You are on page 1of 4

Grande expoente da filosofia política, Jean Jacques Rousseau (1712-1778) contribuiu

para sua área ao desenvolver uma nova proposta acerca da origem da sociedade em seu
contrato social. É da autoria do autor grandes obras acerca de variados focos de
pesquisa, tais como literatura, artes, pedagogia e, é claro, teoria política. Em seu
livro“Contrato Social” (1762), a proposta de um pacto coletivo que preservasse a
liberdade natural humana ao mesmo tempo que garantisse uma ordem social justa
e eficaz fez com que sua visão fosse um diferencial no panteão dos contratualistas. O
empreendimento de não somente propor tal pacto, mas também de acusar sociedades
contemporâneas de promoverem desigualdade em nome da propriedade privada (já
institucionalizada na época), faz de Rousseau uma voz a ecoar até hoje.
A fim de compreender a sistematização da ordem social proposta por Rousseau, cabe
antes analisarmos as deduções feitas pelo autor acerca do desenvolvimento humano a
fim de reconstituir a história dramática que opõe o estado de natureza a um estado de
sociedade (FORTES, 2007, p. 44-45). É a partir dela que se pode entender o motivo -
isto é, qual ação- que fez com que os homens, em seu processo de socialização,
criassem uma organização de sociedade tão injusta em sua época. Uma vez proposto
que foi através do estabelecimento e consolidação de instituições em torno da
propriedade privada que se deu o início da Sociedade -logo, também, da
desigualdade- , é olhando, sobretudo, para a virtude nata da liberdade que Rousseau irá
propor que uma ordem social justa se dá por meio de uma convenção feita tão
somente pela vontade geral.
Antes de mais nada, para explicar a origem da desigualdade entre os homens, o autor
faz uso do conceito de estado de natureza para delimitar um antes e depois da
sociedade. O homem, nesse dito estado inicial, era essencialmente simples e voltado
para dentro de si mesmo. Diferente do que Hobbes propusera, o homem não era um ser
egoísta, competitivo e opressor, pois naquele estágio inicial o ser humano não saberia
distinguir o bom ou mau; ele apenas era. Bastando-se a si mesmo, esse ser não travaria
guerras, afinal, a não existência de propriedade fez o homem contentar-se com o que se
tem e com o que se é. Essa análise filosófica infere ao homem uma ingenuidade, dado
que este está nú de qualquer dogma institucional. Nas palavras do filósofo, “nada é
mais meigo do que o homem em seu estado primitivo, quando, colocado pela natureza
a igual distância da estupidez dos brutos e das luzes funestas do homem civil, e
compelido tanto pelo instinto quanto pela razão a defender do mal que o ameaça, é
impedido pela piedade natural de fazer mal a alguém sem ser a isso levado por alguma
coisa ou mesmo depois de atingido por algum mal” (ROUSSEAU, 1973, p.270).
Contudo, a interrupção desse estado de natureza se dá bruscamente. Se nesse estado
anterior o homem se contentaria com o que possuía para sua auto-preservação, o
pensamento de acumulação quebraria com esse ideal. A partir de agora, cada homem se
apropriaria de um bem e tomaria para si a denominação de proprietário. A propriedade
privada, então, começa através de um homem que cerca um terreno e passa a dizer aos
outros acerca dos perigos daqueles que violarem sua posse. Inaugura-se, daí, a
desigualdade entre os homens, visto que visto que “as diferenças entre os homens,
desenvolvidas pelas diferenças das circunstâncias, se tornam mais sensíveis, mais
permanentes em seus efeitos e, em idêntica proporção, começam a influir na sorte dos
particulares” (ROUSSEAU, 1973, p.272).
À medida em que os recursos eram tomados e a segurança por proteger sua
propriedade era alarmada, o ensejo permitiu uma reaproximação dos homens que
visavam se relacionar para garantir o próprio bem. Essa relação se deu entre
convenções, ou seja, na abdicação das liberdades naturais para liberdades civis, onde à
medida em que alguém renuncia sua liberdade de atacar, o outro também renunciará,
trazendo uma suposta atmosfera de paz. Ora, se há agora a necessidade de uma
aproximação, os ricos usando um discurso pacifista e persuasivo declamarão que as
instituições garantiriam a paz e a justiça para todos, omitindo, se não, que essas mesmas
serviriam -muita das vezes- como reguladoras de injustiças sociais (ROUSSEAU, 1973,
p.275). O estabelecimento e consolidação dessas instituições que tinham o dever de
garantir a propriedade marcaram a passagem desse homem primitivo para um homem
civilizado.
Nesse momento, Rousseau propõe um novo alicerce para essa sociedade que, apesar
de legitimar a subordinação e a coerção social para fins pacíficos, sofre nas mãos de
líderes e sistemas que potencializam as injustiças e desigualdades. Um Contrato Social,
para Rousseau, teria por objetivo fundar uma sociedade baseada numa razão
compartilhada intimamente ligada ao bem estar da coletividade. Esse contrato se baseia
em uma crença de cooperação entre os indivíduos, tendo em mente que esses podem
desenvolver maiores trabalhos do ponto de vista qualitativo e quantitativo quando estão
unidos1. Cabe a observação de que tal pacto não projeta um retorno à natureza originária

