You are on page 1of 4

FALSAS MEMÓRIAS E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

A questão das falsas memórias traz à tona também a questão sobre a verdade.

A memória é um processo cognitivo de mecanismos dinâmicos associados à

retenção e recuperação de informação, entretanto, não é impassível de falhar, tendo um

fenômeno despertado o interesse principalmente da área do Direito e da Psicologia, o das

falsas memórias.

As falsas memórias na área jurídica se relacionam com um meio probatório

conhecido como testemunho que passa por um filtro de critérios e características para ser

considerado e analisado, como por exemplo, a judicialidade, podendo apenas ser produzido

dentro do processo em juízo, a oralidade, tendo como dever ser apresentado de forma

verbal e mais espontânea possível sendo admitidos e analisados outros elementos do

discurso como os retóricos, e a objetividade, devendo a testemunha não emitir convicções e

opiniões sobre o caso. O foco e o interesse se mantém no presenciado e manifestado pelos

sentidos em retrospectiva sem considerar juízos presentes ou futuros a situação. Ocorre

também um crivo a respeito da validade da pessoa como testemunha, e do testemunho em si

frente a outras provas.

Antes dos primeiros estudos da Psicologia a respeito do assunto, o fenômeno era

muitas vezes considerado na área jurídica como mentiras ou distorções propositais. É

preciso diferenciar: a mentira é consciente e deliberada, enquanto as falsas memórias são

lembranças distorcidas ou esquecidas de modo não intencional e consciente. Os primeiros

estudos foram realizados pelo psicólogo e pedagogo francês Alfred Binet no ano de 1900

em que constatou o efeito sugestivo na memorização dos fatos através da avaliação de

crianças, dividindo esse efeito em duas formas: a autossugestão e a sugestão de outra fonte,
como um terceiro, provocando interferência na nossa interpretação dos eventos vividos. Já

o pioneiro no estudo com adultos foi o psicólogo britânico Frederic Barlett que concluiu

que o ato de recordar é construtivo, baseado em experiências, expectativas e conhecimentos

prévios do indivíduo, sendo guiadas as pessoas por esquemas e temas gerais, nunca

lembrando dos detalhes de uma experiência específica, completando com eles as lacunas de

fatos mais antigas vivenciados.

Outro modelo teórico para explicação do fenômeno é a teoria do monitoramento por

fonte. Nesse modelo, a primeira tarefa para relembrar um evento é monitorar a fonte, ou

seja, confirmar a procedência de determinada informação; discriminar se ela procede de

sonhos, experiências reais ou experiências imaginadas que se misturaram. Também

discriminar se ela procede de fonte externa (ouvir, ver, etc.) ou de fonte interna (pensar,

imaginar, raciocinar, sonhar).

A teoria que hoje compreende mais amplamente a questão das memórias falsas é a

teoria do traço difuso de Brainerd e Reyna, que diz que o intuitivo, o não delimitado

especificamente, o não lógico, é a base do raciocínio; as pessoas preferem a simplificação

de trabalhar com o que é essencial da experiência, o significado por traz do fato, em vez de

ter de processar informações específicas e detalhadas. Partindo desse intuicionismo, o

nosso processamento cognitivo busca caminhos que agilizem e facilitem a compreensão,

nem sempre correspondendo a realidade dos fatos.

Nos casos de alienação parental, abuso sexual e violência doméstica, a memória dos

envolvidos no processo toma um caráter de preponderante importância haja vista a

dificuldade de angariar provas materiais suficientemente satisfatórias desses ocorridos


como prova e comprovação e, devido também, aos traumas que muitas vezes estão em jogo

que podem comprometer a reelaboração e reconstituição dos fatos.

Na alienação pariental as falsas memórias em sua maioria vem com o objetivo de

romper os laços de afeto da criança com um de seus genitores, consiste geralmente na

campanha de desmoralização praticada por um genitor contra o outro. Os genitores

alienadores, acabam fazendo discursos alienadores afirmando condutas que não

aconteceram, convencendo os filhos, principalmente crianças pequenas, que são mais

facilmente manipulados, a acreditarem nesses fatos inverídicos. Como as crianças confiam

naquilo que os pais dizem, acabam por participar de qualquer distorção concedida pelo

genitor alienador, com isso, o filho apresenta um discurso pronto, afirmando que ninguém o

influenciou e que chegou sozinho às suas próprias conclusões.

A síndrome da alienação pariental (SAP) e as falsas memórias acabam se

relacionando também quando ocorre uma denuncia de abuso sexual de um genitor,

identificar uma alegação de abuso sexual praticada contra criança/adolescente em ambiente

familiar é uma tarefa bastante difícil, já que, na maioria dos casos, não há vestígios do ato e

a palavra da vítima quase sempre é a única prova contra o abusador. Partindo de uma

criança, essa afirmação acaba sendo duvidosa, devido à sua vulnerabilidade, e isso é

aproveitado pelo genitor. Quando há está possibilidade, o magistrado toma providências

frente aos fatos, e acaba suspendendo as visitas e determinando que seja feita a realização

de estudos psicológicos e sociais para conferir a veracidade das informações que lhe foram

comunicadas, entretanto como os trâmites processuais são demorados, a possibilidade de

convivência com o outro genitor fica comprometida, já que pode demorar de meses à anos.

Com isso, a providência tomada, muitas vezes de forma errônea, determina a imediata
suspensão das visitas e o monitoramento dos encontros, medidas que concedem maiores

poderes ao genitor alienador. Com isso, o alienador acaba se sentindo vitorioso ao alcançar

o seu objetivo, o de romper o convívio dos filhos com o outro genitor.

You might also like