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Ag r a d e c ime n t o s

gradeço à m inha fam ília, pelo apoio e pela credibilidade

A em m eu projeto profissional, especialm ente à m inha m ãe,


pelo am or e dedicação com que acom panha m inha cam inhada.
T am bém agradeço aos professores Sílvia H elena K oller e
C hristian H aag K ristensen, pelo incentivo e pelas contribuições que
qualificaram este trabalho.
Finalm ente, agradeço às m eninas que participaram deste estudo.
A convivência com elas provocou m udanças profundas em m inha
vida. O brigada pela confiança, por revelarem seus segredos e
com partilharem com igo m om entos tão delicados de suas vidas. V ocês
foram grandes “m estres” na m inha form ação!

Luís a F H abigzang
Su má r io

Apr e s e n t a ç ã o ....................................................................................9
Pr e f á c io ........................................................................................... 13
In t r o d u ç ã o ......................................................................................15

Pa r t e I - Co n c e it u a n d o o a b u s o s e x u a l n a
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

De f in iç õ e s e d in â mic a d o a b u s o s e x u a l ....................................... 1 9
Da d o s e pid e mio l ó g ic o s ...................................................................3 7
Co n s e q u ê n c ia s d o a b u s o s e x u a l pa r a c r ia n ç a s e
ADOLESCENTES..................................................................................................... 4 5

A ÉTICA E A in t e r d is c ipl in a r id a d e : a s pe c t o s
f u n d a me n t a is pa r a a in t e r v e n ç ã o ............................................... 6 1
Mo d a l id a d e s t e r a pê u t ic a s e q u e s t õ e s c l ín ic a s .......................... 6 9
Te r a pia c o g n it iv o -c o mpo r t a me n t a l e m a b u s o
SEXUAL INFANTIL ................................................................................................ 8 1

Pa r t e I I - In t e r v in d o e m a b u s o s e x u a l n a
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA.................................................... 91

Av a l ia ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a : u m r e l a t o d e
EXPERIÊNCIA.......................................................................................................... 9 3

A intervenção.......................................................................... 93
A valiação diagnostica individual...................................... 94
G rupoterapia cognitivo-com portam ental...........................96
R eavaliação diagnostica individual................................... 98
8 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

Pa r t e HI - An a l is a n d o a in t e r v e n ç ã o e m a b u s o
SE X U A L N A IN FÂ N C IA E N A A D O L E SC Ê N C IA .................... 9 9

Re s u l t a d o s d a in t e r v e n ç ã o ....................................................... 1 0 1
R esultados da avaliação diagnóstica individual................... 101
G rupoterapia......................................................................... 111
R esultados da reavaliação diagnóstica.................................. 140
Dis c u s s ã o d o s r e s u l t a d o s ...........................................................1 4 4

Pa r t e I V - Co n s id e r a ç õ e s f in a is ............................................. 1 4 9

Co n s id e r a ç õ e s f in a is ................................................................... 1 5 1
Re f e r ê n c ia s b ib l io g r á f ic a s ......................................................... 1 5 5

An e x o s ............................................................................................ 1 6 5

An e x o A .......................................................................... 1 6 7
An e x o B ...........................................................................1 6 9
An e x o C .......................................................................... 1 7 3
Apr e s e n t a ç ã o

sicólogos e profissionais que trabalham com crianças,

P adolescentes e fam ílias têm se interessado, cada vez m ais,


pela interação no am biente dom éstico, considerada um dos aspectos
m ais proem inentes do desenvolvim ento hum ano. A fam ília tem sido,
repetidam ente, apontada com o o contexto m ais íntim o de proteção
ao ser hum ano, oferecendo relações constantes e estáveis de
reciprocidade, coesão e hierarquia de poder saudável. N o entanto,
nem sem pre esta é a realidade. A lguns am bientes dom ésticos têm
sido palco de m arcantes, freqüentes e severas vivências de dor e de
exposição ao risco, geradas por inúm eros e variados fatores, que
roubam da fam ília a sua condição de ninho de am or e cuidado de
seus integrantes. E ntre esses fatores aparece o abuso sexual
intrafam iliar, que interrom pe um processo de desenvolvim ento do
prazer e da fantasia infantil e lança a criança em um a seqüência de
eventos de dor. O prazer da ingênua sexualidade infantil contrapõe-
se à dor im petrada pelo abuso. A fantasia dos contos de fadas é jogada
brutalm ente na realidade de atos sexualizados, os quais a criança não
tem condição de com preender. N esse cenário de violência, a criança
e a fam ília são vítim as e testem unhas do evento não natural da
violência sexual.
Pesquisadores desejam realizar estudos que tenham im pacto e
relevância social, a fim de provocar a redução das conseqüências
negativas do abuso e am pliar os efeitos positivos das relações
fam iliares nesse contexto ecológico. A pesquisa tem cam inhado de
10 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

m ãos dadas com a ação clínica, influenciando m ais do que apenas o


m icrossistem a fam iliar e colaborando com políticas públicas. T ais
ações integradas precisam , cada vez m ais, nos dias atuais, concei-
tualizar e estabelecer seu conhecim ento, traduzindo-o em aplicações
sociais e program as de intervenção na fam ília e na com unidade.
E ste livro apresenta um dos m ais recentes e im portantes produtos
da integração entre ação clínica, pesquisa, intervenção e responsa­
bilidade política, revelando aos leitores a descrição detalhada do
processo de aplicação dos preceitos da terapia cognitivo-com por-
tam ental em casos de abuso sexual infantil. N a prim eira parte, os
autores apresentam definições e a dinâm ica do abuso sexual,
enfatizando dados epidem iológicos e as conseqüências do fenôm eno
no ciclo vital de crianças e adolescentes. Para m elhor entendim ento
dos leitores, descrevem , ainda, m odalidades terapêuticas e questões
clínicas relacionadas ao problem a. C om o é esperado de profissionais
que trabalham com esse problem a de saúde pública, os aspectos éticos
e a interdisciplinaridade são enfatizados, considerados fundam entais
para a intervenção.
A Parte II descreve a intervenção propriam ente dita, tendo por
base os preceitos conceituais da Parte I e salientando a im portância
de integrá-los à ação clínica. O s autores apresentam um processo
cuidadoso de avaliação e reavaliação dos casos de abuso sexual infantil
acom panhados; a intervenção é descrita em detalhes, especialm ente
com relação à técnica desenvolvida, denom inada grupoterapia
cognitivo-com portam ental. N a Parte III, são analisadas e discutidas
a avaliação e a intervenção em abuso sexual realizada por eles,
evidenciando ao leitor, além da com petente abordagem , a isenção
profissional apropriada e a atitude científica.
O leitor pode se considerar privilegiado, pois está exposto a um
conteúdo provocante, que gera reflexão e a possibilidade de aperfei­
çoam ento de suas práticas. A lém disso, o livro perm ite a leitura de
um estudo que elabora e constrói um a intervenção com validade
ecológica, baseada na realidade de crianças brasileiras. E studos com o
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 11

este não devem ser m eram ente “transplantados” para a realidade atual,
na qual os protagonistas, o contexto e as relações interpessoais são
substituídos por entidades, que fazem parte da experiência diária das
fam ílias brasileiras.
O abuso sexual expõe crianças, adolescentes e fam ílias a um a
luta diária por sobrevivência e segurança. O conhecim ento profundo
dessa realidade, de seus valores e de seu cotidiano deve ser um
com prom isso do profissional que se dedica a seu estudo. H abigzang
e C am inha propiciam um cam inho bastante prom issor para alcançar
tal conhecim ento.

Profa. D ra. Sílvia H elena Koller


C oordenadora do C entro de E studos Psicológicos
sobre M eninos e M eninas de R ua C E P-R U A
U niversidade Federal do R io G rande do Sul
Pr e f á c io

abuso sexual contra crianças e adolescentes é atualm ente

O considerado um grave problem a de saúde pública, tanto


pela elevada prevalência do fenôm eno, quanto pelo seu im pacto
deletério no indivíduo, nos fam iliares e na sociedade. E m particular,
a vítim a de abuso sexual com freqüência desenvolve sintom as em
diferentes áreas, incluindo prejuízos cognitivos, em ocionais, sociais
e acadêm icos. D iante dessa realidade, grande esforço tem sido
em pregado ao longo das três últim as décadas na prevenção, na
avaliação e nas intervenções terapêuticas junto à população. A presente
publicação de L uisa F. H abigzang e R enato M . C am inha pode ser
contextualizada dentro desse em preendim ento, visto que representa
um a contribuição nacional relevante à área.
E ntre os vários m éritos da obra que o leitor agora tem em m ãos,
dois m e parecem de especial destaque. Prim eiro, para aquele que se
inicia no estudo do abuso sexual, o livro resum e e atualiza conceitos,
dados epidem iológicos e algum as das principais conseqüências
experienciadas pelas vítim as dessa form a particular de m aus-tratos.
Segundo, sistem atiza a abordagem cognitivo-com portam ental, com
vítim as de abuso sexual, em suas diferentes etapas, incluindo a
avaliação individual, a intervenção na form a de grupoterapia e a
avaliação da eficácia da intervenção. N essa sistem atização, tanto o
psicoterapeuta iniciante com o o clínico experiente encontrarão
elem entos suficientes para estruturar o atendim ento psicológico de
crianças e adolescentes vítim as de abuso sexual.
14 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

A o longo de m ais de um a década, tenho o privilégio de acom ­


panhar de m aneira próxim a a evolução teórica e o desenvolvim ento
clínico dos autores - boa parte disso ocorrendo na U niversidade do
V ale do R io dos Sinos. Paralelam ente, tam bém assisti à produção
brasileira em terapia cognitivo-com portam ental crescer e atingir
autonom ia. H oje, essa abordagem recebe suficiente apoio em pírico
para ser considerada com o a psicoterapia eletiva nos casos de abuso
sexual na infância e adolescência. Q ue L uísa e R enato contribuam
para isso pela sistem atização de sua experiência com grupoterapia é
algo notável.

Prof. M s. Christian H aag Kristensen


L aboratório de N eurociências
U niversidade do V ale do R io dos Sinos
In t r o d u ç ã o

abuso sexual contra crianças e adolescentes é com preen­

O dido atualm ente com o um grave problem a


pública. E studos sobre epidem iologia, as conseqüências do abuso
de saúde

para o desenvolvim ento e o tratam ento têm sido desenvolvidos em


diversos países. N o B rasil, verifica-se um aum ento de pesquisas acerca
desse tem a nas últim as décadas. N o entanto, não se encontram m uitos
trabalhos, em nosso país, que apresentem a descrição e os resultados
de intervenções terapêuticas para essa população clínica. O
desenvolvim ento de pesquisas na área pode contribuir para qualificar
o funcionam ento da rede de atendim ento a crianças e a adolescentes
vítim as de abuso sexual, que, no B rasil, ainda apresenta sérias
dificuldades para desem penhar as políticas públicas definidas pelo
E statuto da C riança e do A dolescente.
O presente estudo é resultado da experiência clínica com crianças
e adolescentes vítim as de abuso sexual, desenvolvida durante a
graduação em Psicologia, tendo com o principal objetivo apresentar
um m odelo de intervenção e os resultados obtidos. O estudo está
dividido em quatro partes.
N a Parte I são abordadas a dinâm ica do abuso sexual, a incidência
epidem iológica dessa categoria de m aus-tratos e suas conseqüências
para o desenvolvim ento de crianças e adolescentes. T am bém são
apresentados aspectos relevantes para a intervenção clínica em vítim as
de abuso sexual, com o a ética e a interdisciplinaridade, e m odalidades
16 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

terapêuticas para esses casos. A lém disso, são introduzidos conceitos


da terapia cognitivo-com portam ental com o m étodo de intervenção
que fundam enta a pesquisa.
N a Parte II é apresentado um relato de experiência clínica, no
qual está descrita a m etodologia de avaliação e intervenção para
m eninas vítim as de abuso sexual e os resultados obtidos. E ssa
m etodologia foi desenvolvida e coordenada por H abigzang, sob
orientação do Prof. M s. R enato C am inha, durante o estágio profissio­
nal em Psicologia no Program a Interdisciplinar de Prom oção e
A tenção a Saúde (PIPA S). O PIPA S é um program a de extensão
vinculado ao C entro de C iências da Saúde da U niversidade do V ale
do R io dos Sinos (U nisinos) que, entre outras atividades, presta
atendim ento psicológico à com unidade. A Parte III apresenta a
avaliação dos resultados da intervenção. E a Parte IV traz as consi­
derações finais, articulando os aspectos teóricos e práticos abordados
nos capítulos anteriores.
Co n c e it u a n d o o a bu s o s e x u a l n a
IN F Â N C IA E N A A D O L E S C Ê N C IA
De f in iç õ e s e d in â mic a d o
A BU SO SEX U A L

infância e a adolescência são etapas do ciclo vital nas

A quais o indivíduo desenvolve suas capacidades cognitivas,


afetivas e físicas. T am bém se caracterizam com o períodos im portantes
para a aprendizagem de habilidades sociais. Por essas razões, crianças
e adolescentes são considerados sujeitos em condição peculiar de
desenvolvim ento, necessitando cuidados especiais que garantam sua
proteção e o desenvolvim ento de suas potencialidades. N esse sentido,
toda a sociedade e o poder público são responsáveis pela garantia
dos direitos fundam entais das crianças e dos adolescentes (E statuto
da C riança e do A dolescente, L ei Federal n° 8.069, 1990).
A fam ília desem penha um papel de destaque nesse processo,
um a vez que constitui o prim eiro sistem a no qual o ser hum ano em
desenvolvim ento interage. B rito e K oller (1999) salientam que a
dinâm ica do grupo fam iliar é m uito poderosa no desenvolvim ento
da criança, sendo sua casa o am biente em que desenvolverá quase
todos os repertórios básicos de seu com portam ento. O papel dos
pais, além do provim ento de bens, sustento dos filhos, educação
inform al e preparo à educação form al, consiste em transm itir valores
culturais de diversas naturezas (religiosos, m orais, tradicionais,
acadêm icos).
N o processo de socialização da criança, a fam ília é um im por­
tante fator. O s pais influenciam o desenvolvim ento do senso de
cooperação e reciprocidade dos filhos, quando se m ostram sensíveis
20 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

e responsivos às suas necessidades. N essa perspectiva, o sentim ento


de pertencim ento e a percepção de que é am ada, fortalece a expectativa
da criança de que suas necessidades serão atendidas, facilitando a
busca de novos elos e de gratificação no seu am biente de form a efetiva.
E m situações de risco ou am eaça, o apoio recebido dos pais reduz a
angústia da criança. As transações com os pais fortalecem o
desenvolvim ento de seus recursos internos para enfrentar com
expectativa de sucesso as situações de risco (B rito & K oller, 1999).
E ntretanto, nem sem pre os pais ou cuidadores com portam -se
dessa form a, e as situações de risco experienciadas pela criança
ocorrem dentro de suas próprias casas. Isto se confirm a pelas
pesquisas, segundo as quais 80% das ocorrências de m aus tratos contra
crianças e adolescentes são perpetradas no am biente dom éstico
(O liveira & Flores, 1999; Pires, 1999). A violência intrafam iliar é
um sério problem a social, que, devido ao im pacto negativo que
acarreta ao desenvolvim ento infantil, tem sido considerado um grave
problem a de saúde pública (G onçalves & Ferreira, 2002; Polanczik,
Z avaschi, B enetti, Z enker, G am m erm an, 2003; O sofsky, 1995).
A com preensão de que os m aus tratos contra crianças e
adolescentes são um problem a m édico-social é recente entre os
profissionais da saúde. Na década 40, nos E stados U nidos, o
radiologista C affey foi considerado “inadequado” pelos colegas de
m edicina por falar na Síndrom e da Criança Espancada , e, som ente
nos anos 60, o pediatra H enry K em pe criou o term o Síndrom e da
Criança M altratada, abrindo espaço para estudos dos abusos
com etidos por adultos (Pires, 1999).
N os últim os 20 anos, o abuso infantil tem se tom ado um dos
m ais em ergentes cam pos de pesquisa no que tange à infância e à
adolescência, e em vários países existem program as em desen­
volvim ento para estudo, prevenção e tratam ento. N o B rasil, verifica-
se um a intensificação de pesquisas na área desde a publicação do
E statuto de C riança e do A dolescente em 1990 (A m azarray & K oller,
1998; Z avaschi et al., 1991).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 21

O s term os abuso ou m aus-tratos contra crianças e adolescentes


são utilizados para definir negligência, violência psicológica, física e
sexual, de m aneira repetitiva e intencional, perpetrado por um adulto
ou alguém em estágio de desenvolvim ento superior (idade, força
física, posição social, condição econôm ica, inteligência, autoridade).
O perpetrador utiliza-se do poder, da relação de confiança e/ou força
física para colocar a criança e/ou adolescente em situações para as
quais não possui condições m aturacionais biológicas e psicológicas
de enfrentam ento (Ferreira & Schram m , 2000; Furniss, 1993;
G rinblatt, M artins, Sattler, C am inha, Flores, 1994.
O abuso viola aquilo que caracteriza a infância: dependência,
vulnerabilidade e inocência. O adulto explora o poder que tem sobre
a criança e, ao fazê-lo, usa-a com o m ero m eio para obtenção de seus
próprios fins, infligindo o seu direito à autonom ia (Ferreira &
Schram m , 2000). A violência intrafam iliar origina-se de relações
interpessoais hierarquicam ente assim étricas, m arcadas por desi­
gualdade e subordinação no contexto fam iliar (K oller, 1999).
D e A ntoni e K oller (2000) verificaram a assim etria das relações
intrafam iliares em um estudo com m eninas vítim as de violência
intrafam iliar. O trabalho objetivava investigar percepções e expecta­
tivas das vítim as com relação à fam ília. Participaram doze adoles­
centes com idade entre doze e dezessete anos, que estavam institu­
cionalizadas por m edidas de proteção, devido a m aus tratos sofridos
em casa. A coleta de dados foi realizada por m eio de grupos focais: a
m oderadora introduzia tem as relacionados à fam ília e as adolescentes
eram convidadas a problem atizá-los. A s histórias de vida fam iliar
relatadas pelas m eninas são m arcadas pela falta de diálogo, de
confiança e pela passividade diante da agressão. V ários fatores de
risco foram identificados nessas fam ílias: instabilidade econôm ica e
afetiva, dificuldade em buscar soluções efetivas para seus problem as
e ausência de definição e valorização dos papéis fam iliares. A lém
disso, as m eninas relataram : sentim ento de não-pertencim ento e de
desvalorização no grupo fam iliar, baixa qualidade das interações,
22 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

falta de estruturação de um sistem a de apoio, regras pouco ou não


definidas, apoio em ocional precário ou inexistente, e auto-estim a
baixa. O am biente fam iliar dessas garotas, além conter o risco de
violência que determ inou o afastam ento delas de casa, era pouco
sadio e propício para a organização e execução de um projeto de
vida. A violência em si era atribuída ao autoritarism o dos pais ou
responsáveis, que acreditavam ter a posse delas e que elas m ereciam
ser punidas e culpadas pelos acontecim entos, m uito m ais do que
protegidas.
O fenôm eno da violência dom éstica atinge m eninas e m eninos
de todas as idades, em todos os grupos étnicos e em todos os níveis
socioeconôm icos (K aplan & Sadock, 1997). O s fatores de risco
identificados no relato das m eninas com fam ílias abusivas estudadas
por D e A ntoni e K oller (2000) aparecem entre as variáveis m apeadas
por G om es, D eslasdes e colaboradores (2002). A través de um a
pesquisa bibliográfica, que consultou artigos publicados na década
de 90 em revistas nacionais representativas de Pediatria, G om es,
D eslasdes e colaboradores m apearam as principais explicações
apontadas pela literatura especializada sobre a questão da violência
intrafam iliar. Foram analisados catorze trabalhos que apontaram três
principais fatores com o desencadeadores e m antenedores desse
problem a.
A prim eira explicação, e a m ais recorrente, refere-se à reprodução
das experiências de violência fam iliar vividas durante a infância,
contribuindo para que se perpetuem os m aus-tratos. N essa lógica,
m uitas crianças vítim as de m aus-tratos se tom am adultos agressores.
O fenôm eno, cham ado de m ultigeracionalidade, é com preendido
com o um ciclo de violência que acom panha a fam ília de geração em
geração. U m a pesquisa realizada com 8.145 fam ílias corrobora essa
perspectiva (Straus & Sm ith, 1995, citado por G om es, D eslasdes e
cols., 2002): os pais que sofreram violência quando crianças apresenta­
vam um índice de agressão contra os filhos duas vezes m aior do que
os que não foram vítim as de violência. C ontudo, G om es, D eslasdes
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 23

e colaboradores ressaltam que essa questão deve ser entendida com o


um a probabilidade, um a m aior vulnerabilidade, m as não com o um a
lei inexorável.
U m a segunda razão para existência de crianças m altratadas
associa-se à idéia da violência com o produto de desajustes fam iliares
e psíquicos e do alcoolism o. U m estudo realizado com 103 vítim as
apontou os distúrbios de com portam ento do agressor (31,06% ), a
desagregação fam iliar (21,97% ) e o alcoolism o do agressor (17,42% )
com o os três principais fatores desencadeantes da violência (C ariola,
1995, citado por G om es, D eslasdes et al., 2002).
A terceira explicação encontrada abrange a ordem m acroestru-
tural, traduzida por aspectos sociais, econôm icos e culturais - com o
a desigualdade, a dom inação de gênero e de gerações. O estudo já
m encionado de C ariola (1995, citado por G om es, D eslasdes e cols.,
2002) conclui que a agressão é m ais evidente na população m ais
carente (com renda de um a três salários m ínim os), correspondendo
a 52,27% da am ostra (n = 103). O s autores cham am a atenção, nova­
m ente, para o cuidado quanto às generalizações, um a vez que pobreza
não está diretam ente ligada a m aus tratos infantis. Straus e Sm ith
(1995, citado por G om es, D eslasdes e cols., 2002), ao com parar
fam ílias cujo pai estava desem pregado com outras em que o pai estava
em pregado, observaram que havia um a prevalência de m aus-tratos
contra a criança 50% m aior no prim eiro grupo.
As explicações para o fenôm eno dos m aus tratos contra
crianças e adolescentes, encontradas nos artigos consultados por
G om es, D eslasdes e colaboradores (2002), correspondem aos fatores
de risco para o desencadeam ento e a m anutenção do problem a da
violência intrafam iliar. E stes indicam , conform e salientam os
autores, um a m aior probabilidade, e não um a relação direta de causa
e efeito. D essa form a, eventos estressantes, tais com o desem prego
e história de abuso na infância, não garantem que esses pais abusarão
de seus filhos. G om es, D eslasdes e colaboradores (2002) concluem
que explicar a ocorrência dos m aus-tratos contra as crianças é um a
24 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

tarefa com plexa, pois envolve a articulação em rede de aspectos


socioculturais, psicossociais, psicológicos e até m esm o biológicos,
para que seja atingida um a com preensão m ais abrangente acerca
da problem ática em questão.
A literatura aponta quatro categorias básicas de m aus-tratos
contra crianças e adolescentes: abuso físico, abuso em ocional,
negligência e abuso sexual (B raun, 2002; C am inha, 2000; D e A ntoni
& K oller, 2001; G om es, Junqueira, Silva, Junger, 2002).
O abuso físico é com preendido com o qualquer ação, única ou
repetida, não-acidental (intencional), na qual o adulto usa de sua força
física para causar dor e desconforto à criança. A relação de força
baseia-se no pretenso poder disciplinador do adulto e na desigualdade
adulto-criança. E sse tipo de abuso, assim com o os dem ais, tem
tendência de progressão ascendente, podendo evoluir de um puxão
de orelha a um tapa, uso de cinto, cabo de vassoura, até atingir quei­
m aduras por cigarros ou ferro elétrico, choques elétricos, água
fervente, etc. O s abusos físicos podem deixar m arcas, com o hem a­
tom as, escoriações, fraturas e queim aduras, e, em alguns casos,
chegam a levar a criança à m orte. A lém de causar lesões físicas, essa
form a de abuso é extrem am ente danosa para a vítim a do ponto de
vista em ocional, pois é acom panhada de abusos em ocionais - a criança
agredida fisicam ente é, na m aioria das vezes, depreciada e desres­
peitada, por m eio de agressões verbais (A zevedo & G uerra, 1989;
C am inha, 1999, 2000; D e A ntoni & K oller, 2001; G om es, Junqueira,
Silva, Junger, 2002; Pires, 1999).
O abuso em ocional ou psicológico abrange rejeição, isolam ento,
depreciação, desrespeito, discrim inação, corrupção, punição ou
cobranças exageradas do adulto em relação à criança ou ao adolescente
(A zevedo & G uerra, 1989; B enetti, 2002; G om es, Junqueira, Silva,
Junger, 2002). E le é evidenciado pelo prejuízo à com petência
em ocional da vítim a, isto é, à capacidade de am ar os outros e de
sentir-se bem a respeito de si m esm a. São atos de hostilidade e
agressividade que podem influenciar a auto-im agem e a auto-estim a
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 25

da criança ou do adolescente (D e A ntoni & K oller, 2001). D essa


form a, com preende situações nas quais o adulto agride verbalm ente
a criança e não reconhece o seu valor, bem com o suas necessidades,
afastando-a de experiências sociais esperadas, im pedindo-a de ter
am igos e brincar, não estim ulando seu crescim ento em ocional e
intelectual (A zevedo & G uerra, 1989; B enetti, 2002; C am inha, 2000;
K aplan & Sadock, 1997).
A negligência é definida com o toda om issão em term os de
cuidados básicos por parte do responsável pela criança ou pelo
adolescente. Inclui atitudes com o privar a criança de afeto, alim entos,
m edicam entos, proteção contra as inclem ências do m eio (frio, calor),
educação e higiene - todos necessários à sua integridade física,
intelectual, m oral e social (A zevedo & G uerra, 1989; C am inha, 2000;
K aplan, 1995; G om es, Junqueira, Silva, Junger, 2002). O abandono
é apontado com o um a das m ais graves form as de negligência,
ocorrendo quando os pais biológicos ou adotivos declaram ,
publicam ente, que não têm m ais interesse na perm anência da criança
ou do adolescente em sua residência. N esses casos, as crianças são,
geralm ente, encontradas dorm indo na rua ou enviadas a instituição
para acolhim ento público (D e A ntoni & K oller, 2001).
O abuso sexual é definido com o todo ato ou jogo sexual, relação
hetero ou hom ossexual, cujo agressor esteja em estágio de desen­
volvim ento psicossexual m ais adiantado que a criança ou o adoles­
cente. T em por finalidade estim ulá-la sexualm ente ou utilizá-la para
obter estim ulação sexual. E ssas práticas eróticas e sexuais são
im postas às crianças ou aos adolescentes por violência física, am eaça
ou indução de sua vontade. Pode variar desde atos em que não existam
contatos físicos, m as que evolvem o corpo (assédio, voyeurism o,
exibicionism o), a diferentes tipos de atos com contato físico, sem
penetração (sexo oral, intercurso interfem ural) ou com penetração
(digital, com objetos, intercurso genital ou anal). E ngloba, ainda, a
26 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

situação de exploração sexual visando ao lucro, com o a prostituição


e a pornografia (A zevedo & G uerra, 1989; G om es, Junqueira, Silva,
Junger, 2002; K aplan & Sadock, 1997; Z avaschi e cols., 1991). O s
abusos sexuais podem ser classificados com o intrafam iliares ou
incestuosos e extrafam iliares. E sses tipos de abuso serão m ais bem
definidos a seguir.
O utro tipo de m aus-tratos tem sido identificado com o Síndrom e
de M ünchausen por procuração. E sta form a de violência, m enos
com um , é caracterizada pela desordem psiquiátrica de um dos pais,
m ais com um ente da m ãe: a criança é levada para cuidados m édicos
devido a sintom a e/ou sinais inventados ou provocados por seus
responsáveis, induzindo exam es laboratoriais e hospitalizações com
procedim entos desnecessários (G om es, Junqueira, Silva, Junger,
2002; Pires, 1999).
A exploração infantil constitui outra form a de violência. N esses
casos, fica evidente a tentativa do abusador em transform ar a vítim a
em ator da violência. A criança ou adolescente é induzido ou coagido
a participar de ações ilícitas, com prejuízo à sua integridade física,
psicológica e m oral. D estacam -se a exploração sexual infanto-juvenil,
o uso e o tráfico de drogas e a exploração no trabalho, que são
atividades não condizentes com a idade, expõem a riscos físicos,
exigem am pla carga horária de trabalho e, em geral, são trocadas por
algum am paro para sobrevivência (casa, com ida, etc.), m as não
consistem em rem uneração (D e A ntoni & K oller, 2001).
O s m aus tratos na infância expressam -se de form a dinâm ica,
não havendo lim ites rígidos entre as categorias. M uito com um ente,
o abuso surge de um a negligência prim ária, incorrendo em um abuso
em ocional, podendo chegar às dem ais categorias, que por sua vez,
podem estar presentes sim ultaneam ente (co-m orbidade). Fluxos
entre as categorias são, não só possíveis com o tam bém prováveis,
conform e o esquem a proposto por C am inha (2000) apresentado
na Figura 1:
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 27

Figura 1. D inâm ica dos m aus tratos (adaptado de C am inha, 2000).

D e acordo com a Figura 1, as crianças e os adolescentes


subm etidos a abusos sexuais, são, na m aioria dos casos, tam bém
vítim as de negligências, abusos em ocionais e abusos físicos. Isso
se confirm a pelos relatos das vítim as que revelam as am eaças e as
agressões físicas sofridas durante o abuso sexual, bem com o as
sentenças depreciativas utilizadas pelo agressor e a falta de am paro
e supervisão dos cuidadores. Os profissionais que pretendem
trabalhar com crianças e adolescentes vítim as de abusos sexuais
precisam , necessariam ente, ter conhecim ento da dinâm ica que
sustenta essa form a de violência para que as intervenções sejam
efetivas.
28 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

O abuso sexual e a exploração sexual de crianças vêm se tom ando


um tipo de m aus-tratos na infância cada vez m ais difundido, com
im plicações psicossociais, legais e m édicas (Fum iss, 1993; K aplan &
Sadock, 1997). C om o foi anteriorm ente definido, o abuso sexual é
com preendido com o qualquer atividade ou interação, na qual a intenção
é estim ular e/ou controlar a sexualidade da criança (W atson, 1994).
E tim ologicam ente, “abuso” indica separação, afastam ento do uso
norm al; por si só, a palavra indica, ao m esm o tem po, um uso errado e
um uso excessivo. O que não significa, com o dizem os que criticam
esse term o, que houvesse um uso perm itido, pois abusar é precisam ente
ultrapassar os lim ites e, portanto, transgredir (G abei, 1997).
A buso contém ainda a noção de poderio: de poder, de astúcia,
de confiança - situações em que a intenção e a prem editação estão
presentes (G abei, 1997; W atson, 1994). A buso sexual supõe um a
disfunção em três níveis: o poder exercido pelo grande sobre o
pequeno, a confiança que o pequeno (dependente) tem no grande
(protetor) e o uso delinqüente da sexualidade - ou seja, o atentado ao
direito que o indivíduo tem de propriedade sobre o seu próprio corpo.
A lguns autores ainda recom endam que deve haver um a diferença de
idade de cinco anos ou m ais entre vítim a e perpetrador do abuso,
quando a criança é m enor de doze anos, e um a diferença de dez anos
ou m ais quando o adolescente tiver entre treze e dezesseis anos
(A m azarray & K oller, 1998; C ohen & M annarino, 2000a; C loitre,
C ohen, K oenen, H an, 2002). E ntretanto, o uso de força, am eaça ou
exploração da autoridade, independentem ente das diferenças de idade,
sem pre deverá ser considerado um com portam ento abusivo e,
portanto, cuja responsabilidade deverá ser sem pre do adulto
(A m azarray & K oller, 1998; C ohen & M annarino, 2000a; C loitre,
C ohen, K oenen, H an, 2002; H ayde, B entovim , M onck, 1995;
Z avaschi et al., 1991).
O abuso sexual tam bém pode ser definido, de acordo com o
contexto de ocorrência, em diferentes categorias. Fora do am biente
fam iliar, pode ocorrer em situações nas quais as crianças são envolvidas
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 29

em pornografia e exploração sexual (A m azarray & K oller, 1998). N o


entanto, os estudos m ostram que a grande m aioria dos abusos sexuais
com etidos contra crianças e adolescentes ocorre dentro de casa e é
perpetrada por pessoas próxim as, que desem penham papel de cuidador
da vítim a (B raun, 2002; C am inha, 2000; K aplan & Sadock, 1997).
A s relações sexuais, m esm o sem laços de consanguinidade,
envolvendo um a criança e um adulto responsável (tutor, cuidador,
m em bro da fam ília ou conhecido da criança) são relações que se
enquadram no atual conceito de incesto (A zevedo, G uerra, V aiciunas,
1997; C ohen, 1997; K aplan & Sadock, 1997). D essa form a, qualquer
contato abertam ente sexual entre pessoas que tenham grau de
parentesco, ou acreditam tê-lo, é considerado incesto. Isto inclui
m adrastas, padrastos, tutor, m eio-irm ãos, avós e até nam orados ou
com panheiros que m orem junto com o pai ou a m ãe, caso eles
assum am a função de cuidadores (Forw ard & B uck, 1989).
A m azarray e K oller (1998) citam um estudo sobre incesto em
São Paulo, conduzido por C ohen (1993), revelando que o pai era o
abusador em 41,6% dos casos, seguido por padrasto (20,6% ), tio
(13,8% ), prim o (10,9% ) e irm ão (3,7% ). O incesto tam bém pode
ocorrer entre m ãe-filha e m ãe-filho, entretanto, a freqüência dessa
situação é m enor, e m uitas vezes envolve quadros de psicose.
C om relação ao incesto entre irm ãos, a diferença de idade deve
ser considerada. Q uando o irm ão abusador é significativam ente m ais
velho do que a vítim a, supõe-se que o prim eiro esteja em um a posição
de autoridade parental, enquanto o segundo se encontra em um a
situação de im aturidade e dependência. E m contraste, na relação
sexual entre irm ãos com idades próxim as, pode ser inadequado utilizar
as denom inações de abusador e vítim a, visto que não há um a relação
de dependência estrutural entre eles. O que ocorre é um a confusão de
relacionam ento em ocional e de relacionam ento sexual, na qual a
excitação sexual é substituta do carinho (Fum iss, 1993).
A fam iliaridade entre a criança e o abusador aponta para
tendências de fortes laços afetivos entre am bos, tanto positivos quanto
30 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

negativos, o que colabora para que os abusos sexuais incestuosos


possuam m aior im pacto cognitivo-com portam ental na criança. O
incesto é, então, considerado um fator agravante para as conseqüências
decorrentes de experiências sexualm ente abusivas conform e afirm am
Fow ard e B uck:

O incesto é poderoso. Sua devastação é m aior do que a das violências


sexuais não incestuosas contra a criança, porque o incesto se insere
nas constelações das em oções e dos conflitos fam iliares. N ão há
um estranho de que se possa fugir, não há um a casa para onde se
possa escapar. A criança não se sente m ais segura nem m esm o em
sua própria cam a. A vítim a é obrigada a aprender a conviver com o
incesto; ele abala a totalidade do m undo da criança. O agressor
está sem pre presente e o incesto é quase sem pre um horror contínuo
para a vítim a (1989, p. 13).

