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DICIONARIO TEMATICO DO OCIDENTE ME DIEVAL VoL UM ECE JACQUES LE GOFF & JEAN-CLAUDE SCHMITT mito ke Digtalaso om Camsamer IMAGENS >oi no século XIX, na Alemanha, que a histéria da arte nasceu como uma F disciplina cientifica. A esta criagio esto ligados os nomes dos eruditos Heinrich Wolfilin ¢ Alois Riegl, que definiram os objetivos da disciplina assim como seus métodos e seu questionério: cles deram uma importancia especial & Stilfiage, a questao do estilo, que devia guiar geracées de historiadores da arte na identificagao dos artistas, das escolas e dos ateliés e na datacao das obras. Es- tes principios permitiram 0 estudo rigoroso de todos os dominios concernen- tes, da arquitetura até as artes “maiores” (pintura, escultura), sem esquecer a iluminura dos manuscritos e as artes decorativas. Mas a necessidade de fundar a disciplina sobre bases cientificas também conduziu os historiadores da arte a se fecharem em limites as vezes demasiados estreitos, considerando particular- mente que a “vida das formas” — para citar o citulo de uma obra de Henri Fo- cillon de 1934 — podia se desenvolver numa quase-autonomia em relagio as forcas profundas que regem 0 conjunto da sociedade. Houve entretanto rea- Ges contra essa tendéncia, como na Franca ade Emile Mile, cuja Liart religieux au XIIF siecle en France, publicada pela primeira vez em 1898, é reeditada ain- da hoje. Mesmo se esta obra ndo pode mais satisfazer hoje em dia o historia- dor das sociedades medievais pela sua maneira de “reduzir” a evolugio artisti- ca cultura letrada contemporanea, em primeiro lugar sobre o Spectulum de Vi- cente de Beauvais, é preciso reconhecer o papel positivo que ela exerceu na sen- sibilizagio de historiadores, como Marc Bloch, para os problemas estéticos. Entretanto, na mesma época surgiram outras abordagens, cuja fecundida- de com o recuo de que dispomos hoje nos parece ainda maior. Entre 1920 ¢ 1933, na Alemanha, foi proposta por Aby Warburg e seus discfpulos uma con- cepgio da histéria da arte intimamente associada ao estudo mais amplo da civi- lizagao, integrada numa Kulturwissenschaft inspirada na “filosofia das formas simbélicas” de Ernst Cassirer, Essa nova iniciativa permitiu, dentre outras coi- sas, compreender melhor a arte do Renascimento em sua relacao com 0 conjun- to das tradigdes erudiras — neoplatonismo, hermetismo, astrologia etc. — que a fecundaram. Um discipulo de Warburg, Erwin Panofsky, interrogou-se sobre os lacos existentes entre a invengio da perspectiva ¢ os progressos da gcometria ¢ da dptica no final da Idade Média. E recuando ainda mais nos séculos, Id onde sor Digtalaso om Camsamer Dicionério Temuitico do Ocidente Medieval ‘a env termos de analogias formais, Panofsky tencou fazer uma tico. i aniilise estrurural das rekags O exilio desta escola de pensamento na Inglaterra € nos Estados Unidos duran- 41 Mundial adiou a recepgao destes conceitos pe~ nile Mile pens gética ¢ pensamento escol entre arquitenu teo nazismo ea Segunda Gu los historiadores e mesmo pelos historiadores da arte, especialmente na Francastel, trabalhou apés Nesse pais, entretanto, um “socidlogo da arte”, Pierre contrassem as herangas de Aby Warburg ¢ de a guerra para que enfim se re Mare Bloch ¢ Lucien Febvre: exatamente contemporineos (os Aimales foram fundados em 1929) e bastante complementares em suas perspectivas antropols- gicas, eles eram até entio completamente ignorados. Juntos, podem servir ago- ra para repensar o estudo das imagens por parte dos historiadores O TEMPO E O ESPAGO DA “IMAGO” Qual é a situagio atual? Alguns seriam tentados a proclamar o “fim da historia da arte” ¢ celebrar a0 contnirio as promessas da “histéria das ima- gens”. Hans Belting ¢ David Freedberg notam que v ssi “imagem” — mais amplo € nio associado unicamente a valores estéticos como acontece com “arte” — permitiu nos tiltimos anos aos historiadores, ainda mais do que aos historiadores da arte, colocarem-se novas questées sobre o funcionamen- to social, as fungées ideoldgicas, o poder das imagens do passado. Esta evolu- io historiografica é certamente em parte explicada pela invasio de nossa pro- pria sociedade por “novas imagens”, imagens “virtuais” que convidam a repen- sar as questdes do suporte, da criagio, da relagio entre a obra ¢ 0 espectador, independentemente de uma histéria da arte habituada a objetos mais tradicio- nais, Ora, simultaneamente, um sentido mais agudo da relatividade das situa- Ges histéricas e ancropoldgicas impede-nos hoje de projetar sobre outras so- ciedades (inclusive as da Idade Média curopéia) nossa nog’o de arte, com suas produgées, seus usos e suas fungées, tal como foi forjada no Renascimento, quando Vasari estabeleceu os primeiros fundamentos de um estudo da evolu- ao da arte por intermédio da histéria dos artistas. Antes da “época da arte” ¢ da “ invengao do quadro”, teria havido, segun- do Hans Belting, o “tempo das imagens ¢ do culto”, ou seja, das concepgées ¢ das priticas nao essencialmente estéticas, mas primeiramente cultuais ¢ rituais das “imagens”. De fato, em se tratando da Cristandade medieval, a nogio de “imagem” parece ser de uma singular fecundidade mesmo que compreenda- mos pouco todos os sentidos correlatos do termo latino émage. Esta nogio est4, so. Digtalaso om Camsamer Imagens al do mundo ¢ do homem: ela re- io medie’ com efeito, no centro da concep is, minia- mete nio somente aos objetos figurados (retibulos, esculturas, vie turas etc.), mas tambem as “imagens” da linguagem, metiforas, alegorias, simi- linudines, das obras literarias ou da pregagao. Ela se refere também & imagina- tio, As “imagens mentais” da meditagao e da meméria, dos sonhos e das visbes, tio importantes na experiéncia religiosa do cristianismo e que sio muitas vezes desenvolvidas em intima relago com as imagens materiais que serviam & devo- do dos clérigos ¢ dos figis. A nogio de imagem diz respeito, enfim, a antropo- logia cristi como um todo, pois € o homem — nada menos que isso ~ que a Bi- blia desde suas primeiras palavras, qualifica como “imagem”: Iavé diz que mo- dela o homem “ad imaginem et similitudinem nostram’” (Génesis 1, 26). Segun- do o Novo Testamento, a Encarnacao completou esta relaco de imagem entre homem, Deus ¢ Cristo. Pela fé, diz Sao Paulo, “nés somos transformados na propria imagem do Senhor” (2 Corintias 3, 18) ¢ alids Cristo € a “imagem do Deus invisivel” (Colossenses 1, 15), como Ele mesmo disse: "Aquele que me viu, iu o Pai” (Jodo 14, 9). Os tedlogos da Idade Média tirarao dessas passagens bi- blicas argumentos para legitimar a representagao antropomérfica nao somente do Filho, mas do Deus Pai, ultrapassando assim a proibigao do Antigo Testa- mento referente a toda figuracao de Deus e da Criatura. E sobre esta complexa nogao de imago que a cultura medieval se consti- tuiu ¢ justificou suas escolhas em matéria de imagens durante séculos. Pode- se, portanto, com justiga, ver na cultura medieval uma “cultura das imagens” que apresenta caracteristicas originais, jé que o cristianismo deixou sua marca no repertério iconogréfico, na teoria ¢ na finalidade das imagens. De um lado, as imagens cristés da Idade Média deviam opor-se aos “ tigiiidade e qualquer retorno & “idolatr cente veneragio das imagens despertava suspeitas. De outro lado, a host idolos” pagios da An- ” devia ser banido uma vez que a cres- ida- de do judafsmo para com as imagens foi cada vez mais interpretada como uma conseqiiéncia da obstinagao dos judeus em nao querer reconhecer no Cristo “a imagem do Deus invisivel”. Mas a “cultura das imagens” da Cristandade la- tina conheceu igualmente uma via original em relagio ao cristianismo grego de Bizancio, tanto em seus ritmos de desenvolvimento (ignorando a maioria das tensdes da crise iconoclasta ¢ depois o triunfo da iconodulia entre os sé- culos VIII € IX) como em seu repertério, adotando livremente para suas pré- Prias imagens uma variedade de formas, suportes, temas que contrastam com a relativa fixidex. dos icones ortodoxos, Um dos aspectos mais surpreendentes desta diferenga diz respeito A maneira pela qual o Ocidente, a partir do sécu- Digtalaso om Camsamer Dicronireo lemitica do Ocid lo IX, munitt-se de imagens cultiais em trés dimensées (crucifixe de madeira ou de pedra em relevn, imagens-telicitio ow majestates de santos tromantes ou ecia exclusivamente nino), € da Virgen como M quanta Bizincio perm 0 menos notivel foi a capacidade do Ocidente em inventar fiel aos icones, Ni permanentemente novas imagens, enquanto os pintores bizantinos permane- cian ligados aos cinones da iconografia antiga: por exemplo. a representa da Trindade, no Oriente, continuou a seguir 0 modelo da “Trindade de ia do relato do Abraio”, isto & a transposigi apareciménto de trés anjos a Abrai desde © século XII impdem-se no Ocidente novas formulas, explicitamente em imagens da exegese trinit’ ra (Génesis 18, 1-12). Pelo contririo, oe neotestamentirias e cristicas, dentre as quais no primeiro plano 0 motive do “Trono de Graga” que mostra Deus Pai entronizado de frente ¢ tendo diante de si scu Filho crucificado, ambos ligados pela pomba do Espirito Santo. Uma ‘outra marca da flexibilidade das imagens ocidentais foi sua permeabilidade as influéncias externas, quer se tratasse da arte antiga (isto é evidente nas ilumi- nuras ¢ nos marfins carolingios, e depois a partir do século XII na estarudria italiana) ou da arte bizantina (cujas contribuiycxs sau o.soiveis na miniatura otoniana do comego do século XI ou, a partir do século XIII, na difusio dos retdbulos italianos concebidos segundo modelo dos icones gregos, a princi- pio importados, depois amplamente imitados). O VALOR INDICIAL DAS IMAGENS CRISTAS © historiador deve sobretudo