1 Diferente do contrato social baseado intimamente no medo, como o é em Hobbes, o proposto


por Rousseau é intrinsecamente positivo, cooperativo e coletivista.
-afinal, Rousseau entende que é impossível parar o processo de socialização-, mas tem
por propósito a construção de uma mentalidade coletiva tal qual como havia no homem
primitivo. Essa mentalidade, por sua vez, pode ser descrita como “não sendo baseada
nos instintos e nos impulsos passionais, como no modelo primitivo, nem porém na pura
razão, isolada e contraposta aos sentimentos ou à voz da consciência global do homem,
aberto para a comunidade”2.
Após o Contrato instituir a soberania política como sendo pertencente ao conjunto de
membros da sociedade, o princípio normativo para a sua coesão e eficiência prática é a
vontade geral, que guiará as forças do Estado segundo o fim pelo qual foi instituído,
isto é, o bem comum. Tal princípio normativo deve ser difundido a partir da educação,
que formará tal mentalidade, transformando o indivíduo em um membro da sociedade.
Cabe ressaltar que, todavia sendo uma imagem do corpo social, a vontade geral não é o
resultado apenas da soma da vontade de cada um, porém, é antes de mais nada, a
vontade particular de um indivíduo cidadão que preza, sobretudo, pela defesa do bem
comum. Essa [vontade geral] guiará, à decisão pública, tudo aquilo que não corresponda
a uma vontade individual, mas sim geral.
Dessa forma, o contrato social proposto, guiado pela égide da vontade geral,
legitimará a instauração de uma ordem social eficaz e justa. Eficaz pois, partindo do
princípio do interesse coletivo e do bem-estar comum, a ordem social garantirá a todos
os mesmos direitos e deveres - pois esses mesmos direitos e deveres serão deliberados
de forma conjunta no sentido da formação da sociedade civil e do Estado. Justa pois, a
ordem social instaurada não é a soma das vontades de todos os indivíduos, mas sim de
todos os indivíduos cidadãos componentes da sociedade que, por sua vez, renunciaram
cada um aos seus próprios interesses.

2 REALE & ANTISERI. História da Filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4. São Paulo, Paulus, 2004,
p. 285.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / BIBLIOGRAFIA

ROUSSEAU, J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade


entre os homens. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural,
1973. (Os Pensadores).

ROUSSEAU, J. Do Contrato Social. Trad. Lourdes Santos Machado. São


Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores).

NOZICK, R. Anarquia, Estado e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1991

RAWLS, J. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FORTES, S. Rousseau: o bom selvagem. Discurso editoral, Humanitas, 2007.

You might also like