As fam ílias incestuosas são severam ente disfuncionais.


C aracterizam -se pela falta de fronteiras entre seus m em bros e pela
ausência do sentido de individualidade e de respeito à privacidade,
não havendo espaço para diferenças e discordâncias (G rinblatt,
M artins, Sattler, C am inha, Flores, 1994; Scodelario, 2002).
T hom as, E ckenrode e G arbarino (1997) sugerem alguns fatores
de risco para relações fam iliares incestuosas: pai e/ou m ãe que
sofreram abusos ou foram negligenciados em suas fam ílias de origem ;
excesso de álcool e outras drogas; papéis sexuais rígidos; falta de
com unicação entre os m em bros da fam ília; autoritarism o; estresse;
desem prego; m ãe passiva e/ou ausente; dificuldades conjugais;
fam ílias reestruturadas (presença de padrasto ou m adrasta); isola­
m ento social; pais que sofrem de transtornos psiquiátricos; doença,
m orte ou separação do cônjuge.
E m vários casos, o pai e a m ãe possuem horários diferentes de
trabalho e o pai fica sozinho com as crianças, buscando intim idade e
controle sobre a vida dos filhos (Z avaschi et al., 1991). O corre, pois,
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 31

um a aliança entre os pais, na qual a m ãe não im pede a aproxim ação


sexual do cônjuge junto aos seus filhos. Fica clara, m uitas vezes, a
perm issão passiva da m ãe, para que um de seus filhos a substitua no
papel sexual junto ao com panheiro (G rinblatt, M artins, Sattler,
C am inha, Flores, 1994). E ssa perm issividade da m ãe é, em alguns
casos, resultante do m edo que ela tem de enfrentar o parceiro - um a
vez que tam bém é vítim a de seus abusos físicos - e das dificuldades
econôm icas que poderão surgir com o afastam ento dele de casa
(C ohen & M annarino, 2000b). É im portante salientar que, em m uitos
casos de incesto, as m ães assum em um a atitude protetiva e denunciam
o abuso sexual aos órgãos de proteção à infância (T hom as, E ckenrode,
G arbarino, 1997; C ohen & M annarino, 2000b).
Fum iss (1993) tam bém considera as díades conjugal e parental,
m ostrando que a criança procura o pai (ou a m ãe) em busca de apoio
em ocional e de carinho, já que é estruturalm ente dependente. E m
resposta, o pai satisfaz o próprio desejo sexual utilizando-se dela. O s
avanços sexuais são confusos para a criança, e, usualm ente, o adulto
incestuoso a persuade e a am edronta em segredo, constituindo um a
form a de abuso em ocional. A criança tem a percepção de que a
situação é im própria e, progressivam ente, receia a desintegração
fam iliar, tem e a rejeição de seus am igos, da escola, e, finalm ente, da
com unidade (Fum iss, 1993; Z avaschi et al., 1991).
Furniss (1993) aponta dois aspectos que se apresentam
interligados em casos de abuso sexual infantil, a Síndrom e de Segredo
- diretam ente relacionada com a psicopatologia do agressor (pedofilia)
que, por gerar intenso repúdio social, tende a se proteger em um a teia
de segredo, m antido às custas de am eaças e barganhas com a vítim a
- e a Síndrom e de Adição - caracterizada pelo com portam ento
com pulsivo do descontrole de im pulso diante do estím ulo gerado
pela criança, ou seja, o abusador, por não se controlar, usa a criança
para obter excitação sexual e alívio de tensão, gerando dependência
psicológica e negação da dependência.
32 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

O adulto incestuoso, em bora exerça poder e força sobre a criança,


tende a ser tipicam ente tím ido e sem autoconfiança em seus contextos
sociais. A presenta baixa auto-estim a e dificuldades na identidade
m asculina. T enta com pensar isso através da im agem de dom ínio
m asculino que resulta em controle firm e e dom inação, tanto sobre a
esposa quanto sobre os filhos (G reen, 1995). O segredo e o sentim ento
de im potência estão ligados à vulnerabilidade das crianças. E las são
ensinadas a desconfiar de estranhos, m as, sim ultaneam ente, a ser
obedientes e afetuosas com todos os adultos que cuidam delas. O
indivíduo que com ete o abuso, na m aioria dos casos, é alguém
conhecido que vai estabelecer um a relação de confiança com sua
vítim a e certificar-se de que ela não se queixará quando ele avançar
os lim ites da relação (G abei, 1997).
A Síndrom e de Acom odação da criança é outra variável
im portante para a m anutenção do silêncio (G abei, 1997). V erifica-se
que ela “cai na arm adilha” e se adapta à situação abusiva, um a vez
que sua opção é aceitar e sobreviver, ao preço de um a inversão dos
valores m orais e alterações psíquicas prejudiciais à sua personalidade.
E ssa síndrom e consiste em : segredo; desam paro; aprisionam ento e
acom odação; revelação retardada, conflitada e não convincente, e
retratação (Sum m it, 1983, citado em Z avaschi e cols., 1991).
Segredo. O segredo do abuso faz com que a criança perceba
que aquilo que está ocorrendo é algo errado e perigoso. A o m esm o
tem po, a solicitação do abusador para que ela não revele o abuso é
fonte de m edo e envolve prom essas de segurança para ele e para sua
fam ília. O segredo tom a proporções m ágicas, m onstruosas para a
criança, que se sente isolada, desam parada, estigm atizada, intim idada
e culpada.
D esam paro. A s crianças são integralm ente dependentes dos
adultos e a eles são subordinadas. A sociedade, porém , espera que a
criança resista com força, peça ajuda ou fuja da violência do abuso.
Só que as crianças, m uito freqüentem ente, são incapazes de tom ar
tais atitudes. A reação norm al é “brincar de estátua” (fingir que está
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 33

dorm indo, m udar de posição, puxar os cobertores). E las aprendem a


lidar em silêncio com os terrores da noite. Para a sobrevivência
em ocional da criança, é im portante que os adultos e os profissionais
de saúde reforcem sua inocência e seu desam paro, em vez de assinalar
sua cum plicidade. Sem isto, a vítim a tende a se sentir culpada, com
ódio de si m esm a, pensando que foi ela quem provocou e perm itiu o
abuso sexual. A com preensão de que a criança é vítim a da relação
abusiva é fundam ental, pois ainda existe em nossa sociedade o
estereótipo da “criança sedutora”, que seduz o pai e aprecia o abuso.
M as esse estereótipo tem pouco a ver com a realidade, um a vez que
cabe ao pai, em seu papel de cuidador, traçar as fronteiras adequadas.
Isso significa que m esm o que um a criança se com portasse de um a
m aneira abertam ente sexual - com portam ento que cada vez m ais
aprendem os a ver com o resultado de abuso sexual anterior e não
com o ponto de partida - e que ela fosse sedutora e tentasse iniciar o
abuso, seria sem pre responsabilidade do pai estabelecer os lim ites.
N em m esm o o m ais sexualizado ou sedutor com portam ento jam ais
podería tom ar a criança responsável pela resposta adulta de abuso
sexual, em que a pessoa que com ete o abuso satisfaz seu próprio
desejo sexual em resposta à necessidade da criança de cuidado
em ocional (Fum iss, 1993).
Aprisionam ento e acom odação. Q uando a criança não procura
ou não recebe intervenção protetora im ediata, fica sem opção para
interrom per o abuso, restando-lhe acom odar-se à situação. O desafio
é adaptar-se às crescentes solicitações sexuais, bem com o à
progressiva conscientização de traição e de estar sendo vista com o
um objeto por alguém que é habitualm ente idealizado com o figura
parental protetora e am orosa. A criança fica com o poder e a
responsabilidade de m anter a fam ília unida, assum indo as funções
m aternas, não resistindo às exigências sexuais do abusador. B usca,
assim , m ecanism os para garantir a própria sobrevivência psíquica,
que acarretam em dificuldades psicológicas cada vez m aiores em
seu desenvolvim ento.
34 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

Revelação retardada, conflitada e não-convincente. A criança


tenta revelar o abuso para a m ãe, que reage com descrença, nega para
proteger o casam ento, não acredita ou tenta negociar um a resolução
dentro da fam ília. A criança, geralm ente, busca com preensão e
intervenção no m om ento em que tem m enos chances de encontrá-la.
E ao fazer a revelação, pode se sentir culpada, am edrontada e confusa.
M uitas vezes, é acom panhada de extrem a ansiedade e do relato de
dados inconsistentes que, associados à falta de preparo e de
sensibilização dos adultos e profissionais da saúde, tom am a revelação
não-convincente.
Retratação : A criança tende a negar posteriorm ente o abuso
sexual, caso não encontre apoio, retirando a queixa. Isso ocorre devido
aos seus sentim entos am bivalentes e à culpa com relação ao pai e à
fam ília, e tam bém por causa da possibilidade real de que as am eaças
e os m edos associados ao abuso sejam verdadeiros. A criança diz que
inventou a história do abuso - m entira que recebe m aior credibilidade
do que a queixa do incesto -, confirm ando as expectativas dos adultos
de que ela não é confiável, e as dela de que não pode se queixar,
restabelecendo-se o “equilíbrio” fam iliar.
A criança é, então, duplam ente vítim a, dos abusos sexuais e da
incredulidade dos adultos. Freqüentem ente, a relação abusiva se
m antém pelo período de anos, antes que ela consiga falar a um a
terceira pessoa, por causa da confusão de papéis na fam ília disfuncional
(Fum iss, 1993). Q uando o abuso é revelado à Justiça e às agências de
proteção à infância, a m ãe expressa choque e incredulidade. E m m uitos
casos, o pai quer ser visto com o vítim a dos avanços sexuais da criança,
apresentando-a com o sedutora e precocem ente sexuahzada (Z avaschi
e cols., 1991). C ontata-se que, m esm o diante da Justiça, em m uitos
casos, ela se retrata, voltando atrás quanto à revelação, diante do risco
de catástrofe que esta provoca. O silêncio perante a sociedade pode
ocorrer por vários m otivos: tem or pela reação da própria fam ília;
m anutenção da aparência de “sagrada fam ília”; conivência entre as
pessoas que sabem do fato e não o denunciam ; a idéia de que nada
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 35

pode ser feito para resolver o problem a; por ser um assunto tabu; por
não saber o que fazer (C ohen, 1997).
M esm o que a m aioria dos casos de abuso sexual envolvendo
crianças raram ente seja revelada, devido a culpa, vergonha e tolerância
da vítim a, há outros fatores que geram essa condição - com o, por
exem plo, a relutância de alguns m édicos em reconhecer o problem a
e relatá-lo, a insistência de tribunais em regras estritas de evidência e
o m edo da dissolução da fam ília, se for descoberto o abuso.
Possivelm ente, um a das principais questões que levam os profissionais
de saúde a negar e a subestim ar a severidade e a extensão do abuso
sexual é o fato de ele significar a violação de tabus sociais - com o o
incesto -, despertando sentim entos de raiva e desconforto nos próprios
agentes de saúde (Fum iss, 1993; Z avaschi e cols., 1991).
O abuso sexual contra crianças ou adolescentes é, portanto, um
fenôm eno que envolve variáveis com plexas na caracterização de sua
dinâm ica. Por esta razão, é considerado um problem a m ultidisciplinar,
requerendo um a estreita cooperação de diferentes profissionais. C om o
questão legal e terapêutica, requer, por parte de todos os profissionais
envolvidos, o conhecim ento dos aspectos crim inais e de proteção da
criança, assim com o dos psicológicos (Fum iss, 1993).
Da d o s e pid e mio l ó g ic o s

abuso sexual contra crianças e adolescentes não é um

O fenôm eno atual. R eferências a atividades sexuais entre


adultos e crianças podem ser encontradas nos registros históricos de
civilizações antigas e m odernas. E stes revelam reações sociais
extrem am ente am bivalentes, variando da negação dos contatos sexuais
entre adultos e crianças até a sua aceitação dessas relações (D eblinger
& H eflin, 1995). N o entanto, só recentem ente o abuso sexual infantil
passou a ser foco de pesquisas que têm docum entado o seu im pacto
psicossocial no desenvolvim ento de crianças e adolescentes, assim
com o vem recebendo atenção dos m eios de com unicação (A m azarray
& K oller, 1998). Flores e C am inha (1994) sugerem , inclusive, que a
real freqüência de abusos tenha perm anecido constante e o que estaria
aum entando é a atenção dada atualm ente ao problem a.
A cada ano são relatados, aproxim adam ente, de 150 a 200 m il
novos casos de abuso sexual infantil nos E stados U nidos {National
Com m ittee for the Prevention of Child Abuse, 1992, citado por K aplan
& Sadock, 1997). E m diversos países, m uitos estudos epidem iológicos
têm sido conduzidos com o objetivo de entender com o o fenôm eno
abuso sexual se m anifesta. E sses dados revelam parcialm ente a
dim ensão do problem a, um a vez que correspondem apenas aos casos
denunciados em agências de proteção à criança. A s taxas de ocorrência
reais são, provavelm ente, m ais elevadas que essas estim ativas, pois
m uitos casos de abusos sexuais não são reconhecidos tam pouco
diagnosticados.
38 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

Finkelhor (1994) realizou um a pesquisa nos E stados U nidos,


através de contato telefônico, constatando que 27% das m ulheres e
16% dos hom ens consultados sofreram abusos sexuais antes de
com pletarem dezoito anos. A m azarray e K oller (1998) apresentam
um estudo, realizado com m ulheres adultas em São Francisco (E U A ),
dirigido por R ussell (1984), dem onstrando que m esm o após excluir
eventos m enores (exibicionism o sem contato físico), 16% da am ostra
reportou abuso sexual intrafam iliar antes dos dezoito anos e 12%
antes dos catorze anos. A buso sexual extrafam iliar, envolvendo sexo
genital, antes dos dezoito anos foi referido por 31 % dos entrevistados,
20% reportaram tais atividades antes dos catorze anos. D os abusos
sexuais extrafam iliares antes dos dezoito anos, som ente 15% foram
perpetrados por estranhos. R aram ente as m ulheres eram identificadas
com o perpetradoras.
O s profissionais envolvidos em estudos sobre abuso sexual
infantil acreditam que, na realidade, um a em cada quatro m eninas e
um em cada oito m eninos, sofrem abuso antes de com pletar dezoito
anos, e que cerca de 80% dos casos são intrafam iliares (Z avaschi e
cols., 1991). O utros trabalhos tam bém apontam um a m aior incidência
de abusos sexuais incestuosos do que extrafam iliares. U m deles,
conduzido por Ferracuti (1988, citado por C ohen, 1997) nos E stados
U nidos, avaliou que o núm ero de m eninas vítim as de incesto está
entre 60 e 100 m il, m as som ente 20% dos casos são denunciados. A s
pesquisas m ais alarm istas, porém , calculam que ocorram relações
incestuosas em 10% das fam ílias am ericanas. U m estudo realizado
por B arry (1985, citado por C ohen, 1997) estim a que um a m enina
em quatro teria sido vítim a de incesto antes dos dezoito anos - ou
seja, 25% das m ulheres -, sendo que apenas 25% dos casos de incesto
fica lim itado a um único ato sexual, 70% das relações incestuosas
duram m ais que um ano e 10% têm duração m aior que três anos.
E m um a pesquisa realizada com crianças, de idades entre seis e
dezesseis anos, que haviam sofrido abusos sexuais, dos 81 casos
avaliados, em 78 o abusador era algum m em bro da fam ília e em três
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 39

eram pessoas de confiança (vizinhos ou babás). D os 78 casos, 22%


tinham o pai biológico ou o padrasto com o abusador. C om exceção
de um a criança que sofrerá abuso da m adrasta, todas as dem ais foram
vítim as de hom ens. E m 70% dos casos houve penetração anal ou
vaginal. A m aioria das crianças participantes do estudo tinha sete ou
oito anos quando com eçaram os abusos, que tiveram duração, em
m édia, de dois anos (H orow itz, Putnam , N oll, T rickett, 1997).
O utro levantam ento, tam bém realizado nos E stados U nidos, com
am ostra de 105 crianças vítim as de abusos sexuais, com idade entre
oito e quinze anos, constatou que 46,7% dos casos eram incestuosos
e 44,8% envolviam sexo oral, anal ou penetração vaginal. A s idades
m édias do prim eiro e do últim o episódio de abuso foram ,
respectivam ente, 9,3 e 10,5 anos, e 84,8% eram m eninas com idade
m édia de 11,6 anos (L anktree & B riere, 1995).
N o B rasil, C ohen (1997) realizou um estudo com a aplicação de
um questionário em vítim as de violência sexual que com pareceram ao
Instituto M édico L egal da cidade de São Paulo, durante um período de
seis m eses. Foram encontradas 548 pessoas (49,64% ) que disseram
conhecer o seu agressor e 249 (22,55% ) que foram vítim as de algum
parente, sendo que 207 (18,75% ) m oravam na m esm a casa do agressor.
O grau de parentesco com a vítim a foi assim caracterizado por
C ohen (1997): pai, 99 casos (41,60% ); padrasto, 49 casos (20,59% );
tio, 33 casos (13,86% ); prim o, 26 casos (10,93% ); irm ão, nove casos
(3,78% ); cunhado, nove casos (3,78% ); com panheiro da m ãe, cinco
casos (2,10% ); avô, quatro casos (1,68% ); concunhado, um caso
(0,42% ); sobrinho de padrasto, um caso (0,42% ); tio-avô, um caso
(0,42% ); m adrasta, um caso (0,42% ).
O utra pesquisa visando a verificar a prevalência da exposição à
violência sexual entre adolescentes foi desenvolvida com estudantes
de escolas estaduais de Porto A legre. Foram selecionadas 52
instituições com E nsino Fundam ental com pleto por m eio de um
processo de am ostragem aleatória, estratificada de acordo com o
tam anho da escola. Foi escolhida, em cada escola, um a turm a de 8 a
40 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

série, por sorteio aleatório, e foram incluídos todos adolescentes


presentes em sala de aula que consentiram participar do estudo. U m
instrum ento de triagem da exposição à violência na com unidade foi
utilizado para identificar jovens que foram vítim as, testem unhas ou
conheciam vítim as de atos de violência sexual. Foram incluídos 1.193
adolescentes, representando 10,3% dos alunos de oitava série
m atriculados na rede estadual de ensino da cidade. O s resultados
revelaram que entre os jovens estudados, 27 (2,3% ) relataram ter
sido vítim as de violência sexual, 54 (4,5% ) foram testem unhas de
algum tipo de violência sexual e 332 (27,9% ) disseram conhecer
algum a vítim a de abuso sexual (Polanczik, Z avaschi, B enetti, Z enker,
G am m erm an, 2003).
K ristensen, O liveira e Flores (1999) desenvolveram um
trabalho na região m etropolitana de Porto A legre com 1.754 registros
de crianças e adolescentes de zero a 14 anos que sofreram algum
tipo de violência, entre 1997 e 1998. Foram consultadas 75 institui­
ções que prestam atendim ento a crianças e adolescentes, tais com o
conselhos tutelares, casas de passagem , hospitais, órgãos do
M inistério Público, entre outros. C om relação aos abusos sexuais,
os núm eros revelaram que 79,4% das vítim as são m eninas e 20,6%
são m eninos. A idade m édia das m eninas é 11 anos e a dos m eninos
é 9,5. T am bém foi investigado o local de ocorrência desses abusos,
constatando-se que 65,7% ocorreram na residência da vítim a,
22,2% na rua, 9,8% na residência de terceiros e 2,4% em instituições
públicas.
D e L orenzi, Pontalti e Flech (2001) realizaram um levanta­
m ento de 100 casos de violência contra crianças e adolescentes
atendidos no A m bulatório de M aus T ratos do m unicípio de C axias
do Sul/R S, no período de 1998 a 1999, e constataram um significa­
tivo predom ínio de abuso sexual (59% ) e de vítim as do sexo
fem inino (77% ). A m aioria dos abusos ocorreu com crianças entre
seis e nove anos de idade (35% ), sendo o pai o principal responsável
pelas agressões verificadas (33% ).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 41

O utro estudo (B raun, 2002) analisou os boletins de ocorrência


policial e os term os de inform ação das vítim as de abuso sexual
fam iliar, registrados no D epartam ento E stadual da C riança e do
A dolescente da Polícia C ivil do R S (D E C A ). A am ostra foi com posta
por cinqüenta participantes com m enos de dezoito anos. A partir dos
dados encontrados, foram traçadas a caracterização da vítim a, do
agressor e do fato.
C om relação às vítim as, B raun (2002) verificou que a idade
variou entre dois e dezessete anos, sendo que a porcentagem m ais
significativa foi a da faixa entre dez e catorze anos (56% ), seguida
das faixa entre cinco e nove anos (29% ), entre quinze e dezessete
anos (14% ) e entre dois e quatro anos (10% ). O m aior núm ero de
vítim as foi do sexo fem inino (96% ), com acentuada diferença em
relação ao m asculino (4% ). A pesquisa constatou que 26% da am ostra
rom peu o silêncio em um período m enor que um ano, 22% de um a
dois anos e 30% de três a seis anos. A idade da vítim a, quando ocorreu
o fato pela prim eira vez tam bém foi m apeada: 44% da am ostra tinha
entre dez e catorze anos, 42% entre cinco e nove anos, 10% entre
dois e quatro anos, 2% entre 15 e 17 anos e 2% não inform ou. A
m aioria das vítim as procurou a ajuda da m ãe (42% ), sendo que as
dem ais recorreram a irm ãos (10% ), tios (4% ), am igos (6% ), escola
(6% ), conselho tutelar (2% ), vizinhos (2), instituição (6% ) e não
procuraram ajuda (22% ). A s denúncias foram realizadas pelas m ães
(38% ), seguidas de outros fam iliares (30% ), conselho tutelar (16% ),
instituição (6% ), disque-denúncia (6% ) e B rigada M ilitar (4% ). C om
relação ao agressor, a faixa etária situou-se, em prim eiro lugar, entre
35 e 39 anos (26% ), depois entre 45 e 49 anos (18% ) e entre 40 e 44
anos (16% ). B raun constatou que em prim eiro lugar apareceu o pai
(40% ) com o perpetrador, seguido por padrasto (28% ), tio (16% ), avô
(4% ), pai adotivo (4% ), irm ão (4% ), cunhado (2% ) e prim o (2% ).
E m 94% dos casos, os agressores negaram o fato e apenas 6%
confirm aram o abuso, afirm ando terem sido “seduzidos” pela vítim a.
O trabalho tam bém invetigou a presença de álcool e/ou drogas: em
42 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

46% dos casos o agressor se encontrava alcoolizado e/ou drogado,


19% estavam sóbrios e em 38% das fichas não constava a inform ação.
A autora verificou, ainda, a especificação do fato: em 46% dos casos
houve estupro, em 42% constatou-se atentado violento ao pudor e
em 12% verificaram -se estupro e atentado violento ao pudor. O s locais
onde os abusos ocorreram foram a residência da fam ília (86% dos
casos), a residência dos avós (2% ), local do serviço (6% ), m atagal
(2% ) e não foi inform ado (4% ).
R esultados sem elhantes foram encontrados por C am inha,
H abigzang e B ellé (2003) em um levantam ento realizado no período
de 2000 a 2002, no Program a Interdisciplinar de Prom oção e A tenção
a Saúde (PIPA S), em São L eopoldo (R S). M ensalm ente os estagiários
do grupo de pesquisa cognitivo-com portam ental foram consultados
sobre os casos novos em atendim ento. N o período acim a, o grupo
totalizou atendim ento a 194 casos, sendo que em 51 destes havia
histórico de abusos sexuais na infância e na adolescência (26,29% ).
C om relação a estes casos, algum as variáveis foram avaliadas:
• sexo da vítim a : 44 casos (86,27% ) eram do sexo fem inino,
enquanto apenas sete (13,73% ) eram do sexo m asculino.

• idade: a grande m aioria eram crianças e adolescentes com


idade entre dois e dezesseis anos (84,32% ), havendo casos
de adultos com revelação tardia (15,68% ).

• idade de início do abuso : a faixa etária entre cinco e oito


anos apareceu em prim eiro lugar (49,02% ), seguida da faixa
entre dois e quatro anos (23,53% ), entre nove e doze anos
(15,66% ), aos 15 anos (3,92% ); em 7,83% dos casos não
havia inform ação.

• a quem pediu ajuda : a m ãe apareceu em prim eiro lugar


(52,94% ), seguida de outro fam iliar (16,92% ), psicoterapia
(9,8% ), am igos ou vizinhos (13,73% ), escola (3,92% ) e
Juizado da Infância e Juventude (1,96% ).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 43

• intervalo de tem po entre início do abuso e revelação : 37,25%


dos casos foram revelados durante o m esm o ano de início do
abuso, 7,84% rom peram o silêncio no período de um a dois
anos, em 27,44% dos casos os abusos duraram entre três e
seis anos, 13,72% conseguiram rom per o silêncio após sete
anos do início dos abusos e 13,73% não souberam inform ar.

• vínculo do abusador com a vítim a: o padrasto apareceu em


prim eiro lugar (37,25% ), seguido de tio (15,68% ), pai
(13,73% ), irm ão (3,92% ), com panheiro da avó (1,96% ),
pessoas am igas da fam ília, que freqüentavam a residência da
criança (19,6% ), e em 7,84% o abusador era desconhecido.
A nalisando os dados encontrados nos estudos acim a apresen­
tados, fica aparente a coesão dos resultados. A grande m aioria dos
abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorre dentro da casa
da vítim a e configura-se com o abuso sexual incestuoso; o pai biológico
e o padrasto aparecem com o principais perpetradores. O corre,
tam bém , um a m aior prevalência de m eninas nos casos de abuso
sexual, principalm ente os incestuosos (C am inha, H abigzang, B ellé,
2003). A idade de início dos abusos é bastante precoce: a m aioria se
concentra entre os cinco e os oito anos de idade. A m ãe é a pessoa
m ais procurada na solicitação de ajuda e a m aior parte dos casos é
revelada pelo m enos um ano depois do início do abuso sexual.
E sses dados são im portantes porque contribuem para a análise
do im pacto da experiência para o desenvolvim ento de crianças e
adolescentes. A lém disso, eles potencializam a eficácia de planos
preventivos e terapêuticos de intervenção.
Co n s e q u ê n c ia s d o a bu s o s e x u a l
P A R A C R IA N Ç A S E A D O L E S C E N T E S

s pesquisas dem onstram que crianças e adolescentes podem

A
form as:
ser afetadas pela experiência de abuso sexual de diferentes
algum as apresentam efeitos m ínim os ou nenhum efeito
aparente, enquanto outras desenvolvem severos problem as
em ocionais, sociais e/ou psiquiátricos (H eflin & D eblinger, 1999;
Sayw itz, M annarino, B erliner & s C ohen, 2000). O im pacto do abuso
sexual está relacionado com fatores intrínsecos à criança, tais com o,
vulnerabilidade e resiliência (tem peram ento, resposta ao nível de
desenvolvim ento neuropsicológico), e com a existência de fatores de
risco e proteção extrínsecos (recursos sociais, funcionam ento fam iliar,
recursos em ocionais dos cuidadores e recursos financeiros, incluindo
acesso ao tratam ento). A lgum as conseqüências negativas são
exacerbadas em crianças que não dispõem de um a rede de apoio social
e afetiva (Sayw itz, M annarino, B erliner & C ohen, 2000).
B rito e K oller (1999) destacam três aspectos de um desenvol­
vim ento adaptado: presença de um a rede de apoio social e afetiva,
coesão fam iliar e ausência de conflito, e características individuais,
tais com o autonom ia e auto-estim a. A rede de apoio social é definido
com o o conjunto de sistem as e de pessoas significativas que com põem
os elos de relacionam ento existentes e percebidos pelo indivíduo. A
esse construto foi, recentem ente, agregado o elem ento afetivo, em
função da im portância do afeto para a construção e a m anutenção do
apoio. D essa form a, a possibilidade de se desenvolver adaptativam ente
e de dispor de recursos que increm entem os determ inantes acim a
46 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

protege a pessoa de doenças e sintom as psicopatológicos, m esm o


quando ela está diante de situações adversas.
O apoio social e afetivo está relacionado com a percepção que a
pessoa tem de seu m undo social e de com o se orienta nele, suas
estratégias e suas com petências para estabelecer vínculos. A rede de
apoio social e afetiva exerce influência na em issão de respostas
positivas e dim inuição de sintom as psicopatológicos, tais com o,
rem issão de sintom as depressivos e de sentim entos de desam paro
(B rito & K oller, 1999).
B rito e K oller (1999) salientam que as pessoas tom am -se
vulneráveis perante situações de risco, dem onstrando suscetibilidade
individual, por não contarem com um a rede de apoio social e afetivo
eficaz e efetiva na prevenção de doenças e de características
desadaptativas. E ssa vulnerabilidade potencializa os efeitos negativos
das situações estressantes. Por outro lado, a pessoa que tem um
desenvolvim ento saudável é definida com o resiliente, ou seja, capaz
de buscar alternativas para enfrentar de form a satisfatória os eventos
negativos da vida. C rianças vulneráveis carecem dessa capacidade
ou da tom ada de ação eficaz na superação de eventos negativos,
provocando com portam entos desadaptados ou sintom as
psicopatológicos (D e A ntoni & K oller, 2001).
O s conceitos de resiliência e vulnerabilidade envolvem fatores
de risco e de proteção. R isco está associado às características ou aos
eventos que podem levar a resultados ineficazes, enfraquecendo a
pessoa diante da situação de estresse. E m contrapartida, fatores de
proteção inibem a intensidade desse risco e têm sido identificados
principalm ente no cuidado estável oferecido pela fam ília - que reforça
a identificação com m odelos e papéis -, nas características pessoais
- com o a habilidade para resolver problem as, a capacidade de cativar
pessoas, a com petência social, as crenças de controle pessoal sobre
os eventos de vida e o senso de auto-eficácia - e na possibilidade de
contar com o apoio social e em ocional de grupos externos à fam ília,
diante de eventos estressores (D e A ntoni & K oller, 2001).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 47

C rianças com um fraco apoio social e afetivo - em especial o


recebido dos pais - são m ais propensas a vários riscos em ocionais e
sociais durante seu desenvolvim ento. A ssim , a fam ília possui capacidade
ótim a de ser fator protetivo e preventivo de psicopatologias ou transtornos
com portam entais de crianças e adolescentes (B rito & K oller, 1999).
E m um estudo realizado com 49 vítim as de abuso sexual (idade
entre sete e catorze anos) e seus cuidadores prim ários não abusivos, foi
constatado que o desenvolvim ento e a m anutenção de sintom as
psicológicos em crianças que sofreram abuso são significativam ente
influenciados pelo sofrim ento em ocional dos pais com relação ao fato,
o apoio deles à criança e as crenças que ela apresenta com relação ao
abuso (C ohen & M annarino, 2000a). C rianças e adolescentes vítim as
de abuso sexual com cognições negativas relacionadas ao evento
traum ático - com o sentir-se diferente dos iguais, auto-acusar-se, pouca
credibilidade e confiança interpessoal - apresentam níveis m aiores de
sintom atologia pós-abuso (H eflin & D eblinger, 1996/1999).
Segundo Fum iss (1993), o grau de severidade dos efeitos do
abuso sexual varia de acordo com :
• a idade da criança no início do abuso sexual (não se sabe em
qual idade há m aior prejuízo);

• duração do abuso (algum as evidências sugerem que m aior


duração produz conseqüências m ais negativas);

• o grau de violência (uso de força pelo perpetrador resulta em


conseqüências m ais negativas, tanto a curto com o a longo prazo);

• a diferença de idade entre a pessoa que com eteu o abuso e a


vítim a (quanto m aior a diferença, m ais graves são as
conseqüências);

• a im portância da relação entre abusador e vítim a (quanto


m aior a proxim idade e a intim idade, piores as conseqüências);

• a ausência de figuras parentais protetoras e de apoio social


(nesses casos, o dano psicológico é agravado);

• o grau de segredo e de am eaças contra a criança.