convencer-se da especificidade das ima- gens medievais com relagio as nossas préprias imagens atuais: primeito, por- ue vivemos hi um século no tempo das imagens méveis (cinema, televisio € computador), a0 passo que as imagens medievais (miniaturas, pinturas mu- tais etc.) eram imagens fixas ~ que, é verdade, no ignoravam os problemas ligados & representagao do tempo, do movimento, da historia ou representa. sao de uma narrativa, Mais ainda, porque as imagens medievais tratam a te- lasdo entre figura ¢ fundo de maneira toralmente diversa daquela das ima- fens com as quais estamos familiarizados desde o Renascimento: clas igno- fam 2 construgio do espaco segundo as regras da perspectiva ¢ privilegiam, 2o contririo, um “folhado” de figuras que se superpoem sobre uma “supertt Cie de inscrigio". Este modo de construgio da imagem medieval catactertes Particularmente a iuminura, que com seu suporte ~ 0 liveo manusctite ~ ¢ tema das grandes invengdes da civilinagio medieval (O, Pichi). Freqilente- Digtalaso om Camsamer mente, nas miniacuras (Mas também nos retibulos pintados do final da Ida- de Média), 0 fundo sobre 0 qual se inscrevem as figuras de diversas cores é dourado. O brilho ¢ 6 prego. deste oure j4 mostram que tal fundo nao é um mero expediente utilizado para realgar as figuras que se destacam sobre ele, Ele preene he uma fungio simbélica, é 0 indicia de uma transcendéncia da imagem além dle sua presenga sensivel; gragas a ele, toda imagem aparenta-se 4 rario pela qual a disposigio das figuras ins- a uma epifania, E também ess critas sobre esta brilhante superficie dourada, de tras para a frente ¢ do cen- cro para a periferia, sua hierarquia, seus respectivos tamanhos, 4 alternincia ritmada de suas cores, seu grau de imobilidade ou ao contririo sua gesticula- io visam nunca o realismo da representagao, mas conformam-se, n30 gio, s simbdlicos. A ima- sem uma grande liberdade de interpretagio, aos cédi gem medieval nao “representa” Deus, 0s patriarcas ou 0s santos, nem mesmo 3 vida contemporinea dos homens, embora o historiador das realia possa se beneficiar a0 examiné-la de perto na sua busca de representagdes de arados, moinhos ou casas. A imagem medieval “presentifica’, sob as aparéncias do antropomorfo ¢ do familiar, o invisivel no visivel, Deus no homem, 0 ausen- te no presente, 0 passado ou 0 futuro no atual. Ela reitera assim, 3 sua ma- neira, o mistério da Encarnacio, pois dé presenga, idencidade, matéria ¢ cor- po aquilo que é transcendente e inacessivel. Da mesma forma que nao se pode reduzir a imagem a uma representa- cao da realidade senstvel, é preciso evitar considerd-la como simples ilustragio de um texto, mesmo se a relagao entre imagem ¢ texto é uma das caracteristi- cas maiores das imagens medievais: seja o texto dado a0 mesmo tempo que 2 imagem (nos manuscritos iluminados), ou faga parte dela (por exemplo no caso das letras iniciais ornadas, figuradas ou historiadas, ou no caso das inscri- ges que se estendem sobre um timpano esculpido ou uma pincura mural), ou enfim permanega implicito, j4 que uma Crucificagio, por exemplo, refere-se zo texto dos Evangelhos conhecido por todos, sem que sua presenga material scja necesséria, Uma das conseqiiéncias desta observacao de ordem metodo- légica: a imagem, mesmo quando participa de um texto, nunca € um texto a “ser lido” € 0 historiador deve banir de seu vocabulario a expressio demasiado freqiiente de “leitura das imagens”. E 0 percurso diacronico de um texto es- apreender o sentido deste. Ao conttirio, 0 sentido de uma imagem é dado na sincronia de um espago que é precise aprender na sua estrutura, na disposigao das figuras sobre sua “superficie de inscrigao”, nas relagdes ao mesmo tempo formais ¢ simbélicas que elas mantém entre si, crito ou oral que perm Digtalaso om Camsamer Diciondrio Temitico do Ocidente Medieval O fato de que o se tido da imagem deva ser buscado sempre além da- quilo que ela parece “representar”, “ilustrar” ou “dizer” contribs para most 6 parentesco entre a imagem material ¢ as “imagens mentais”, em particula as imagens oniricas cujo nome ela compartilha, image. O sonho, na dade Média, ¢ 0 g ande meio de ultrapassar as frone ras da experigncia sensivel ¢ da continggncia hur na. © sonho figura a auséncia (principalmente dos mortos da familia), 0 pasado, 0 que € transcendente (0s anjos, os deménios, os santos), ¢ permite antecipar o futuro, Como as imagens materiais, ele par- ticipa de um mundo visual, de um mundo imagindrio, cujos poderes ¢ con- digdes ultrapassam de longe o plano tinico do visivel ¢ do sensivel. E por isso que 0s modos de funcionamento das imagens materiais e das imagens oniri- cas apresentam virias analogias: umas ¢ outras cultivam a ambivaléncia (um gesto, uma figura, raramente sio univocas, na maioria das vezes apresentam varios sentidos simultaneamente), prestam-se aos mesmos fendmenos