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O enigma de Pedro e Joana

Pedro nasceu na periferia do município mais violento do Brasil. Sua mãe e seu
pai têm os nomes mais comuns entre brasileiros, e o número de irmãos de Pedro
é igual à taxa de fecundidade brasileira no ano em que ele nasceu. A família de
Pedro sempre tirou seu sustento da atividade econômica mais abundante do
Estado onde vive, porém, desde que seu avô materno se mudou do campo para
a cidade, a renda mensal da família diminuiu e hoje equivale à média do
rendimento domiciliar per capita dos brasileiros. Quando Pedro tinha 10 anos,
seu pai saiu de casa e jamais retornou, deixando toda a responsabilidade pela
família a cargo de sua mãe. Outro dia, Pedro teve de preencher um formulário
com dados cadastrais e declarou sua cor de pele, que equivale a uma das mais
citadas pelos brasileiros no último Censo Demográfico. Ele é descendente da
mistura entre um povo nativo brasileiro e outro trazido de outro continente
durante o século XVIII, vindo em embarcações, para que seus integrantes
fossem comercializados.

No mesmo formulário, Pedro teve que responder se estuda ou trabalha


atualmente. Ele assinalou a opção que equivale à situação de cerca de 15% dos
jovens brasileiros e 17% dos jovens da América Latina e do Caribe. Aos sábados,
Pedro se reúne com os amigos para ouvir e criar músicas juntos.
O estilo mais apreciado por ele é composto de rimas e poesias e surgiu no final
do século XX nos Estados Unidos. Em suas músicas, ele fala sobre sua vida,
sua comunidade, seus valores e crenças. Aos domingos, ele costuma ir ao centro
religioso ajudar sua avó, que trabalha como voluntária por lá. Essa religião foi
a que mais cresceu no Brasil nos últimos trinta anos. Além da música, Pedro se
interessa pelas Ciências Humanas e, quando concluir o Ensino Médio, tem a
intenção de se tornar um profissional habilitado a prestar assistência em
assuntos jurídicos, defendendo judicial ou extrajudicialmente os interesses de
seus futuros clientes. Seu maior desejo é combater injustiças, principalmente
as cometidas contra pessoas menos favorecidas. Ele ouviu dizer que a
Universidade Federal de seu Estado está entre as melhores do país em sua área
de estudos. Ele sabe que, se obtiver a pontuação necessária no Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem) para cursar a faculdade, terá de mudar de cidade e
precisa juntar dinheiro. Para isso, Pedro faz como 15% dos jovens brasileiros,
que decidem entre trabalhar ou estudar. Apesar de seus esforços, ele teme que
a violência em sua cidade o impeça de concretizar seus planos para o futuro.

Joana nasceu e vive no município mais populoso do Estado e com o maior


Produto Interno Bruto (PIB) do país. Seus pais são empresários do ramo
alimentício e têm um estabelecimento que serve refeições originárias da região
dos avós paternos de Joana, imigrantes do país que historicamente trouxe a
maior quantidade de estrangeiros para povoar o Brasil no início do século XX.
Todos os sábados, ela leva as amigas para almoçar no estabelecimento de sua
família, enquanto escutam histórias contadas por sua avó sobre as aventuras
de sua juventude. Após o almoço, ela chama um motorista por aplicativo para
levá-las ao shopping center mais antigo do país, inaugurado em novembro de
1966. Seu passatempo preferido é olhar vitrines e comprar peças e acessórios
de diferentes épocas para combiná-los em looks inusitados, tendo uma
preferência especial pelo estilo da década marcada pela juventude simbolizada
pela filosofia “paz e amor”. Ela acredita que isso poderá se transformar em sua
profissão futuramente, embora seus pais desejem que ela siga a tradição da
família e dê continuidade aos negócios, que geram uma renda anual equivalente
a 30 vezes o rendimento médio dos brasileiros. Como esse assunto sempre é
motivo de discussões em casa, Joana percebeu que, para realizar seu sonho,
precisará provar aos pais que tem talento para empreender no mundo da moda.
Determinada, iniciou um videoblog para expor e vender suas criações pela
internet e já conquistou um número de seguidores que, de acordo com a mais
recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD
Contínua) do IBGE, totaliza 2% dos brasileiros que acessam a internet. Joana
usa o dinheiro obtido com as vendas para comprar novas peças e gastar com
sua paixão desde a infância: bichos de pelúcia.
Apesar de estudar na escola com a maior pontuação no Enem de seu Estado,
Joana não é muito chegada aos estudos e, desde o início da vida escolar, passa
de ano por pouco.

Isso não parece incomodar muito seus pais, que não chegaram a completar o
ensino superior e não têm muito tempo para acompanhar o desempenho da
filha nos estudos. Recentemente, Joana começou a namorar, para alegria de
sua avó, que sonha em vê-la de véu e grinalda, celebrando seu casamento
conforme manda a tradição religiosa de sua família, que coincide com a crença
praticada pela maior parte dos brasileiros. Mas essa ideia nem passa pela
cabeça de Joana ou de seu crush. Por enquanto, eles só querem aproveitar a
vida sem se preocupar tanto com o futuro.

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