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GIORGIO VASARI VIDAS DOS ARTISTAS a wmfmartinsfontes SKOPALLO 2011 Revisio do texto italiano de Marina Gorreri ¢ Antonia Ravasi; coordenagao de Aldo Rossi. ‘As notas, coordenadas por Luciano Bellosi, foram redigidas por Giovanna Ragio- nieri (toda a primeira parte), Andrea De Marchi (a segunda parte até Vida de Masolinc), ‘Alessandro Angelini (da Vida de Parri Spinelli até a de Andrea del Castagno, na se- ‘gunda parte), Francesca Fumi (da Vida de Gentile da Fabriano até o fim da segunda parte) Fabrizio Guidi (toda a terceira parte). ‘A Gronologia é de Andrea De Marchi. Os Indices sio de Roveno Batignani. ‘Tin door i Le virepe ma EccELLENTY ARCHITEFLPITTORL ET SCULTORITALANL DA ‘CIMABLE NSINO A TEMPE NOSTR con © Ca nt S.A Ti. a cath 20 re WE Mais os ‘Sah praprse fe to jowe CASTRO BENEDETTI Acompanament lta ict ysis Sen ‘repudiates ever ns hierar At Brow, aoe ie futon rag rien Gra ie apoio Me at Nas ‘Dato neasinsn Calo na Pa IP "cinta Se Br h sata pao Mi toa oa mika istics botoe topes SSmv esse os3 1 in-Bogan2 Ane Anas ‘fmm ean a, cia ot, A, a cops ais pa ig tens "hice Han 7088 ie: ira duane 74S dss iit dest ego rseronts Litre WME Martine Fontes Lda. us Pf Lere Ramos de Care, 135 01554090 So Paulo SP Brest “ec 3298850 Fax CD 31011082 ema: infrompartinsfotes con Ip. empresa Sumario APRESENTAGAO Nora nimiocrArica Crononocia ABREVIAGOES BIBLIOGRAFICAS ‘Vipas Dos MAIS EXCELENTES ARQUITETOS, PINTORES F ESCULTORES ITALIANOS, DE CIMABUE. [ATE NOSSOS DIAS Ao ilustrissimo e excelen simo senhor Senhor Cosimo de’ Medici, Duque de Florenga em Proémio [Da arquiterua] Capitulo I: Das diferentes pedras que servem 20s arquitetos para os omamentos, € para as estituas na escultura Capitulo Il: O que é 0 trabalho de cantaria simples © 0 taballio de cantaria entalhada Capitulo Il: Das cinco ordens de arquitetura:rstica, ric, jonica, corintia, ‘compésita e do trabalho alemio Capitulo IV: Como fazer abébadas moldadas e entalhadas; quando devem ser ddesmontadas e como misturar 0 estuque Capitulo V: Como fazer fontesnisticas de tuo calcio e de estalactites e como incrustar moluscos e pedras vitrfcadas no estuque Capitulo VI: De como fazer pisos de mOsaic0 Capitulo Vil: Como se conhece um edificio com boas proporgoes, €que pars geralmente nele se redinem Da escultura. Capitulo VII: © que € 2 excutra, como go fits a boas excutuas que partes elas precisam ter para serem consideradas perfeitas Capitulo IX: Como fazer modelos de cera e barro, como recobri-los, como aumenté-los proporcionalmente depois no mirmore, como cinzelar, gradi- nar, poli, alisar,lustrar e dar acabamento . Capitulo X: Sobre os baixoselevos e médiosrelevos, fem que consiste a sua execucio perfeita Capitulo XI: Como se fazem modelos para cri figuras grandes e pequenas em bronze e como construir formas para vazélos; como fazer armagbes de ferro ‘e como fundir em metal e em tréstipos de bronze; e como cinzelare poli B B a 6 BS 29 32 2 34 36 as pecas fundidas; e,na falta de alguns pedagos, como inseri-los e encaixi- -los no proprio bronze is catacon Capitulo XII: Dos cunhos de ago para fazer medalhas de bronze ou de outros ‘metais; como Si fetas de tas metais pedras orientaise camafeus ... (Capitulo XIII: Como fazer trabalhos de estuque branco, como fazer a parte de ‘baixo encaixada na parede ¢ como trabalhar Capitulo XIV: Como fazer figuras de madeira, faré-las Da pintura Capitulo XV: Como fazer e conhecer boas pinturas; qual sua finalidade; sobre ‘o desenho ea representagio de cenas .. a Capitulo XVI: Dos esbogos, desenhos, cartdes e regras de perspectiva; por que ‘io feitos ¢ para que servem aos pintores : é Capitulo XVII: Sobre os escorgos de baixo para cima eno plano... ‘Capitulo XVIII: Como integra as tntas nas pinturas a 6leo, nos afrescos ou nas ‘témperas; como representar camacdo, panejamento ¢ como fazer que tudo ‘o que é pintado se integre na obra, de tal modo que as figuras nao aparecam separadas, tenham relevo ¢ forca, mostrando-se a obra clara e aberta Capitulo XIX: Das pinturas murais, como sio feitas; ¢ por que se chamam affescos . a : Capitulo XX: Da pintura a tempera, ou com ovo, sobre madeira ou tela; como pode Ser feita em muros se0 é Capitulo XXT: Da pintura a 6leo sobre madeira ou tela ‘Capitulo XXII: Como se pinta a leo em muro seco Capitulo XXIII: Como pintara éleo sobre telas Capitulo XXIV: Sobre a pintura a leo em pedra; quais pedras sio Capitulo XXV: Como pintar murais em claro-scuro usando varias argilas ou ‘terras; como imitar bronze; cenas feitas com argilas ou tertas para arcos € festas, com cola (0 chamado guache) ¢ témpera . Capitulo XXVI: Sobre os esgrafitos das casas que resister & chuva; 0 que se usa ‘para faz-los e como realizar grotescos em muros (Capitulo XXVIL: Como fazer grotescos sobre estuque .. Capitulo XXVIII: Do modo de dourar com bolo-arménio, com mordente € é boa para Thosaico de vidro e de como se conhece o que é bom ¢ Capitulo XXX: Sobre as cenas € as figuras fetas com mosaico nos pisos, 4 tagio do trabalho em claro-escur om : Capitulo XXXI: Do mosaico de madeira, ou seja, da marchetaria e das cenas ‘feitas com madeiras coloridas e incrustadas, i imitagio de pitta... (Capitulo XXXII: Como pintarjanclas de vidro e fazé-las com chumbo e ferro, sustentandovas sem atrapalharas figuras Capitulo XXIII: Do nielo e de que forma obtemos gravuras de cobre; como a prata é entalhada para fazer esmaltes de baixo-relevo ¢ de que forma sio Cinzelados grandes objetos de ouro e prata Capitulo XXXIV: Da tauxia, ou seja, da damasquinagem Capitulo XXXV: Das gravuras de madeira e do modo de fazé-las, bem como ddaquele que as inventou; como fazer pranchas com trés matrizes, de tal modo ‘que parecam desenhadas e mostrem luzes, meios-tons € SOMDIAS wn 37 a 2 43 8 46 ae 65 Promio is Vidas .. Giovanni Cimabue” p ‘Andrea Taf, pintorflorentino 4 Gaddo Gaddi, pintorflorentino : 86 Maraione (Margao hrc) pine ano ~ 88 Giotto, pintor florentino .. a1 Stefano, pintorflorentino 102 Ugolino, pintor sen8 om. 105 Pietro Laura (Pietro Lorenzetti), pintor senés 107 ‘Andrea Pisano, scultor. “108 Buonamico Buffalmacco, pintorflorent 14 Ambrogio Lorenzetti, pintor senés 117 Pietro Cavallini Romano, pintor 120 Simao Senés (Simone Martini), pintor 122 Taddeo Gaddi, pintor florentino Andrea di Cione Orcagna, pintore escultorflorentino 132 ‘Tommaso Fiorentino, pintor, chamado Giottino .. 135 Giovannino dal Ponte, pintorflorentino 139 Agnolo Gaddi i 141 Bama (Bema) da Siena ~ 144 Duccio, pintor senés 146 Antonio Veneziano (Antonio di Francesco) 148 Tacopo di Casentino, pinto .. Spinello Aretino, pintor Gherardo Stamina, pintorflorentino Lippo, pintorflorentino .. Fra Lorenzo degli Agnoli (Lorenzo Monaco), pintor loentino ‘Tadeo Bartoli, pintor senés Lorenzo di Bicci, pintorflorentino Proémio da segunda parte das Vidas Jacopo della Querca, escultor sené ‘Niccold d’Arezz0 (Nicola aretino), escultor. Dello, pintorflorentino .. ‘Nanni di Antonio di Banco Luca della Robbia, escultor Paolo Uccello, pintorflorentino Lorenzo Ghiberti, pintor florentino .. Masolino, piMtO? een Pari Spinel, aretino . ‘Masaccio, pintorflorentino Filippo Brunelleschi,escultor e arquiteto Donato (Donatello, escultorflorentino Michelozzo Michelozzi, escultor e arquiteto Giuliano da Maiano, escultor arquiteto Antonio Filaretee Simone, escultores florentinos Piero della Francesca, pintor de Borgo San Sepolero ™ Nesta eid, procuramos se fdedigns 2 texto do autor, mantendo as divergtncias na grass dos nomes IN do) pas =e VIL Proémio da terceira parte das Vidas. vu Frei Giovanni da Fiesole (Fra Angelic), pintor florentino Lazzaro Vasari, pintoraretno Leonbatista Albert, arquitetoflorentino .. Antonello da Messina, pitt rum Alesso Baldovinetti pintor florentino... Vellano Padovano (Bartolomeo Bellano), escUltr srenn Frei Filippo Lippi, pintorflorentino Paolo Romano e mestre Mino, escul Clemente Camicia, arquiteto florentino .. ‘Andrea del Castagno di Mugello, pintor . Gentle di Fabriano e Vittoe Pisanello, pintores Peselloe Francesco Peseli,pintores florentinos Benozz0, pintorflorentino .. Lorenzo Vecchietta de Siena, escultore pintor Galasso Ferrarese, pintOF on Antonio Rossellino, escultorflorentino ti Francesco di Giorgio Martini, escultor ¢ angio senés Desiderio da Settignano, escultor Mino, escultor de Fiesole Ercole Ferarese (Ercole de Robert), pinto Jacopo, Giovanni e Gentile Bellini, pintores venezianos .. ‘Cosimo Rosselli, pintor florentino Ceca, engenheito florentino Andrea Verrocchio, escultorflorentino ‘Abade de Sio Clemente (Bartolomeo della Gata), miniaturista ‘Domenico Ghirlandaio, pintorflorentino Gherardo,iluminador florentino.. zi Sandro Botticello (Bottcel), pinto 5 Antonio Polaiuoloe Piero Pollaiuolo pintrese escul Benedetto da Maiano, escultor ‘Andrea Mantegna, mantuano Filippo Lippi Filippino Lippi), pintorflorentino Luca Signorelli da Cortona, pintor Bemardino Pinturichio, pintor.. Tacopo, vulgo Indaco Francesco Francia, pntor bolonhés a Vittore Scarpaccia (Vittore Carpaccio) ¢ outros pintores venezianos Pietro Perugino, pintor rentin« Leonardo da Vinci, pintor e escultorflorentino Giorgione da Castel Franco, pintor veneziano ‘Antonio da Correggio, pintor Piero di Cosimo, pintorflorentin