de con- densagao (quando duas imagens se combinam para produzir uma terceira) € de descontinuidade (cada elemento concentrando uma seqiiéncia narrativa complera). Ademais, este parentesco enue v suuio ca imagem atrai a atengao sobre a especificidade da representacao medieval dos sonhos: tais imagens, que contam particularmente com um rico repertério biblico (sonhos de Jacé, José, Daniel erc), representam sempre, a0 mesmo tempo que o objeto do sonho (por exemplo a escada de Jacé ou as vacas gordas e magras do sonho do farad), 0 préprio sonhador na posigio horizontal, com os olhos fechados, mas as ve- zes também abertos pois trata-se dos “olhos da alma”. Como os objetos oniri- cos que essas imagens representam diante do sonhador, 0 sonho é de certa for- ma exterior ao homem, ele se impée a este a partir de fora (quer tenha uma origem divina ou diabélica) em vez de vir, como pensamos hoje, das profun- dezas do inconsciente. Ora, da mesma maneira, a imagem material apresenta sempre um resto irredutivel & nossa apreensao sensivel, esta parte de transcen- déncia que a faz vir de outro lugar. ‘Toda imagem medieval no deveria estar incluida entre as imagens insig- nes ¢ milagrosas que os gregos chamavam achiropoittes (“nao feitas pela mao do homem”), de origem divina ¢ milagrosa? O protétipo de toda imagem crista é 6 retrato da Virgem que So Lucas teria pintado, ou ainda 0 Mandylion (a Sa- grada Face) que o préprio Cristo teria dado ao rei Abgar de Edessa para atender suas preces, ¢ do qual a Verénica (Vera icond) constituir’, no Ocidente medie- val, a réplica tardia, Na verdade, o papel dos artistas era reconhecido no Ociden- te (certamente melhor e mais precocemente do que em Bizancio) ¢ conhecemos, 596 initia Digtalaso om Camsamer Imagens desde a época rominica, 0 nome de wirios deles. Mas & norivel que ao inscreve- ‘em o nome em sta obra, ees pareciam querer se esconder aris dela: & a ima- primeira pessoa, sobre a inscrigio que ela eraz, afirma gem esculpida que, 12 f Guillelnus me cit (Guilherme me fer"), nfo & Guilherme que diz. rer esculpi- do. imagem. Assim como na Idade Média 0 sujeito do sonho entretinha com este uma relacio de estranheza, da mesma forma, antes do Renascimento, dia de uma certa maneira sentir-se despossuido de sua obra mesmo que sse stia efetiva autoria, Também nao conhecemos auco-retratos de ar- oar tista po reivind tistas anteriores ao século XV (ainda que, desde o final do século XI, monges te- nham escrito sua “autobiografia” seguindo 0 modelo das Confissaes de Santo Agostinho). Diirer foi o primeiro a retratar a si mesmo de maneira repetida des- de sua juventude, Entretanto, no mais eélebre de seus auto-retratos, de 1500, dle se atribui os tragos da Sagrada Face, a Veronica, como se tivesse querido dis- simular atrds dela seu verdadeiro rosto ¢ relembrar o principio da antropologia crista segundo a qual o homem foi criado ad imaginem Dei. Mas desta imagem eminentemente ambivalente podemos propor a interpretagio exatamente inver- sa, ¢ 4 humildade crista do artista opor ao contrétio o orgulho promeréico do homem do Renascimento: o artista, para Diirer, néo seria aquele que se desco- bre enfim capaz. de criar Deus & sua propria imagem? Os fatores que definem globalmente as imagens cristis nao devem dissi- mular a extrema diversidade de suas formas, suportes, materiais ¢ dimensoes. Excetuando a cena representada, tudo separa uma Crucificagao pintada na pi- gina de um missal daquela que foi esculpida no centro de um retébulo de grandes dimensGes no coro de uma igreja, ou daquela que é finamente talha- da no marfim de um pequeno altar portatil parisiense do século XIII, ou fun- dida no esmalte multicolorido de uma arca limusina do século XII, ou impres- sa na cera de um selo ou no bronze de uma moeda. Assim, parece demasiado simples falar-se em “imagem” em geral sem associar a esta palavra outros vo- cibulos que precisario suas formas, contextos ¢ usos. Jérdme Baschet propos falar em “imagens-objetos” para atrair a atengio sobre as caracteristicas mate- riais e, em relacao com estas, sobre os modos de manipulagio ritual de varias imagens, quer sejam méveis (por exemplo um crucifixo processional) ou fixas (tal como 0 conjunto de pinturas murais de uma igreja cuja disposigao é co- mandada pelo calendirio livdrgico, pela divisio espacial do clero ¢ dos fiis ¢ pelo ordenamento ritual das procissoes que acontecem em certas festas do ano em volta do coro e da nave). Essas imagens sfo objetos nos aspectos mais con- cretos dos materiais que as compem, na escolha dos pigmentos, no grio da Digtalaso om Camsamer Dicionirio Temitico do Ocidente Medieval im mais © coro da igreja, reservado ao cle pintados, que muitas vezes concern nronados os leigos: a instrugio destes, se- nave, onde ficavam ro, do que parados dos clérigos por uma cancela, no dependia sempre das imagens. 