48 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

O utros fatores são acrescentados: saúde em ocional prévia


(crianças com saúde em ocional positiva antes do abuso tendem a
sofrer m enos efeitos negativos); tipo de atividade sexual (alguns dados
sugerem que form as de abuso m ais intrusivas, com o a penetração,
resultam em m ais conseqüências negativas); vários tipos de abusos
sexuais com etido; reação dos outros (a resposta negativa da fam ília
ou dos pares diante da descoberta do abuso acentuam efeitos
negativos: fam ília, am igos e juizes atribuindo a responsabilidade à
criança); dissolução da fam ília depois da revelação; criança
responsabilizando-se pela interação sexual; recom pensa recebida pela
vítim a e negação do perpetrador de que o abuso aconteceu (A m azarray
& K oller, 1998; D eblinger& H eflin, 1995;G abel, 1997; M attos, 2002;
R ouyer, 1997).
O s abusos sexuais infantis são um im portante fator de risco para
o desenvolvim ento de transtornos psiquiátricos, apesar da com ­
plexidade e da quantidade de variáveis envolvidas. E studos revelam
que crianças vítim as de abuso sexual exibem m ais sintom as psiquiá­
tricos quando com paradas a outras que não sofreram abuso (B row ne
& Finkelhor, 1986; G reen, 1993; W ind & Silvem , 1994, citados por
Sayw itz e cols., 2000). C ontudo, não há um único quadro sinto-
m atológico que caracterize a m aioria das crianças abusadas sexual­
m ente. M esm o não tendo sido identificado um único transtorno
resultante de experiências sexualm ente abusivas, m ais de 50% de
vítim as de abuso sexual infantil apresentam critérios diagnósticos
para transtorno do estresse pós-traum ático (Sayw itz e cols., 2000).
A literatura m ostra, ainda, que crianças ou adolescentes vítim as
de abuso sexual podem desenvolver quadros de depressão, transtornos
de ansiedade, transtornos alim entares, transtorno dissociativo,
transtorno de hiperatividade e déficit de atenção e transtorno de
personalidade borderline. E ntretanto, a psicopatologia decorrente do
abuso sexual m ais citada é o transtorno do estresse pós-traum ático
(T E PT ) (C ohen, M annarino, R ogai, 2001; G reen, 1995; H eflin &
D eblinger, 1999; K aplan & Sadock, 1997; Z avaschi et al., 1991).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 49

E m um estudo realizado com adolescentes internados em um a


clínica psiquiátrica por m otivos diversos, 93% relataram pelo m enos
um evento traum ático em sua história de vida, tais com o: ser vítim as
ou testem unhas de violência com unitária, testem unhar violência
fam iliar ou ser vítim as de abusos físicos e sexuais. O abuso sexual,
neste estudo, foi o evento traum ático m ais com um , citado por 69%
dos pacientes com transtorno do estresse pós-traum ático (L orion &
Saltzm an, 1993, citado por Polanczik, Z avaschi, B enetti, Z enker,
G am m erm an, 2003).
A s m anifestações do T E PT são agrupadas em três categorias:
1) experiência contínua do evento traum ático (lem branças intrusivas,
sonhos traum áticos, jogos repetitivos, com portam ento de
reconstituição, angústia nas lem branças traum áticas); 2) evitação e
entorpecim ento (de pensam entos e lem branças do traum a, am nésia
psicogênica, desligam ento), e 3) excitação aum entada (transtorno do
sono, irritabilidade, raiva, dificuldade de concentração,
hipervigilância, resposta exagerada de sobressalto e resposta
autônom a a lem branças traum áticas) (D SM -IV -T R , 2002).
O evento traum ático pode ser revivido de várias m aneiras, e,
algum as vezes, a pessoa experim enta estados dissociativos, ou seja,
m om entos nos quais há um a ruptura com a realidade, que podem
durar de alguns segundos a várias horas (C am inha, 2000). N esses
casos, os com ponentes do evento são revividos e a pessoa se com porta
com o se o vivenciasse naquele instante, com intenso sofrim ento psico­
lógico ou reatividade fisiológica. É possível o desenvolvim ento de
transtornos dissociativos graves decorrentes dos abusos. A pós longos
períodos de exposição à violência, há dissociações m ais freqüentes e
patológicas, ou seja, o m eio am biente é tão hostil e a hiper-responsi-
vidade é tão constante que tom a-se im perativo para o psiquism o um
corte com a realidade. E sta é um a tentativa de preservação da
integridade psíquica, que, na verdade, acaba se desorganizando,
justam ente por causa do uso contínuo (não consciente) de m ecanism os
dissociativos. N essa m esm a perspectiva, Perry e Pollard (1998)
50 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

afirm am que, nos m om entos em que a criança está m ais exposta ao


perigo (alarm e), surge a necessidade urgente de atingir a hom eostase
a fim de garantir a sobrevivência. A dissociação é, então, caracterizada
por um a variedade de m ecanism os m entais envolvidos no
desprendim ento do m undo externo, nos quais ocorre distração,
evitação, paralisia, fuga, fantasia, despersonalização, etc.
A lém de quadros psiquiátricos decorrentes de experiências
sexualm ente abusivas, pode-se observar, nas vítim as, alterações
com portam entais, afetivas e cognitivas, tais com o, ideações suicidas,
abuso de substâncias, condutas hipersexualizadas, fugas do lar,
condutas delinqüentes, isolam ento social, baixo rendim ento escolar,
irritabilidade, sentim entos de culpa, raiva e de diferença com relação
aos seus iguais (A m azarray & K oller, 1998; C ohen, M annarino &
R ogai, 2001; Flores & C am inha, 1994; Polanczik, Z avaschi, B enetti,
Z enker & G am m erm an, 2003).
Porter, B lick e Sgroi (1982, citados por K nell & R um a, 1999)
indicaram dez questões de im pacto com um ente encontradas em
vítim as de abuso sexual infantil: 1) síndrom e dos “bens danificados”;
2) culpa; 3) m edo; 4) depressão; 5) baixa auto-estim a e habilidades
sociais em pobrecidas; 6) raiva e hostilidade reprim idas; 7) capacidade
para confiar prejudicada; 8) lim ites não m uito claros entre os papéis
e confusão de papéis; 9) pseudom aturidade e fracasso na aquisição
de áreas do desenvolvim ento; 10) problem as de autodom ínio e
controle.
A lguns estudos m ostram que as conseqüências do abuso sexual
para o desenvolvim ento podem ocorrer a curto e a longo prazo. U m
desses trabalhos analisou os efeitos do abuso, classificando-os de
acordo com a idade pré-escolar (zero a seis anos), escolar (sete a
doze anos) e adolescência (treze a dezoito anos). O s sintom as m ais
com uns em pré-escolares são: ansiedade, pesadelos, transtorno do
estresse pós-traum ático e com portam ento sexual inapropriado. E m
crianças com idade escolar, os sintom as m ais freqüentes incluem :
m edo, distúrbios neuróticos, agressão, pesadelos, problem as escolares,
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 51

hiperatividade e com portam ento regressivo. Na adolescência, os


sintom as m ais recorrentes são: depressão, isolam ento, com portam ento
suicida, auto-agressão, queixas som áticas, atos ilegais, fugas, abuso
de substâncias e com portam ento sexual inadequado. E ntre os sintom as
com uns às três fases de desenvolvim ento estão: pesadelos, depressão,
retraim ento, distúrbios neuróticos, agressão e com portam ento
regressivo (K endall-T ackett, W illiam s, Finkelhor, 1993, citado por
A m azarray & K oller, 1998).
O utro estudo investigou as conseqüências negativas para as
vítim as a curto prazo (A zevedo, G uerra & V aiciunas, 1997).
Participaram da pesquisa 21 vítim as de incesto pai-filha (pai biológico,
adotivo ou padrasto). E las foram atendidas na I a D elegacia da D efesa
da M ulher de São Paulo, onde havia registrados 76 casos com o esses.
As m eninas responderam a um a entrevista sem i-estruturada que
envolvia duas partes: um a cham ada álbum de fam ília e a outra, m inha
vida em fam ília. N a prim eira, pediu-se às participantes que fizessem
um retrato falado de cada um a das pessoas de sua fam ília, incluindo
ela própria. E ste retrato de fam ília foi feito, pelo desenho de cada
m enina, associado a um a entrevista com plem entar. N a segunda parte,
foi abordada a vida em fam ília das participantes, a partir dos seguintes
tem as: biografia pessoal, biografia fam iliar, incesto, causas,
conseqüências e form as de evitação. A nalisando o discurso das
m eninas foi possível identificar as principais m odificações que
perceberam em suas vidas, logo após a ocorrência do incesto. A s
conseqüências identificadas foram de dois tipos: orgânicas e
psicológicas. D o prim eiro tipo, foi m encionada a gravidez que ocorreu
com duas adolescentes (um a de treze anos e outra de dezessete anos).
O utras conseqüências físicas possíveis são doenças sexualm ente
transm issíveis e lesões físicas (A m azarray & K oller, 1998; B raun,
2002). E ntre as conseqüências psicológicas, A zevedo, G uerra e
V aiciunas (1997) identificaram as seguintes dificuldades: adaptação
interpessoal, adaptação sexual, processo de ensino-aprendizagem e
adaptação afetiva.
52 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

A s dificuldades de adaptação interpessoal (com pessoas em


geral, m eninos, am igos, pais das am igas e irm ãos) incluem
retraim ento, dificuldade em confiar nos outros e relacionam entos
superficiais, além do risco de se tom arem adultos abusadores. C rianças
que sofreram abuso podem apresentar lacunas na em issão de
com portam ento pró-social: com partilham m enos, ajudam m enos e
se associam m enos com outras crianças, quando com paradas com
crianças que não foram vítim as de abuso (Flores & C am inha, 1994).
As dificuldades de adaptação sexual incluem brinquedo
sexualizado com bonecas, introdução de objetos ou dedos no ânus
ou na vagina, m asturbação excessiva e em público, conhecim ento
sexual inapropriado para a idade e pedido de estim ulação sexual a
adultos ou a outros m eninos ou m eninas (A m azarray & K oller, 1998).
E m crianças há um aparecim ento precoce da sexualidade genital,
enquanto em adolescentes a m enarca pode ser vivida com o um a reação
violenta de vergonha: o sangue pode ser vinculado ao incesto e
percebido com o castigo. A s vítim as sofrem de incapacidade de dizer
não, têm dificuldades para se proteger e, num a reprodução do traum a,
colocam -se em situações de perigo (C ohen, 1997; R ouyer, 1997). N a
idade adulta, essas dificuldades podem se m anifestar através do m edo
de se relacionar sexualm ente, problem as de relacionam ento sexual
com o cônjuge, im potência, com pulsão ao sexo, etc.
A s dificuldades no processo ensino-aprendizagem identificadas
no estudo de A zevedo, G uerra e V aiciunas (1997) se m anifestaram
sob a form a de repetência ou de interrupção dos estudos, precedida
ou não de repetência. N a am ostra estudada, nove vítim as (42,8% )
interrom peram os estudos. A s autoras sugerem que esses problem as
podem ser resultantes de depressão ou de dificuldades em se
concentrar.
As dificuldades de adaptação afetiva estão freqüentem ente
associadas ao sentim ento de culpa, a idealizações e/ou a tentativas
de suicídio e fixação em idéias de m orte. O sentim ento de culpa é
um a reação típica em vítim as de abuso sexual na infância e adoles­
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 53

cência. Segundo A zevedo, G uerra e V aiciunas (1997), são três as


possíveis explicações para esse sentim ento: 1) m edo das pressões
oriundas do “com plô de silêncio” que cerca a criança-vítim a; 2) auto-
condenação por ter experienciado algum prazer físico; 3) vergonha
por ter se deixado abusar durante um longo tem po.
A zevedo, G uerra e V aiciunas (1997) ressaltam que a fixação
em idéias de m orte e o suicídio (idealizado ou efetivam ente tentado)
têm provavelm ente a m esm a raiz: podem ser sintom as im portantes
de depressão, que, por sua vez, pode ser tristeza em decorrência de
sentim entos de culpa e de autodesvalorização experim entados pelas
vítim as. É im portante observar que as idéias de m orte surgiram em
crianças, enquanto a problem ática de suicídio revelou-se em adoles­
centes. Sentim entos de autodesvalorização e de culpa podem levar a
um a série desastrosa de eventos. D e um lado, a culpa internalizada
pode ser um im portante fator na m anifestação de tentativas de suicídio,
auto-agressão, depressão e anorexia nervosa. Por sua vez, quando
extem alizada, pode redundar em delinqüência, pequenos crim es, fugas
e com portam ento anti-social. Para G abei (1997), as conseqüências
afetivas são as m ais graves e difíceis de avaliar.
E sses efeitos im plicam um a verdadeira ruptura na vida da criança
e do adolescente. O term o ruptura justifica-se pelo corte brusco na
vida da vítim a: interrom pe-se o ciclo da sexualidade norm al com
um a gravidez precoce, a sociabilidade tom a-se m ais lim itada, há
suspensão dos estudos, etc. E é por m eio desse corte que as vítim as
passam a se perceber com o inadequadas e diferentes em relação às
com panheiras da m esm a idade (A zevedo, G uerra, V aiciunas, 1997).
R ouyer (1997) cita um estudo canadense, de O ntário (sem
referência), envolvendo 125 crianças com m enos de seis anos de idade,
hospitalizadas por abuso sexual. D ois terços m anifestavam reações
psicossom áticas e desordens no com portam ento: pesadelos, m edos,
angústias. A nom alias do com portam ento sexual - m asturbação
excessiva, objetos introduzidos na vagina e no ânus, pedido de
estim ulação sexual e conhecim ento da sexualidade adulta inadequado
54 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

para a idade - foram apresentadas por 18% das crinaças. E m outro


estudo citado pela autora, realizado na França por C ourtecuisse e sua
equipe (s.d.), foi constatado que, em um a am ostra de trinta
adolescentes vítim as de incesto, 22 tentaram suicídio um a vez ou
apresentavam estados depressivos, dificuldades acentuadas no
desenvolvim ento escolar, fugas, anorexia, distúrbios sem substrato
orgânico que causavam sérios problem as físicos e toxicom ania.
A s queixas som áticas são habituais: m al-estar difuso, im pressão
de alteração física, persistência das sensações que foram im pingidas.
A s dores abdom inais agudas sem substrato orgânico ocorrem em todas
as idades, sobretudo em adolescentes. V erificam -se crises de falta de
ar, desm aios, problem as relacionados à alim entação, com o náuseas,
vôm itos, anorexia e bulim ia. A enurese e a encoprese são freqüentes,
sobretudo nas crianças m enores e nas que sofreram penetração anal.
A interrupção da m enstruação se dá m esm o quando não houve
penetração vaginal. O sentim ento de repugnância da criança por si
m esm a pode ocasionar rituais de “se lavar” com pulsivam ente. O utra
form a de se reapropriar do corpo é pela excitação, obtida por m eio de
atos que provocam prazer e sofrim ento (R ouyer, 1997).
E xperiências sexualm ente abusivas podem im plicar um a perda
da integridade física, ou seja, sensações novas foram despertadas,
m as não integradas, e a criança exprim e angústia de que algo se
quebrou no interior de seu corpo. O m edo de ter engravidado, seja
qual for a idade da vítim a e a natureza do ato com etido, é relatado
com m uita ffeqüência (R ouyer, 1997).
O utras conseqüências ainda descritas por R ouyer (1997) são as
constantes perturbações do sono, que traduzem angústias de baixar a
guarda e ser agredido sem defesa. A recusa das crianças m enores em
se deitar, agarrando-se ao adulto não im plicado, é um exem plo desse
receio. D o m esm o m odo, observam -se rituais de averiguação ou de
prevenção, ao colocar em tom o da cam a objetos que possam fazer
barulho caso alguém se aproxim e; certas crianças dorm em
com pletam ente vestidas. O despertar angustiado durante a noite
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 55

tam bém é m uito freqüente e se m anifesta sob a form a de pesadelos.


Por fim , há prejuízo das funções intelectuais e criativas. A criança
pára de brincar, desinteressa-se pelos estudos, fecha-se em si m esm a,
tom a-se m orosa ou inquieta.
O abuso sexual tam bém pode acarretar um sério im pacto
neuropsicológico. Perry (1997) foi um dos prim eiros autores a m ostrar,
do ponto de vista m orfológico cerebral, os prejuízos gerados por
eventos estressantes resultantes de violência dom éstica na infância.
O autor dem onstrou que há im pacto negativo no desenvolvim ento
neurológico das crianças que sofreram abuso. O s principais efeitos
neuropsicológicos do transtorno do estresse pós-traum ático (T E PT )
em crianças envolvem a dim inuição da capacidade de m odulação da
im pulsividade nas áreas subcortical e cortical, inclusive com a
dim inuição m orfológica dessas áreas.
Segundo T eicher (2002), que estudou as m udanças neuro-
psicológicas de crianças vítim as de abuso, o sistem a lím bico delas tem o
desenvolvim ento m uito afetado. E sse sistem a desem penha um papel
central na regulação da m em ória e da em oção. D uas regiões lím bicas,
localizadas no lobo tem poral, são criticam ente im portantes: o hipocam po
e a am ígdala. O prim eiro é responsável pela form ação e pela recuperação,
tanto da m em ória verbal, quanto da em ocional, enquanto a segunda está
ligada à criação do conteúdo em ocional da m em ória.
T eicher (2002) cita a pesquisa desenvolvida em 1997 por
D ouglas B rem ner e seus colegas da E scola de M edicina da U niver­
sidade de Y ale. Foram com parados os resultados de ressonâncias
m agnéticas feitas em dezessete pessoas que sofreram abuso físico e
sexual, e que apresentavam T E PT , com os de outras dezessete pessoas
que não haviam passado por essas experiências. A am ostra foi pareada
de acordo com idade, sexo, raça, escolarização, uso de álcool, se
canhotos ou destros. V erificou-se que os hipocam pos das vítim as de
abuso com T E PT eram , em m édia, 12% m enores que o do grupo
controle, m as os hipocam pos direitos tinham tam anhos norm ais. A
m esm a pesquisa tam bém verificou redução m édia de 9,8% no
56 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

tam anho da am ígdala esquerda, que se correlaciona com sentim entos


de depressão, irritabilidade ou hostilidade. O utra pesquisa, citada por
T eicher, conduzida em 1999 por M ichael D e B ellis e seus colegas da
U niversidade de Pittsburg, com am ostra de 44 crianças confirm a os
resultados acim a. Isso se deve à exposição aos horm ônios do estresse,
que pode m udar significativam ente o form ato dos neurônios e até
m esm o m atá-los. E sses estudos constataram , ainda, que os hem isférios
esquerdos de pessoas vitim adas pela violência se desenvolvem
significativam ente m enos do que deveríam . O hem isfério esquerdo é
especializado na percepção e na expressão da linguagem .
A explicação para as alterações m orfológicas é que a exposição
precoce ao estresse gera efeitos m oleculares e neurobiológicos que
alteram o desenvolvim ento neuronal de form a adaptativa, preparando
o cérebro para a sobrevivência. A superativação dos sistem as de reação
ao estresse aum enta o risco de obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão,
leva a um grande núm ero de problem as psiquiátricos, incluindo alto
risco de suicídio, e acelera o envelhecim ento e a degeneração das
estruturas do cérebro, inclusive do hipocam po (T eicher, 2002).
D entre as funções cognitivas, um a das m ais afetadas em crianças
vítim as de abusos sexuais é a de discrim inação cognitiva, ligada
principalm ente ao córtex pré-frontal. N a prática, isso significa que
essas crianças possuem dificuldades de discrim inar estím ulos
agressivos de estím ulos cooperativos, bem com o, de adequar as
respostas a esses estím ulos. Possuem , ainda, a dificuldade de m ediar
e discrim inar afetos, principalm ente afetos negativos de positivos,
afetos sexuais de não sexuais, resultando em crianças agressivas e
com condutas hipersexualizadas (C am inha, 2000).
C rianças e adolescentes freqüentem ente expostos à violência -
com o vítim as diretas, com o testem unhas ou convivendo com pessoas
que tenham sido vitim adas - podem desenvolver um a dessensi-
bilização em ocional para a violência, ou seja, podem passar a vê-la
com o um com ponente norm al da realidade, deixando de reagir
negativam ente a eventos dessa natureza e a incorporando aos seus
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 57

contextos culturais. O com portam ento agressivo pode passar a ser


um m odo predom inante de expressão de sentim entos, conform e
experiências prévias, im pedindo o desenvolvim ento de em patia e
outros m odos adaptativos de funcionam ento (Polanczik e cols., 2003).
A longo prazo, as conseqüências decorrentes do abuso
perm anecem e, em m uitos casos, se agravam se não houver interven­
ção adequada. E m um estudo, em que foi aplicado um questionário
sobre a infância a todas as pessoas com idade a partir de dezenove
anos, que freqüentaram um hospital para exam es de rotina para
prevenir problem as de saúde, 5,9% dos pacientes referiram ter
histórico de abuso sexual na infância. E ntre estes, foram identificados
problem as com álcool, tabagism o, depressão, auto-avaliação negativa
do estado de saúde, altos níveis de estresse, além de problem as
fam iliares (e conjugais) e profissionais (E dw ards, A nda, N ordenberg,
Felitti, W illiam son & W right, 2001).
M ulheres adultas, vítim as de abuso sexual quando crianças,
podem m anifestar com portam ento autodestrutivo, ansiedade, senti­
m entos de isolam ento e estigm atização, baixa auto-estim a, tendência
a se revitim ar, incapacidade de confiar nas pessoas e sintom as psi-
cossom áticos (A m azarray & K oller, 1998). A experiência na infância
tam bém traz problem as para a pessoa, na fase adulta, no exercício do
papel de pai ou m ãe, constatados pela dificuldade de dar e receber
am or e pelo desconforto físico que perm anece - devido ao contato
que se faz necessário na criação dos filhos, tanto nos cuidados quanto
à higiene com o nos cuidados afetivos. E m decorrência, além de
carentes, os filhos são criados com poucas noções sobre o corpo e a
sexualidade, tom ando-se m ais propensos a serem vítim as. C ria-se,
assim , a perpetuação do ciclo abusivo dentro da fam ília (A m azarray
& K oller, 1998; G rinblatt, M artins, Sattler, C am inha, Flores, 1994).
E m um a pesquisa com m ulheres com histórico de abuso sexual
na infância, foi verificado que 67% das entrevistadas desenvolveram
quadro de T E PT . Problem as na regulação em ocional e no funciona­
m ento interpessoal foram identificados com o dois sintom as adicionais,
58 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

que ocorrem com a m esm a freqüência, ou m aior, que os sintom as de


T E PT (C loitre, C ohen, K oenen, H an, 2002). M ulheres vítim as de
abuso com T E PT apresentam m aior sensibilidade a críticas,
inabilidade para ouvir outros pontos de vista, insatisfação conjugal,
m aior isolam ento social e ajustam ento social pobre. E ntre os
problem as ligados à regulação em ocional foram encontrados: alta
intensidade de reação em ocional, m edo de experienciar a raiva e
dificuldade em expressá-la apropriadam ente, e experiências transi­
tórias de dissociação. O s pesquisadores afirm am , ainda, que pessoas
que sofreram traum a na infância, quando com parados a outros que
sofreram traum as na idade adulta (estupro ou desastres naturais),
apresentam m ais problem as, particularm ente, no dom ínio da
m odulação afetiva, no m anejo da raiva e nos relacionam entos inter­
pessoais (C loitre, C ohen, K oenen & H an, 2002).
O abuso infantil ocorre durante o período form ativo crítico em
que o cérebro está sendo fisicam ente esculpido e o im pacto do estresse
pode deixar um a m arca indelével em sua estrutura e em sua função
(T eicher, 2002). O cérebro infantil é m ais afetado pelo estresse do
que o cérebro adulto por estar organizando circuitos anatôm icos e
bioquím icos. Isso não significa que adultos não sofram tam bém
intensam ente com o estresse, m as devido à m aturidade neural, o
im pacto é bem m enor do que na criança (Post & W eiss, 1998).
D e acordo com A m azarray e K oller (1998), m esm o que um a
criança vítim a de abuso sexual não apresente sintom as externos, ou
que sejam de pouca relevância, isso não quer dizer que não soffa ou
não venha a sofrer com os efeitos dessa experiência. N a verdade, é
possível ela apresentar um sofrim ento em ocional m uito intenso. A lém
disso, as conseqüências podem estar ainda latentes e talvez se
m anifestem posteriorm ente, diante da resolução de um a crise evolutiva
ou situacional e diante do estresse. D essa form a, um a criança que sofreu
abuso sexual deve ser sem pre considerada em situação de risco.
A s conseqüências do incesto são sem pre sérias, m esm o que a
vítim a não tenha consciência delas - m uitas vezes os sentim entos
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 59

inerentes ao ato incestuoso são negados ou reprim idos. M esm o que


a vivência do abuso não tenha ocorrido em clim a de violência, é um a
experiência bastante dolorosa e desorganizante, devido à quebra na
confiança básica na relação da criança com seus pais (C ohen, 1997).
E sse fato resulta na desilusão e na incapacidade de confiar nas pessoas
e, com o decorrência, em si m esm a e em seu valor, fazendo-a se sentir
só e vulnerável perante a vida (G rinblatt, M artins, Sattler, C am inha
& Flores, 1994).
C onsiderando as conseqüências apresentadas de experiências
sexualm ente abusivas para o desenvolvim ento hum ano, verifica-se
que essa form a de m aus-tratos pode com prom eter seriam ente a saúde
física e psicológica das vítim as. A ssim , é necessário providenciar a
capacitação especializada dos profissionais da saúde, para que eles
estejam preparados para identificar corretam ente esses casos m ediante
o reconhecim ento das alterações com portam entais e os sintom as
psicopatológicos com um ente encontrados em crianças e adolescentes
que sofreram abuso. A lém disso, esses profissionais tam bém devem
estar preparados para os encam inham entos necessários, a fim de que
as vítim as recebam atendim ento legal, m édico e psicológico
adequados.
A ÉTICA E A in t e r d is c ipl in a iiid a d e :
A S P E C T O S F U N D A M E N T A IS P A R A A

IN T E R V E N Ç Ã O

tratam ento de vítim as de abuso sexual infantil é bastante

O com plexo e envolve situações que não costum am ser


rotineiras para terapeutas sem prática no atendim ento de crianças e
adolescentes em situação de risco. Inicialm ente, situações de abuso
sexual violam os direitos da criança estabelecidos pelo E statuto da
C riança e do A dolescente (E C A ), devendo, portanto, ser com unicadas
a instâncias jurídicas de proteção à infância, C onselhos T utelares,
Prom otorias e Juizados da Infância e da Juventude, im ediatam ente
quando identificadas ou diante de suspeitas.
A té os últim os anos, a criança que fazia revelações de abusos
sexuais era suspeita de fabular. A tualm ente, aqueles que conhecem
essas situações, e costum am trabalhar com m eninos e m eninas
inscritos em um a população dita de risco, sabem que são raros os
casos em que as crianças não dizem a verdade (T houvenin, 1997).
A revelação é um m om ento crucial que pode, por si só, apresentar
um risco de traum a suplem entar para a criança ou o adolescente.
Sayw itz, M annarino, B erliner e C ohen (2000) sinalizam a
im portância de denunciar o abuso aos órgãos de proteção e ressaltam
que os terapeutas precisam estar conscientes das im plicações legais
de suas intervenções.
N o B rasil, o E statuto da C riança e do A dolescente configurou
um resgate do sentido de cidadania através da doutrina da proteção
integral. A lei tom ou obrigatória a notificação de casos suspeitos ou
62 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

confirm ados de m aus-tratos contra a criança ou adolescente, e os


profissionais de saúde passaram a ter um a razão prática para proceder
à notificação (Ferreira & Schram m , 2000). O E statuto da C riança e
do A dolescente determ ina que “deixar o m édico, professor ou
responsável por estabelecim ento de atenção a saúde e do E nsino
Fundam ental, pré-escola ou creche, de com unicar à autoridade
com petente casos de que tenha conhecim ento, envolvendo suspeita
ou confirm ação de m aus-tratos contra a criança ou adolescente: pena
- m ulta de três a vinte salários-de-referência, aplicando-se o dobro
em caso de reincidência” (A rt. 245, L ei Federal n° 8069/1990).
A notificação é um instrum ento duplam ente im portante no com bate
à violência: produz benefícios para os casos singulares e é instrum ento
de controle epidem iológico. A pesar das determ inações legais, a
subnotificação da violência é um a realidade no B rasil. A sua identificação,
nos serviços de saúde, é ainda carregada de m uitas incertezas. A lém
disso, a questão não tem sido tratada na m aioria dos currículos de
graduação, logo, m uitos profissionais não dispõem de inform ações básicas
que perm itam diagnosticá-la (G onçalves & Ferreira, 2002).
G onçalves e Ferreira (2002) realizaram um estudo com o objeti­
vo de discutir as principais dificuldades enfrentadas pelos profissio­
nais. A análise concluiu que há necessidade de: a) esclarecim ento da
noção legal de m aus-tratos e da concepção de suspeita; b) preparação
de m anuais técnicos de orientação; c) m elhoria da infra-estrutura de
serviços; d) realização de outros estudos sobre as conseqüências do
ato de notificar, especialm ente sobre a concepção de justiça que a
notificação transm ite a fam ília brasileira. A principal dúvida é se o
ato de notificar representa um a quebra do sigilo. N o caso dos
profissionais da Psicologia, os autores lem bram que o C ódigo de É tica
dos Psicólogos (C FP, 1987), em bora recom ende privacidade e
assegure o sigilo (A rt.3), prevê que o sigilo seja colocado a serviço
do m enor im púbere ou interdito, perm itindo sua quebra quando se
tratar de situações que im pliquem conseqüências graves para o próprio
atendido ou para terceiros (A rt. 26 e 27).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 63