Bramante de Urbino, arquiteto... : Frei Bartolomeo de San Marco (Fra Bartolomeo), pinto florentino . Mariotto Albertnell,pintor florentino Rafaelin del Garbo, pintorflorentino TTrigiano, escultorflorentino Giuliano ¢ Antonio da Sanallo,arquitets florentinos Rafael de Urbino, pintor e arquiteto 520 526 530 532 Goglno da Marcil (Guillaume de Marcil), prio pinto retina Cronaca, arquiteto lorentino .. David e Benedetto Ghirlandaio, pintoresfloren Domenico Puligo,pintor florentino sn. ‘Andrea da Fiesole (Andgea Ferrucc), escultor Vincenzo da San Gimignano (Vincenzo Tamagni),pintor ‘Andrea dal Monte Sansovino,escultor earquiteto Benedetto da Rovezzano, escultor florentino .. Baccio da Monte Lupo, escultor . Lorenzo di Credi,pintorflorentino 537 539 Boccaccino Cremonese (Boccaccio Boccaccino), pintor 551 Lorenzetto, escultorflorentino 553 Baldassare Perucci Baldassarre Tommaso), pintor ¢arquiteto sens 556 Pellegrino da Modena, pintor oi 561 Giovan Francesco, vulgo Fattore, pintor fl : é 563 Andrea del Sarto, pintorflorentino 566 Properzia de’ Rossi, escultora bolonhesa .. 591 Alfonso Lombardi, escultorferrarés 594 “Michele Agnolo (Michelangelo da Siena), senés 598 Girolamo Santacroce, napolitano .. 600 Dosso ¢ Batista Doss, pintores de Ferrara 602 Giovanni Antonio Licinio da Pordenone, pintor 606 Rosso (Rosso Fiorentino), pintorflorentin 610 Giovanni Antonio Sogliani,pintorflorentino 618 Girolamo da Treviso, pinto... . a Polidoro da Caravaggio e Maturino Fiorentino, pintores 4 Bartolomeo da Bagnacavalloe outros pintores da Romanha 632 Marco Calavrese (Marco Cardisco), pintor 636 Morto da Feltre, pintor.. 638 Franciabigo, pintorflorentino el Francesco Mazzola (Parmigianino), pina de Parma 646 Palma, pintor veneziano . 652 Francesco Granacc,pintorflorentin 654 Baccio d’Agnolo, arquiteto florentino 656 Valerio Vicentino (Valerio Beli), entalhador 659 ‘Antonio da Sangallo, arquiteto florentino 662 Giulio Romano, pintore arquiteto o Sebastiano Veniziano (Sebastiano del Piombo), pintor 681 Perino del Vaga, pintorflorentino 689 Michelangelo Buonarroti, pintor, escultor earquiteto florent 713 Conclusio da obra para os artistas € 05 Litore cu mal Inpices 43 Indice onomistico 1m in 743 Indice de lugares e obras 769 Giovanni Cimabue Era infinito 0 mimero de males que deprimiam e afogavam a misera Itilia, no 96 a ruina daquilo que podia ser chamado de edificages, mas - o que importava bem is - com a morte de todos os artistas, quando (conforme quis Deus) nasceu na de Florenga, no ano de MCCXL, para trazer as primeiras luzes & arte da pintura, rani Cimabue', da familia dos Cimabuoi, nobre? naquele tempo; i medida Giovanni Cimabue crescia, seu talento era reconhecido no s6 pelo pai, mas tam- por indimeras outras pessoas. Conta-se que, ouvindo os conselhos de muitos, 0 i decidiu mandé-lo exercitar-se nas letra, e o enviou a Santa Maria Novella, con- ‘a um mestre de sua parentela, que entio ensinava gramatica aos novigos da- _guele convento; mas Cimabue, que sentia nao ter predisposigio para aquilo, em vez, _de estudar, pintava o dia inteiro em seus livros e folhas homens, cavalos, construgdes ‘diversas fantasias, impelido pela natureza, que parecia softer algum dano se nao fosse ‘exercitada, Ocorre que naquela época alguns pintores gregos estavam em Florenga, a chamado de quem governava a cidade, nada mais nada menos do que para nela in- ‘twoduzir a arte da pintura, que na Toscana se perdera por muito tempo. Assim, aque- les mestres se incumbiram de muitas obras para a cidade, a comecar pela capela dos Gondi, 20 lado da capela principal em Santa Maria Novella, cuja abbada e fachada estio hoje muito apagadas e consumidas pelo tempo’; por isso, Cimabue, que se ini- * Pouca coisa nos & dita nos documentos sobre o pintor, alm de seu nome auténtico, Cenni (con- ‘rasio de Bencivenni) di Pepo, vulgo Cimabue: etava em Roma em 1272, entre 1301 e 1302 trabalhava fem Pisa, onde aparece como membro da Compagnia dei Piovui Sua Gnica obra documentada éa figura de So fodo Fvangdlita no mosaico absidal da Catedral de Pisa, pelo qual recebeu pagamentos em 1301 Depois das srias dvidas que no fim do século xv surgiram sobre sua existncia hstrica (a respeito, EA. Nicholson, CimabueA Critical Study, Princeton, 1932; G. Pevitali, La forte dei primito, Ture, 1964, pp. 1445), sua personalidade artistic mostra-s hoje com mais clareza. Cimabue revelarse como 0 ‘maior e mais apaixonado revisor da gramatica bizantina na Idi, reinterpretando-a com uma expres dade profunda e refinada, com um sentimento ocidental eromAnico, segundo uma interpretagio que teve origem nas indicagSes de R. Longhi, “Giudizio sul Duecento”, em Proporzioni, 1948, pp. 5-54, reed. ‘em Longhi, VIL. Para a bibliograia mais recente, cf. M. Boskovit, Cimabue ei precursor di Giotto, Flo- Fenga, 1976; id, "Cen di Pepe (Pepo) detto Cimabue", em Dizionarobiograico del italia, vol. XXIII, ‘Roma 1999, pp. 537-44; L Bellsi, La pecora di Giotto, Tam, 1985. 