1 visibilidade de muitas dessas ima- Deve-se também levar em conta gens, em primeiro lugar dos vitrais, que no podiam ser decifrados em deta- ade pou Ihe. Para um bispo como para os cénegos do capitulo, para uma comunid de religiosos, 0 magistrado de uma cidade ou ainda um principe, o faro de construir uma igreja e de decorar toda a superficie de suas paredes com pin- curas, vitrais ¢ esculcuras, de coroar altares com retabulos pintados ou esculpi- dos, de se munir de manuscritos iluminados, visavam a outros fins além da instrugao dos iletrados. Era primeiramente um meio de cumprir um contrato feito com Deus, sacrificando-lhe consideriveis somas de dinhciro, necessérias a escolha dos materiais mais preciosos ¢ do pagamento do salirio dos pinto- res, escultores, mestres vidreiros, ourives. Ordenar a realizagio de uma ou mais imagens era uma obra piedosa, um meio de adquirir méritos junto a0 Juiz supremo ¢ aos santos intercessores, de expiar um pecado ou simplesmen- te de se penitenciar pur tet yuoiady em demasia dos bens deste mundo, dos quais uma parte era assim convertida para a salvacao de sua alma. Entao era preciso que a obra fosse bela, ou seja, rica ¢ de grande preso, coerente com sua finalidade religiosa, digna de Deus a quem cla se destinava, instalada num lo- cal adequado. Assim, certas obras nao eram mesmo destinadas a ser vistas € 05 tesouros das igrejas acumulavam pegas de ourivesaria, tecidos decorados, reli- cdrios em ouro cinzelados € cravados de pedras que, no melhor dos casos, se- riam exibidos somente nas grandes festas. Da mesma forma, as mais finas mi- niaturas dormiam escondidas em manuscritos que raramente eram abertos, a nao ser a0 sabor de uma liturgia que nao deixava a ninguém, nem mesmo ao padre, tempo de contempl-las. Falar da fungao das imagens supde naturalmente uma distingao confor- me as épocas, os lugares, os tipos de objetos. E preciso sobretudo evitar a pre- tensio de identificar de maneira univoca a funcio de uma imagem: determi- nado programa de pinturas murais podia exaltar o santo patrono local e ser- vir para implorar sua intercessao e sua protecio; € simultancamente, podia de- sempenhar uma fungio politica ¢ marcar, pela escolha de seus temas — por exemplo reservando um lugar de honra a Sao Pedro a Sao Paulo ~ a adesio de uma igreja dos séculos XI-XII ao ideal romano da reforma gregoriana. Um comanditério privado podia da mesma forma exprimir sua devogio pessoal ¢ seu cuidado em preparar-se para a morte, € 20 mesmo tempo querer deixar na 600 Digtalaso om Camsamer meméria dos homens uma lembranga de seu poder: em L460, o financi ado duque da Borgonha, Pieter Bladelin, encomendou a Rogier Van der Weiden um triptico pintado para a capela onde pretendia ser sepuleado depois de stu morte. O comanditirio fez-se representar no recibulo rezando de joelhos jun- to aos trés personagens da Natividade, Sua humilde devogio, ressaltada pela austeridade de seu hibito negro, surpreende o espectador do retibulo, Eno entanto, simultaneamente, Pieter Bladelin exibe os sinais de seu sucesso mun- dano, pois no plano de fundo vé-se a silhueta da igreja e da cidade que ele mesmo tinha construfdo gragas & sua imensa fortuna citada carta de Gregério Magno sofreu no século VII, no momen- to em que chegavam no Ocidente os ecos da crise iconoclasta de Bizancio, a interpolagao de uma outra carta de Gregério. Esta tinha sido escri um ere- mia, Secundinus, que havia pedido ao bispo de Roma que the mand denre diversos objetos de piedade, reliquias e uma imagem do Salvador. Em sua resposta, 0 papa compara o desejo do eremita de contemplar a santa ima- gem ao desejo profano de um apaixonado que espia a mulher que ama. En- tretanto ele aprova sua atitude ¢ satisfaz seu pedido. Gregério Magno entio nao via nas imagens sé a “Biblia dos iletrados”: desde esta epoca si reconhe- cidas a possibilidade de uma abordagem mais pessoal ¢ a capacidade de pelo menos algumas delas sustentar a devogio, a fetiva das imagens, ¢ gurar uma passagem, um transitus (como dird o abade Suger de Saint-Denis no século XID), permitir uma “clevagao” do visivel para o invisivel. Ea tradigao viu uma 86 carta nos dois escritos de Gregério, sustentando assim com a autoridade deste Pai da Igreja varios modos diferentes de justificacio das imagens. As atitudes mais favordveis ao papel das imagens como instrumentos de piedade ¢ devocio foram reforgadas com o passar dos séculos em resposta 3s contestagoes das imagens religiosas. No final do século VIII, Carlos Magno e 0s teélogos que o cercam, como o bispo Teodulfo de Orleans, autor dos Libri carolini (790-794), criticam a iconodulia dos gregos sob pretexto de que ¢s- tes, seguindo os termos do Concilio de Nicéia II (787) que acabava de par fim 20 iconoclasmo, consagrariam as imagens uma “adoragio” reservada somente a Deus. Ainda mais radical, por volta de 825-840, o bispo Claudio de