O C ódigo de É tica pode deixar de ser um instrum ento eficiente


para o psicólogo se utilizado de form a inadequada, atendendo apenas
aos interesses individuais do próprio profissional, que, m uitas vezes,
por tem er ser processado por quebra de sigilo, acaba colocando seu
paciente em risco de integridade física e psíquica. M anter o silêncio
em casos de violência contra a criança ou o adolescente representa
um a situação de om issão, em que a ética, invocada erroneam ente,
provoca o inverso, ou seja, leva a um a postura perversa e antiética. A
ética da responsabilidade deve conduzir as ações do profissional, na
qual o dever enquanto cidadão está acim a de qualquer interesse da
categoria dos profissionais de psicologia (A ntônio, 2002).
E m relação à Psicologia, foi hom ologada em 2000 a R esolução
n° 016 (C onselho Federal de Psicologia, 2000), que deve ser utilizada
para em basar o posicionam ento ético do psicólogo. E sse docum ento
representa um avanço em term os da discussão ética na pesquisa e na
intervenção, visando a assegurar o bem -estar e a saúde dos participantes
de estudos. O texto afirm a que os profissionais podem tom ar ações
que julgarem pertinentes no caso da descoberta de abuso físico ou sexual
(A rtigo 9 o ). E les devem se responsabilizar eticam ente pela
vulnerabilidade das pessoas, avaliando os benefícios que seu trabalho
possa oferecer. É tam bém ressaltado, no docum ento, que, no caso de
pesquisas ou intervenções em populações de risco (por exem plo,
violência dom éstica), os pesquisadores precisam conhecer teórica e
praticam ente a realidade da população a ser estudada, estando
devidam ente capacitados para o trabalho de investigação e encam i­
nham entos adequados, caso necessário (L isboa & K oller, 2002).
G om es, Junqueira, Silva e Junger (2002) realizaram um a pesqui­
sa com o objetivo de investigar a percepção dos profissionais de saúde
da rede pública diante dos casos de violência contra crianças e
adolescentes. Foram entrevistadas dezessete pessoas, entre m édicos,
psicólogos, assistentes sociais e enferm eiros. Foi constatado um
despreparo para identificar casos de m aus-tratos, assim com o para
realizar encam inham entos adequados. G onçalves, Ferreira e M arques
64 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

(1999), em um trabalho sem elhante, verificaram a necessidade de


haver capacitação perm anente de pessoal e integração à rede de
serviços sociais e de saúde dos program as de atendim ento à criança e
ao adolescente. A m azarray e K oller (1998) tam bém salientam o
despreparo generalizado - envolvendo profissionais da área de saúde,
educadores e juristas até as instituições escolares, hospitalares e
jurídicas - em m anejar e tratar adequadam ente os casos. O trabalho
nesse cam po ainda é fragm entado, desorganizado e, em geral, difuso
m etodologicam ente.
U m estudo foi desenvolvido para avaliar a organização e a
eficácia das redes de apoio a crianças e adolescentes vítim as de
abuso sexual no atendim ento dos casos, a fim de subsidiar ações de
caráter preventivo e de intervenção. A través de pesquisa docum ental,
foram analisados todos os expedientes de casos de violência sexual
ajuizados pela C oordenadoria das Prom otorias da Infância e
Juventude de Porto A legre, no período de 1992 a 1998. Foi consta­
tado que, na m aioria das vezes, a violência sexual já era do conheci­
m ento dos fam iliares, entretanto a denúncia se efetivou por m otivos
diversos do ato em si. E m relação ao atendim ento efetuado pela
rede, ficou evidente que o abuso sexual foi ignorado e as interven­
ções se deram em função de outras violações. D essa form a, não
houve acom panham ento, avaliação e atendim ento adequado. A lém
disso, os agressores, com poucas exceções, foram punidos crim inal­
m ente. N a m aioria dos casos analisados as crianças foram abrigadas
e o(s) pai(s) destituído(s) do pátrio poder. O estudo apontou a
necessidade em ergente de criar serviços especializados de atendi­
m ento e de capacitar os profissionais que trabalham com as crianças
e suas fam ílias, perm itindo-lhes obter um a com preensão real dos
casos, bem com o conduzir um a intervenção adequada (A zevedo,
K reisner, M achado, M artins, K oller, 2001).
A identificação e o tratam ento de casos de abuso sexual podem
provocar crises nos profissionais. Pouco a pouco, eles ficam inquietos,
fascinados, perplexos, excitados, ressurgem os m edos infantis. Só
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 65

quando conseguem aceitar com o realidade e representar um a relação


sexual entre um a criança e um adulto é que podem oferecer à criança
a possibilidade de falar (G abei, 1997). O s profissionais são colocados
em um a posição de grande vulnerabilidade, daí a im portância de não
trabalhar isoladam ente, m as, ao contrário, em preender um trabalho
interdisciplinar, com um foro adequado para tratar desses aspectos.
T al espaço perm itirá planejar as intervenções, já que um a ação
im ediata e não planejada freqüentem ente acaba im pedindo que se
estabeleça a realidade dos abusos e dá lugar a reações não terapêuticas
dos profissionais, sem finalidade nem objetivos claros (Fum iss, 1993).
O trabalho interdisciplinar é apontado com o instrum ento eficaz
para avaliação e intervenção nos casos de abuso sexual. A interferência
legal, desconhecendo os aspectos psicológicos do problem a e as
necessidades terapêuticas da criança e das fam ílias, produz um dano
psicológico adicional à vítim a. Por outro lado, os profissionais da saúde
m ental, ao negligenciar os aspectos legais do abuso (proteção à criança
e prevenção adicional do crim e), tam bém contribuem para um aum ento
do dano psicológico sofrido pela criança. Se os profissionais da saúde
não denunciarem a ocorrência do crim e ou desconsiderarem sua
possível existência, estarão perpetuando o abuso sexual, colaborando
com a síndrom e de segredo e levando adiante um a terapia que não tem
valor nenhum para m inim izar o im pacto físico e psicológico sofrido
pela criança (A m azarray & K oller, 1998).
G onçalves e Ferreira (2002) tam bém afirm am que o trabalho na
área de violência contra a criança e o adolescente requer intervenção
interdisciplinar, e que a ação que visa a m inorá-la é m ais eficaz quando
prom ovida por um conjunto de instituições atuando de m odo
coordenado. Segundo G om es, Junqueira, Silva e Junger (2002), as
pessoas consultadas para a pesquisa afirm aram que o atendim ento
não se esgota na ação de um só profissional. D essa form a, o trabalho
interdisciplinar se m ostra fundam ental. A lém dessa questão, foram
apontados os encam inham entos a outros serviços, com o a notificação
nos conselhos tutelares. É im portante que as ações profissionais não
66 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

se restrinjam aos cam pos disciplinares, m as que se espelhem no espaço


público para conseguir não só se conectar com a realidade com o
tam bém nela intervir.
A efetividade da intervenção e do tratam ento em casos de abuso
sexual dependem , em grande parte, da boa coordenação e da
com unicação entre os profissionais e os serviços envolvidos. U m a
vez relatado o fato, é necessária a intervenção externa para reassegurar
a criança e separar fisicam ente o abusador da fam ília. Profissionais
habilitados devem coordenar essa intervenção para reduzir o traum a
para a criança. T am bém é preciso exam e físico no caso de suspeita
de traum a genital ou him enial, doença venérea ou gravidez (Z avaschi
e cols., 1991).
A intervenção em casos de abuso deve ter com o prim eira
preocupação a avaliação das condições da fam ília em proteger a
criança de novos abusos e a necessidade ou não do afastam ento
im ediato da criança (hospitalização, casa de parente, vizinho ou
instituição). D essa form a, a prim eira m edida a ser tom ada é a proteção
da vítim a, seja pela reclusão do abusador, seja pelo afastam ento da
criança (Z avaschi et al., 1991; G rinblatt, M artins, Sattler, C am inha,
Flores, 1994). E ntre as possibilidades de encam inham ento, o abrigo
da vítim a pode ser um a alternativa de salvaguardar a sua integridade
física e psíquica quando a fam ília não apresenta condições de protegê-
la. A retirada da criança da fam ília é, sem dúvida, um a intervenção
radical, um a interdição que, com o tal, pode se caracterizar com o
m edida de tratam ento da fam ília e com o m edida protetiva. E sta pode
ser considerada para crianças ou adolescentes em situações graves
de violência já com o terapêutica, ou seja, reparadora. A vítim a
encam inhada para um abrigo necessita de acom panham ento
profissional para não com preender essa decisão com o form a de
punição, reforçando a crença de que é responsável pelo abuso. O
abrigo pode ser um lugar privilegiado para casos extrem os, garantindo
cuidados essenciais e rotinas definidas que viabilize o desenvol­
vim ento saudável de crianças e de adolescentes (From er, 2002).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 67

O s profissionais se encontram diante do desafio de evitar as


form as traum áticas de intervenção sem resvalar, contudo, na negli­
gência com que o tem a da violência contra crianças tem sido tratado
no B rasil, com raras e honrosas exceções. U m a das dificuldades
está em a fam ília reconhecer a violência com o problem a. O utra é o
fato de a própria vítim a “aceitar” a violência. N o entanto, nesses
casos, os autores apontam que as crianças não podem ser conside­
radas totalm ente capazes de determ inar, por elas m esm as, com o
devem viver. E sta idéia é reforçada por diversas teorias psicológicas
que afirm am que a autonom ia pessoal é adquirida gradualm ente,
ao longo de um processo evolutivo de interação com o am biente
sociocultural, no qual a criança vai passando por estágios em seu
desenvolvim ento cognitivo, lingüístico, m oral e interativo (Ferreira
& Schram m , 2000).
G onçalves e Ferreira (2002) recom endam que a m elhor conduta,
nesses casos, é preparar a fam ília, esclarecendo a obrigatoriedade da
m edida por parte do profissional de saúde, o teor desta notificação, o
que ela significa, a quem é dirigida, suas vantagens e seus possíveis
desdobram entos. N essa negociação, a notificação é apresentada à
fam ília com o veículo de acesso a instituições e serviços dos quais ela
necessita para m inorar os efeitos de fatores que alim entam ou
favorecem a eclosão da violência. A discussão junto à fam ília e à
criança atende a um preceito ético e tem por efeito m inim izar os
im pactos da notificação, observados na prática diária.
O s profissionais ficam entre o dever de proteger a criança, tratá-
la clinicam ente, m antê-la junto à fam ília, m elhorar as relações
fam iliares e o de notificar o caso às autoridades com petentes. A
experiência tem m ostrado que em cada situação um desses deveres
precisa ser cum prido prioritariam ente, m as o objetivo é alcançar o
cum prim ento de todos eles, em um a ordem hierárquica, individua­
lizada para cada caso (Ferreira & Schram m , 2000).
Para H abigzang e C am inha (2002a, 2002b), havendo a situação
de proteção da criança - ou seja, suprim ido o fato real do abuso sexual
68 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

através do afastam ento do agressor ou, às vezes, do abrigo da própria


criança -, inicia-se a intervenção terapêutica, que só fará sentido se
cessar a exposição da criança ao evento estressor. O trabalho do
psicólogo deve estar orientado por ações que visem a m elhorar a
qualidade de vida da criança ou do adolescente em situação de risco.
E ssas ações devem ser realizadas em equipe e relacionadas ao
atendim ento individualizado, ao atendim ento em grupo, ao
atendim ento fam iliar (incluindo visitas dom iciliares) e à capacitação
dos profissionais da equipe. A lém disso, conhecer a rede de apoio e
as diferentes faces da m esm a história é fundam ental para a
com preensão e o resgate das diversas peças/fragm entos do quebra-
cabeça que constitui a realidade da criança ou do adolescente (D e
A ntoni & K oller, 2001).
Mo d a l id a d e s t e r a pê u t ic a s e
Q U E S T Õ E S C L ÍN IC A S

m crescente núm ero de pesquisas sobre a incidência de

U abuso sexual infantil e seus efeitos psicológicos tem sido


verificado, tom ando a avaliação e o tratam ento dessas crianças um
im portante assunto para psicoterapeutas infantis (L anktree & B riere,
1995). O conhecim ento do im pacto potencial que o abuso sexual pode
desenvolver tem proporcionado a um núm ero elevado de terapeutas a
com preensão dos problem as relacionados ao tratam ento das vítim as de
abuso sexual. E ntretanto, devido ao pouco tem po em que a atenção clínica
está voltada para esta questão e o seu im pacto nas crianças, poucos são
os estudos relacionados à efetividade das psicoterapias focadas no abuso.
H orow itz, Putnam , N oll e T rickett (1997) realizaram um estudo
para verificar aspectos associados ao tem po que as crianças vítim as de
abuso perm anecem em terapia e os fatores que contribuem para o
abandono do tratam ento. V ariáveis relacionadas com o abuso m ostraram -
se fortem ente correlacionadas com o núm ero de sessões. Foi constatado
que quanto m ais cedo com eça a violência, m ais sessões de terapia são
necessárias. A psicopatologia decorrente do abuso tam bém foi associada
ao tem po de perm anência em tratam ento. Q uanto m aior o distúrbio, m aior
o tem po de tratam ento - depressão e com portam ento agressivo ou
delinquente foram altam ente correlacionados. E ntre os fatores associados
ao abandono do tratam ento, os autores encontraram : cuidador com
sintom as psicopatológicos, crianças com ffeqüentes hospitalizações e
tratam entos, m ães jovens, pais solteiros, nível socioeconôm ico, m ães
com histórico de problem as na infância.
70 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

A ssim , a intervenção terapêutica precisa ser planejada consi­


derando o quadro clínico apresentado pela criança e o contexto no
qual será desenvolvido. T ratam entos em m odalidades variadas
(individual, fam iliar, grupo, farm acológico), bem com o níveis diversos
de cuidados, podem ser necessários para diferentes crianças, ou para
a m esm a, em diferentes tem pos. O trabalho com os cuidadores tem
se m ostrado essencial, inclusive a capacitação dos pais para m anejar
sintom as externos (por exem plo, a agressividade) m ediante estratégias
com portam entais, m onitorar sintom as das crianças, desenvolver
estratégias para prevenir a revitim ização e adequar o funcionam ento
fam iliar. A lém disso, é im portante que os pais sejam ajudados para
que possam elaborar o próprio sofrim ento e oferecer o apoio
necessário aos filhos (Fum iss, 1993; Sayw itz, M annarino, B erliner
& C ohen, 2000).
N o tratam ento da criança ou do adolescente, independentem ente
do referencial teórico que fundam enta a intervenção, é necessário
criar um clim a de segurança e aceitação a fim de que a criança adquira
confiança e com ece a se com unicar (Z avaschi e cols., 1991). O s
autores apresentam os seguintes objetivos para o tratam ento:

• aliviar o traum a experienciado pela vítim a através de apoio


em ocional intenso durante a crise inicial;

• facilitar a verbalização dos sentim entos;

• prom over crescim ento pessoal e m elhores form as de


com unicação;

• aliviar a culpa que a criança possa sentir com o resultado do


abuso sexual;

• prevenir condutas autodestrutivas subseqüentes, com o fugas,


abuso de drogas, tentativas de suicídio, prostituição e
prom iscuidade sexual;

• prevenir repetição das ofensivas m ediante o aum ento da


independência da vítim a, da auto-estim a e da auto-afirm ação;
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 71

• prevenir subseqüentes disfunções das relações em ocionais e


sexuais;

• interrom per o abuso m ultigeracional e as características


disfuncionais evidentes em m uitas dessas fam ílias.
O terapeuta deve trabalhar para tentar reverter os sentim entos de
desespero, desam paro, im potência, aprisionam ento, isolam ento e auto-
acusação que paralisam a vítim a. O resgate da auto-estim a e da esperança
é fundam ental, pois o abuso distorce a visão que a criança tem do que a
vida lhe pode oferecer. O trabalho do terapeuta im plica transform ar o
ocorrido em um a influência em sua vida, em vez de ser obstáculo, para
que o futuro passe a ser visto com esperança, m otivando a criança a
crescer. O processo de resolução do traum a im plica que a vítim a relem bre,
repita e reexperiencie o traum a (Z avaschi e cols., 1991).
C om relação aos cuidadores, verifica-se a im portância do apoio
da m ãe, no m om ento da revelação do abuso, por influenciar o resultado
do tratam ento da criança (Z avaschi e cols., 1991). É benéfica a
participação da m ãe na terapia, que deve ter os seguintes objetivos:
alívio da culpa pela inabilidade de interrom per o abuso; ventilação
dos sentim entos am bivalentes em relação ao m arido e à filha;
conscientização de sua parte ativa na criação da dinâm ica fam iliar,
da qual o incesto é o produto, e reforço de sua capacitação para assum ir
o papel de m ãe, que inclui a proteção e a segurança da criança perante
o abusador (Fum iss, 1993; Z avaschi e cols., 1991).
H ayde, B entovim e M onck (1995) apontam a falta de estudos
que avaliem diferentes com ponentes no tratam ento de crianças e
fam ílias nas quais tenha sido revelado abuso sexual. C om esse
objetivo, os autores desenvolveram um a pesquisa com 47 vítim as de
abuso e suas m ães ou principal cuidador. A s fam ílias que fizeram
parte do estudo receberam um program a básico de atendim ento
fam iliar e, aleatoriam ente, um subgrupo foi com posto por crianças
que receberam adicionalm ente um a intervenção em grupo,
considerando a idade, o estágio do desenvolvim ento e o sexo. O
trabalho com eçou com entrevistas conduzidas para avaliação clínica
72 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

e foi finalizado com entrevistas para com unicar o fim do tratam ento.
C om a autorização dos pais, todas as crianças, com m ais de seis anos,
foram entrevistadas, além de pais ou cuidadores não abusivos.
Q uestionários padronizados foram utilizados nas avaliações inicial e
final. A divisão da am ostra nos dois tipos de tratam ento (terapia
fam iliar ou terapia fam iliar m ais grupoterapia com as crianças) foi
estabelecida aleatoriam ente. Os program as de tratam ento foram
descritos pelos autores da seguinte form a:

• Terapia fam iliar. O s terapeutas se encontravam com as


crianças e suas fam ílias durante quatro a seis sem anas. O
tratam ento tinha com o objetivo o fortalecim ento das relações
fam iliares e da com unicação entre a m ãe (ou cuidador) e a
criança. Q uestões individuais, conjugais e fam iliares, do
presente e do passado, que contribuíram para o acontecim ento
do abuso e a sua m anutenção tam bém foram abordadas.

• Terapia fam iliar + grupoterapia. O m esm o program a de


atendim ento à fam ília foi oferecido com o tratam ento
grupoterápico adicional, que reunia crianças. O s grupos se
reuniam sem analm ente e a duração variava de acordo com
a idade e as necessidades. C om as crianças m ais jovens
foram trabalhadas m edidas de autoproteção, tendo a
intervenção um caráter psicoeducativo. E sses aspectos
tam bém foram trabalhados com os grupos de crianças m ais
velhas, além das dinâm icas que objetivavam a com preensão
e o com partilham ento de sentim entos, assim com o o suporte
dos pares. O trabalho em grupo tinha com o alvo reverter os
efeitos traum áticos do abuso, auto-ajuda, recuperação da
auto-estim a, desenvolvim ento de habilidades de autoproteção,
desenvolvim ento de conhecim entos sobre sexualidade e
com preensão da natureza do abuso e seus efeitos. O grupo
que ocorria paralelam ente com os cuidadores explorou
questões sim ilares.
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 73

Segundo H ayde, B ento vim , M onck (1995), 36% do total da


am ostra não receberam a credibilidade das m ães quando revelaram o
abuso. M ais da m etade das crianças estavam m orando separadas de
suas fam ílias de origem . N o follow-up, 37% ainda estavam separadas
dos m em bros da fam ília e apenas 10% voltaram ao convívio fam iliar.
O bservou-se que os pais não-abusivos descreviam cuidados pobres
com relação aos seus filhos. A referência a m em órias tristes da própria
infância foi feita por 39% das m ães, 22% relataram histórico de abusos
físicos e 43% tiveram experiências sexualm ente abusivas. N as
entrevistas com as crianças, verificou-se que 42% recebiam am eaças
e sofriam outras form as de violência para que m antivessem o abuso
em segredo e 37% descreveram situações de violência perpetradas
pelos pais e punições excessivas não associadas aos abusos sexuais.
C om relação aos resultados, tendo com o base os escores dos ins­
trum entos aplicados antes e depois do tratam ento, as crianças
apresentaram significativas m elhoras no inventário de depressão e
na escala com pletada pelos cuidadores com relação à saúde e aos
problem as de com portam ento. As avaliações clínicas apontaram
benefícios significativos da grupoterapia. A s crianças e as m ães
avaliaram positivam ente a oportunidade proporcionada pela grupo­
terapia de conhecer outras pessoas com experiências sim ilares. A
resolução do sentim ento de culpa com relação ao abuso foi de­
m onstrada por 65% das crianças, 78% dem onstraram ter aprendido
boas habilidades para prevenir futuros abusos e 41% apresentaram
um m elhor entendim ento das origens do abuso. A lém disso, foi
verificado que a relação entre m ãe e criança m elhorou, e as fam ílias
desenvolveram habilidades para identificar necessidades dos filhos
de acordo com a idade.
O utros tratam entos na m odalidade grupoterápica têm sido
desenvolvidos com resultados positivos. O grupo dá a idéia de que a
criança não está sozinha e tem a função de apoiar e oferecer um
m om ento de alívio individual (Z avaschi et al., 1991). Propicia um
processo que alivia a dor em ocional através da assim ilação consciente
74 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

dos episódios abusivos. B usca, tam bém , m odificar o autoconceito


das vítim as de autodesprezo para autovalorização. É fundam ental
que os grupos sejam divididos segundo a faixa etária. D essa form a,
no período pré-escolar, o grupo auxilia a dim inuir o isolacionism o e
a m elhorar as habilidades sociais apropriadas para a idade, sendo
baseado em jogos. N os grupos de crianças na latência, a capacidade
de expressão verbal propicia que se fale sobre as m udanças ocorridas
na vida com a revelação do abuso. Isso pode ser feito por m eio de
jogos apropriados para a idade e uso de desenhos dirigidos (auto-
retrato, desenho da fam ília, de um sonho, de um a casa). T ais exercícios
perm item um cam inho não-verbal para quebrar o segredo que
m antinha as crianças isoladas e im potentes. N essa faixa etária, os
grupos têm atividades estruturadas, com duração m édia de um a hora
e m eia, sem analm ente. Iniciam com cada participante dizendo algo
de bom e algo de ruim que ocorreu na sem ana que passou, e aquilo
que gostariam de com partilhar com o grupo. São trabalhados conceitos
(bom , ruim ), a noção do que é seguro fazer e do que não é, a colocação
de lim ites para si e na relação com as outras crianças, e ainda o
autocontrole. São tam bém estim uladas a com unicação verbal e a
transform ação de ação em sentim entos. O s grupos envolvem , em
geral, até dez crianças. N a adolescência, o apoio social dos iguais é
im portante, sendo útil com o m odalidade de tratam ento. E m geral, o
grupo tem de seis a oito participantes e oferece ao jovem um am biente
no qual pode discutir seus sentim entos e os problem as específicos da
adolescência, com o as m udanças do corpo, os papéis, as escolhas, a
sexualidade e o incesto. N essa fase, em que as angústias são
freqüentem ente expressas na conduta, as vítim as de abuso podem
apresentar fugas de casa, abuso de drogas, tentativas de suicídio e
prom iscuidade, o que deve, pois, ser abordado em associação com o
problem a do abuso sexual (Z avaschi et al., 1991).
A grupoterapia para vítim as de abuso sexual possibilita reduzir
o sentim ento de diferença e a auto-estigm atização das pacientes. O
processo de grupo deve priorizar espaços para que as vítim as possam
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 75

relatar sentim entos referentes ao abuso, discutir crenças quanto à


culpa pela experiência abusiva, desenvolver habilidades preventivas
para outras situações abusivas e elaborar sentim entos de isolam ento
e estigm atização (K ruczek & V itanza, 1999). As autoras
desenvolveram um a pesquisa para avaliar os resultados dessa
m odalidade terapêutica com adolescentes vítim as de abuso sexual.
Participaram do estudo 41 m eninas com idades entre treze e dezoito
anos. A avaliação diagnostica pré-teste constatou que as garotas
apresentavam quadros de depressão, transtorno do estresse pós-
traum ático e transtorno desafiador opositivo. A m odalidade grupai
prom oveu m udanças quanto a sentim entos e com portam entos
disfuncionais e desenvolveu habilidades de enfrentam ento eficazes
para lidar com situações do cotidiano.
Som ente em m eados da década de 70 é que se desenvolveram
m odalidades terapêuticas contextuais e grupais para a intervenção,
avaliação e tratam ento de grupo com crianças vítim as de abuso sexual
(Sm ith, 1996). A psicoterapia de grupo, com vítim as de abuso,
possibilita o crescim ento, a integração e o estabelecim ento de
conexões com outras pessoas. A lém disso, potencializa novas
abordagens de enfrentam ento de situações difíceis, contribuindo para
um a auto-afirm ação.
O tratam ento em grupo perm ite que as crianças encontrem
form as de reverter os sentim entos de vergonha e culpa, explorem e
aprendam a m onitorar o sofrim ento e sentim entos de m edo. O caráter
educativo do tratam ento disponibiliza aos participantes m aiores
esclarecim entos e inform ações acerca de seus corpos, segurança,
sexualidade, abuso e relacionam entos. E studos realizados para
verificar o processam ento perceptual e cognitivo de eventos
traum áticos por crianças sugerem que são desenvolvidas estratégias
sistem áticas de reação e evitação. A lém disso, o tratam ento focado e
intervenções contextuais que atuem nas funções, operações e
estruturas dentro dos âm bitos cognitivos são eficazes para ajudar as
crianças traum atizadas a reconhecer, esclarecer, enfrentar, integrar e
76 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

transform ar o significado de suas experiências. A terapia de grupo


possibilita que as crianças integrem , cognitiva e afetivam ente, tanto
o m aterial relacionado ao self, quanto seu senso de self com os outros
(Sm ith, 1996).
Sm ith (1996) apresenta um m odelo de intervenção em grupo
que tem os objetivos de realçar a auto-regulação, deter os
sintom as e a desregulação das seqüelas traum áticas e praticar
novos com portam entos na transform ação de padrões anteriores
de reação ao abuso. A intervenção é constituída por seis fases
que se sobrepõem de m odo contínuo, não se apresentando com o
estágios separados:
• Fase de reconhecim ento : fase de avaliação individual e
encam inham ento para o grupo. É im portante que a criança
seja preparada individualm ente. E sta fase tam bém inclui o
início das sessões de grupo, com apresentações, e o
reconhecim ento de cada criança das experiências de contato
e interação sexualizada injusta e insegura.

• Fase de estabilização : os objetivos desta fase são


prioritariam ente criar um am biente seguro e confiante,
“psicoeducar” o grupo a usar linguagem e conceitos exatos e
com partilhados com referência ao corpo, ensinar técnicas de
relaxam ento apropriadas à idade para adm inistrar e reduzir o
estresse, realizar atividades que potencializem o senso de
segurança, autocuidado, proteção e auto-estim a.

• Fase do dom ínio : este m om ento busca identificar e partilhar


áreas de auto-afirm ação, habilidade e com petência, identificar
e partilhar as inform ações, habilidades e com petências de si
com outros e as dos outros, praticar e apoiar-se m utuam ente
em esforços em conquistar dom ínio com relação aos
problem as e sintom as reconhecidos, praticar dizer “não” e a
autoproteção e fom entar a coesão do grupo e o senso do grupo
com o am biente seguro.
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 77

• Fase da revelação : focaliza as experiências que os m em bros


do grupo tem da revelação (quando, quem , o que,
sentim entos) e o que aconteceu quando a fizeram ; debates e
psicoeducação sexual, identificar, representar, esclarecer e
com partilhar lem branças ou fragm entos de lem branças dos
eventos, explorar os sentim entos, representações e interações
que os m em bros do grupo tem pelos perpetradores.

• Fase de integração : tem com o objetivos reunir fragm entos


sensoriais para integrar representações e significados,
potencializar o senso de continuidade do self no espaço e no
tem po, praticar a regulação e o dom ínio dos im pulsos para
desem penhos individuais e grupais em atividades enfocadas
e auto-expressão.

• Fase de transform ação : a fase de térm ino do processo


terapêutico tem com o finalidade construir estratégias de
prevenção da recaída, respostas a possíveis novos eventos,
representação e partilha do self agora, do grupo agora e da
fam ília agora, despedir-se identificando que o desafio de
dom ínio continua após a terapia.
Sm ith (1996) apresenta um a síntese das atividades utilizadas
com o recursos terapêuticos com crianças que sofreram abuso sexual:
representações (desenhos) de si m esm as, de outros e do m undo; m apas
da vida e linha da vida; todas as m inhas fam ílias; m úsica; dança;
conscientização do estresse, sua adm inistração e habilidades de
redução; desem penho de papéis; exercícios progressivos de
relaxam ento; m eu livro de vida e m udanças; excursões (ao tribunal,
cam inhadas, etc.); jogos; construção e representação de m áscara e
escudo e psicoeducação. A autora ainda sugere que o grupo seja
constituído por seis a oito m em bros, divididos entre m eninas e
m eninos. Salienta que o agrupam ento das crianças deve ser adequado
com seus níveis de desenvolvim ento, ou seja, com preender as faixas
etárias entre sete e doze anos e entre treze e dezessete anos.
78 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

M cG ain e M cK inzey (1995) apontam a necessidade de um


estudo que utilize um m odelo com pré e pós-teste com grupos controle
e experim ental, para verificar a eficácia de tratam entos em grupo
para m eninas vítim as de abuso. Para realizar um estudo que atendesse
a esta necessidade, os autores avaliaram trinta garotas (idades entre
nove e doze anos, M = 10,5, D P = 1,21). O grupo em tratam ento (n =
15) foi pareado com o grupo controle (n = 15) conform e idade,
severidade do abuso, intensidade de força usada durante o abuso e
tem po de exposição ao abuso. O s autores utilizaram o Q uay Revised-
Behavior Child Checklists R B PC ) e o Eyberg Child Behavior
Inventory (E C B I) antes e depois de seis m eses da aplicação do
program a de tratam ento. O s pais ou cuidadores responderam aos dois
instrum entos que avaliam questões com o auto-estim a, vergonha,
depressão, ansiedade, problem as de conduta, agressividade,
dificuldade de concentração e com portam entos excessivam ente
sexualizados. O tratam ento disponibilizado ao grupo experim ental
teve com o objetivos: 1) proporcionar um am biente seguro, no qual
as crianças podiam discutir livrem ente seus abusos; 2) m elhorar a
auto-estim a das crianças; 3) prevenir a revitim ização; 4) evitar
problem as psicológicos futuros; 5) proporcionar m odelos apropriados
e não abusivos de hom em e m ulher; 6) proporcionar suporte à criança
em relação aos processos no T ribunal; 7) educar a criança sobre passos
práticos para autoproteção; 8) facilitar a com unicação pela vítim a da
dinâm ica do abuso; 9) criar um processo de auto-ajuda pelos pares;
10) obter o apoio da fam ília ao tratam ento; 11) proporcionar a
dim inuição da sintom atologia e o sofrim ento decorrente do abuso.
O tratam ento dem onstrou ser eficaz na redução dos sintom as de
ansiedade, particularm ente descritos com o os m ais proem inentes tanto
pelos pais quanto pelas m eninas. A lém disso, as dificuldades escolares
foram reduzidas pela intervenção, assim com o os problem as de
conduta verificados na avaliação inicial. O s resultados encontrados
apontaram diferenças significativas em todas as escalas dos
instrum entos com parando o pré e o pós-teste do grupo experim ental.
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 79

O s resultados do grupo controle não variaram m uito nos dois tem pos,
o que com prova a eficácia da grupoterapia para m eninas com idade
entre nove e doze anos (M cG ain & M ckinzey, 1995).
Sayw itz, M annarino, B erliner e C ohen (2000) ressaltam que
poucos estudos controlados têm sido realizados para avaliar os
resultados de tratam entos com crianças vítim as de abuso sexual. Para
os autores, isso ocorre por causa de um a série de obstáculos, tais
com o:

• dificuldade em identificar sintom as devido à falta de capaci­


dade das crianças em descrever alterações com portam entais,
afetivas e cognitivas, já que suas habilidades m etacognitivas
e autoperceptivas e o vocabulário ainda estão em desenvol­
vim ento e o uso de inform ações de pais e de professores pode,
em alguns casos, ser incom patíveis;

• dificuldade quanto à form ação de um a am ostra hom ogênea


e a padronização de procedim entos, por causa das diferenças
entre as crianças encam inhadas para tratam ento, com o idade,
gênero, nível socioeconôm ico, tem po de exposição ao abuso
e sua severidade;

• dificuldade em controlar variáveis intervenientes, pois o abuso


sexual é apenas um a parte da história da criança, e, na m aioria
das vezes, vem acom panhado de outras form as de violência
extra e intrafam iliar; a m elhora das crianças não depende
apenas da eficácia do tratam ento, m as do funcionam ento dos
adultos cuidadores da criança - a saúde m ental dos pais,
conflito conjugal, dinâm ica fam iliar, presença de eventos
estressores, o nível socioeconôm ico da fam ília, fatores
culturais e com unitários influenciam no grau e na m anutenção
da m elhora.