2 A nobeza de Cimabuc, aqui afirmada, faz parte da tendéncia,geral no periodo manerista, de “enobrecer” a artes do deseno. Em L’Ottino Commeno alla Divina Commedia (c, 1333-34), org. de A. ‘Tori, Psa, 1828, I, p. 188, é-se: “Cimabue foi pintorna cidade de lorenga no tempo do Autor [Dante], sendo ele muito nabre, dos mais nobres de que se tenha noticia [...” 1A igria de Santa Maria Novell foi refundada em 1278; por isso, € impossvel que ali tenham pi tado mestes bizantinos em época anterior 2 ativdade de Cimabue, Certamente essa nota sobre os pinto- 9 ciava nessa arte que tanto Ihe agradava, fugiafrequentemente da escola e passava o dia inteiro vendo aqueles mestres trabalhar; com isso, 0 pai e aqueles gregos julgaram que, se ele se dedicasse & pintura, sem diivida se tomaria perfeito na profissio. Para sua grande satisfacdo, foi preparado por aqueles mestres na arte da pintura e, exerctando- “Se continuamente e ajudado pela natureza, em pouco tempo suplantou em desenho e colorido os préprios mestres que o ensinavam; assim, encorajado pelos louvores que ‘ouvia, dedicou-se cada vez mais ao estudo € superou o estilo corrente que observara naqueles que, nao preocupados em avangar, haviam criado aquelas obras do modo ‘como as vemos hoje; e, embora imitasse os gregos, riou numerosas obras em sua pi- tria, honrando-a com seus trabalhos e conquistando para si grande nome ¢ altos favo~ res. Teve como companheiro e amigo Gaddo Gaddi*, que entrou para a pintura com ‘Andrea TaffiS, seu doméstico, eximindo a pintura de grande parcela do estilo grego, ‘conforme nos mostram, em Florenga, as primeiras obras por ele criadas, como a fron- taleira do altar de Santa Cecilie, na igreja de Santa Croce, um painel que retrata uma ‘Nossa Senhora’, encomendada por um guardiao daquele convento, muito amigo seu, painel que foi posto num pilar & direita do coro. Gragas a essa obra, tio bem execu- tada, ele foi para Pisa, ao convento de San Francesco, onde fez um Sao Francisco des- calgo!, que aquele povo considera obra excelente, reconhecendo-se em seu estilo algo dde novo e melhor, em virtude da expressio das cabecas e das pregas dos panos, como res gregos, que deve ser assocada a uma outra, presente na Vida de Andrea Taff (p. 84), sobre aida a Flo fenga do mosuicista “prego” Apolénio,é um artfcio retGrico que simboliza num Gico acontecimento ftos histrieos complesos como a influéncia bizantina dominante na tia na época de formagio de Ci- smabue ea reac de dependéncia e afastamento que o pintor manteve com aguela cultura. As afirma (Bes de Vasari foram posts em divida no fim do século xv por FL. del Migliore, Ginmte alle Vit de’ ‘itor, Florenca, Biblioteca Nazionale Centrale ms Il, 1,218, enquanto L. Lanz, Stora pitoriza della la- lia, Bassano, 1809, ed. org. M. Capucci, Florenga, 1968, 1, p. 32, slvou sua fidedignidade remetendo-a a “outa capela debaixo da igreia™ “TCE Vida de Gaddo Gaddi nas pp. 86-7 5 CE. Vida de Andrea Talli nas pp. 845 4 Da igrja de Santa Cecilia o painel passou (conforme relata Lanz, Stora pittorica, cit, p. 32) para a igesia de Santo Stefano; em 1844 0 prior desa igrja o vendeu para as Gallerie firentine por cem ce- {quins. Agora esta exposto nos Ui, n’ 449. A atribuicio de Vasari foi posta em divida a pati de Ca ‘aleaselle, que ressaltou o cariter giottesco do painel eas ligagBes com algumas Store di San Francesco da [Basilica superior de Assis. Com base nessas primeias indicapbes foi vinculado a ess painel um grupo de pinturas,indicadas com a denominagio convencional de Mestre de Santa Cecilia. O painel pode ser da- fado de pouco depois de 1304, ano em que aigreia de Santa Cecilia foi reconstruida depois de um in- ‘indo (L Bellosi. “Moda ecronologia. Pe la pittura di primo Trecento” em Prospetioa, n. 11 (1977), pp 15 ¢ 25, nota). A importincia do pintor foi enfatizada por uma parte da critica, que também Ihe atrbut as thimas Store di Se Francesco na basilica superior de Assis; sobre a pouca fiddignidade dessa hipotese, E.G. Previa, Giotto clasua hotega, Milo, 1967, 1974, pp. $59; Bellosi, La por cit, pp. 94€ 102, nota +B identficado com o painel que Lombardi e Baldi compraram do convento de Santa Croce foi adguirido em 1857 pela National Galley de Londres, onde esti exposto com o ni 565, A atibuigao