Turim reata com 0 iconoclasmo de Sereno de Marselha. Mas sua critica as imagens obriga os prelados carolingios, como o bispo Jonas de Orleans reservas dos Libri carolini ea defender as imagens colocando-as em posigto quase igual 4 de outros objetos do culto cristo: as Escrituras, as reliquias dos santos, a cruz, os vasos sagrados utilizados na liturgiz. A partir do século XI, esquecer as Digtalaso om Camsamer Diciondrio Temiuico do Ovidente Medieval pedra esculpida, Algumvas imagens tornam-se objetos seriais, seja em razio de seu suporte (como a série de miniaturas de um mesmo manuscrito, que deve sempre ser estudado em sua toualidade), ou do método do historiador que, para analisar as imagens, constrdi series temulticas, cronolégicas etc. Nem todas as imagens sio inteiramente figurativas, ¢ algumas no sentany” nada: é preciso, com Jean-Claude Bonne, insistir na import infinita varieda- dimensio ornamental das imagens medievais, Ela consiste de de motives geométricos ou vegetais, de ecos formais ou cromiticos sem va- dinamica, ao ritmo, ao sim- is lor semintico, mas que nio s io. menos essenc bolismo, & fangio da imagem. Por exemplo, a moldura de um marfim carolin- ¢ de folhas de acanto (cujo motivo ecoa no espaco 1) pode ser interpretada como uma referencia ideolégica a Antigiii- gio constituida por uma s da figuras dade romana destinada a sustentar as pretenses reais ou imperiais de quem en- comendou a obra. As “paginas-apere” dos manuscritos insulares da Alta [dade Média (Book of Durrow, Book of Kell) “ornamentalizaram” 0 motivo recorren- te da Cruz em um emaranhado ordenado (mas indecifravel a primeira vista) de cordées entrelagados, passarcs {uiissiicu, ¢ monstros que testemunham a sur- preendente “substituigao” das artes barbaras pela nova ideologia do cristianis- mo. A primazia do ornamental sobre o figurativo manifesta-se também na ou- rivesaria pela profusio de metais preciosos ¢ pedras que nao figuram nada ¢ contudo “fazem imagem”, so 0 indicio da “corporalidade” sagrada das relf- quias contidas na arca ou do mistério da Paixao que simboliza a Cruz, mesmo que a imagem do Salvador nao esteja figurada, Para designar esta primazia dos valores simbélicos sobre os contetidos seminticos no ornamental, Jean-Claude Bonne propés o termo “imagem-coisa’: a “coisidade” da imagem é aquilo que nela, sua matéria, suas formas no-figurativas, escapa em tiltima anilise a qual- quer tentativa de semantizacio, por exemplo a matéria de uma gema que, no cruzamento dos bragos de uma cruz, evoca 0 corpo do Redentor, mas nio 0 fi gura. Ainda uma vez, a imagem medieval pertence mais & ordem do visual, do indicio ¢ mesmo da coisa, do que a ordem da representagio. ‘As imagens sio insepardveis de seus usos. Materiais, dimensées, pregos, sao fungies da destinagao de cada imagem, quer se trate de uma miniacura num manuscrito, de um selo de cera pendurado numa carta, da estétua de um santo que uma confraria encomendou para levar em procissio por ocasido das festas da comuna ou da pardquia, A imagem portanto nao € neutra, e quanto mais cla é valorizada ¢ singularizada pelos usos aos quais esté destinada, mai ela parece afirmar sua autonomia com telagio aos homens ¢ seu poder sobre 598 Digtalaso om Camsamer Imagens cles. Ha imagens que se venera ¢ ama, ¢ ourtras ~ 3s veres as mesmas ~ que sus- citam temor c assombro, tal como o crucifixa que tem a reputagio de castigar niniatuiras que figuram o Diabo ‘os blasfemadores. Em varios manuscritos, foram ragpadas, come se os leitores tivessem pretendide apagar para sempre o Algumas imagens cram consideradas como olhar malévolo que os ameaga 5 “pessoas”, nao como a imagem de Sio Tiago mas como o proprio Sin Tia Tais imagens nao cram vistas como inertes, aos figis que se dirigiam a elas pa- reciam responder fazendo um sinal com os olhos ou a cabega, chorando, san- grande, is veres até falando. Proponho chamé-las de “imagens-corpo”. Nem m assim dotadas de uma aparéncia de corporeidade, de codas as imagens ¢ vida e de poder milagroso. Mas nao se podia prejulgar a capacidade de algu- Jo imagens-corpo, pois tudo era funcio das expectati- ma delas tornar-se ou n vas que a imagem cra capaz de satisfazer e dos interesses econdmicos. politi- cos, dinasticos etc., aos quais a posse de uma imagem milagrosa podia local- mente servi AAS FUNGGOES SOCIAIS DAS IMAGENS RELIGIOSAS Para explicar qual era a fungao das imagens na Idade Média, é comum ci- tar-se a famosa carta que 0 papa Gregério Magno dirigiu no ano 600 ao bispo Sereno de Marselha. Este tiltimo, por remor & idolatria, tinha ordenado a des- cruicgo de pinturas em sua diocese. O papa reprovou esta atitude iconoclasta mostrando-lhe a utilidade das imagens, mas também os limites dentro dos quais convinha encerrar sua utilizagio: as imagens nao devem ser “adoradas” como o sio os idolos pelos pagdos, mas também nao devem ser destruidas. Elas