A pesar dos obstáculos descritos, as pesquisas que utilizam a


terapia cognitivo-com portam ental (T C C ) com o form a de tratam ento
têm apresentado m elhores resultados com parados com outras form as
80 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

de tratam ento não-focais para crianças e adolescentes com sintom as


de ansiedade, depressão e problem as com portam entais (Sayw itz,
M annarino, B erliner & C ohen, 2000). A T C C focada no traum a
tam bém tem apresentado grande eficácia nos sintom as de transtorno
do estresse pós-traum ático (C ohen, M annarino & R ogai, 2001).
U m a pesquisa foi realizada para m apear as m odalidades de
tratam ento utilizadas para crianças com T E PT . Foram consultados
psiquiatras e terapeutas com form ação não-m édica. O s participantes
do estudo foram selecionados pela experiência clínica com crianças
com transtorno dissociativo, T E PT ou m aus-tratos, e eram m em bros
de organizações profissionais que atendem a essa população
(A m erican A cadem y of C hild and A dolescent Psychiatry e
International Society for T raum atic Stress Studies). O instrum ento
utilizado foi um questionário para investigar e identificar a prática
clínica desenvolvida pelos profissionais. Participaram do estudo 77
m édicos e 82 terapeutas não-m édicos, e foi constatada um a variedade
de m odalidades terapêuticas utilizadas para esses casos, entre as quais
se destacam farm acoterapia, terapia psicodinâm ica e terapia cognitivo-
com portam ental. No processo terapêutico, 95% dos m édicos
em pregam m edicam entos. E ntre os terapeutas sem form ação m édica,
as principais m odalidades apontadas foram terapia cognitivo-
com portam ental, terapia fam iliar e terapia não-focal através do jogo.
A T C C foi a m ais citada pelos terapeutas não-m édicos e a segunda
m ais citada pelos m édicos, perdendo apenas para a farm acoterapia
(C ohen, M annarino & R ogai, 2001).
Te r a pia c o g n it iv o -
C O M PO R TA M EN TA L EM A BU SO SEX U A L

IN F A N T IL

terapia cognitivo-com portam ental foi desenvolvida por

A A aron B eck, no início da década de 60, e é definida com o


um a psicoterapia breve, estruturada, focal, orientada para o presente,
cujo objetivo é m odificar pensam entos e com portam entos disfuncio-
nais (B eck, 1997). B aseia-se na com preensão de que o m odo com o o
indivíduo estrutura suas experiências intem am ente determ ina, em
grande parte, o m odo com o ele se sente e se com porta. N essa pers­
pectiva, a psicopatologia é considerada um exagero das respostas
adaptativas norm ais (Freem an & D attilio, 1998).
E sta m odalidade psicoterápica difere das dem ais por se
caracterizar com o um processo cooperativo de investigação em pírica,
testagem da realidade e resolução de problem as entre terapeuta e
paciente (B eck & A lford, 2000). A terapia cognitiva enfatiza a
interação entre cinco elem entos: am biente (incluindo história do
desenvolvim ento e cultura), biologia, afeto, com portam ento e
cognição. Isto significa que todos esses fatores são igualm ente
considerados nos m odelos de intervenção. N o entanto, as cognições
são vistas com o ponto chave para a intervenção. O terapeuta atua em
três níveis de pensam ento que estão interconectados: pensam entos
que estão na superfície e que acionam esquem as m ais centrais,
denom inados autom áticos, pensam entos que constituem crenças
82 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

transituacionais, cham ados de suposições subjacentes e pensam entos


nucleares, nos quais se identificam as crenças centrais, form ando
esquem as geralm ente inflexíveis. E ssa reestruturação cognitiva é
fundam ental, pois a teoria sustentadora da prática clínica afirm a que
as representações acerca de si, dos outros e do futuro (tríade cognitiva)
é im portante para com preender o funcionam ento em ocional e os
padrões de com portam ento do indivíduo. E ssa tríade cognitiva se
estrutura ao longo da vida, m ediante interações do indivíduo com o
seu m eio (D attilio & Padesky, 1995).
Segundo Freem an (1983, citado em D attilio & Freem an, 1995),
o objetivo da terapia cognitiva é

ajudar os pacientes a revelar seu pensam ento disfuncional e


irracional, testar seu pensam ento e com portam ento em relação à
realidade e construir técnicas m ais adequadas e funcionais para
reagir, tanto inter quanto intrapessoalm ente. Portanto o objetivo da
terapia cognitiva não é curar, m as antes ajudar o paciente a
desenvolver m elhores estratégias de enfrentam ento para lidar com
sua vida (p. 305).

A terapia cognitivo-com portam ental tam bém pode ser


desenvolvida no form ato grupai. O s prim eiros trabalhos de grupote-
rapia cognitivo-com portam ental surgiram no final dos anos 70. O s
principais focos de estudos, na época, eram o treinam ento de
habilidades sociais, a adm inistração do estresse e da raiva e a resolução
de problem as. Posteriorm ente, a m odalidade grupai teve sua aplicação
a um a am pla variedade de problem as obtendo m uito sucesso em seus
resultados (Sheldon, 1996). A terapia de grupo cognitivo-com ­
portam ental baseia-se nos m esm os fundam entos da terapia cognitivo-
com portam ental individual, e com o m odalidade de tratam ento
apresenta vantagens com o: a função da universalidade, a função da
coesão, a interação com outras pessoas, o aprendizado com outros
que estão em situações sem elhantes de crise. O grupo proporciona
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 83

um a am pla oportunidade de aprender com o os outros enfrentam suas


dificuldades individuais, com partilhando estratégias e recursos de
enfrentam ento. Os m em bros se auxiliam no reconhecim ento de
pensam entos autom áticos disfúncionais. O terapeuta, em colaboração
com os outros participantes, pode ajudar o paciente a construir
respostas alternativas m ais funcionais e adequadas perante as situações
e os problem as (C ourchaine & D ow d, 1995).
A grupoterapia baseia-se em dois princípios fundam entais. O
prim eiro diz que as habilidades sociais são aprendidas, ou seja, “a
personalidade e os padrões de com portam ento podem ser vistos com o
o resultado das interações iniciais com outros seres hum anos
significativos” (p. 160). A ssim , a aprendizagem social com eça na
m ais tenra infância e integra, ao longo do tem po, traços de
com portam entos que podem auxiliar ou im pedir relações adaptativas
com o m eio. O segundo princípio diz que as habilidades sociais podem
ser desenvolvidas em situação de grupo. N essa perspectiva, a sim ples
identificação dos fatores da história do indivíduo que contribuíram
para o desenvolvim ento dos padrões de com portam entos sociais
m anifestados no presente não é suficiente para prom over m udanças
(Falcone, 1998).
O form ato grupai possibilita verificar os sistem as de crenças e
os com portam entos dos pacientes, especialm ente os interpessoais,
perm itindo o aprendizado de novas interações em um contexto seguro,
no qual se pode praticar e reforçar novos com portam entos. A lém disso,
os grupos possibilitam um a m elhor relação custo/eficácia, pois o
terapeuta pode trabalhar com vários pacientes ao m esm o tem po
(W essler, 1996).
A terapia cognitivo-com portam ental vem sendo testada por
diversos pesquisadores com o m étodo de intervenção para casos de
abuso sexual infantil, tanto individualm ente quanto no form ato de
grupo. U m a das razões pelas quais a T C C é potencialm ente benéfica
nesses casos é o fato de incorporar, no tratam ento, estratégias cujos
alvos são sintom as específicos. A s intervenções visam , principal­
84 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

m ente, sintom as de T E PT (revivência do evento traum ático com


pensam entos ou flashbacks, esquiva de lem branças e excitação
aum entada). A nsiedade e esquiva são trabalhadas com exposição
gradual e dessensibilização sistem ática, inoculação de estresse, treino
de relaxam ento e interrupção e substituição de pensam entos
perturbadores por outros que recuperem o controle das em oções.
Sintom as de depressão são trabalhados com treino de habilidades de
coping e reestruturação de cognições distorcidas. Problem as
com portam entais são trabalhados com técnicas de m odificação de
com portam ento. A lém disso, a T C C atua na prevenção de futuras
revitim izações (A stin & R esick, 2002; C alhoun & R esick, 1999;
R ange & M asci, 2001; Sayw itz, M annarino, B erliner & C ohen, 2000).
C ohen e M annarino (2000a) realizaram um a pesquisa com 49
crianças vítim as de abuso sexual, com idade entre sete e catorze anos,
e seus cuidadores prim ários não abusivos. D urante o período de doze
sem anas a am ostra foi dividida em duas form as de tratam ento: T C C
focada no abuso e terapia de apoio não-focal. A s condições de
tratam ento foram fixadas aleatoriam ente e m onitoradas por terapeutas
treinados e supervisionados intensivam ente. As crianças foram
avaliadas antes e depois do tratam ento por m eio de um a variedade de
instrum entos.
A T C C designou, com o alvos da intervenção, questões clínicas
verificáveis com ffeqüência em crianças que sofreram abuso. Foram
incluídas intervenções específicas para depressão, ansiedade e
dificuldades com portam entais. T am bém incluíram -se com ponentes na
tentativa de m elhorar o apoio dos pais e auxiliá-los a usar apropria­
dam ente habilidades de m anejo com seus filhos. E ntre os m étodos
utilizados nas intervenções estão a construção de habilidades sociais,
o m onitoram ento e a m odificação de pensam entos autom áticos, su­
posições e crenças, a substituição de pensam entos negativos por
im agens positivas, o treino de habilidades para resolução de problem as,
incluindo autom onitoram ento de com portam entos e exploração de
sentim entos. N a terapia de suporte não-focal, usada com o alternativa
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 85

de tratam ento para a T C C , nenhum a técnica cognitivo-com portam ental


foi em pregada, não foram trabalhadas técnicas de aconselham ento e
as sessões não foram estruturadas. As intervenções visaram a
proporcionar um alto nível de não julgam ento e suporte, encorajando a
criança e seu cuidador a identificar e a resolver sentim entos e a reestabe-
lecer a confiança e expectativas interpessoais positivas.
E ntre os resultados, foi constatado que o desenvolvim ento de
sintom as e a resposta ao tratam ento são influenciados pelo sofrim ento
em ocional dos pais com relação ao abuso, pelo apoio dos pais e pelas
crenças que a criança apresenta em relação ao fato. Q uanto às form as
de tratam ento, a T C C obteve resultados superiores, em com paração
com a outra m odalidade de intervenção, no que se refere à redução
de sintom as de depressão e ansiedade, pois teve com o foco da
intervenção a reestruturação de atribuições e percepções distorcidas
sobre abuso sexual (C ohen & M annarino, 2000a).
O utra pesquisa dem onstrou a eficácia da T C C em um a am ostra
de dezenove m eninas vítim as de abuso sexual, apresentando critérios
diagnósticos de T E PT . Foi verificado que após doze sessões de terapia,
elas dem onstraram um a significativa redução da sintom atologia
(D eblinger, M cL eer & H enry, 1989, citado por L anktree & B riere,
1995). E ntretanto, esta pesquisa teria m aior validade se houvesse
grupo controle, já que não se pode com provar se a m elhora da
sintom atologia decorrente do abuso se deu pelo tratam ento ou
sim plesm ente pela passagem do tem po (L anktree & B riere, 1995).
L anktree e B riere (1995) realizaram um estudo para investigar
as relações entre a exposição à terapia focada no abuso e as m udanças
na sintom atologia em crianças que sofreram abuso sexual. Os
objetivos da pesquisa eram verificar se a sintom atologia dim inui com
o tem po de tratam ento e se a m udança é de fato resultado da terapia
ou se representa sim plesm ente efeitos da passagem do tem po.
Participaram do estudo 105 crianças, com idade entre oito e quinze
anos. E las preencheram o Children's D epression Inventory (C D I) e o
Traum a Sym ptom Checklist for Children (T SC C ) em intervalos de
86 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

três m eses. A s crianças receberam tratam ento individual focado no


abuso e, em m uitos casos, terapia fam iliar e de grupo.
O estudo dem onstrou que os sintom as psicológicos dim inuíram
durante o processo de terapia focado no abuso. E ssa redução do efeito
do traum a variou de acordo com o tipo de sintom a e o tem po de terapia.
O s participantes que apresentavam sintom as de ansiedade e T E PT
responderam m ais rapidam ente e de form a constante ao tratam ento,
enquanto os que apresentavam questões relacionadas à sexualidade
levaram um período de tem po m aior (L anktree & B riere, 1995).
O utro achado interessante refere-se ao intervalo de tem po.
Q uanto m enor o tem po entre o fim do abuso e o com eço da terapia,
m elhores foram os resultados nas escalas de depressão, raiva e
dissociação - ou seja, crianças que perm anecem m ais tem po sem
intervenção tendem a dissociar m ais e apresentar m aior sintom atologia
de depressão e sentim entos de raiva. E sses achados sugerem que o
traum a gerado pelo abuso pode produzir um crescim ento dos efeitos
negativos na ausência de um tratam ento apropriado. A ssim , a m era
passagem do tem po, sem tratam ento, não reduz a intensidade dos
sintom as na escala tem poral investigada (L anktree & B riere, 1995).
D eblinger, L ippm an e Steer (1996, citado por Sayw itz,
M annarino, B erliner e C ohen, 2000) desenvolveram um estudo
com parando program as de doze sem anas de T C C , focada no abuso
sexual, som ente para crianças, som ente para pais ou para am bos,
num total de 100 vítim as com idade entre sete e treze anos. O s
resultados obtidos indicaram que todos os grupos apresentaram
m elhoras com relação aos sintom as de T E PT . D e qualquer m odo, a
T C C direcionada para as crianças apresentou resultados significa-
tivam ente m elhores.
O utra pesquisa testou um m odelo de tratam ento para m ulheres
com histórico de abuso na infância e quadro de T E PT , focado em três
problem as com um ente encontrados nesses casos: sintom as de T E PT ,
problem as de regulação em ocional e dificuldades interpessoais. A
idade m édia da am ostra foi 34 anos. A am ostra era com posta por
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 87

42% de m ulheres solteiras, 24% de separadas ou divorciadas e 34%


de casadas. D esse total, 41% trabalhavam em tem po integral, 35%
em m eio turno ou estudavam (ou am bos) e 24% eram donas de casa
ou desem pregadas. As vítim as de abusos sexuais e físicos
representavam 48% da am ostra, 39% havia sofrido só abusos sexuais
e 13% experienciou apenas abusos físicos. D essas m ulheres, 45%
apresentavam quadro de depressão m aior e 35% já haviam sofrido
desse m al no passado; 79% foram diagnosticadas com algum quadro
de ansiedade e 48% tinham transtorno de ansiedade generalizada.
Problem as com abusos de substancias no passado foram verificados
em 25% , e registro de transtorno alim entar, em 16% ; histórico de
tentativa de suicídio e com portam entos de autom utilação foram
apresentados por 48% . No últim o ano, 25% haviam realizado
tratam ento m edicam entoso ou psicoterapia (ou am bos) e 29% tinham
usado a em ergência psiquiátrica. A s participantes foram divididas
aleatoriam ente em dois grupos: dezesseis sessões de tratam ento (31
m ulheres) ou atenção m ínim a na lista de espera durante doze sem anas
(27 m ulheres). T odas realizaram avaliação clínica antes e depois da
terapia. T am bém foi feito follow-up após três e nove m eses do térm ino
do tratam ento. D epois das doze sem anas, foi oferecido ao grupo da
lista de espera o m esm o tratam ento do grupo experim ental (C loitre,
C ohen, K oenen & H an, 2002).
A terapia foi com posta de dezesseis sessões, em doze sem anas
de duração, que foram organizadas em duas fases. N a prim eira, foi
trabalhado o treino de habilidades afetivas e a regulação interpessoal,
consistindo em oito sem anas com um a hora de duração. A segunda,
em que se trabalhou exposição prolongada, consistiu em duas sessões
sem anais com duração de um a hora e m eia.
A prim eira fase foi um tratam ento cognitivo-com portam ental
que teve com o objetivo desenvolver estratégias de m anejo em ocional
e habilidades interpessoais. C ada sessão focou um a habilidade
deficitária em particular, através do entendim ento da relação do abuso
com suas conseqüências típicas. E ntre os tópicos das sessões estavam :
88 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

1) rotulação e identificação de sentim entos; 2) m anejo de estados


em ocionais, com o raiva e ansiedade; 3) tolerância à angústia; 4)
aceitação de sentim entos e aum ento de experim entação de sentim entos
positivos; 5) identificação de esquem as constituídos a partir do traum a
e suas m anifestações no dia a dia; 6) identificação do conflito entre
sentim entos gerados pelo traum a e relações interpessoais presentes;
7) role play sobre questões com o poder e controle; 8) role play acerca
do desenvolvim ento da flexibilidade em situações interpessoais
envolvendo diferenças em relações de poder. N esses role play
incluíram -se com portam entos interpessoais - problem a típicos e
construção de novos com portam entos alternativos. T odas as sessões
tiveram o m esm o form ato e a m esm a estrutura. C om eçavam com
psicoeducação com respeito a pensam entos autom áticos e os alvos
da intervenção daquela sessão, acom panham ento da aquisição de
habilidades e sua aplicação prática. Foram fixadas tarefas extra-
sessões que consistiam em aplicar as habilidades aprendidas no dia a
dia. N a segunda fase, foi utilizada a técnica de exposição im aginária
prolongada, descrita por Foa e R othbaum (1998, citado por C loitre,
C ohen, K oenen, H an, 2002), na qual os clientes descrevem , repeti­
dam ente, seus eventos traum áticos em detalhes e os estados em o­
cionais. O s esquem as explicativos do abuso foram reestruturados com
auxílio do terapeuta e foram construídos esquem as m ais adaptativos.
O últim o com ponente da sessão foi aplicar os novos esquem as e
habilidades interpessoais às relações presentes. A tarefa extra-sessão
foi escutar as fitas com narrativa detalhada do abuso. O s autores
observam que o trabalho de exposição ao traum a é, m uitas vezes,
difícil para pacientes sobreviventes de abusos infantis. E ntre as difi­
culdades m ais com uns, eles citam : a dificuldade de tolerar o
sofrim ento e m anejar sentim entos com o raiva e ansiedade, a vulne­
rabilidade para dissociação e a dificuldade em m anter um a boa relação
de trabalho com o terapeuta.
E ntre os resultados, foi verificado que as m ulheres que receberam
o program a de tratam ento apresentaram m elhora significativa nos três
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 89

alvos da intervenção em com paração com as m ulheres da lista de espera.


O s ganhos foram m antidos nos follow-up. A lém disso, a prim eira fase
da terapia se m ostrou im portante para facilitar a segunda fase. O
desenvolvim ento de um a aliança terapêutica positiva e a m elhora do
hum or negativo foram fundam entais para a redução dos sintom as de
T E PT durante a segunda fase. O prim eiro m om ento se m ostrou eficaz
na redução do hum or negativo e da expressão da raiva, enquanto a
segunda etapa foi eficiente na redução de sintom as de T E PT . O estudo
aponta a im portância da relação terapêutica no sucesso do tratam ento
para vítim as de abusos (C loitre, C ohen, K oenen, H an, 2002).
A lém das pesquisas desenvolvidas, a descrição de estudos de
casos clínicos tam bém tem apontado a eficácia da T C C em abuso
sexual infantil. E la perm ite à criança desenvolver um a sensação de
controle dentro da estrutura estabelecida pelo terapeuta (K nell &
R um a, 1999). A educação sobre o abuso sexual infantil é o prim eiro
passo na intervenção terapêutica, que deve incluir sessões com a
criança ou o adolescente e seu cuidador. A educação sobre o abuso e
o estabelecim ento de um a relação entre as m udanças de
com portam ento e o traum a é fundam ental, pois se constata, na prática
clínica, que a criança que sofreu abuso sexual tende a apresentar
severas distorções cognitivas. O program a de tratam ento ainda inclui
técnicas com o treinam ento de habilidades para lidar com problem as,
exposição gradual às lem branças traum áticas e educação sobre
encontros, sexualidade e habilidades para a m anutenção da segurança
do corpo (H eflin & D eblinger, 1999). O uso do jogo é um im portante
recurso terapêutico para expressão de pensam entos e sentim entos
com relação ao abuso. E ntre os dispositivos utilizados estão:
brinquedo com bonecos e m arionetes, biblioterapia, desenho e outras
form as de expressão artística, com o esculturas em argila (K nell &
R um a, 1999). Por fim , um dos objetivos m ais im portantes da T C C
focada no abuso é ajudar a criança a generalizar, em seu am biente
natural, as condutas aprendidas na terapia, para a m anutenção dessas
condutas após o térm ino do tratam ento.
90 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

A terapia cognitivo-com portam ental apresenta benefícios para


as vítim as de abuso sexual, tanto no form ato individual quanto no
grupai, reduzindo a sintom atologia decorrente da experiência abusiva
e reestruturando pensam entos, com portam entos e sentim entos
disfuncionais. A T C C focada no abuso perm ite que a criança ou o
adolescente com preenda as relações entre o abuso e suas conse­
quências e construa alternativas adaptativas para relacionar-se intra
e interpessoalm ente.
Pa r t e II

In t e r v in d o e m a bu s o s e x u a l n a
IN F Â N C IA E N A A D O L E S C Ê N C IA
Av a l ia ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a :
U M R E L A T O D E E X P E R IÊ N C IA

sta seção apresenta um relato de intervenção clínica, com

E m eninas vítim as de abuso sexual, desenvolvido por


H abigzang e C am inha (2002a, 2002b) no Program a Interdisciplinar
de Prom oção e A tenção à Saúde (PIPA S/U N ISIN O S). O processo de
avaliação diagnóstica e intervenção clínica é descrito a seguir.

A in te r v e n ç ã o

A am ostra do estudo foi com posta por treze m eninas com idades
entre nove e dezesseis anos vítim as de abuso sexual. O critério de
inclusão na am ostra foi a presença de pelo m enos um episódio de
abuso na história das participantes - situações de assédio sexual,
carícias em partes íntim as do corpo, m anipulação de genitais, sexo
oral e genital.
D oze m eninas sofreram abuso sexual intrafam iliar e um a foi
vítim a de exploração sexual. N o prim eiro grupo, os abusadores foram :
padrasto (nove casos), tio (dois casos) e irm ão (um caso). N o caso de
abuso extrafam iliar, foi constatado que a m ãe estava envolvida na
exploração sexual da m enina. T odos os casos já haviam sido notifi­
cados aos órgãos de proteção a crianças e a adolescentes. Q uando
chegaram ao program a, oito m eninas estavam convivendo com as
fam ílias e cinco estavam abrigadas com o m edida de proteção. D urante
as entrevistas de avaliação individual verificou-se que um a das
94 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

garotas, que residia com a fam ília, estava exposta a situações sexual­
m ente abusivas, o que foi notificado ao C onselho T utelar, que deter­
m inou sua condução ao abrigo - um a vez que nenhum fam iliar
dem onstrou interesse em cuidar dela.
A s participantes foram encam inhadas para tratam ento psicote-
rápico por diferentes instituições: C onselho T utelar (dois casos),
Juizado da Infância e Juventude (um caso), abrigos (cinco casos),
escola (um caso) e fam iliares (quatro casos). T odas foram incluídas
no estudo m ediante o consentim ento livre e inform ado, protocolado
com o norm a de atendim ento do PIPA S, assinado pelos responsáveis
legais e pelas próprias m eninas.
A s jovens foram atendidas em dois grupos, com postos pela
ordem de chegada ao program a. O prim eiro ocorreu em 2001, com
seis participantes, e o segundo grupo aconteceu em 2002, com sete
participantes.
A intervenção foi dividida em três etapas: avaliação diagnóstica
individual, grupoterapia cognitivo-com portam ental e reavaliação
diagnóstica individual.

Avaliação diagnóstica individual


A avaliação diagnóstica individual foi realizada conform e o
m odelo proposto por Flores e C am inha (1994). Foram realizadas
entrevistas sem i-estruturadas (A nexo A ) com a criança, cujo objetivo
era obter a revelação do abuso e m apear pensam entos, sentim entos,
dinâm icas e conseqüências da experiência traum ática. T am bém foram
investigadas as alterações com portam entais e a presença de
psicopatologias intercorrentes com o, por exem plo, transtorno de
estresse pós-traum ático (A nexo B ). O utras psicopatologias, com o
depressão, transtorno de ansiedade e transtorno dissociativo, foram
avaliadas através da investigação dos critérios diagnósticos
estabelecidos pelo D SM -IV . A lguns recursos de apoio, com o bonecos
anatom icam ente perfeitos e desenhos (pessoa, fam ília, lugar ou
situação boa, lugar ou situação ruim ), foram utilizados para facilitar
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 95

a entrevista com a criança. Instrum entos psicológicos, com o W ise


(teste de inteligência), B ender (teste de m aturação viso-m otora) e
E SI (escala de estresse infantil) foram utilizados, além das entrevistas,
para auxiliar na avaliação clínica.
É im portante ressaltar que o estabelecim ento de um a relação de
confiança com a criança é fundam ental para que ela se sinta
confortável para revelar situações abusivas que geram sofrim ento e
que, m uitas vezes, não foram anteriorm ente relatadas em detalhes a
outras pessoas. E sta relação é construída com a criança por m eio do
rapport , no qual deve ficar claro o papel do psicólogo de ajudá-la a
lidar com as experiências abusivas e não julgá-la pelo ocorrido. A lém
disso, o profissional deve dem onstrar credibilidade no relato da criança
e salientar sua inocência com relação ao abuso sexual. É recom endável
disponibilizar o telefone do profissional à criança para que ela possa
procurá-lo em situações-problem a. T am bém é im portante estabelecer
o contrato segundo o qual os fatos relatados no setting terapêutico
serão m antidos em sigilo, desde que não apresente risco à integridade
física e psicológica da criança ou do adolescente (por exem plo:
situações de m aus tratos, ideações ou tentativas de suicídio). C onvém
com binar com a criança ou o adolescente quando, a quem e com
relação a que o sigilo será rom pido com o form a de proteção. T odas
essas m edidas asseguram a confiança da criança no psicólogo -
relação que deve ser m antida pelo profissional, um a vez que, na
m aioria dos casos, as m eninas apresentam dificuldades para confiar
nas pessoas, devido às experiências negativas a que foram subm etidas
por adultos nos quais confiava.
O diagnóstico incluiu entrevistas com os pais ou responsáveis e
dem ais m em bros da fam ília nuclear. Foram estabelecidos contatos
com os professores da criança e dem ais pessoas da sua rede de apoio.
N esses contatos, buscou-se a confirm ação do abuso por m em bros da
fam ília e verificou-se a existência de fatores de risco da dinâm ica da
96 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

fam ília incestuosa. A lém disso, tam bém foram investigadas possíveis
alterações com portam entais e sintom as psicopatológicos decorrentes
do abuso que podem não haver sido relatados pela criança.
Segundo Flores e C am inha (1994), o diagnóstico para abuso
sexual é realizado a partir dos seguintes critérios:

• ausência de variáveis - diagnóstico inconclusivo;

• apenas o relato de abuso da criança - diagnóstico positivo


específico;

• o relato de abuso da criança com m ais um a ou duas alterações


com portam entais ou sintom as psicopatológicos - diagnóstico
conclusivo;

• o relato de abuso da criança com m ais três ou quatro alterações


com portam entais ou sintom as psicopatológicos - diagnóstico
positivo definitivo.

A pós a avaliação diagnostica, foram tom adas as m edidas de


proteção previstas em lei nos casos em que a criança ou a adolescente
ainda estava sofrendo abuso sexual. A lém disso, apresentou-se à
vítim a e a fam ília a m odalidade de grupoterapia cognitivo-com por-
tam ental com o possibilidade de tratam ento.

Grupoterapia cognitivo-comportamental
A grupoterapia cognitivo-com portam ental teve com o objetivos:
1) cessar a exposição da criança ou do adolescente ao evento
estressante; 2) abordar terapeuticam ente a experiência traum ática,
com a recuperação e a reestruturação sem ântica da m em ória trau­
m ática; 3) construir estratégias cognitivas e com portam entais
funcionais para lidar com as reações psicológicas e fisiológicas
relativas ao traum a; 4) desenvolver estratégias cognitivo-com por-
tam entais de autoproteção; 5) potencializar a proteção externa
(fam iliares e/ou cuidadores) para a criança (H abigzang & C am inha,
2002a, 2002b).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 97

O grupo era fechado, não havendo, portanto, entrada nem , prefe­


rencialm ente, saída de com ponentes, que foram de no m ínim o seis e
no m áxim o dez m eninas. A s sessões tiveram ffeqüência sem anal, com
duração de um a hora e trinta m inutos, em um período de vinte sem anas.
H abigzang e C am inha (2002a, 2002b) dividiram o processo
grupoterápico em três fases fundam entais que são: 1) concei-
tuação cognitivo-com portam ental; 2) reestruturação cognitivo-
com portam ental, e 3) prevenção à recaída. O detalham ento das
técnicas utilizadas em cada sessão da grupoterapia será apre­
sentado na Parte III.

• Fase 1. C onceituação C ognitivo-C om portam ental: envolveu


as dinâm icas de apresentação dos m em bros do grupo,
revelação do abuso e abordagem da sua dinâm ica, através do
m apeam ento de rituais associados, freqüência, duração e
segredo, assim com o dos sentim entos, pensam entos e
com portam entos decorrentes. T am bém foram abordados o
relacionam ento com o abusador e dem ais m em bros da fam ília
nuclear. A lém disso, ocorreu a psicoeducação quanto ao abuso
sexual, envolvendo as relações entre abuso/traum a e as
situações atuais, e a psicoeducação quanto ao m odelo cogni­
tivo que foi utilizado no grupo.

• Fase 2 . R eestruturação C ognitivo-C om portam ental: envolveu


todo o conjunto de técnicas cognitivo-com portam entais para
a reestruturação e alteração do repertório cognitivo-com por­
tam ental das participantes do grupo. N esta fase, foram incluí­
das oficinas de educação sexual e de psicom otricidade visan­
do a reintegração de esquem a corporal.

• Fase 3. Prevenção à R ecaída: foram trabalhadas questões


relativas ao E C A (E statuto da C riança e do A dolescente) e
construíram -se estratégias de proteção para estresses reais e/
ou presum idos (prevenção à reincidência).
98 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

E sse m odelo de intervenção sugere que os cuidadores das


crianças se reunam , paralelam ente à grupoterapia, com os terapeutas
responsáveis - podendo ser, ou não, os m esm os profissionais que
atendem o grupo de crianças. A s reuniões devem ter objetivos
terapêuticos, a fim de proporcionar alterações no contexto fam iliar e
potencializar o apoio afetivo e protetivo às crianças (H abigzang &
C am inha, 2002a, 2002b). A s m udanças no contingente fam iliar são
im perativas para a quebra da m ultigeracionalidade da violência intra-
fam iliar. N ão havendo m udanças evidentes no contexto am biental,
as crianças tendem a incorporar as estratégias cognitivo-com porta-
m entais dos adultos referenciais, m antendo, desse m odo, o ciclo da
violência. A lém disso, as reestruturações cognitivas e com porta-
m entais trabalhadas com crianças e adolescentes som ente serão
desenvolvidas e m antidas se houver a colaboração das pessoas
significativas no processo de m udança.