tra- dlicional a Cimabue foi rejeitada por J P Richter, Lectures on th National Gallery, Londtes, 1898, p. 8, que ttribuio painel a um senés; hoje € indicado como “Escola de Duccio". Sobre o interese da critica por tate painel ca vinculagio com o Mestre de Cita di Castello e a Pietro Lorenzeti, cf. M. Davies, Natio- inl Galery Catalogues, The Earlier Halian School, Londres 1961, pp. 176-7. TA atibuigao de Vasari segue indicagdes id presentes no Livro de Antonio Billie no Anénimo Ma- sabechiano, Conhecida costumeiramente como um panel de baia qualidade, ainda no loca, com So ‘Franc bistras dena ida, foi posta em divida js por A. da Morrona, Pisa illastrata nelle art del disggno, 1, Pisa, 1793, p. 656, que asociou o painel a Giunta Pisano; M. Boskovits 0 atribui ao proprio pintor (Giunts Pisanoy una syolta nell pittura italiana del Duecento", em Art illsrata, 1973. Nio se deve ex ‘lui, porém, uma confusio entre 0 tema do quadro e o lugar onde se encontrava (convento de Sto Fran ‘Gsco descalgo), do qual provém a grande Maesta agora no Louvre (1260), obra capital de Cimabue 80 nao havia sido feito até entio por aqueles mestres gregos em suas pinturas que ja esta- ‘yam espalhadas por toda a Itilia. Assim, pois, ganhou pritica com aqueles frades que ‘o levaram para Assis, onde, na igreja de Sao Francisco, deixou comegada uma obra {que foi muito bem terminada por outros pintores depois de sua morte’. Trabalhou na ‘igreja do Castello de Empoli, ¢ no claustro de Santo Spirito em Florenca, onde esta pin- tada i grega por outros mestres toda a parte de tris da igreja, onde também sio de sua lavra trés pequenos arcos dentro dos quais hi cenas da vida de Cristo”. Também fez ‘na igreja de Santa Maria Novella um quadro de Nossa Senhora, que esta posto no alto, entre a capela dos Rucellai ea dos Bardi da Vernia, com alguns anjos em tomo!!; nes. tes, apesar de se manter o antigo estilo grego, ja se percebe a maneira e o tragado mo- demo. O povo daquela época, que nao vira até entio nada melhor, ficou tio admirado, ue ela foi levada ao som de trombetas da casa de Cimabue até a igreja, em solenisima procissio, e, por essa obra, ele recebeu um prémio extraordinario. E conta-se que, en= ‘quanto Cimabue pintava referido quadro em certo jardim préximo & Porta S. Piero, nao a esky seni pare tee lg Dc aap ups da coy an, passou pela cidade de Florenca o rei Carlos de Anjow,filho de Ludovico, que ia tomar posse da Sicilia, aonde fora chamado pelo pontifice Urbano, inimigo nimero ‘um de Manfredi; e, entre as muitas recepgdes que lhe foram dadas pelos homens da- ‘quela cidade, foi ele levado a ver o quadro de Cimabue, que nao havia sido visto ainda por ninguém; quando foi mostrado ao rei, logo acorreram para ld todos os homens ¢ todas as mulheres de Florenca, fazendo a maior festa e a maior aglomeracio do mundo. Assim, devido a alegria que tiveram todos os vizinhos, aquele local passou a ser cha- ‘mado de Borgo Allegri, que, passando com o tempo para dentro dos muros da cidade, continuou com o mesmo nome. Ora, havendo a natureza dotado Cimabue de belo ¢ habilidoso engenho, foi ele admitido como arquiteto na companhia de Amolfo Te- desco, entio excelente arquiteto, na construgio de Santa Maria del Fiore em Florenca, €apintura melhorou tanto com ele, que em sua época essa arte foi considerada exce- ¥ Sobre a atividade em Assis, ji lembrada pelo Livro de Antonio Billie pelo AnSnimo Magliabe- chiano, Vasari se demora bem mais na segunda edigio. ‘Além da bibliografia cada na nota nical, ¢possvel consular H. Belting. Die Oberircle wom San Fra eso in Asis. Ive Dekoraton als Aga ond de Gente ier neuen Wanda, Berlim, 197, eB. Scatpe: lini, em Frei Ludovico da Pietralings, Desricione dela Batlica di S. Francesco edi alt santuar di Ass, Treviso, 1982, A decoragio de Cimabue na Basilica superior € muitas vezesdatada de aproximadamente 1280, mas parece prefervel situa no fim dessa década (Bellos, La peor, cit). Mais antiga éa Nossa Se atone acm Sa Fron, po tase deo da Bassin, rove rego de una de vast, suplantada pela decoracio de Giotto. i A aividade em Empot também ¢lmirada no Livto de Antonio Bille pelo Andnimo Magli bechiano; 2s obras no Santo Spitito, pelo Livro de Antonio Bill, pelo Andnime Maghiabechiano e por G.B. Gelli, “Vent vite Parisi’ ong, G. Mancini em Archivio strc italiano, XVII (1896). 