tém de fato uma tripla funcao: lembram a histéria sagrada; suscitam o arrepen- dimento dos pecadores; enfim, instruem os iletrados que, a0 contrario dos clé- rigos, nao cém acesso direto a Biblia. Desde entao freqiientemente se insistiu neste ponto, as imagens seriam a “Biblia dos iletrados”. De faro, a repetigao das cenas mais importantes da iconografia cristi — Anunciacio, Visitagio, Nativi- dade, Crucificagao, Julgamento Final - facilitava seu reconhecimento pelos figis ¢ cornava-os mais familiarizados com os fundamentos da crenga crise. Em meados do século XIII, 0 bispo Guilherme Durand de Mende nota em seu Re- ‘ionale divinorum officiorum que em seu tempo di-se mais valor as imagens do que aos textos, justamente em raziio de sua eficicia pedagdgica. __Britemos, contudo, simplificar a enumeracio das fungdes das imagens cristas. E preciso prestar atencio por exemplo na localizagio dos programas Digtalaso om Camsamer Diciondrio Temitico do Ocidente Medieval a refutayio dos hereges € os debates com os judeus, ambos criticando a “ido- ios, Levan os clérigos a elaborar com firmera, razies ¢ autori- lacria” dos cris dades a justificagio das imagens e de set uso no culto, Por exemplo, 0 abade beneditino Ruperto de Deutz opie aos judcus todas as passagens do Antigo “Testamento — os serafins ¢ os querubins esculpidos sobre a Arca da Alianga, a Serpente de bronze ete. — que Ihe pareciam anunciar ¢ justificar antecipada- Igreja de Cristo. Ele expoe as visdes extaticas do mente 0 uso das imagens pel préprio quando se encontrava em adoragio diante Cristo vivenciadas por ¢ do cru também é atribuida a Sao Bernardo por seus hagidgrafos a partir do comeso do século XIII, enquanto sua Apologia de Guilherme de Saint-Thierry testemu- nhava na verdade suas reticéncias quanto ao uso de imagens nos mostciros. Para os tedlogos escoliisticos e em particular Santo Tomas de Aquino, uma cer- ta forma de culto das imagens ¢ legitima, na medida em que Deus, através de sua forma visivel, é 0 tinico beneficidrio. No final da Idade Média, os ambien- tes tocados pela devotio moderna e pela mistica, especialmente os mosteiros fe- mininos de Fiandres ¢ Alemanha, dio uma importancia sem precedentes as imagens, suportes privilegiados de priticas devocionais tanto individuais como coletivas. Mas eles privilegiam sobretudo a ajuda que a imagem religio- sa pode proporcionar ao desejo de assimila¢ao da alma devotada ao Cristo € aos seus sofrimentos. As “imagens interiores” adquirem entao maior impor- tancia, enquanto se difundem novas “imagens exteriores”, suporte de expe- riéncias extdticas e visiondrias: Virgem das Sete Dores, Arma Christi, Flagela- ao, Jesus representado junto a Sao Joao — modelo do amor espiritual — /ma- g0 pietatis do Cristo morto-vivo semi-erguido em seu sepulcro etc. A minia- turizacao ¢ apropriagao de imagens de piedade caracterizam esses mesmos am- bientes: a cisterciense Hedwige de Trebnicz, na Silésia, nao se separava nunca de uma estatueta ereta da Virgem com o Menino, que ela fazia ser beijada pe- los pobres que imploravam sua ajuda; quando a santa abadessa morreu, a €s- tatueta foi sepultada ao mesmo tempo que seu corpo para ser posteriormente considerada como uma de suas reliquias corporais. ‘Tanto na Toscana como na Rendnia, as freiras veneravam também o Jesulus, um boneco do Menino Jesus que elas mimavam, vestiam, colocavam sobre o peito ¢ cobriam de beijos como se fosse uma verdadeira crianga ¢ elas fossem sua mie. fixo, que apertava em seus bragos ¢ cobria de beijos. Tal experiéncia Digtalaso om Camsamer Imagens $ PROFANAS Imac 1s foram profundamence Durante todo 0 periodo medieval, as ima mareadas pelo cristianismo em seus temas iconogrifices (amplamente titados Juntos), em scus suportes € utilizagdes (manus das Eserituras ou das Vidas de 1 ou dos livros livirgicos, decoracio pintada ou es- critos iluminados da Bibl ourivesaria dos abjetos litiirgicos), em suas fun- culpida das igrejas ¢ claustros, io das imagens sagradas, contempla- 10 crista, vener gdes diversas (instruga ia de codas essas imagens em re desta sociedade — possibilitou. apesar de intime edo a Igreja — instituigio des ocul- gio). A dependénci dominante ¢ perene a conservagio de uma parte delas até os dias de hoje, a ponto de magens, de inspiragio profana, produ- as pincuras truigde tar o papel desempenhado por outr zidas para e pelos leigos e mais sujeitas aos acasos do tempo: sio mo de moradas mais simples, ou ana. A Tapecaria de Bayeux (na murais ¢ as tapegarias dos castelos ou mesr ainda a decoragio dos objetos da vida cotidi realidade um bordado datando de 1080 aproximadamente, que ilustra a con- erme da Normandia, em 1066) pode ser conjunto de imagens profanas quista da Inglaterra pelo duque Gi considerada como 0 mais antigo ¢ importante que subsistiu da [dade Média. Sabemos pelos textos literdrios e pelas erdnicas