Reavaliação diagnostica individual


A evolução clínica das participantes foi acom panhada e avaliada
pelo terapeuta durante toda a intervenção. O s relatos das m eninas e
seus registros escritos foram utilizados com o instrum entos para avaliar
m udanças em com portam entos, crenças e sentim entos com relação
ao abuso e para redução dos sintom as psicopatológicos. A s reuniões
com os cuidadores tam bém foram indicadores de m udanças clínicas.
A pós o processo grupoterápico, realizou-se um a reavaliação
diagnostica individual, por m eio de entrevistas com as m eninas, os
cuidadores, os professores e outras pessoas significativas. N essas
conversas, foram retom ados os resultados da avaliação inicial e
discutiram -se, com as m eninas e seus cuidadores, as m udanças clínicas
ocorridas durante a grupoterapia e a possibilidade de térm ino do
tratam ento.
Pa r t e HI

An a l is a n d o a in t e r v e n ç ã o
E M A B U S O S E X U A L N A IN F Â N C IA E

N A A D O L E S C Ê N C IA
Re s u l t a d o s d a in t e r v e n ç ã o

este capítulo, estão descritos os resultados das três etapas

N que constituíram a intervenção: a avaliação diagnostica


individual, com um a breve descrição de cada participante, a história
do abuso e os sintom as identificados; a grupoterapia cognitivo-
com portam ental, com a descrição das técnicas, articulada com
resultados ilustrados por recortes clínicos; e a reavaliação diagnostica
individual, com as m udanças clínicas decorrentes do processo
terapêutico.

R e s u lta d o s d a a v a lia ç ã o d ia g n o s tic a in d iv id u a l

O grupo 1 (G l) foi com posto por seis m eninas com idade entre
nove e catorze anos - cinco estavam em um abrigo, responsável pelo
encam inham ento para psicoterapia, e um a residia com a m ãe, tendo
sido encam inhada para o PIPA S pela escola que suspeitou que a
m enina estava sendo vítim a de abusos sexuais.
D aiana* tinha treze anos e m orava com a m ãe e o padrasto, até
a escola com eçar a suspeitar que poderia estar sendo vítim a de
abusos sexuais. E la vinha dim inuindo consideravelm ente seu
rendim ento escolar e estava sem pre isolada do restante da turm a.

* Foram atribuídos nom es fictícios para proteção da identidade das participantes.


102 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

A lém disso, a direção da escola afirm ou que o padrasto ficava


durante todo turno de aula à espera da m enina no portão e im pedia
que ela conversasse com os colegas na saída. A diretora cham ou
D aiana para conversar, e ela, então, relatou que o padrasto m antinha
relações sexuais com ela. A escola encam inhou a m enina para
psicoterapia e acionou o C onselho T utelar (C T ). D iante da revelação
da filha, a m ãe separou-se do com panheiro com quem estava vivendo
há oito anos. N a avaliação diagnostica, D aiana afirm ou que os
abusos com eçaram pouco antes de ela com pletar nove anos. Segundo
seu relato, o padrasto a am eaçava com facas, a agredia com tapas
no rosto e a am arrava com cordas na cam a da m ãe. D aiana ficava
aos cuidados dele enquanto a m ãe trabalhava e os abusos eram
diários. E la contou que o padrasto era cium ento e violento com ela
e a m ãe, principalm ente quando alcoolizado. D aiana revelou sentir
m edo que ele voltasse para cum prir as am eaças de m atá-la, caso
contasse o que se passava entre eles. D e fato, o padrasto apareceu
algum as vezes e am eaçou de m orte a m enina e a m ãe caso não
retirassem a queixa contra ele. A m ãe m anteve-se firm e na posição
de proteger a filha e o processo teve continuidade no Juizado da
Infância e Juventude. D aiana apresentava quadro de T E PT ,
dificuldades de aprendizagem , sentim ento de culpa pelo abuso,
crises de m edo e estava m uito agressiva com a m ãe.
T atiana tinha doze anos e sua irm ã Paula catorze. A m bas
estavam em um abrigo, pois sofreram abuso sexual pelo tio que as
criava. E las m oravam com os tios desde m uito pequenas, porque a
m ãe não tinha condições financeiras para sustentá-las. Segundo as
m eninas, os abusos com eçaram quando tinham seis e oito anos,
respectivam ente. T atiana relatou que o assédio ocorria à noite,
enquanto a tia dorm ia. U m a não sabia que o m esm o ocorria com a
outra. A denúncia partiu de Paula, que contou à m ãe que o tio “se
passava com ela” (sic). E m seguida, T atiana relatou que tam bém
era vítim a dos abusos. A m ãe fez a denúncia na delegacia e o
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 103

C onselho T utelar foi acionado, decidindo pelo encam inham ento das
m eninas ao abrigo. C onform e o relato delas, os abusos incluíam
carícias e beijos nos genitais, tanto da parte delas, quanto da parte
do tio. A s m eninas disseram que ele pedia que m antivessem a relação
em segredo, pois algo de m uito ruim podería acontecer a toda a
fam ília, caso a tia soubesse. E las m antiveram o segredo durante
seis anos. T atiana e Paula estavam com dificuldades escolares e
apresentavam quadro de T E PT . T atiana tam bém tinha sintom as
dissociativos sérios, e identificaram -se sintom as de depressão em
Paula. T atiana estava m uito triste e tem ia que os tios fizessem algo
contra elas. Paula sentia m uita raiva do tio e da tia, que não acreditou
nelas. C om freqüência, Paula revelava seu desejo de m orrer, em bora
não tivesse planos de suicídio e afirm asse não ter coragem para tal.
A s duas revelaram sentir culpa por ter m antido o abuso em segredo
durante tanto tem po.
D aniela, de onze anos, estava no m esm o abrigo em que T atiana
e Paula m oravam . R evelou que o padrasto batia m uito nela e que
tentou pegá-la duas vezes, correndo sem roupas atrás dela. T inha
cicatrizes no corpo e no rosto das surras que levou do padrasto.
Segundo ela, pediu ajuda à m ãe e esta nada fez, duvidando dos
abusos por parte do m arido. D aniela, então, solicitou o auxílio de
um a vizinha, que denunciou a situação ao C onselho T utelar. Segundo
a diretoria do abrigo, D aniela foi para lá por decisão do C T , já que
a m ãe optou em ficar com o m arido. A m enina apresentava quadro
de T E PT e episódios de intenso m edo. T am bém tinha dificuldade
para se concentrar nas atividades escolares. D aniela expressou
sentim entos de culpa, tristeza e raiva por estar afastada da m ãe e
dos irm ãos, e revelou o desejo de que a m ãe ainda iria se separar do
padrasto e levá-la de volta ao convívio fam iliar. N o entanto, a m ãe
de D aniela nunca buscou inform ações sobre a filha junto ao C T , e
não tinha conhecim ento de onde a m enina estava vivendo, por
m edidas de proteção.
104 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

A line tinha nove anos e já estava há três anos no m esm o abrigo


que as dem ais m eninas, por causa dos abusos sexuais perpetrados
pelo irm ão. E la tinha seis anos e seu irm ão catorze quando ele a
obrigou a m anter relações sexuais pela prim eira vez. Pouco tem po
depois, A line revelou os abusos à m ãe. E sta pediu ajuda ao C T que
abrigou a m enina e encam inhou o rapaz a um centro de atendim ento
a adolescentes em conflito com a lei, um a vez que a m ãe disse não
ter condições de cuidar das crianças. A line contou que tinha outra
irm ã que era criada por um a vizinha. E la disse sentir saudades da
m ãe e dos irm ãos e o desejo de voltar a viver com eles. Foram
identificados sintom as de T E PT , com o angústia nas lem branças
traum áticas, fuga de sentim entos, pensam entos e locais referentes
ao abuso, lem branças e im agens intrusivas, entre outros, e de
transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. A line apresentava
problem as de aprendizagem escolar e estava repetindo pela segunda
vez a prim eira série, e ainda não sabia ler e escrever palavras sim ples.
A lém disso, isolava-se das outras crianças, tanto na escola quanto
no abrigo, ficando calada e distante de todos. D e acordo com as
m onitoras do abrigo, A line estava sem pre triste e dificilm ente
brincava com as outras, preferindo ajudar nas tarefas diárias do
abrigo.
G abriela tinha treze anos e tam bém m orava no abrigo havia
dois anos. Segundo a diretora do abrigo, ela foi encam inhada pelo
C T devido a um a denúncia de que era explorada sexualm ente pela
m ãe. G abriela era m uito calada e desconfiada. Seu período de
avaliação individual necessitou de um núm ero m aior de sessões, pois
ela ficava com pletam ente calada nas entrevistas. A os poucos, revelou
que nos finais de sem ana era obrigada a ir à casa de um hom em , que
dava dinheiro a sua m ãe. C ontou que esse hom em a levava para a
casa dele e à noite ia para sua cam a. G abriela sentia intensa ansiedade
ao falar do assunto, fechando os olhos e apertando as m ãos. Falava
m uito baixo, olhando sem pre para o chão e dizia sentir vergonha. A
m enina apresentava T E PT , dificuldades de aprendizagem , um severo
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 105

atraso no desenvolvim ento cognitivo, verificado através de


instrum entos psicológicos (W ise e B ender) e evitava o contato físico,
m antendo-se isolada das dem ais pessoas. E la relatou não confiar em
ninguém e não gostar de viver no abrigo.
O grupo 2 (G 2) foi com posto por sete m eninas com idade entre
doze e dezesseis anos. T odas as m eninas viviam com as fam ílias,
com exceção de um a que foi abrigada durante a avaliação diagnostica,
por ainda estar exposta aos abusos sexuais e a m ãe não acreditar na
revelação da filha.
C am ila tinha 15 anos quando foi encam inhada para o PIPA S
pelo Juizado da Infância e Juventude, após tentar retirar a queixa de
abuso sexual que registrara sem anas antes contra o padrasto. A
assistente social do Fórum suspeitou que a m enina havia sido forçada
a se retratar e exigiu acom panham ento psicológico. N o início da
avaliação, C am ila falava apenas quando solicitada e se expressava
com respostas objetivas. D isse que não confiava nas pessoas e que
não podia falar nada, porque a m ãe a m andaria em bora de casa. A os
poucos, estabeleceu-se um a relação de confiança e C am ila revelou
que foi obrigada pela m ãe e pelo padrasto a retirar a queixa. C ontou
que o padrasto abusava sexualm ente dela desde os sete anos. N o início,
os abusos ocorriam durante o dia, enquanto a m ãe trabalhava. C am ila
disse que ele a obrigava a estudar com ele, e a cada resposta errada
que dava tinha que escolher entre tirar um a peça de roupa ou levar
um a cintada. D epois, os abusos passaram a ocorrer à noite, enquanto
a m ãe dorm ia sob efeitos de sedativos. C am ila era obrigada a assistir
film es pornográficos com o padrasto e im itar o que se passava nas
cenas. T am bém relatou que o padrasto estudava na m esm a escola-
supletivo que ela, na m esm a turm a, para controlá-la. C am ila foi
proibida de ter am igos e não podia sair de dentro de casa sem a
presença da m ãe ou do padrasto. E la estava afastada da escola com o
castigo, pois não havia passado no curso supletivo, o que reforçava
sua baixa auto-estim a. A m ãe foi cham ada para um a entrevista e negou
os fatos relatados pela filha, dizendo que ela era louca e m entirosa.
106 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

Sem a m ãe saber, m as com o consentim ento de C am ila, efetuam os


um a nova denúncia junto ao C T e ao Juizado da Infância e Juventude
e providenciam os seu encam inham ento ao abrigo. C am ila
apresentava quadros de T E PT e de depressão, conduta hiper-
sexualizada e com portam entos de pequenos furtos. Sentia-se culpada
por não ter revelado o abuso quando ainda era pequena, pois tinha a
crença de que se o tivesse feito logo no início, sua m ãe teria lhe dado
credibilidade.
A s irm ãs V anessa e L uciana tinham , respectivam ente, catorze
e treze anos. V ieram ao atendim ento trazidas pela m ãe, que estava
m uito confusa com as revelações das filhas de que seu com ­
panheiro abusava sexualm ente delas. As garotas relataram que
eram vítim as do padrasto desde os nove e os oito anos, respec­
tivam ente. O s abusos incluíam carícias e m anipulação dos genitais.
V anessa tinha com o agravante os abusos físicos e psicológicos
perpetrados pela m adrasta durante o tem po em que viveu com o
pai. A m ãe das m eninas estava em ocionalm ente m uito debilitada
e com problem as de alcoolism o. L uciana apresentava sintom as
de T E PT , hiperatividade e com portam entos agressivos com a m ãe
e a irm ã. T am bém estava com problem as de indisciplina na escola,
onde foi flagrada fum ando m aconha. A m ãe relatou que L uciana
havia furtado, com alguns am igos, xam pus dos vizinhos do prédio
durante a m adrugada. V anessa apresentava quadro de T E PT e
depressão. Já tinha tentado o suicídio ingerindo m edicam entos.
Sentia-se m uito culpada pelos abusos e apresentava um a bai­
xíssim a auto-estim a. V anessa relatou que ainda tinha planos de
suicídio porque não via m ais saída para tanto sofrim ento. T am bém
apresentava dificuldades escolares, tendo grande possibilidade de
repetir o ano pela segunda vez. A lém de fazer a avaliação diag-
nóstica, encam inham os V anessa para avaliação psiquiátrica e
realizam os intervenções focais para risco de suicídio.
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 107

Joana tinha dezesseis anos e veio acom panhada pela m ãe, que
estava desesperada com a revelação de abuso da filha. E la vivia com
a m ãe e o padrasto, quando este tentou m anter relações sexuais com
ela duas vezes. N a prim eira, Joana estava dorm indo quando sentiu
um a m ão tocando suas pernas debaixo das cobertas, com o quarto
totalm ente escuro. E la gritou e correu para o quarto da m ãe. O padrasto
disse que só havia ido buscar o cachorrinho de Joana para colocá-lo
na cozinha. N a segunda vez, a garota estava sozinha em casa com o
padrasto, quando ele a agarrou e a atirou na cam a. E la disse que ele
lhe bateu no rosto e tentou tirar sua roupa. D epois de algum tem po de
luta, segundo a m enina, ela conseguiu escapar e fugiu para a casa da
vizinha que a socorreu. Q uando a m ãe chegou em casa e soube do
ocorrido, fugiu com a filha para outra cidade, onde passaram a m orar
com a tia. Joana disse que o padrasto estava sem pre bêbado e desde
m uito pequena o via agredindo fisicam ente sua m ãe. D isse que
desejava que ele m orresse, após ser torturado. D urante as entrevistas
de avaliação, Joana descreveu em detalhes rituais de tortura e fez
desenhos sobre assassinatos. E la apresentava sintom as de T E PT e
sintom as dissociativos, descrevendo episódios nos quais rom pia com
a realidade, pois segundo ela, esta era insuportável. R elatou que sentia
ódio pelo ocorrido e tinha idéias fixas de vingança. D izia que não
tinha am igos nem nam orado e tam pouco fazia questão de ter. A m ãe
contou que ela passava horas lendo ou desenhando, e gostava de
brincar de bonecas com crianças bem m enores do que ela. N o decorrer
da avaliação, foi revelado que Joana já havia planejado suicídio um
tem po antes.
M ariana tinha quinze anos e veio acom panhada pela avó, com
quem estava m orando devido aos abusos físicos, psicológicos e
sexuais do padrasto. Segundo a garota, a m ãe preferiu ficar com o
padrasto, em bora tivesse conhecim ento do que ele fazia com a filha,
já que m ais de um a vez presenciara o m arido fazendo carícias nela.
108 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

M ariana disse que não sabia ao certo quando os abusos sexuais


com eçaram , m as achava que fora por volta dos seis anos. C ontou
que iniciaram com carícias e chegaram em relações com penetração.
M ariana dem onstrava m uita vergonha em relatar a história e chorou
bastante durante as entrevistas. D isse que sem pre foi infeliz e que
devia ser m uito ruim para que tivessem feito isso com ela. A presentava
quadros de T E PT , depressão e ansiedade. N ão tinha expectativas com
relação ao futuro e contou que já havia tentado o suicídio três vezes,
m ostrando as cicatrizes nos pulsos. M ariana tam bém foi encam inhada
para avaliação psiquiátrica. A lém dos m aus-tratos do padrasto, relatou
sérios abusos psicológicos e negligências por parte da m ãe. E m bora
a m ãe dissesse que a odiava, que havia tentado abortá-la e m atá-la,
depois que ela nasceu, a m enina dizia que gostava da m ãe e sentia
sua falta. T am bém se queixava de saudades da irm ã que continuou
vivendo com a m ãe. M ariana disse que ficava m uito ansiosa ao
lem brar das am eaças de m orte da m ãe e do padrasto por ter revelado
ao restante da fam ília os m aus-tratos que sofria.
C arolina tinha catorze anos quando veio acom panhada pela m ãe
ao PIPA S. A m ãe estava m uito assustada com as cartas que a filha
havia recebido do padrasto. E las diziam que ele queria fazer com a
m enina o que fazia com a m ãe, que a am ava de um jeito diferente da
irm ã (filha biológica dele) e que era m ais bonita que a m ãe. Segundo
C arolina, já tinha recebido duas cartas do padrasto, quando decidiu
entregá-las a m ãe. A ntes, a m ãe de C arolina tinha flagrado o m arido
m asturbando-se com as calcinhas da filha. E la então alertou a m enina
com relação ao padrasto e acreditou nas prom essas dele de que jam ais
tentaria nada. No entanto, C arolina ficou m uito assustada e
decepcionada com o que a m ãe lhe contou e passou a ter insônia por
m edo que ele viesse im portuná-la a noite. E la tam bém passou a ter
dificuldades escolares. C om as cartas, a m ãe se convenceu de que o
m arido não havia m udado e o m andou em bora. C arolina sentia-se
culpada pela desestruturação da fam ília, principalm ente pela tristeza
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 109

da irm ã de sete anos, com a separação dos pais. E la apresentava alguns


critérios de T E PT , com o, revivência do traum a por m eio de lem branças
intrusivas, angústia nas lem branças traum áticas e dificuldade de
concentração, em bora não tenha fechado critérios diagnósticos para
tal psicopatologia.
T iciane tinha doze anos e realizou a avaliação para ser incluída
no grupo. E la veio por interm édio da m ãe, que buscava atendim ento
para si. A m ãe relatou que precisava de ajuda, pois o m arido havia
abusado sexualm ente de sua filha e, diante da confissão dele, ela
tinha pedido a separação, o que a estava fazendo sofrer m uito. D isse
que era apaixonada pelo m arido e que percebia que estava m altratando
a filha, com o se ela a tivesse traído. A m ãe foi encam inhada para
psicoterapia e concordou em trazer a filha para avaliação. T iciane
contou que o padrasto entrou em seu quarto à noite, enquanto a m ãe
trabalhava (no turno da noite, com o auxiliar de enferm agem em um
hospital), e deitou-se com ela, acariciando-lhe o corpo. A m enina
contou que saiu correndo, trancou-se no quarto da m ãe e ligou para o
celular dela pedindo ajuda. C ontou que quando a m ãe chegou o
padrasto havia fugido, voltando dias depois para buscar suas coisas.
T iciane disse que se sentia culpada pela tristeza da m ãe, e que, depois
do ocorrido, não conseguia estudar, tinha pesadelos, isolou-se dos
am igos e passou a ter m edo de qualquer hom em que se aproxim asse.
E la apresentava quadro de T E PT e relatou desejo de m orrer. C ontou
que um tem po antes tentara suicídio por auto-sufocam ento com o
travesseiro. T am bém revelou sentir m edo de que a m ãe tivesse um a
recaída e voltasse para o padrasto, pois ele ligava freqüentem ente e
eles ficavam horas conversando no telefone. A m ãe de T iciane contou
que havia retirado a queixa contra o ex-m arido para não prejudicá-
lo, m as que a filha não sabia de nada.
A s T abelas 1 e 2 apresentam os resultados da avaliação inicial
do G 1 e do G 2, com relação aos sintom as de T E PT e às alterações
com portam entais identificadas.
no Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

T a b e la 1 . Sintom as de transtorno do estresse pós-traum ático em G 1 e G 2

S in to m a s d e T E P T M e n in a s G 1 M e n in a s G 2

(« = 6) (n=7)
angústia nas lem branças traum áticas 6 6
fuga: sentim entos, pensam entos, 5 7
locais, situações
lem branças/im agens intrusas 6 7
dificuldade de concentração 5 7
sentim ento de estar sozinha, 2 6
separada, alienada
com portam ento de reconstituição 3 1

sonhos traum áticos 2 3


irritabilidade ou raiva 2 7
dificuldades para dorm ir 2 4

hipervigilância 3 3
lapsos de m em ória 2 0
interesse reduzido em atividades habituais 1 1

resposta exagerada de sobressalto 1 1

alteração na orientação com respeito 0 1

ao futuro

T a b e la 2 . A lterações com portam entais em G 1 e G 2

A lte r a ç ã o c o m p o r ta m e n ta l M e n in a s G 1 M e n in a s G 2

(/* = 6) (« = 7 )

episódios de m edo ou pânico 4 5


ansiedade generalizada 2 3
transtorno do sono 3 4
m udança de com portam ento na escola 3 5
fugas do lar 2 4
fadiga 2 2
isolam ento 2 6
esquiva do contato físico 2 3
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 111

falta de apetite 2 0
aum ento de apetite 0 1
atraso do desenvolvim ento 1 1
(C ognitivo; m otor; afetivo)
atuação tipo M entiras e furtos 0 3
atuação sexual 0 1
perda de peso 1 1
abandono de hábitos lúdicos 1 0
com portam ento suicida 0 5
uso de m aconha 0 2

G r u p o te r a p ia

A seguir estão descritas em detalhes as técnicas cognitivas e


com portam entais desenvolvidas em cada sessão do grupo. O s resultados
estão apresentados através de recortes clínicos do G 1 e G 2.

I a sessão
Rapport . Incluiu apresentação dos terapeutas coordenadores e
todas as inform ações necessárias sobre o funcionam ento do grupo,
tais com o: dia dos encontros, horários, tem po de duração, etc.
D inâm ica de apresentação. Foi realizada um a dinâm ica de grupo
que favoreceu a apresentação e a caracterização das participantes,
envolvendo a realização de entrevistas entre as m eninas. A s perguntas
m ais freqüentes foram : nom e, idade, onde m ora, onde estuda, o que
gosta de fazer. D epois, as inform ações obtidas nas entrevistas foram
apresentadas no grupo.
Identidade do grupo. O passo seguinte foi conversar com as
m eninas do grupo sobre o porquê de estarem reunidas, abordando quais
experiências de vida as trouxeram para o atendim ento (cabe lem brar
que as m eninas foram individualm ente preparadas para o grupo). N esse
m om ento, discutiu-se no grupo o que é um abuso sexual, pois as
112 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

experiências das m eninas eram diferentes quanto à duração, ao


perpetrador e ao tipo de situação que ocorreu. T am bém foram abordadas
as possíveis conseqüências dessa experiência para a vida das pessoas.

E fundam ental que a identidade do grupo seja com preendida por todas
as participantes para que se possa introduzir os objetivos do tratam ento.
Se elas não trouxerem a questão do abuso, é im portante que os terapeutas
expliquem que a razão de estarem reunidas é o fato de terem tido
experiências de abuso sexual. R evelações sobre as situações de abuso
são com uns nesse m om ento, em bora a abordagem m ais específica do
abuso esteja program ada para a segunda sessão. N o prim eiro encontro
foi escolhido um nom e para caracterizar o grupo, com o “m eninas
secretas” e “m eninas superpoderosas” (nom es escolhidos pelos grupos
G 1 e G 2, respectivam ente).
Apresentação dos objetivos. Os terapeutas verificaram as
expectativas das m eninas com relação ao grupo e com partilharam
com elas os objetivos de trabalho. Foi realizado um painel para
verificar o que as m eninas esperavam . E ntre as principais idéias
apresentadas, surgiram as seguintes: “aprender a lidar com o que
aconteceu”, “entender por que isso aconteceu com igo”, “que cada
um a de nós consiga resolver seu problem a e que sejam os am igas”,
“sair na rua sem achar que está todo m undo te olhando e te julgando,
sem saber o que realm ente aconteceu”, “esquecer o abuso”, “não
falar m uito do abuso”, “aprender a conviver com o problem a”. T odas
as idéias foram discutidas no grupo a partir dos seguintes objetivos:
• terapêutico: m inim izar os efeitos do evento traum ático na
vida das participantes;

• auto-ajuda: o sentido de ajuda e reforço m útuo entre os


m em bros do grupo;

• psicoeducativo: aprendizagem sobre os efeitos do abuso em


suas vidas nos planos afetivo, cognitivo e com portam ental.

A lgum as expectativas, com o “não falar sobre o abuso” e “esquecer


o que aconteceu” foram exploradas de form a realística com o grupo. A s
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 113

terapeutas explicaram que quando falam os de algo que nos incom oda e
nos faz sofrer, podem os sentir alívio e construir novas m aneiras de lidar
com isso, e que, por essa razão, o grupo estava ali, para que um a pudesse
ajudar a outra, já que passaram por experiências sem elhantes. E las
esclareceram que, para atingir objetivos com o entender o que aconteceu
e aprender a lidar com o abuso, seria preciso falar sobre a experiência e
que o fato não se apagaria por com pleto da m em ória, m as que trabalhariam
para m udar o que as lem branças representavam em suas vidas. A s m eninas
precisavam com preender que o grupo constitui um espaço seguro para
falar das experiências abusivas a fim de que pudessem aprender m aneiras
de lidar com as conseqüências no dia-a-dia.

2 a sessão
Estabelecim ento de confiança. R ealizaram -se dinâm icas para
estim ular a confiança e a coesão entre os m em bros do grupo. Por
exem plo, “cam inhada em confiança” (Sm ith, 1996), na qual as
m eninas foram divididas em duplas, e um a delas vendou os olhos
para ser conduzida em um a cam inhada pela sua com panheira. D epois
os papéis se inverteram . N o final da técnica exploram os os sentim entos
e os pensam entos com relação à atividade realizada, buscando
salientar o quanto é im portante ter alguém para confiar quando
enfrentam os algum a dificuldade. R eforçou-se a idéia de que o grupo
constituía um espaço seguro e possível para expor as experiências
sexualm ente abusivas a que foram subm etidas.
Relato das situações abusivas. A s participantes foram convi­
dadas a revelar as experiências de abuso sexual de form a verbal, escrita
ou desenhada. B uscou-se com preender a dinâm ica dos abusos, os
rituais dissociativos, a freqüência, a duração, a intensidade, o segredo
e a coerção. Paula relatou: “A m inha vida não é com o a m aioria das
gurias que tem no m eu colégio. Q uando eu ia para a escola m e sentia
um a m enina m uito triste, porque tudo aquilo que estava acontecendo
com igo não era certo. Por que só com igo e não com as outras m eninas
que passavam por m im .” ( sic )
114 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

Isenção da culpa: E videnciou-se a ausência de culpa das


m eninas com relação à situação de abuso através da reelaboração
sem ântica do fato e da revelação. A s m eninas foram convidadas a
elaborar e verbalizar um a explicação alternativa para o acontecim ento
que não as culpabilizasse. E m am bos os grupos, as garotas revelaram
sentir culpa por terem m antido o abuso em segredo durante um longo
período e por serem responsáveis pela desestruturação da fam ília.
Para algum as, a questão era tão forte que pedim os que registrassem
por escrito em um cartão am arelo um a explicação que não as
culpabilizasse. N os encontros seguintes, elas contaram que colocaram
os cartões em lugares em que sem pre podiam reler seu conteúdo e
que isso as ajudava a perceber que o adulto agressor foi o culpado e
elas não poderíam ter agido de form a diferente, pois tinham m uito
m edo de que as am eaças fossem colocadas em prática.
V anessa relatou que então entendia que o padrasto era o
culpado pelo abuso, m as se sentia culpada por ter m antido o fato
em segredo. C arolina então se posicionou dizendo que não deveria
sentir culpa, pois ela não contou nada devido às am eaças que recebia
e ao m edo de ser castigada. O s terapeutas questionaram V anessa se
a explicação dada por C arolina tinha algum sentido. E la respondeu
não que sim . E ntão foi pedido que ela explicasse ao grupo por que
ela não teve culpa por guardar segredo do abuso. E la disse: “E u
não tenho culpa porque acreditava que ele faria m al a m im e a m inha
irm ã. T inha m uito m edo do que podería acontecer, por isso não
contava nada para ninguém .” V erificam os que o apoio dado por
um a paciente à outra produziu im portantes efeitos terapêuticos com
relação ao sentim ento de culpa.
Im pacto pós-revelação. É fundam ental abordar o im pacto,
principalm ente o afetivo, da revelação do abuso no grupo. A ssim ,
depois que cada m enina expôs sua experiência, foram avaliados os
sentim entos com relação à revelação.
T atiana disse: “E u m e sinto m ais aliviada. É bom saber que outras
pessoas passaram por isso, antes achava que só acontecia com igo.”
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 115

M ariana relatou: “Foi m uito bom ter contado o que m eu padrasto fez
com igo e não ter passado por m entirosa, com o ele disse que iria
acontecer no dia em que eu contasse isso a alguém .” T odas as m eninas,
de am bos os grupos, m anifestaram sentir alívio em com partilhar o
abuso e constatar que ninguém ali as julgou de form a negativa.

3 a sessão
Reações da fam ília. Foram abordadas as reações, da fam ília e das
dem ais pessoas significativas, diante da revelação. M uitas vezes as
m eninas falaram do fato de terem sido responsabilizadas pelo ocorrido
e pela desestruturação da fam ília. O utras vezes, relataram que tentaram
contar o que acontecia a alguém , m as que não tinham credibilidade.
A s m eninas abrigadas queixaram -se da falta que sentiam dos irm ãos e
da m ágoa com relação às m ães que não acreditaram nelas.
M inhas fam ílias. “D esenho de m inha fam ília ou de m inhas
fam ílias ou cuidadores atuais” (Sm ith, 1996). E ste foi um dispositivo
interessante para abordar as m udanças na configuração fam iliar. A s
participantes desenharam sua fam ília antes e depois da revelação, e
depois com entaram as produções.
M apeam ento das m udanças. B uscou-se conhecer e com preender
as m udanças ocorridas na vida das m eninas depois das situações
abusivas e da quebra do segredo. N o G 1, no qual cinco m eninas estavam
institucionalizadas, verificou-se que o abrigo era entendido com o
punição, o que reforçava a crença de que eram culpadas pelo abuso.
D urante a sessão, G abriela, que estava na casa abrigo, perguntou a
D aiana, que m orava com a m ãe, porque ela pôde ficar em casa. D aiana
respondeu que a m ãe havia m andado o padrasto em bora, m as que tinha
m edo de ficar em casa, porque pensava que ele viria seqüestrá-la para
cum prir as am eaças. E ntão D aniela disse: “É ruim ficar longe de casa,
m as pelo m enos agora a gente está segura. T em os um lugar para m orar
e ninguém abusa da gente.” A lém das m udanças na configuração
fam iliar, as m eninas apontaram alterações na vida escolar (dim inuição
do rendim ento), m aior agressividade com os outros, desconfiança das
116 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

pessoas e o sentim ento de ser diferente das outras pessoas, que as levava
a buscar um distanciam ento. V anessa disse que achava que todos que
olhavam para ela sabiam que ela havia sofrido abuso e que detestava
que a olhassem por causa disso. A coordenação perguntou se, caso se
cruzassem na rua, elas identificariam um as às outras com o vítim as de
abuso sexual sem o relato de cada um a sobre a experiência. T odas
riram e disseram que não im aginariam isso apenas se olhando. Foi
levantada, então a possibilidade de que as pessoas podem olhar para
elas nas ruas por outros m otivos. V anessa riu e disse: “À s vezes tenho
idéias absurdas e é bom falar sobre elas no grupo para ver que são
bobagens da m inha cabeça.”
Im plicações afetivas. O m odelo priorizou a abordagem do afeto,
dos sentim entos de culpa e do resgate das explicações alternativas
trabalhadas anteriorm ente sobre as situações de abuso. A questão da
culpa foi retom ada diversas vezes, pois essa crença disfuncional
geralm ente estava bastante arraigada nas pacientes.