10'E a famosa Madowna Ruel, hoje depositada na Galleria degli Uffizi. E quase unanimemente ‘dentficada com o quadro encomendado em 15 de abril de 1285 « Duccio di Boninsegna pela Compag- tia dei Laudes,fundads por Sto Pedro Mart (cua efgie€ vista em um dos numerosos medalhies is mar- gens do quadro). E. Bats, Cimabue, Milio, 1963, aredita num erro de Vasari, que teria confundido ‘Santa Maria Novella com Santa Maria Nuova, de onde provém uma Nossa Senhora com Menino Jesus, e- pintada (agora no convento das Oblatas de Carega), qe ele atibui sem fundamento a Cimabue. Por ‘outro lado, um painel de Cimabue em Santa Maria Novella era citado por Albertini, pelo Livro de An fon Bll pelo Anénimo Maglabeciano,enquant se deve observa que a Mada Rul moss 0 ‘momento mais laramente cimabuesco de eeu autor, 12 Carlos de Anjou realmente foi a Florenga em 1267 ¢ também depois; mas toda a narativa de Vo: sari com certeza nio &fidedigna 81 lente ¢ admirivel, arte que até entio estava enterrada. Cimabue viveu sessenta anos € deixou muitos discipulos, entre os quais Giotto, de perfeitissimo engenho. Morreu em MCC e foi sepultado em Santa Maria del Fiore, em Florenga, recebendo o seguinte epitifio de um dos membros da familia CCREDIDIT VT CIMABOS PICTVRAE CASTRA TENERE SIC TENVIT VIVENS NVNC TENET ASTRA POLI! Sua casa ficava na estrada de Cocomero ¢, segundo se diz, depois dele ali morou seu discipulo Giotto. Dizem que a morte dele constemou Amolfo"s, que, com outros, depois fundou a igreja de Santa Maria del Fiore de Florenca", cuja planta foi feta em bbelissimo estilo, com um perimetzo de 782 bragos e dois tergos e comprimento de 260 bragos, construida com pedras de cantaria, toda lavrada por dentro, e revestida por fora de marmores brancos, negros e vermelhos, com incrustagdes ¢ ornamentos; custa até hoje dois milhdes em ouro e mais de 700 mil florins. Na cristandade no se en- contra construgio moderna mais ormamentada que ela, havendo nela muitas estituas na fachada e no campanirio, construidas por excelentes mestres. Amnolfo, portanto, fi cando sozinho, abobadou as trés tribunas sob a cipula, além daquilo que se disse acima, ¢ em sua honra e meméria, bem como em honra e meméria da edificacio do templo, ainda hoje se veem entre o campanirio e a igreja, no canto, os seguintes ver- sos entalhados no marmore em letras redondas'”: ANNIS MILLENIS CENTVM BIS OCTO NOGENIS \VENIT LEGATVS ROMA BONITATE DONATVS (QUI LAPIDEM FIXIT FYNDO SIMVI ET BENEDIXIT PRESVLE FRANCISCO GESTANTE PONTIFICATVM ISTVD AB ARNVLFO TEMPLVM FVUIT AEDIFICATVM HOC OPVS INSIGNE DECORANS FLORENTIA DIGNE REGINAE COELI CONSTVXIT MENTE FIDELL (QVAM TV VIRGO PIA SEMPER DEFENDE MARIA™. Em 4 de julho de 1302 Cimabue ainda estava vivo em Pisa. [*Acreditou-se que Cimabue comandava o exército da pintuae, assim como fez em vida, agora comanda os astro do céu."| Essa inscrigio certamente deriva dos verss de Dante, citados adiante. 1! Na edigio de 1368, Vasari dedicaci uma Vida a Amolfo di Lapo, na verdade Amolfo di Cambio, ‘que nasceu em Colle Val d'Elsa em 1245, aproximadamente, ¢ morreu em Florenga em 1302. Sobre ele, LV. Mariani, Arwlf di Cambio, Roma, 1943; C. Gnudi, Nicole, Amol, Lapo, lorenca, 1948; S. Bot tari, “Amolfo di Cambio", em Disionariobiografico detain, vo. IV, Roma, 1962, pp. 285-90; A. M. Ro- manini, Amos di Cambio el “sti novo” degra italiano, Milo, 1969. "s Foi iniciada por Amnolfo em 1296, executada por Francesco Talent (1357-5), coroada com a ccipula de Bruneleschi (142036). A fachada de Amolo, que foi interrompida, foi derrubada em 1587, proximadamente, e reconstruida em estilo neogstico em 1876-87 por Emilio de Fabris. Ou sea esctita uncial. Mas a inscrgio € de mais de um século depos. * "No ano de mil duzentose oitentae dois, veio o legado de Roma cheio de bondade / Langou a primeira pedra¢ a bencoou, estando ausente Francisco, cabeca do pontifcado / Este templo oi eit fado por Amolfo/ Esta obra insianee belamente decorada / Foi construida por Florenga em sinal de leal- dade & rainha do céu. / Defende-a sempre, Vrgem Maria.” (N. da T] 82 Ora, se & gléria de Cimabue nio se tivesse oposto a grandeza de seu discipulo Giotto, sua fama teria sido maior, conforme nos di fé Dante Alighieri na Comédia, ‘quando, no canto XI do Purgatéro, alude & mesma inscrigio da sepultura, dizend Credette Cimabue nella pittura Tener lo campo, et ora ha Giotto il grido, St che la fama di colui oscar Cimabue, portanto, entre tantas trevas foi a primeira luz da pintura, nio s6 no de Jineamento das figuras, mas também em seu colorido e, pela novidade de tal exercicio, ‘se tomou notério e celebérrimo. Encorajou os seus compatriotas a segui-lo em tio di- ficile bela cigncia, e, em vista das dificuldades e da rudeza do século em que nasceu, ‘merece infinitos louvores, muitos mais do que se a tivesse encontrado pronta. E dew isso azo a que Giotto, por ele iniciado, movido pela ambigio da fama e ajudado pelo ccéu e pela natureza, elevasse tanto seu pensamento, que abriu as portas da verdade Aqueles que levaram tal mister ao estado espantoso e maravilhoso que vemos em nosso ‘éeulo, Século que, habituado hoje em dia a ver as maravilhas, 0s milagres ¢ a coisas impossiveis que fazem os artistas dessa arte, chegow a tal ponto que nio se assombra ‘com coisas feitas pelo homem, mesmo que estas sejam mais divinas que humanas, ¢ laqueles que se esforgam com tanto louvor acham bom quando, mesmo nao sendo Touvados ¢ admirados, pelo menos nao sio censurados ou, como ocorre no mais das -yezes, envergonhados. 