que as moradas principescas possuiam virios outros tecidos decorados da mes- ma natureza ¢ envergadura. Outros tipos de imagens podem ainda ser citadas: desde o século XII, a herdldica teve um grande desenvolvimento; logo, todas as linhagens, nfo somente as familias nobres, todas as instituigdes, inclusive as da Igreja, possufam seus brasdes, cujas formas e cores ‘organizavam-se se- gundo um cédigo estritamente regulamentado. Pensemos também no uso ju- ridico das imagens que se contam 3s centenas de milhares, quer se trare de se- Jos que autenticavar os documentos ou moedas cunhadas com as armas ou a efigie dos soberanos e das cidades. Depois do castelo, as cidades e as comunas (com a prefeitura ¢ as mora- das dos patricios) constituiam os lugares privilegiados de produgio ¢ de utili- zagio de imagens profanas na Idade Média. Orgulhosa de seus direitos ou mesmo de sua autonomia, a cidade é prédiga em emblemas; ela confia aos pintores, como Lorenzetti em Siena, a tarefa de glorificar seu “Bom Governo”. Nas cidades, como atestam dentre outros, na Paris do século XIII, 0 Livre des miétiers de Estevao Boileau, os ymagiers de todos os tipos formam “corpora- goes” extremamente especializadas. Seus clientes sio clérigos € leigos, ¢ seu re- pertério pode ser tanto religioso como profano: das mesmas oficinas de copis- ines Digtalaso om Camsamer Dicionirio domadtion do Ovidente Medieval tas ede iluminadores stem livros de horas ou cdpias do Roman de he Rose ou R nas Imagens Medievais como na sociedade nan d’Mlewandre ticamente provides de miniaturas. Akém disso, tanto do 1 geral, nde hi divisio estrita en- né da Bie tre “profana” ¢ “Sagrado” nas margens dos manuscritos religiosos € bi claricas como sob as cadeinas do coro de certas igrejas, infiltram-se “gracejos” fol- cobscenos cuja ligagi 0 € dificil de hoje compreender- » com a reigi mos. Mais importante ainda é a maneira pela qual, no final da [dade Média, os leigos apropriam-se, especialmente pelas imagens, de pelo menos uma par- |. Um dos te das formas de expressio da vida religio: pectos desta evolugio Ea voga dos livros de horas iluminados, pelo menos dentre os leigos mais ri- i, podiam possuir, pregada na parede, uma cépia da Verdnica, a Sagrada Face so- cos ¢ mais letrados. Mas os humildes também, gragas ao inicio da imprensa, bre a qual bastava pousar o olhar para estar garantido do beneficio de um mi- mero incalcukivel de indulgéncias apés a morte. A Reforma Protestante do inicio do século XVI foi em grande parte 0 re- sultado da vontade dos leigos de assumir suas responsabilidades numa Igreja confiscada pelos clérigos. Em sua cidade, Nuremberg, que acabava de se unir a Lutero ¢ de expulsar os padres, Diirer decidiu pintar, sem que lhe tivesse sido encomendado, imensas figuras dos apéstolos que cle ofereceu ao magistrado da cidade a fim de recordar-the que a partir de entio ele estava encarregado das almas ¢ nao somente dos negécios temporais de seus concidadios. As exi- gincias religiosas dos reformados, bem como antes deles as dos lolardos da In- glaterra ¢ dos hussiras na Boémia, reavivaram 0 radicalismo iconoclasta: as imagens materiais poderiam desviar os fiis das “imagens interiores” alimen- tadas pela palavra de Deus ¢ pela meditagio da Biblia. Elas pareciam excessi- vamente ligadas & instituicao eclesidstica aos lucros materiais que esta tirava de seu culto (qualificado de iddlatra), ¢ também excessivamente ligadas ao culto dos santos e a outros “erros” da Igreja. Em certas regides, as destruigées dos iconoclastas foram consideraveis. Mas a critica protestante suscitou uma profunda renovacio das imagens catélicas, defendidas pelo Concilio de Tren- to, difundidas pela Igreja barroca, mas confinadas em limites mais estreitos ¢ melhor definidos do que se pode chamar a partir de entio de “arte religiosa”. Jean-Ciaupe SCHMITT Tradugao de Vivian Coutinho de Almeida —_— Digtalaso om Camsamer Imagens REMISSOES Sonhos Biblia — Bizancio e o Ocidente - Catedral — Clérigos e leigos — Simbolo Orientagao bibliografica BASCHET, Jerome ; SCHMITT, Jean-Claude (ed). Linnage. Fonetions et nsages des tinages dans VOceident medieval. Paris, LING, 1 [1990}. Teadugao francesa. Pa- BELTING, Hans. Image et culte. Une histoire de Vart avant Vépoque deb ris, 1998, BOESPELUG, Frangois (ed.). Nicée Hl, 787-1987, Douze siteles d'images religienses, Paris. W987. CAMILLE, Michael, dnuages duns les marges. Aus limites de Fart médiéval (1992). Tradugio francesa, Paris, 1997, FRANCASTEL, Pierre. La figure et le liew. Lorde visuel dv Quatirocenta, Paris, 1967. ago, 1989. FREEDBERG, David. The Power of hnages, Studies in the History and Theary of Response. Chic: HAMBURGER, Jeffrey E The Viswal and the Visionary. Art and female Spirituality in Late Medieval Ger- amany. New York, 1998. istorien et les images (1993). 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