4 a sessão
Psicoeducação quanto ao m odelo cognitivo-com portam ental.
O m odelo foi introduzido com o jogo “o que são em oções”, no qual
o grupo ligava colunas de situações cotidianas às reações afetivas
correspondentes. Foram trabalhadas diversas em oções, com o m edo,
raiva, tristeza, culpa e alegria, por m eio de cartões com “carinhas”
que as representavam . E sse dispositivo possibilita aprender a
discrim inar em oções e nom eá-las de acordo com as situações
cotidianas. Inicialm ente, abordam os as em oções em situações gerais,
e depois focalizam os as em oções relacionadas à experiência de abuso
sexual, com o objetivo de am pliar o repertório afetivo. A s em oções
citadas em com um pelas pacientes foram raiva, ódio, m edo e culpa.
O abusador. A bordaram -se afetos e pensam entos com relação
ao abusador. U m dispositivo utilizado para isso foi a construção do
abusador em m assa de m odelar e a realização de role play com ele
(K nell & R um a, 1999). E ssa técnica proporcionou um a evasão de
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 117

sentim entos até então m antidos em segredo. N essa sessão, D aniela


disse: “V ocê é o culpado de tudo, devia ser preso para ficar longe da
m inha m ãe e eu poder voltar para casa, vou te esm agar agora, eu te
odeio.” Joana falou: ‘T enho m uita raiva de você pelo que fez com igo
e pelas surras que deu na m inha m ãe, espero que você sofra m uito e
pague pelo que fez.” L uciana: “T u é ridículo, feio e eu tenho raiva e
ódio de ti porque tu não tinhas o direito de passar a m ão no m eu
corpo porque eu ainda era um a criança” (sic). M ariana: “E u espero
que você pague pelo m au que m e fez, você não é m eu pai e tam bém
não é um hom em , porque ser hom em é m uito m ais do que ter um
pênis.” V anessa: “E spero que você vá para a cadeia pelo que fez,
porque m e deixou a m arca da vergonha e tentou acabar com m inha
alegria, m as quero dizer que serei feliz e vou dar a volta por cim a.”
A s m eninas do G 1 destruíram os bonecos depois da atividade enquanto
as do G2 preferiram levá-los para casa para xingá-los quando
sentissem m uita raiva. A lgum as idéias sobre os abusadores foram
trabalhadas terapeuticam ente. U m exem plo disso foi a crença que
algum as m eninas do G 2 tinham de que se os padrastos fossem seus
pais biológicos eles não teriam perpetrado o abuso, porque pais de
verdade não fazem isso. A coordenação trouxe para o grupo a
inform ação de que o m aior índice de abusadores nas pesquisas
epidem iológicas são pais biológicos e que os padrastos aparecem em
segundo lugar. A s m eninas ficaram m uito surpresas e quiseram
entender por que eles fazem isso. C am ila disse que devia ser um tipo
de doença. A proveitando a discussão do grupo, a coordenação
conversou com elas sobre pedofilia. T am bém foram discutidas e
avaliadas quais são as reais conseqüências legais para o abusador. A s
m eninas m anifestaram o desejo de que “eles têm que pagar pelo que
fizeram ” (sic) e queixaram -se do atendim ento do C onselho T utelar e
da lentidão da Justiça em prender os abusadores.
M onitoram ento. Introduziu-se o m odelo de m onitoram ento que
seria realizado com o tarefa extra-sessão (A nexo C ). N esse m om ento,
foi solicitado o registro de situações em que houvesse alteração de
118 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

afeto. Inicialm ente, o autom onitoram ento anotou situações gerais,


ocorridas na sem ana, depois passou a focalizar situações em que
ocorriam lem branças intrusivas do abuso.

5 a sessão
Psicoeducação quanto ao m odelo cognitivo-com portam ental.
Foi introduzida a com preensão do pensam ento com o lem brança, idéia
ou im agem que passa pela nossa cabeça e que m uitas vezes é
involuntário (pensam ento autom ático). Foi trabalhada a noção de que
nossos pensam entos estão relacionados ao m odo com o nos sentim os.
R etom ando os m onitoram entos extra-sessão, nos quais foram
registradas situações e em oções, verificaram -se quais foram os
pensam entos associados. Para facilitar a com preensão, utilizam os a
técnica de role play com três personagens: a situação, o pensam ento
e o afeto. E las foram divididas em pequenos subgrupos, que ensaiaram
a dram atização dos personagens para depois apresentar para o grupo.
A s m eninas que estavam assistindo identificam qual foi a situação, o
pensam ento e a em oção.
N o G l, foi dram atizada um a situação registrada, na qual D aiana
atendia um telefonem a e identificava a voz do padrasto. E la lem brou
de cenas do abuso e das am eaças, o que desencadeou em oções com o
m edo e raiva intensos. O utro grupo dram atizou um a situação em que
G abriela estava dentro de um ônibus que passou em frente a um local
onde havia sido abusada. A situação desencadeou lem branças do abuso,
que a deixaram m uito triste, fazendo-a chorar com pulsivam ente.
N o G 2, os pensam entos foram trabalhados através de um a
atividade escrita na qual as m eninas descreviam o que significou para
elas ter vi vendado situações de abuso sexual. E las escreveram sobre
as m udanças que perceberam em si m esm as e quais pensam entos e
sentim entos m udaram com relação à tríade cognitiva (com o elas se
vêem , com o vêem os outros e com o vêem o futuro). D epois, as m eninas
leram para o grupo suas produções escritas e identificaram sem elhanças
de sentim entos e pensam entos com relação ao abuso. L uciana relatou:
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 119

“O abuso é um a experiência horrível, que não desejo para ninguém ,


porque m e fez m udar bastaste. D eixei de ser inocente e aprendi que a
vida não é um m ar de rosas. A gora sou desconfiada com qualquer
pessoa, m as espero que consiga viver em paz com m inha m ãe e m inha
irm ã, e tentar esquecer que um dia um a pessoa foi capaz de se aproveitar
da m inha inocência para seu próprio prazer, porque eu era um a criança
sem problem as e agora sou um a adolescente rancorosa.” C am ila disse:
“A cho que no futuro não terei relações verdadeiras, porque nunca tive
relações verdadeiras. O abuso foi um inferno porque eu era obrigada a
fazer coisas que não queria, m as acho que o pior foi m inha m ãe não ter
acreditado em m im e eu ficar sozinha, sem ter o que fazer. N ão sou
m ais a m enina feliz que eu era antes de tudo isso acontecer, e não sei se
um dia conseguirei ser feliz outra vez.”
M onitoram ento. Foi solicitado um m onitoram ento extra-sessão
no qual as m eninas deveríam registrar situações, pensam entos e
em oções. O objetivo era identificar pensam entos autom áticos
intrusivos relacionados com o abuso, perm itindo verificar a freqüência
e a intensidade das lem branças traum áticas e dos estím ulos
desencadeadores.

6 a sessão
Psicoeducação quanto ao m odelo cognitivo-com portam ental.
Foi trabalhada a com preensão de que os pensam entos e os afetos
estão relacionados com nossos com portam entos e podem provocar
reações físicas. N esse m om ento foi introduzida a abordagem integral
do m odelo cognitivo-com portam ental. U tilizaram -se os registros da
tarefa extra-sessão para verificar quais foram os com portam entos e
as alterações fisiológicas associados às em oções e aos pensam entos
identificados. Para integrar o m odelo cognitivo-com portam ental
utlizou-se a construção de histórias em quadrinhos a partir de situações
relatadas pelo grupo, assim com o quebra-cabeças ilustrativos.
Psicoeducação quanto ao problem a. E videnciou-se o quanto
situações-problem a e pensam entos, afetos, com portam entos e reações
120 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

fisiológicas identificados estavam associados ao evento traum ático.


Foram construídas estratégias para lidar nas situações em que ocorriam
lem branças e sonhos traum áticos. O s registros da sem ana funcionaram
com o dispositivo para construção dessas estratégias. C ada m enina
lia suas lem branças registradas e o grupo form ulava sugestões de
com o lidar com as situações-problem a.
U m exem plo disso foi o relato de D aiana de que, ao lavar as facas
depois das refeições, sem pre lem brava do abuso, pois o abusador a
am eaçava com facas. C om o auxílio do grupo a m enina percebeu que
as facas eram apenas facas e que o abusador não estava ali presente.
E la passou a dialogar consigo m esm a, questionando seu m edo. C om o
passar do tem po, as facas deixaram de ser um estím ulo desencadeante
da m em ória traum ática. O utro exem plo é o de T atiana, que apresentava
episódios dissociativos em sala de aula quando lem brava do abuso.
R elatou que estava fazendo um a prova quando lem brou do abusador.
Segundo ela, parecia que não estava na escola e sim em casa sofrendo
um abuso. A m enina disse que não percebeu o tem po passar e que
entregou a prova quase em branco. E nsaiam os no grupo o que ela
poderia fazer na escola quando surgissem essas lem branças. D aniela
atuou com o um pensam ento alternativo e disse: “O lha só, você está na
sala de aula, não está acontecendo nada de ruim agora, é só um a
lem brança, isso já acabou.” E ntão foi perguntado se ela poderia tentar
fazer isso em tais situações. E la respondeu que sim . T am bém foi
sugerido que pedisse a um a colega em quem confiasse que a cham asse
quando percebesse que estava m uito distraída. N as sessões seguintes,
a m enina trouxe inform ações de que a estratégia de responder aos
pensam entos autom áticos estava dando certo e que estava conseguindo
se concentrar m ais nas atividades escolares. V erificou-se que durante
o processo terapêutico seu rendim ento escolar aum entou
consideravelm ente. T iciane tinha constantes pesadelos sobre o abuso.
C ontou ao grupo que teve um desses sonhos, sentiu m uita raiva e
tristeza, e pensou em sum ir. E la relatou que sentou na cam a e sentiu
seu coração acelerado e suas m ãos suadas. Joana sugeriu que T iciane
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 121

tentasse se distrair pensando em algo bom ou conversando com a m ãe.


Q uando os pesadelos ocorriam , ela então passou a cham ar a m ãe, que
ficava com ela até dorm ir novam ente.
T odas as estratégias construídas pelo grupo para lidar com as
lem branças intrusivas foram reunidas no botão de em ergência. C ada
criança recebeu um a folha com o título botão de em ergência contendo
as estratégias criadas pelo grupo. A s estratégias estabelecidas pelos
grupos foram : conversar consigo m esm a, escutar m úsica, escrever,
chorar, assistir T V , conversar com alguém e brincar com alguém . O
G 2 incluiu ainda: desenhar, escrever, lim par a casa e fazer um passeio.
O s grupos passaram a relatar que ao surgir um a lem brança logo
apertavam o botão de em ergência e utilizavam um a das estratégias.
D aniela disse que ao lem brar do padrasto apertou o botão de
em ergência e foi brincar para não pensar no abuso e que não sentiu
tanto m edo. Inicialm ente, as estratégias não foram suficientes para
lidar com a forte intensidade das em oções. C ontudo, à m edida que as
m eninas foram relatando o abuso verbalm ente, com m aior riqueza
de detalhes, verificou-se que a freqüência e a intensidade das
lem branças dim inuíram e as estratégias do botão de em ergência
passaram a ter m elhores resultados.
Técnicas de relaxam ento. Foram ensinados exercícios cujo
objetivo era a m ediação da ansiedade gerada pelo efeito dos
pensam entos intrusivos. O s exercícios de controle da respiração e
relaxam ento m uscular foram aprendidos no contexto grupai.
M onitoram ento. O m onitoram ento extra-sessão solicitado
integrou o m odelo cognitivo-com portam ental, no qual foram
registrados situações, pensam entos, em oções, alterações fisiológicas
e com portam entos relacionados à experiência traum ática.

7 a sessão
O ficina de educação sexual. E ssa oficina foi interdisciplinar,
contando com a participação de alunos de enferm agem . O objetivo foi
abordar as alterações naturais sofridas pelo corpo fem inino na puberdade
122 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

e a m odificação de crenças de que o corpo se desenvolve ou não em


função da estim ulação sexualm ente abusiva. T am bém visava a
potencializar o autocuidado, m ediante inform ações sobre higiene
pessoal, prevenção de doenças sexualm ente transm issíveis e gravidez.
N o G 1 foi utilizado com o dispositivo um painel, no qual um a das
m eninas deitou em cim a e outra contornou seu corpo. D epois foram
disponibilizadas figuras com as partes do corpo que as m eninas
colocaram no contorno desenhado. N o G 2 foram trazidos painéis com
figuras sobre as transform ações físicas da puberdade. E m seguida, os
alunos de enferm agem conversaram com os grupos sobre as m udanças
que as m eninas sofrem no corpo. Falaram sobre o aparecim ento dos
seios, dos pêlos, m enstruação e gravidez. T am bém conversaram sobre
as m udanças no corpo dos m eninos durante a puberdade.
A s m eninas foram convidadas a fazer perguntas com relação
ao desenvolvim ento do corpo. Paula então disse: “Q uando ele
(abusador) ia no m eu quarto ele não m e beijava só. E le chupava m eus
seios tam bém . E u não sei se dá algum problem a, porque eles não
cresceram .” A s m eninas do G 2 perguntaram m ais sobre alterações
no ciclo m enstruai e m étodos anticonceptivos, pois m uitas delas
tinham nam orados. O s alunos de enferm agem trouxeram cam isinhas
e m ostraram com o estas devem ser utilizadas. A s questões foram
respondidas, m odificando entendim entos distorcidos, com o o de
Paula, em relação ao desenvolvim ento do corpo.

8 a sessão
Treino de inoculação de estresse . O T IE foi utilizado com o
dispositivo para ativar a m em ória traum ática e detalhar os estím ulos
desencadeantes de lem branças intrusivas, possibilitando à pessoa um a
sensação de controle da intensidade das em oções associadas. N esse
processo, o paciente apresenta, de form a gradual, as situações abusivas
experienciadas e o terapeuta faz um a m ediação, para que a m em ória
possa ser alterada sem anticam ente, ou seja, a m em ória é
reinterpretada, ressignificada. A m ediação é realizada por m eio de
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 123

técnicas cognitivas, tais com o a reestruturação cognitiva e o ensaio


cognitivo, que possibilitam ao paciente elaborar um a explicação m ais
funcional e adequada para o evento traum ático (D effenbacher, 1996).
A técnica se baseou na utilização de “com partim entos m entais”,
“caixas de m em órias” dentro de nossas cabeças que abrem involunta­
riam ente, e na aprendizagem de contraposição de m em órias positivas
e negativas (a explicação m ais detalhada desse processo encontra-se
na descrição das próxim as sessões).
Inicialm ente foram m apeadas a freqüência das lem branças
intrusivas, as principais situações nas quais elas ocorrem , o conteúdo
das lem branças e os sentim entos relacionados. A intensidade dos
sentim entos foi quantificada em escalas de zero a dez, na qual zero
representava nenhum a intensidade e dez, representava o m áxim o da
intensidade. A m aioria das m eninas relatou ter lem branças diárias e
sentir m edo, raiva e tristeza com intensidade nove ou dez. V anessa
contou que tinha, em m édia, duas ou três lem branças diárias. A s
situações apontadas foram lim pando a cozinha e deitada na cam a em
seu quarto. V anessa descreveu a principal cena revivida: “Q uando eu
lavava a louça, ele vinha e colocava a m ão nos m eus seios, e falava
que m eus peitinhos eram lindos, que m eu corpo era m elhor que o da
m inha m ãe.” Segundo ela, essas lem branças desencadeavam
sentim entos de m edo, angústia e revolta com intensidade dez. L uciana
disse que lem brava, em m édia, três vezes por sem ana do abuso sexual.
C ontou que quando entrava no banheiro lem brava do dia em que o
padrasto a pegou pelo pescoço e, sentado na privada, a colocou entre
as pernas e esfregou-se nela, dizendo que se contasse a sua m ãe a
m ataria. A m enina relatou que cada vez que tinha essa lem brança,
sentia m edo, raiva e tristeza com intensidade dez.
Reestruturação cognitiva e com portam ental . Foram introduzidos
repertórios cognitivos e com portam entais que ajudassem a controlar
m em órias negativas e/ou estim ular m em órias positivas. A s habilidades
de m anejo ensinadas e as estratégias construídas para lidar com as
lem branças intrusivas do traum a proporcionaram às m eninas respostas
124 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

m ais funcionais, estabelecendo relações intra e interpessoais m ais


adaptativas.

9 a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
com portam ental. R ealizou-se o treinam ento de substituição de
m em órias e com portam entos a partir do detalham ento gradual das
situações abusivas, a fim de enfrentar lem branças traum áticas.
Inicialm ente, as m eninas foram convidadas a fechar os olhos e
im aginar um a situação agradável. O grupo recebeu a instrução de
im aginar o lugar e o que estava acontecendo com detalhes incluindo
sons, cheiros e dem ais sensações. E m seguida, foi pedido que
escrevessem ou desenhassem a cena agradável construída em suas
cabeças. D epois foi solicitado que im aginassem um a gaveta dentro
da cabeça e que guardassem a situação boa dentro dela. E ntão, as
m eninas foram instruídas a lem brar de algum a cena do abuso, algum
m om ento m arcante, tam bém com detalhes. E las escreveram a cena
lem brada e leram para o grupo. Finalm ente, foi explicado que dentro
de nossa cabeça existe um a coisa cham ada m em ória na qual ficam
registradas todas nossas experiências, que a lem brança traum ática
está “guardada em um a gaveta que abre sem que a gente queira” e é
im possível deletá-la da m em ória com o fazem os no com putador. E ntão
explicam os que é possível aprender a lidar com essas lem branças
quando a gaveta abre; um a m aneira é abrir a gaveta da situação
agradável e substituir um a im agem pela outra. A substituição é treinada
com o grupo até que todas as m eninas experim entem pelo m enos
um a vez a troca da cena do abuso por um a cena agradável.
O s registros do abuso inicialm ente foram bastante superficiais.
D aiana: “T enho m uitas lem branças do que m e aconteceu. L em bro de
várias coisas. V ejo-m e apanhando outra vez, ele está m e xingando.
T alvez seja por isso que não consigo ver ninguém m e xingar que já
fico estourada. V ejo ele ‘de carne e osso’, em m inhas lem branças,
quebrando as coisas dentro de casa e quase batendo em m inha m ãe
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 125

novam ente.” T atiana: “E u lem brei de várias coisas. L em brei quando


ele ia ao m eu quarto e ‘se passava’ com igo. E le passava a m ão no
m eu corpo.” Joana: “C heguei em casa, um a terça-feira chuvosa, e
m eu padrasto tentou m e agarrar, m as consegui fugir para a casa da
m inha vizinha.” M ariana: “Q uando eu chegava da escola e via que a
casa estava toda trancada, sabia que m eu padrasto estava sozinho.
E le m e obrigava a acariciar e beijar certas partes do corpo dele e
fazia o m esm o com igo.”
A s m eninas desem penharam um im portante papel de apoio um as
às outras quando as cenas do abuso eram com partilhadas. A s reações
em ocionais dos relatos sem pre eram trabalhadas no contexto grupai,
apontando a diferença entre um a lem brança e um a am eaça real. E las
com eçaram a perceber que era possível falar do abuso, pois nada de
ruim acontecia, e surgia um sentim ento de alívio ao perceber que não
havia nenhum a alteração no am biente e que os abusos eram fatos do
passado, que agora não estava acontecendo nenhum tipo de agressão.
Passaram a experim entar um a sensação de controle dos eventos atuais
e a lidar com as experiências passadas com m enos ansiedade e
vergonha.

10 a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
com portam ental. C ontinuou-se com o trabalho terapêutico de detalhar
as situações abusivas e desenvolver as estratégias cognitivas e
com portam entais para lidar com a m em ória traum ática.
A s m eninas produziram textos com riquezas de detalhes sobre
cenas do abuso sexual que foram terapeuticam ente abordados. D aiana
escreveu: “U m a das lem branças piores que tenho é de quando ele m e
pegava e m e jogava na cam a. E le com eçava a tirar m inha roupa e,
com o m e debatia m uito, não querendo aquilo, ele com eçava a m e
bater na cara. Sem pre m e m achucava m uito e, não tendo com o m e
defender, aí é que ele m e m achucava ainda m ais. Isso acontecia em
m inha casa, na cam a de m inha m ãe. G eralm ente isso ocorria quando
126 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

ela não estava em casa e quase sem pre em dias chuvosos, porque a
porta ficava fechada e ninguém desconfiava. O único barulho que eu
escutava era a voz dele m e xingando. T alvez seja por isso que não
gosto m uito de ficar em casa, principalm ente sozinha.” O registro de
T atiana foi o seguinte: “A conteceu na garagem , encostado ao carro.
N ão tinha barulho, estávam os sozinhos. T inha cheiro de gasolina.
E le estava passando a m ão no m eu corpo, e quando m e segurava
dizia que não era para eu contar aquilo para ninguém , senão ele faria
coisa pior. E u sem pre dizia que nunca iria contar porque ficava com
m edo de que ele prejudicasse a m inha fam ília.” M ariana relatou:
“L em bro que tinha oito anos e eu e m eu padrasto estávam os em casa,
sentados na sala, quando ele tirou toda a roupa e com eçou a m e apertar
e a m e acariciar com as m ãos. C om eçou a se m asturbar e a gem er.
D epois pegou m inha m ão e fez eu acariciar o seu pênis. A í tirou
m inha roupa e com eçou a beijar todo m eu corpo, quando m eu tio
chegou e bateu na porta. E ntão ele m andou eu m e vestir e correu para
o banheiro dizendo para eu abrir a porta.”
A s m eninas aprenderam a responder de form a funcional a essas
lem branças através do auto-questionam ento de evidências. U tilizaram
a técnica do stop para frear os pensam entos autom áticos e verificar
que o abuso não estava m ais acontecendo e agora elas estavam
seguras. A construção de cartões de enfrentam ento foi um recurso
utilizado para lidar com situações suscitadoras de ansiedade.

11 a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
com portam ental. Foi realizado o detalham ento do “pior m om ento”
relativo ao abuso e o ensaio cognitivo e com portam ental das
estratégias para lidar com as lem branças traum áticas.
M anejos contingenciais. D iscutiu-se com o situações
anteriorm ente estressantes do cotidiano estavam sendo m anejadas.
As m eninas relataram com o estavam lidando com situações
provocadoras de ansiedade. D aiana, por exem plo, estava m exendo
Lu ís a F. Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 127

com facas sem sentir m edo. V anessa descobriu que ouvindo m úsica
e cantando era m ais fácil lavar a louça e C am ila percebeu que escrever
poesias a distraia de pensam entos ruins. A freqüência das lem branças
era sem analm ente m onitorada. Foi verificado que elas dim inuíam a
cada sessão.

12 a sessão
Treino de habilidades sociais focado em m edidas protetivas.
R ealizou-se a construção coletiva e o treino de repertório cognitivo-
com portam ental para evitar situações de risco e saber com o agir, caso
ocorressem novas tentativas de abuso. Inicialm ente, trabalhou-se com
as m eninas a im portância de dizer não. Para isso, foram verificadas
as crenças delas sobre o que significa dizer não a alguém e com o se
sentem ao dizer não. Paula disse que tem dificuldades em dizer não
porque pensa que a pessoa ficará brava e deixará de gostar dela.
Q uestionam os as evidências dessa crença e ensaiam os com o dizer
não em situações gerais, com o, por exem plo, recusar um sorvete, até
chegai' a possíveis futuros abusos. O s ensaios cognitivos e com por-
tam entais foram em pregados através de dram atizações. T am bém foram
construídas e ensaiadas estratégias para lidar com situações nas quais
identifiquem risco de abuso sexual, e definiu-se a quem elas poderíam
recorrer para pedir ajuda. U m exem plo disso foi D aiana, que revelou
sentir-se em perigo porque o padrasto estava livre e peram bulava pelo
bairro onde m orava. A m enina relatou que tinha m edo de que ele a
perseguisse até a escola e a raptasse, cum prindo a am eaça de m atá-la
por ter quebrado o segredo. A lém de encam inhar um relatório dessa
situação ao Juizado da Infância e Juventude e ao C onselho T utelar,
construím os, com o auxílio do grupo, estratégias para reduzir os riscos
de D aiana. Ficou com binado que ela iria à escola acom panhada de
alguém e que, ao perceber a presença do padrasto nas proxim idades,
com unicaria ao guarda e ligaria para sua m ãe.
Adulto-referência. C ada m enina indicou um adulto-referência
a quem ela poderia recorrer caso avaliasse situações reais ou
128 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

presum idas de perigo. T am bém foram disponibilizados os telefones


dos terapeutas e do C onselho T utelar para tais situações.

13 a sessão
Oficina do ECA. O vídeo E statuto do Futuro foi apresentado e
realizou-se um debate com esclarecim entos sobre os direitos das
crianças e dos adolescentes. O grupo assistiu ao film e e depois apontou
os aspectos que lhe cham ou a atenção. Foi distribuído um exem plar
do estatuto para cada criança, com a explicação de que se tratava de
um a lei. Falou-se dos direitos fundam entais das crianças e dos
adolescentes e explorou-se a lei que aborda a questão dos m aus-tratos
e das penalidades previstas para perpetração de abuso sexual infantil.
R essaltou-se quais são os órgãos de defesa de crianças e adolescentes
e a função de cada um . A im portância de denunciar situações de
descum prim ento da lei aos C onselhos T utelares foi reforçada. Foram
fornecidos endereços e telefones desses órgãos. N o final, o grupo foi
convidado a construir um painel sobre o que aprenderam na sessão
com o feedback.
R ole Play de audiência. Foi realizado o ensaio de um a situação
de depoim ento em tribunal (obrigatória em casos que estão na Justiça).
Isto foi fundam ental porque as m eninas possuíam m uitas dúvidas quanto
aos procedim entos. R elataram o receio de ficar nervosas e não conseguir
dizer ao juiz o que aconteceu. T am bém apresentaram questões sobre o
que seria im portante falar e quem estaria presente no local. O s terapeutas
fizeram um esquem a no quadro com a representação espacial do local,
identificando quem são as pessoas que estariam presentes. U m aspecto
com unicado, e que reduziu a ansiedade das m eninas, é de que o abusador
pode ser retirado do local de depoim ento enquanto a criança ou
adolescente relata o ocorrido. O s exercícios de relaxam ento para
controle da ansiedade foram retom ados. E m seguida, distribuím os os
papéis (juiz, advogados de defesa e acusação, etc.) entre as m eninas
para sim ular a situação. T odas ensaiaram seus depoim entos recebendo
ajuda do restante do grupo. D efiniram -se os term os que cada paciente
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 129

se sentia à vontade para usar -por exem plo, D aiana perguntou se podería
referir que foi m olestada pelo padrasto. A s m eninas revelaram sentir
vergonha de falar os nom es dos genitais para o juiz e por esta razão foi
fundam ental que cada um a escolhesse os term os que iriam em pregar.
D urante os processos grupoterápicos, acom panham os as m eninas nas
audiências e, em alguns casos, fom os consultados pelo Juiz da Infância
e Juventude.

14 a sessão
Oficina de psicomotricidade . Foram trabalhados exercícios de
psicom otricidade, coordenados por alunos da E ducação Física,
visando: a reintegração do esquem a percepto-corporal; o corpo
enquanto fonte tanto de prazer com o de desprazer; a transm issão de
afeto via corpo; a discrim inação de afeto sexualizado e não sexua-
lizado. O s exercícios trabalhados perm itiram a percepção desses
fatores e da noção de pertencim ento e gerenciam ento do corpo e da
sexualidade das participantes do grupo.
A s técnicas utilizadas foram : apresentação com um palito de
fósforo, sím bolos que identificam (jogo no qual se cham a a pessoa
pelo m ovim ento que ela se identifica ou som ), técnica do ursinho
(em círculo passar um ursinho e fazer algo com ele, depois fazer isso
com a colega ao lado), nó hum ano (entrelaçam os braços e depois
tentam desenrolar sem largar as m ãos) e dança com olhos vendados.
N o final, foi proposto um a “volta à calm a” através da percepção da
letra de um a m úsica e do corpo, com relaxam ento, observando a
respiração e as sensações.

15 a sessão
Feedbacks oficina de psicomotricidade. Foram exploradas as
inform ações cognitivas, afetivas, com portam entais e fisiológicas
geradas pelo trabalho com o corpo, situações de conforto e des­
conforto, de prazer e desprazer físico; m ediação m etacognitiva das
inform ações e das crenças acionadas no trabalho com o corpo;
130 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

preparação para a próxim a sessão de psicom otricidade, em que


havería a continuidade progressiva do trabalho corporal.
Prevenção à recaída. À m edida que as m eninas passaram a utilizar
com eficiência, em seu cotidiano, as habilidades de m anejo aprendidas
no am biente terapêutico, iniciou-se a últim a fase da terapia que visava
à prevenção à recaída. Preparou-se o grupo para o entendim ento de
possíveis lapsos - gerados por pensam entos autom áticos intrusivos,
alterações afetivas, com portam entais ou fisiológicas - com o apenas
um “lapso”, e não com o um retom o ao patam ar anterior ao tratam ento,
no gerenciam ento dos efeitos do abuso sexual.
V erificou-se nos grupos um a significativa redução da freqüência
das lem branças (m uitas m eninas relatam que dificilm ente lem bram )
e da intensidade das em oções decorrentes. D aniela disse: “E sta sem ana
só tive um a lem brança, m as não registrei, porque não senti m edo
nem tristeza. L ogo fui fazer outra coisa.” Joana relatou: “Q uando
lem bro do abuso é com o se lem brasse que de m anhã escovei os dentes,
porque não tenho m ais m edo das m inhas lem branças.

16 a sessão
Prevenção à recaída. Foi verificada a eficácia do repertório
cognitivo-com portam ental aprendido no gerenciam ento de situações
de estresse, reais ou presum idas, por m eio de dram atizações no grupo.
T am bém foi realizado um jogo para retom ar as estratégias construídas
ao longo do processo terapêutico.
N o G 1 cada, dupla recebeu um balão com um a pergunta dentro.
A s questões foram as seguintes:

• Passou pela m inha cabeça que tenho culpa pelo abuso. O


que posso fazer?

• D e repente lem brei de algum as cenas do abuso. O que posso


fazer nesse m om ento?

• O que posso fazer se um dia alguém tentar abusar de m im


novam ente?
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 131

D urante um tem po definido, as duplas jogaram o balão para


cim a sem deixá-lo cair. E m seguida, foi solicitado que elas estou­
rassem os balões e lessem o que estava escrito no papel. Foi
com binado que durante alguns m inutos cada dupla prepararia a
resposta para sua pergunta, que podería ser apresentada ao grupo na
form a de dram atização, desenho ou escrita em cartões.
N o G 2 utilizou-se um jogo um pouco diferente, m as com os
m esm os objetivos. Foram colocadas sete perguntas em um a caixa
que circulava entre as m eninas enquanto tocava um a m úsica. Q uando
um a das coordenadoras desligava a m úsica, a m enina que estivesse
com a caixa na m ão retirava um a pergunta e a respondia com a ajuda
do grupo. A s perguntas elaboradas para o G 2 foram :

• L em brei do abuso e senti culpa. E agora? O que fazer?

• O que posso fazer quando sentir m uita raiva do que


aconteceu?

• E ncontrei m eu ex-padrasto na rua. O que fazer?

• O que é abuso sexual?

• O que pode indicar que está acontecendo abuso sexual em


um a fam ília?

• O que posso fazer para evitar possíveis abusos?

• L em branças do abuso vieram à m inha cabeça. O que posso


fazer?
E sses dispositivos foram interessantes para verificar se as
m eninas apreenderam as estratégias construídas e se sabiam que
recursos utilizar diante de situações, reais ou não, relacionadas ao
abuso sexual. Foram retom adas as técnicas: botão de em ergência,
caixa de m em ória, stop e pense duas vezes, a quem recorrer para
pedir ajuda. T am bém apareceram crenças m ais funcionais com relação
ao abuso. E m am bos os grupos, as m eninas se engajaram nos jogos e
dem onstraram conhecer e saber em pregar as estratégias alternativas,
132 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

no plano cognitivo e com portam ental, para lidar com situações-


problem a.