1f ["Cimabue acreditou comandar / Da pintura o exérito, do que agora Giotto tem a reputagio, / ‘Eassim obscurecea fama del"] Sio os wv. 94.96, No texto da Societa Dantesca Italiana, de 1921, 0 Ul timo verso é: "si che la fama di coli &oscura™. 83, Giotto, pintor florentino ‘© mesmo reconhecimento que se deve ter para com a natureza, que continua: serve de exemplo aqueles que, extraindo o que ¢ bom de suas partes mais is € belas, se esmeram em imité-la sempre, os pintores devem ter para com . Porque, depois de terem ficado enterrados durante tantos anos pelas ruinas das, (08 estilos das boas pinturas e tudo o que as circunda, foi somente ele que, nas- entre artistas inaptos, ressuscitou com talento celeste aquilo que estava no mau jinho, dando-Lhe uma forma que podia ser considerada boa. E sem ditvida foi um que aquela época grossera e inapta tivesse forga de atuar em Giotto de forma douta, que 0 desenho, do qual pouco ou nenhum conhecimento tinham os ho- daqueles tempos, por meio de tio bom artista conseguisse voltar totalmente & E nao por acaso o inicio da vida de tio grande homem transcorreu na zona rural Florenca, a catorze milhas da cidade. No ano MCCLAXVI, na cidade de Vespignano, via um lavrador cujo nome era Bondone, que gozava de tio boa reputaclo e era to na arte da agricultura, que ninguém das cercanias poderia ser mais estimado. Pois €ra tio engenhoso no arranjo de todas as coisas, que as ferramentas de seu oficio "mais parcciam empregadas por mio gentil de habilidoso ourives entalhador do que por ‘um ristico. A natureza Ihe fez graca de um filho, que na pia batismal ele chamou de Giotto, de acordo com seu nome. Esse menino, crescendo com excelentes costumes ¢ ‘ensinamentos, mostrava em todos os seus atos, ainda infantis, uma vivacidade e uma ‘prontidio de engenho que costumam ser extraordindrias na infincia. E assim ele en- ‘cantava nao s6 Bondone, mas também todos os parentes e aqueles que o conheciam ‘no lugar e fora dele. Por isso, quando Giotto tinha x anos de idade, Bondone o in- ‘cumbiu da guarda de algumas ovelhas da propriedade, que Giotto apascentava todos (lugar de nascimento de Gioto (Ambrogiots) de Bondone¢ traiconalmenteconsiderado Colle 4 Vespgnano, em Mugello, © ano foi esbeleido com bate nas indicages das fonts: no Cetoyio de Antonio Puc, escrito em 1373, ee que “Em tints esis prouve a Deus que Giotto morsesse com 4 dade de 70 anos, enquanto a Cronica de Giovani Villani (XI, 12) esclarece que odia da morte fi 8 de janeiro de 1336, que, segundo ocalendivio ab ncamatione entio vigente em Favene, no qual oano tna Inicio no dia da Anuncagio (25 de margo), equvale a8 de aneto de 1337, Poranto, se 08 7 anos de Pucci nlo consttuirem um nimero sproximato ou anedondado, Giotto deve ver naseido entre 28 de mango de 1266 e 24 de marco de 1267 A literatura conteriporinea jhe stbuia 0 papel de rand re novador da pinta que ainda hoe Ihe é reconhecido, Pas uma resenha da critica sobre iottoc.R Sa ini, Git = Biogaia, Roma, 1957, e C. De Benedict, Gioto = Bblerafia Il, Rom, 197. Entre 28 mais recente contibuigoes em lingua italiana, destacamse: D. Giosefly Gite echt, Mili. 1963; Pevitali, Gow ct; F Bologna, Noein into, Tri, 1969; Bells, La pcon ct; sempre fundamen tas so as indicages de Longh, "Ghudirio sal Buecento ct a os dias ora num lugar, ora noutro, ¢,jé sentindo a inclinagao natural pela arte do de- senho, continuamente, por prazer, desenhava no piso, no ch3o ou na areia alguma coisa da natureza ou que a fantasia Ihe ditasse. E foi assim que um dia Cimabue, pin- tor celebérrimo, mudando-se por alguma necessidade de Florenca, onde era muito apreciado, conheceu Giotto no lugarejo de Vespignano; este, enquanto suas ovelhas pastavam, tomando uma pedra plana e polida do piso, nela copiava a imagem de uma ovelha com um seixo pontiagudo, coisa que ele nao tinha aprendido com ninguém, ‘mas apenas com o instinto natural. Cimabue, detendo-se, extremamente admirado, perguntou-lhe se queria ir morar com ele. O menino