecer que a concepgSadecidadania por que o turismo ¢responsivel 6 uma concepsioeminentementemercantileconsumista. O bem-estar do cidadao-turista revela-se na sua capacidade de viajar, apropriar-se econsumir uma variedadle de produtos fostosa sua disposigio, ‘A logica da satisfacao deste impulso consumista teve desde sempre um efeito roporcionados pelo turismo tendema ser consuumidos de forma s6frega e eniocionalmente inten sa, Dada a sua permanéncia, por definicao, limitada nestes lugares, e dado o TURISMO, AUTENTICIDADE F CULTURR URBANA 69 seu descomprometimento com a historia ¢ a cultura locas, o turista pode exagerar na avaliagio simbdlica do lugar e investi-lo de qualidades extraor- dingrias. Esta & uma forma de valorizar a sua prépria condigao de turista: a lum tempo cute limitado apde-e (simbolicamente) a maxima satisfacao «emocional possivel. O tempo do turista € assim eonvertido num tempo de excepgio, ou intervalo de vida Deliberadamente despojada de condicionalismos e obrigac®es rotine’- 105, a experiéncia do tursta assemelha-se a estado ritualistco de passagem de uma condigao social para outa, feta mum contexto espacial que, por iso resmo, € um espaco de Iiminaridade tal como ¢ caracterizado pot Victor Tumer (1969). Oro, 0s espagos de liminaridade, onde se procede a suspensio de codigos éticos, morais e politicos, conjugados com ambientes festivos, limitados no tempo, de Fruicdo intensa e exte-ordindvia, podem configurar situagbes de transgressio bakhtiniana, Nesta hipotese, a mesma modernida- de que criou o turismo e o turisa, investi um e outro da capacidade de levasao do quotidian e, sob forma dramatizada, da capacidade de suspensio temporétia dos ordenamentossociais. No seu limite, o turismo pode revelar- se uma critica social insidiosa e slenciosa, Pode assim comportar algum sentido de transgressio e var o mundo de peras pata «ar, como no carnaval bakintniano, que, como se sabe, é um ritual anti-etua 45 Paragen I “Fin de poreurso” Procurantos imo 0 quatro gere! de matcagies dos tristas que visita a cidades ‘de Evora e Coimbra. O pte de partido para esta tontaton de cmacterizngto os no ecowhecinente de gue a express comportomtal do tarista se enone relacionada conn estentura des sts motives interests, Asin, gr nator «au mewor de conoenciouaisme que seated ao conportamento de trite {por exemplo, a sua “passoitade”,“acowodagi0", “stein”, “ria” “pore te his relaconase cow a estrutra daquelesineressese motions ‘Na operacionalizago deste questo, scorrens os 0 mnelo de hierargutzago das necesidades de Abram Maslow (1970). De avrdo com ‘eniodslo, 8 ious tim uo quadro evolve de crescimento marca por patararessucssivos (ehierarquzas) de interesses¢ mises Com limportneias designs, «modelo pote defini an esteatine-po de moteagee dos indiciduos gu habituatente severest do seh moo, em si recsladr «di importincia eaten de eda wna des motoagbes (Duis, 1993: 42), ‘Desobra ee une destas cinco moteages erdricas en duas rzdes |nstcatonsintorsses pssows na est, pede as tristas que se posisionassem emute ead wa” tendo seobtidoe seguint escala de lon nine sas molioagdes declaradas, "Nao pretono deicnr-ne au d anise pormenorisaadests resultados. A mink inten liita sea destacarofacto de que, quando suestonndos 1 IbeNTIDADES, PEREUNEDS, PAISZEENS CULTURAIS Figura 3.5. Hioraqua das necescdadesimotardes sogundo Masi Fane: Mastow (1970) ‘ean 55) Figura 3.6. Hora:quia des nocesldadosinatwagoes declarodas pds turstas nas clades vetiass (Coimbra @ Evora), 994 Fone: Fortuna (1995), no contest oss, 0 tis ferecm ds yrdprios* das suas motoagtes una fogen que ésinadtaaeanentecontastante e sobs a pide Ale sujet, aga pla pscolagia motivaiona de inspira maslosion. ‘So entnstants que net ntsc cnn que os tarisas referee 1 motioniesgeradonis de stishi pessol fos nis supsiones do piri sobretuda as eessdades de nato-renizag eto: mproxioannse orguanta os nits potencitnente geradares de insatsfigaa ecessidades fisiolgias ee seguranga) se encontram asseguraose no constituent desist, (0s resultados transite, antes de mais, um senda de suspensB0 4s rags socinpsicolégicose motieacinns que armcerzn os tures, guns idadars qe assay jd pores taps do seu “urs de ido”. O tris gue visita Boor e Ciuera e que apreseutn est quar de mesons é, portato, tan turistaexperimentado e, em priacpi,exigene quanto ms noes sia sstisffo emecional. Noo surprocndo, deste mndo, que encestrando-se un tempo te excepeto e mum espa qe oe pripro se encarnga de conertr simtulicamente em festa 0 avsta procure formar lgitinae«exposighe das sido, a fntosia cea frit, ToRIeMO, AUTENTICIDADE # CULTURA USBANA n A “sobrevalovizagao” da auto-stna eda auo-ralizego, por exempt, permite julgar que se rau 00 ntnime a fice ds ctgasecoustronginetos sini € morals do quotiianaturstic.Tedas as aoaiages so feiss de aco com criériosexcusivisese hedonisas. Nesta atmosfera, 0 triste entrega-se A oonstrugto de un meso imaginéro, em que ele propria é saberanoe que, por ss, {81m mado que tem tod comusirae soca coma tem de fie e got, Tal camo a geometiainertide des pitts das motonges, este mundo do triste ‘edo aris &,sinbsieaetemporarianente, wm mundo Xs avessas

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