respondeu que, e 0 pai concor- dasse, ele ficaria contentissimo. Assim, como Giotto pedisse permissio a Bondone ‘com muita insistencia, este Ihe fez essa extraordinéria concessio*. E, partindo para Flo- renga, em pouco tempo o menino nao s6 se equiparou a Cimabue no estilo, como tam- bém se tomou tal imitador da natureza, que na sua época cle foi capaz de suprimir aquele estilo grego tosco”, ressuscitando a boa e moderna arte da pintura e introdu- zindo a reprodugio ao natural das pessoas vivas, que havia centenas de anos no era usada, Por isso ainda hoje em dia se vé, na capela do Palicio do Podestade de Florena, 6 retrato de Dante Alighieri, contemporineo e amigo de Giotto, estimado por ele pelos raros dotes que a natureza imprimira na bondade do grande pintor; conforme trata o senhor Giovanni Boccaccio em seu elogio, no prélogo da novela do Senhor Fo- rese de Rabatta ¢ de Giotto’ ‘Suas primeiras pinturas foram feitas na Abadia de Florenga, na capela do altar- -mor', onde fer varias coisas consideradas belas; mas especialmente se deve lembrar uma cena de Nossa Senhora, em que ela recebe a anuncia¢io do Anjo, na qual Giotto reproduziu o susto e o medo que a saudagio de Gabriel Ihe infundiu, inspirando-lhe lum temor que quase a pés em fuga. E em Santa Croce pintou quatro capelas, trés centre a sacristia e a capela-mor: na primeira, onde hoje sio tocados os sinos, € de seu 2 Essa historia emblemtica jd se encontra em Ghibert. 3 "Grego" equivale Aquilo que hoje chamamos de “bizantino”. Vasari acrescenta 0 adjtivo “toseo” (Gempre com 0 sentido pejorativo de ‘velho") para evitar confusio com os greg “antigos" P ilenticagio com Dante Alighieri da personagem situada abaixo e i direita do Jui universal, afreco da patede do fundo da capela da Madalena, no palicio de Bargello, & de tradicdo bastante duvi- dora; mas ¢exatamente a ela que se deve a descoberta dos frescos em 1840 (Dal raid Dante alla Mos: tne del Medio Evo, org. de G. Gaeta Bereli catilogo da exposicio, Florenca, 1985), Os aftescos, muito ‘Senticados« resaurados em 1937, refletiam as caractersieas do estilo tardio de Giotto. Nio iniciados Stes de 1332, foram terminados depois da morte do pintor, porque soba figura de Sio Venincio se I ‘HOC OFS FACTYM FIT TEMPORE POTESTARIE[.] FIDESMINI DE VARANO CIV CAMERINENSIS;¢ Fidesmino ‘da Varano foi podestade nos ultimos seis meses de 1337 A atividade de Giotto no palicio do Podestade {jb lembrada por F Villani, por Giannozzo Manet, Vita Dants,c. 1450, por Ghiberi, no Livro de An- tonio Billie no Andnimo Magliabechiano. °'G. Boccaccio, Decamerdo, V1 dia, novela §; Boccaccio afirma que “porter ele trazido de volta luz aguela are que estava sepultadae ao longo de muitos séculos jaza sob os eros de alguns, que mais pin- ‘vam pata deleitar os olhos dos ignorantes do que para satisfazer ointelecto de sbios, Giotto mereci- ‘Tamente pode ser considerado uma das izes da gla florentna”. Ai est um julgamento que refiete um {topos jsformulado por Plinio e que retoma em Petraca a raividade de Giotto na Abadia florentina é lembrada por Ghibert, pelo Livro de Antonio Bil pelo Anéaimo Magliabechiano. Nas paredes daquela que era a capela do atarmor foram descobertos fm 1958 e retrados no ano seguinte alguns fagmentos de afescos, entre os quais também hé uma Aran ‘Gago, mas sua mi qualidade leva a duvidar que 0 autor tenha sido Giotto, Ao contririo, uma obra atx ‘uel & fase juvenl de Giotto € 0 poliptco que jd estava sobre o altar e agora esti nos Uffizi, restaurado ‘em 1957. £ formado por cinco compartimentos com as imagens em meio-corpo de Madalena, Sao Ni- ‘ola, Sio Jodo Evangelista, Sto Pedro e Sio Bento. 92. a vida de Sio Francisco’; das outras duas, uma é da familia Peruzzi, outra dos i; € a outra fica do outro lado dessa capela-mor’. Também na capela dos Baron- ‘celli hi um painel pintado a témpera, com esmero, que representa a Coroagio de Nossa ‘Senhora com grande niimero de figuras pequenas e um coro de anjos e santos, tudo ‘com grande esmero, lendo-se 0 seu nome em letras de ouro". Por isso, conside- -rando o tempo em que esse maravilhoso pintor, sem nenhuma luz do ensino, deu ini- ‘Gio a um bom estilo de desenhar e pintar, todos os atistas devem esforgar-se por Ihe Adispensar perpétua veneragio. Existem também na referida igreja outros paineis e mui- ‘tas outras figuras em afresco, como sobre o sepulcro de marmore de Carlo Marsupini, ‘aretino, um Crucifixo com Nossa Senhora, Sao Joio e Madalena aos pés da Cruz. E ‘do outro lado da igrea, sobre a sepultura de Lionardo Aretino, hé uma Anunciagio na

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