17 a sessão
Perspectivas com relação ao futuro. N esta sessão, trabalhou-se
especificam ente as perspectivas das m eninas com relação ao futuro.
N o G l, utilizou-se um jogo no qual as m eninas eram convidadas a se
im aginar daqui a cinco, dez, quinze e vinte e cinco anos. A s
participantes do G 2 sugeriram fazer um “bate papo” ao ar livre sobre
nam oro, casam ento e planos profissionais. Para esse bate papo,
organizaram um piquenique, com pratos preparados por elas m esm as.
E m am bos os grupos, verificou-se o desejo delas de casar e ter um a
fam ília. A lgum as m anifestaram a vontade de ser m ãe, outras disseram
que filhos dão m uito trabalho. T odas as que falaram que gostariam
de ter filhos dem onstraram preocupação com as condições econôm icas
para sustentá-los e poder dar aquilo que elas não tiveram . E ressaltaram
que não basta suprir as necessidades m ateriais, m as é im portante dar
bons estudos e carinho. Segundo elas, os filhos devem ser criados
com m uito am or e conversa, precisam de abertura para que possam
contar as coisas, e é m uito im portante acreditar neles. A s m eninas
relataram que não perm itirão que seus m aridos agridam fisicam ente
nem elas nem seus filhos. T am bém disseram que ele deverá ser
trabalhador e não poderá beber.
A lém da constituição de um a fam ília, as m eninas falaram sobre
as profissões que pretendem seguir. N o G l, m uitas pretendiam ser
professoras. N o G 2, surgiram várias profissões, entre elas pediatria,
direito, adm inistração de em presas, arquitetura e veterinária. A s
m eninas perguntaram sobre o funcionam ento das universidades,
sistem as de bolsas de estudos e carga horária necessária. Segundo
elas, precisarão trabalhar e estudar ao m esm o tem po, um a vez que as
fam ílias não têm condições de pagar um a universidade.
A s m eninas do G 2 conversaram m uito sobre nam oro. A lgum as
falaram que às vezes sentem vergonha dos nam orados e que têm m edo
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 133

do dia em que terão relações sexuais com eles. C ertas crenças foram
discutidas, e C arolina disse: “Q uando a gente encontrar um nam orado
que a gente goste de verdade vai ser bom transar, porque vai ser a
gente que vai decidir com quem e quando isso tem que acontecer. E
isso é diferente do abuso, que foi contra nossa vontade.” V anessa
com plem entou dizendo que se sente à vontade com o nam orado porque
eles se conhecem bem , conversam m uito e ele a respeita, o que faz
toda a diferença. Foram retom ados cuidados básicos com o uso de
preservativos e a im portância de consultar um ginecologista quando
decidirem ter relações sexuais com os nam orados.
T odas as m eninas, de am bos os grupos, dem onstraram ter planos
para o futuro e esperanças de que boas experiências lhes estejam reservadas.

18 a sessão
Oficina de psicomotricidade . C ontinuidade do encontro anterior.
N esse m om ento, foram aprofundados exercícios de percepção e
integração de esquem a corporal, e feedback, ao final da sessão, para
avaliação dos objetivos trabalhados na oficina.
E ntre as atividades desenvolvidas, destacaram -se: brincadeiras
livres com bolas e am endoins grandes de borracha, jogo de vôlei no
qual a rede era um a das participantes, dança da cadeira na qual o que
era excluído era som ente a cadeira, cam inhada em duplas com m ãos
dadas, pés encostados, costas com costas e bochecha com bochecha.
O utras brincadeiras foram propostas, com o a do rádio, na qual
um a m enina de cada dupla era o rádio e a outra deveria descobrir
qual parte do corpo da com panheira representava o botão para ligá-
lo e desligá-lo. O rádio, quando ligado, deveria cantar. D epois, em
vez de rádio, elas passaram a representar robôs. T am bém brincaram
de m assa de m odelar, na qual um a m enina era a m assa e outra a
artista plástica. O s papéis foram invertidos em seguida. D epois de
prontas as obras de arte, as outras artistas visitavam a exposição. A
m esm a proposta foi realizada em trios e finalm ente todo o grupo foi
m assa de m odelar do coordenador da atividade.
134 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

19 a sessão
Resumo de metas. N esse m om ento, foram resgatadas, com as
m eninas, as m etas traçadas no início da grupoterapia e com partilhados
os dados de evolução do grupo.
Registro de mudanças. Foi solicitada às m eninas um a auto-
avaliação, por escrito, do seu processo de m udança e de com o eram
suas vidas antes e depois de participar do grupo. A s avaliações das
m eninas do G 1 foram as seguintes:
D aiana: “A ntes eu era um a pessoa perturbada, com m edo e sem
paciência, e isso m e trazia m uitas conseqüências, tanto em casa com o
na escola. Pensava que com o nem eu m e ajudava, ninguém conseguiría
m e ajudar. M as isto m udou. H oje m e vejo com o um a pessoa norm al,
porque superei m eus m edos, tenho m ais paciência, e isso faz m e sentir
m elhor na escola e em casa. O grupo m e ajudou m uito, pois foi nesse
lugar que com partilhei tudo o que sentia, e sinto, por ter passado um a
experiência horrível. E foi passando por essa experiência que conheci
pessoas legais, que com preendem o que sinto. Se m e transform ei em
um a pessoa m ais m adura foi por causa das Meninas Secretas, que
m e ajudaram e m e com preenderam .”
D aniela: “A ntes eu era triste, não era calm a. N ão conseguia
fazer as tarefas da sala de aula e tirava nota baixa no boletim . D epois
no paraíso do PIPA S, fiquei m ais alegre, brinquei m ais. T am bém
não tirei m ais nota baixa. N ão chorei m ais e consigo fazer m elhor
m eus tem as.”
T atiana: “E u era um a m enina m uito triste, solitária, vivia m uito
m agoada, m e odiava, ficava com raiva de m im m esm a. D epois que
passei a vir ao grupo, com ecei a m e sentir m ais alegre. T am bém
percebi que o grupo não só passou a m e fazer esquecer as coisas que
eu passei, com o tam bém m e fez abrir os olhos e esticar a boca para
sorrir, porque antes ficava de olhos fechados e de boca calada. N ão
contava nada porque ficava com m edo. H oje eu gostaria de agradecer
às pessoas que m e tiraram da casa do hom em que m arcou a m inha
vida e às Meninas Secretas que m e ajudaram m uito.”
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 135

A line: “A ntes do grupo eu sentia m edo e achava que tinha culpa


do que aconteceu com m eu irm ão. L em brava m uito de quando ele
tirou m inha roupa e abusou de m im . A gora não tenho m ais m edo. Sei
que no lar estou segura. N ão sinto m ais culpa e estou feliz porque
m inha m ãe vem m e visitar. A s Meninas Secretas m e ajudaram um
m ontão. A judaram no m eu problem a porque eu consegui contar m inha
história para elas.”
G abriela: “A ntes m e sentia m uito triste, infeliz. A gora estou
m ais alegre e tam bém estou feliz porque m inhas irm ãs estão indo m e
visitar.”
Paula: “O grupo m e ajudou a entender m eus sentim entos de
m edo, raiva, tristeza e culpa. Percebi que não fui a culpada, e não
lem bro m ais diariam ente do m eu tio. A dorei o grupo, e com a ajuda
das gurias e das psicólogas m elhorei bastante.”
A s auto-avaliações das m eninas do G 2 foram as seguintes:
M ariana: “A gora não tenho tanta vergonha de falar para o grupo
o que aconteceu. E u m e sinto bem m ais segura vindo ao grupo, porque
m e sinto protegida. A gora m e vejo com o um a pessoa norm al. N ão
tenho m ais m uitas lem branças do abuso, e se eu passar por um a
situação de risco saberei com o lidar com ela e m e defender. T enho
m uitas esperanças no futuro. G ostaria de encontrar m eu pai de verdade
e entrar na faculdade. A inda tenho problem as com m inha fam ília, às
vezes fica tudo m uito difícil e tenho vontade de sum ir. T am bém
continuo com m edo de nam orar.”
Joana: “D epois que com ecei a vir ao grupo, fiquei m ais atenta
na escola e m e relaciono m elhor com as outras pessoas, m as às vezes
ainda desconfio delas. Q uero entrar na faculdade, arranjar um em prego
e fazer um a casa para m im e para m inha m ãe.”
C arolina: “A ntes eu m e sentia culpada e estranha no m eio dos
outros. O grupo m e ajudou m uito porque agora não m e sinto diferente.
A ntes, achava que por onde eu passava todos m e olhavam dos pés a
cabeça, por causa do que aconteceu, m as o grupo m e ajudou a ver
que isso é coisa da m inha cabeça.”
136 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

L uciana: “A ntes eu m e sentia culpada, era agressiva e tinha


m uita vontade de sair de casa. A gora não m e sinto m ais culpada, não
sou agressiva e estou m ais caseira. E stou m ais sim pática e não m e
isolo m ais. A ntes eu era insuportável, adorava brigar com todo m undo.
A gora quero estudar, m e esforçar para ser alguém na vida. A ntes de
vir ao grupo pensava que não teria futuro, que iria ficar louca.”
C am ila: “A ntes m e sentia culpada e com m edo, m as agora não
sinto m ais nada disso. A inda sinto dificuldades para m e relacionar
com as pessoas. Sou m uito desconfiada e não tenho m uita paciência,
e acabo brigando com o pessoal da casa. E stou feliz por ter voltado à
escola, quero estudar bastante e seguir m eu sonho de ser advogada.”
V anessa: “T ive várias m udanças. H oje tenho novos pensam entos,
m ais concentração, disposição e, acim a de tudo, tenho força de
vontade e esperança. A ntes m e achava diferente, não tinha vontade
de fazer nada, não conseguia m e concentrar, tinha pensam entos
suicidas, não tinha esperança de que um dia algum a coisa fosse m udar.
H oje não tenho m ais aquelas lem branças ruins, nem aquele sentim ento
de culpa e de m edo. Sinto-m e m ais à vontade, não m e vejo m ais
diferente com o antes. E stou voltando a m e relacionar com as pessoas,
tenho m ais facilidade de fazer am igos, sinto-m e até em condições de
ajudar as pessoas com problem as em m inha volta. A gora sei o que eu
quero e quero correr atrás disso. A inda não sei que profissão vou
seguir, m as a que eu escolher, vou correr atrás. Só quero ser alguém
na vida, construir um a fam ília e ser m uito feliz.”
T iciane: “A ntes do grupo eu era um a garota diferente, cheia de
culpa pelo que aconteceu. T inha m edo dos outros, de ficar sozinha.
A gora eu m udei, m e relaciono com as pessoas e consigo conversar
bem com elas. N ão tenho m ais m edo e nem culpa. E stou bem diferente
de antes, m udei com pletam ente.”

20 a sessão
O últim o encontro foi com binado com cada grupo. A s m eninas
foram convidadas a planejar a últim a sessão com os terapeutas. A s
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 137

participantes do G 1 m ontaram um a peça teatral enfocando o processo


do grupo e fizeram um am igo secreto. A história que elas criaram era
a de M aria, um a m enina de oito anos que ficava m uito triste no recreio
e tirava notas baixas. A professora ficou preocupada e cham ou a m ãe
dela para conversar. A m ãe disse à professora que não sabia o que
estava acontecendo e que iria falar com a filha quando chegasse em
casa. E la tentava saber o que estava acontecendo, m as M aria não
dizia nada. U m dia a garota decidiu contar para o irm ão que o padrasto
“se passava com ela”. O irm ão, então ajudou-a a contar para a m ãe o
que estava acontecendo. A m ãe m andou o padrasto em bora e foi ao
C onselho T utelar denunciar o abuso. A jovem com eçou a ir à psicóloga
e aprendeu a usar o botão de em ergência. N o final da história, M aria
voltava a ser um a m enina feliz, que brincava com as outras crianças
e tirava boas notas. O roteiro, a distribuição dos papéis e o ensaio
foram construídos pelas m eninas do grupo - as terapeutas apenas
m ediaram o processo. A peça foi film ada e assistida depois pelo grupo.
O G 2 preferiu fazer um passeio no C am pus da U nisinos. E las
pediram para conhecer a biblioteca e lá consultaram alguns livros que
falavam sobre abuso sexual infantil e escolha profissional. T am bém
quiseram conhecer o funcionam ento do Serviço de O rientação
V ocacional. D epois de conhecer esses locais, as m eninas foram para o
C om plexo D esportivo onde fizeram aula de step, jogaram vôlei e futebol.

E im portante ressaltar que no início de todas as sessões eram


abordadas situações ocorridas na sem ana das m eninas, e elas
com partilhavam m om entos bons e ruins. N esse espaço, surgiam
dificuldades no relacionam ento com fam ília, abrigo, nam orados, am igos
e escola. O s terapeutas m ediavam um processo de auto-ajuda, buscando
am pliar o repertório das pacientes na resolução de problem as diários.
A s m eninas trocavam idéias para tentar ajudar aquela que apresentava
algum problem a. A troca de vivências e conflitos possibilitou a
construção de alternativas funcionais para m anejar as adversidades.
N o final de todas as sessões, as principais questões trabalhadas eram
retom adas para que se verificasse se haviam sido com preendidas pelo
138 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

grupo. E sse feedback é fundam ental para acom panhar o processo de


m udança das participantes e para a retom ada de questões que não foram
suficientem ente elaboradas na sessão.
D urante a grupoterapia foram com binados, em alguns casos,
sessões individuais, atendim entos de fam ília e a inclusão de profissio­
nais das áreas da psiquiatria e ginecologia. A s sessões individuais tinham
com o objetivo trabalhar questões pontuais. N o G 2 esses atendim entos
foram m ais freqüentes devido à situação de risco de suicídio de quatro
m eninas. N o caso de V anessa, que na quarta sessão de grupo relatou
um a tentativa de suicídio naquela sem ana, realizou-se um acom pa­
nham ento diário e foi necessário o envolvim ento da m ãe e da irm ã, em
sessões para orientação sobre com o lidar com a m enina. T odas as jovens
com risco de suicídio foram avaliadas por um psiquiatra, e apenas
V anessa recebeu farm acoterapia devido à gravidade do quadro de
depressão. A s m eninas tam bém consultaram um a ginecologista para
avaliação clínica. A s sessões de fam ília foram im portantes em alguns
casos, com o o das irm ãs L uciana e V anessa, que apresentavam sérios
problem as de relacionam ento com a m ãe. Foram realizadas quatro
sessões, nas quais se estabeleceram algum as com binações para facilitar
a convivência e potencializar a função da m ãe de cuidadora.
E m todos os casos, os processos judiciais das m eninas foram
acom panhados, em um trabalho em parceria com C T e Juizados da
Infância e Juventude. A s terapeutas com pareceram as audiências e, na
m aioria dos vezes, participaram do processo por m eio de relatórios
sobre o caso ou com o testem unhas. A participação ativa nos processos
jurídicos foi fundam ental para o fortalecim ento da relação de confiança
com as m eninas. N ão basta denunciar o caso as autoridades, é im portante
acom panhar todo o processo para que a intervenção seja eficaz.
A lém do atendim ento às m eninas, foram realizadas intervenções
com os cuidadores. N os casos em que as m eninas estavam em abrigos,
foram realizadas visitas para conhecer o funcionam ento deles e foram
desenvolvidos sem inários de capacitação, para os técnicos, sobre a
violência dom éstica, as conseqüências para o desenvolvim ento infantil
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 139

e as form as de intervir com as crianças diante de com portam entos ou


sintom as decorrentes da experiência de m aus-tratos. T am bém foram
estabelecidos contatos com os fam iliares que visitavam as m eninas.
N o caso de G abriela, realizaram -se algum as entrevistas com as irm ãs,
que tinham autorização judicial para visitá-la, e no caso das irm ãs
T atiana e Paula, trabalhou-se com a m ãe o retom o das m eninas para
seus cuidados, pois elas iriam voltar para casa após o térm ino do
gm po. O processo de retom o das m eninas foi acom panhado durante
cinco m eses através de sessões átfollow-up, nas quais T atiana e Paula
relatavam com o estava sendo o convívio com a m ãe. N o caso de
D aiana, a única m enina do G 1 que m orava com a m ãe, realizou-se
um atendim ento paralelo com a m ãe com o objetivo de potencializar
seu papel de cuidadora protetora e fortalecer o apoio afetivo necessário
para um m elhor prognóstico da m enina. N o G 2 foi possível realizar,
paralelam ente ao gm po das m eninas, um gm po com as m ães, com
objetivos sem elhantes aos do atendim ento à m ãe de D aiana. Foram
realizados dez encontros, nos quais se trabalharam questões com o:
concepção de abuso sexual e im pacto no plano cognitivo, afetivo e
com portam ental, discussão dos principais problem as no relacio­
nam ento com as m eninas e construção de alternativas para lidar com
eles, prevenção de futuras situações abusivas, abordagem dos senti­
m entos das m ães com relação ao abuso sexual a que as filhas foram
subm etidas e a desestruturação fam iliar após a revelação. N o início
do trabalho, algum as m ães m anifestaram sentim ento de culpa pelo
ocorrido e a dificuldade de se relacionar com as filhas devido a esse
sentim ento. O form ato grupai possibilitou um processo de auto-ajuda
entre as m ães. O grupo funcionou com o im portante apoio afetivo
para que os conflitos da dinâm ica incestuosa fossem abordados
terapeuticam ente. A s m ães tam bém puderam trocar idéias sobre com o
estabelecer os lim ites necessários na fase da adolescência sem o uso
de punições e autoritarism o. E las solicitaram que as terapeutas
indicassem leituras sobre a adolescência. A lguns textos foram
indicados e discutidos no grupo.
140 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

T am bém foram estabelecidos contatos com as escolas em que


as m eninas estudavam por m eio de telefonem as ou visitas. M uitos
colégios buscaram ajuda das terapeutas por causa das dificuldades
de aprendizagem e de relacionam ento com professores e colegas. A s
principais queixas eram falta de concentração, com portam entos
agressivos e indisciplina em sala de aula. A lgum as intervenções foram
construídas com as professoras para lidar com essas dificuldades e
m elhorar o desem penho escolar, assim com o o vínculo das m eninas
com a escola.

R e s u lta d o s d a r e a v a lia ç ã o d ia g n o s tic a

D epois da grupoterapia foram realizadas entrevistas individuais


com as m eninas e seus cuidadores. O objetivo era com partilhar a
evolução clínica de cada um a, form alizando um a devolução da
avaliação diagnostica que foi realizada durante todo o processo
terapêutico. N essas entrevistas, foram retom adas as avaliações que
antecederam a grupoterapia, buscando verificar e confirm ar,
juntam ente com as m eninas e seus cuidadores, m udanças nos
com portam entos disfuncionais e alteração nos sintom as de T E PT ,
depressão, transtorno dissociativo, transtorno de hiperatividade e
déficit de atenção, decorrentes da intervenção psicoterápica. O s relatos
das m eninas e de seus cuidadores apenas confirm aram as m udanças
clínicas constatadas pelas terapeutas durante o tratam ento.
N esse m om ento, tam bém foi discutida com cada m enina a
possibilidade de receber alta ou perm anecer com acom panham ento
psicológico individual. No G l, apenas G abriela perm aneceu em
atendim ento individual após o térm ino do grupo para abordar questões
específicas da exploração sexual a que foi subm etida. E la dem onstrou
dificuldades para revelar suas experiências abusivas no grupo e
ressignificá-las no plano cognitivo e em ocional. Segundo ela, o
sentim ento de vergonha pelo que aconteceu a im pedia de revelar sua
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 141

história ao grupo, porque era m uito diferente das situações


experienciadas pelas dem ais m eninas. E m bora G abriela tenha
desenvolvido habilidades sociais, reestruturado sentim entos de culpa
e de desconfiança, dem onstrado m aior interesse pelas atividades
escolares, constatou-se que ela ainda apresentava sintom as de T E PT
e ansiedade com relação ao abuso. E la concordou em continuar em
terapia individual, que a beneficiou m uito, pois conseguiu revelar e
elaborar as situações de exploração sexual. Perm aneceu por quase
um ano em terapia individual até receber alta definitivam ente. A s
dem ais m eninas do G 1 receberam alta após a grupoterapia, apenas
receberam um acom panham ento bim estral, durante seis m eses, para
verificar a m anutenção das m udanças produzidas pela intervenção.
N o G 2, M ariana perm aneceu em atendim ento individual por causa
das situações de negügência e abuso em ocional perpetradas pelos avós,
que eram os responsáveis legais por ela. E les participaram m uito pouco
do grupo para cuidadores e reforçavam sentim entos de culpa na garota,
responsabilizando-a pelo abuso sexual. M ariana apresentou-se m uito
engajada no processo terapêutico, m as a falta de apoio protetivo e afetivo
prejudicaram sua evolução clínica. A situação foi notificada ao C onselho
T utelar que determ inou que tanto ela, quanto os avós deveríam
com parecer ao PIPA S para atendim ento psicológico.
C am ila solicitou às terapeutas que pudesse “visitá-las no PIPA S
até a audiência”, na qual teria que prestar depoim ento sobre o abuso
sexual. E la com pareceu ao Program a quinzenalm ente para acom pa­
nham ento e suporte psicológico até seu depoim ento no Juizado da
Infância e Juventude. V anessa foi m onitorada quinzenalm ente durante
três m eses, após o térm ino do grupo, para que se verificasse a m anu­
tenção das m udanças provocadas pela grupoterapia e se a m enina
não apresentaria m ais tentativas de suicídio. D epois desse período,
recebeu alta. A s dem ais m eninas do G 2 receberam alta após o térm ino
da grupoterapia.

E im portante ressaltar que, em bora as m eninas tenham recebido


alta por atingir as m etas terapêuticas, as terapeutas se colocaram à
142 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

disposição para qualquer situação-problem a que pudesse surgir. E las


com preenderam que o vínculo perm anece e que possuem um adulto-
referência, a quem podem recorrer em casos de em ergência. D epois de
quase um ano do térm ino do grupo, D aiana telefonou para contar que
o ex-padrasto apareceu em sua casa para am eaçá-la. Foi m arcada um a
sessão com a m enina para verificar o im pacto do fato e a m ãe foi
orientada a notificar a situação às autoridades com petentes. A m ãe
tom ou as m edidas necessárias e a prisão preventiva do ex-com panheiro
foi decretada. A s m eninas tam bém telefonaram algum as vezes para
com partilhar situações positivas que ocorreram em suas vidas.
O s relatos das jovens indicaram que a m odalidade grupai reduziu
sentim entos de culpa, desconfiança e diferença com relação aos pares.
V erificou-se a reestruturação de crenças e com portam entos disfuncionais
decorrentes do abuso. A s experiências traum áticas foram ressignificadas
no plano cognitivo e em ocional. A lém disso, o form ato grupai
potencializou com portam entos protetivos para prevenção de
reincidências. O s relatos dos cuidadores e das m eninas indicaram redução
da sintom atologia, quanto à freqüência e à intensidade, de transtorno do
estresse pós-traum ático, depressão, transtorno dissociativo, transtorno
de hiperatividade e déficit de atenção, que foram diagnosticados antes
da grupoterapia. T am bém destacaram o aum ento de com portam entos
pró-sociais no contexto fam iliar e escolar decorrentes da participação no
grupo. A s professoras apontaram um a m elhora no rendim ento escolar,
devido ao aum ento de concentração e interesse nas atividades
desenvolvidas e ao com portam ento de reintegração ao grupo de pares.
N o G l, apenas G abriela repetiu o ano, e no G 2, todas as m eninas, com
exceção de M ariana, foram aprovadas pelo conselho de professores por
causa da m udança positiva de com portam ento, em bora não tenham
atingido a nota necessária por alguns décim os.
A s m eninas apresentaram um resgate da auto-estim a e do
sentim ento de esperança. T odas apresentaram projetos de vida incluin­
do perspectivas positivas com relação ao futuro.
C om relação aos cuidadores, verificou-se a qualificação do apoio
afetivo e protetivo. A s m ães responsáveis pelos cuidados das m eninas
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 143

m odificaram crenças e sentim entos com relação ao abuso e à


reconfiguração fam iliar decorrente da revelação por parte das filhas.
O grupo de m ães potencializou atitudes funcionais de proteção e a
construção de estratégias para lidar com com portam entos-problem a
das m eninas. C om relação aos educadores dos abrigos, constatou-se
a necessidade de m aior intervenção, pois os sem inários de capacitação
e visitas não foram suficientes para provocar as alterações necessárias
nas práticas educativas com as crianças e os adolescentes.
A s T abelas 3 e 4 apresentam os resultados da avaliação inicial e
final do G 1 e G 2 com relação aos sintom as de transtorno do estresse
pós-traum ático e alterações com portam entais.

T a b e la 3. R esultados pré e pós-teste de G 1 e G 2 com relação ao T E PT


S in to m a s d e T E P T G 1 p r é -te ste G 1 p ó s-te ste G 2 p r é -te ste G 2 p ó s-te ste

(n = 6) (n = 6 ) (n = 7) (n = 7)

angústia nas lem branças 6 1 6 0

traum áticas

fuga: sentim entos, pensam entos, 5 1 7 0

locais, situações

lem branças/im agens intrusas 6 1 7 1

dificuldade de concentração 5 1 7 0

sentim ento de estar sozinha, 2 1 6 1

separada, alienada

com portam ento de reconstituição 3 0 1 0

sonhos traum áticos 2 0 3 0

irritabilidade ou raiva 2 0 7 1

dificuldades para dorm ir 2 0 4 0

hipervigilância 3 1 3 0

lapsos de m em ória 2 0 0 0

interesse reduzido em 1 0 1 0

atividades habituais

resposta exagerada de sobressalto 1 0 1 0

alteração na orientação com 0 0 1 0

respeito ao futuro
144 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

T a b e la 4 . R esultados pré e pós-teste do G 1 e G 2 das alterações com portam entais

A lte r a ç ã o c o m p o r ta m e n ta l G 1 p r é -te ste G 1 p ó s-te ste G 2 p r é -te ste G 2 p ó s-te ste

(» = 6 ) (n = 6 ) (« = 7 ) (« = 7 )

episódios de m edo ou pânico 4 1 5 0

ansiedade generalizada 2 1 3 1

transtorno do sono 3 0 4 0

m udança de com portam ento 3 0 5 0

na escola

fugas do lar 2 0 4 0

fadiga 2 0 2 0

isolam ento 2 0 6 0

esquiva do contato físico 2 0 3 0

falta de apetite 2 0 0 0

aum ento de apetite 0 0 1 0

atraso do desenvolvim ento 1 1 1 0

(cognitivo, m otor, afetivo)

atuação tipo m entiras e furtos 0 0 3 0

atuação sexual 0 0 1 1

perda de peso 1 0 1 0

abandono de hábitos lúdicos 1 0 0 0

com portam ento suicida 0 0 5 0

uso de m aconha 0 0 2 0

D is c u s s ã o d o s r e s u lta d o s

A s avaliações psicodiagnósticas individuais, que antecederam


a grupoterapia, foram fundam entais para conhecer a história das
m eninas, a dinâm ica das fam ílias e reconhecer as conseqüências
negativas do abuso. E m todos os casos, identificaram -se fatores de
risco para a fam ília incestuosa, tais com o: m ãe ausente, presença de
padrasto, padrasto responsável pelos cuidados das crianças durante
períodos longos, filha desem penhando o papel de m ãe, padrastos
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 145

cium entos e controladores da vida social das m eninas, papéis


fam iliares pouco ou não definidos, alcoolism o, etc. O T E PT foi a
conseqüência do abuso predom inante - das treze participantes, doze
apresentavam esse quadro diagnóstico e um a m ostrava alguns
sintom as. A depressão e o transtorno dissociativo tam bém foram
psicopatologias recorrentes. A lém disso, todas as m eninas m ani­
festavam sentim ento de culpa, diferença em relação aos pares, baixa
auto-estim a e desconfiança nas pessoas em geral. C om portam entos
agressivos e baixo rendim ento escolar tam bém foram constatados na
m aioria das participantes. A s ideações suicidas e as tentativas de
suicídio apareceram em cinco m eninas, e a desesperança com relação
ao futuro foi um a característica com um a todas participantes. V erifi­
cou-se que os resultados da avaliação diagnóstica estão em conso­
nância com a literatura. A s entrevistas com as m eninas tam bém foram
im portantes para estabelecer um a relação terapêutica e prepará-las
para o processo de grupo.
A grupoterapia se m ostrou um a m odalidade terapêutica eficaz
na redução de sentim entos de culpa, diferença em relação aos pares,
desconfiança e isolam ento, devido ao processo de auto-ajuda e de
reforço possibilitado pelo grupo. A s m eninas desenvolveram fortes
laços de am izade entre si, perm itindo a troca de estratégias para
enfrentar situações adversas e prom ovendo a am pliação de suas redes
de apoio social e afetiva. E ntretanto, algum as considerações são
im portantes quanto à com posição dos grupos para a m axim ização
desses resultados. E m prim eiro lugar, devem ser form ados por
participantes que estejam na m esm a etapa de desenvolvim ento. N o
G l, foi necessário adaptar algum as atividades e técnicas para que
A line, de nove anos, pudesse acom panhar o processo do grupo, m as,
m esm o assim , evidenciou-se que ela teve dificuldades para com ­
preender as questões levantadas pelas dem ais m eninas. E m segundo
lugar, sugere-se a separação, em grupos distintos, das vítim as de abuso
intrafam iliar e das vítim as de abuso extrafam iliar, já que as
problem áticas e focos da intervenção são diferentes. Isso se evidenciou
146 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

no G l, em que G abriela, única vítim a de exploração sexual,


apresentou dificuldades para expressar sua história, seus sentim entos
e seus pensam entos com relação ao abuso, com prom etendo o
aproveitam ento da terapia. E m terceiro lugar, sugere-se que m eninas
que m oram em abrigos sejam atendidas separadam ente daquelas que
perm aneceram no convívio fam iliar. As prim eiras dem onstram
sentim entos negativos de abandono, diferentes das que continuam
com as fam ílias. A s garotas abrigadas apresentavam um a crença m ais
arraigada de que eram culpadas pelo abuso, pois com preendiam o
afastam ento da fam ília com o punição. Por outro lado, as que
perm aneceram com as m ães revelaram sentim ento de m edo de um a
reaproxim ação do padrasto e um possível retom o dele ao convívio
fam iliar, que, de certa form a, despertava raiva com relação às m ães.
E sses sentim entos e crenças foram abordados terapeuticam ente em
am bos os grupos, m as poderíam ter sido m ais aprofundadas se os
grupos fossem hom ogêneos nesse aspecto.
As técnicas cognitivas e com portam entais em pregadas na
grupoterapia - principalm ente a reestruturação cognitiva, o treino de
habilidades sociais, o treino de inoculação do estresse e a psicoeducação
quanto ao abuso e suas consequências - se m ostraram eficazes na
redução de sintom as de T E PT , transtorno dissociativo e depressão. A lém
disso, essas técnicas foram eficientes na reestruturação de pensam entos,
sentim entos e com portam entos disfuncionais relacionados ao abuso
sexual e na ressignificação de lem branças traum áticas. A s m eninas
construíram e ensaiaram , em um contexto seguro, estratégias funcionais
para lidar com lem branças dos eventos traum áticos. E sse processo de
m udança foi im portante para o resgate da auto-estim a e da esperança.
T am bém contribuíram para m elhorar o rendim ento escolar e aum entar
com portam entos pró-sociais com a fam ília, com os pares e dem ais
pessoas. A s oficinas sobre o E statuto da C riança e do A dolescente e
sexualidade, assim com o a construção de m edidas de proteção,
possibilitaram a aprendizagem de com portam entos de autocuidado e
autoproteção, im portantes para a prevenção de possíveis reincidências.
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 147

A s com binações de sessões do grupo com outras m odalidades


de intervenção, (fam iliar e individual) em m om entos estratégicos para
abordagem de questões focais, produziram im portantes efeitos
terapêuticos. A s sessões individuais realizadas com as participantes
do G 2 durante o grupo proporcionaram a elas um espaço singular
para trazer situações que não apareciam no contexto grupai, devido a
sentim entos de vergonha. A lgum as questões, com o a possibilidade
de gravidez de C am ila, foram resolvidas individualm ente, e outras
resolvidas pelo grupo, depois que as m eninas foram incentivadas a
com partilhar seus problem as com as dem ais. A intervenção realizada
com as irm ãs V anessa e L uciana e sua m ãe reorganizou os papéis
fam iliares e a rotina da fam ília. A função da m ãe com o cuidadora foi
potencializada e ela conseguiu construir, com a participação das filhas,
algum as regras para a convivência em casa. E la passou a destinar
m aior tem po à noite, depois do trabalho, para conversar com as
m eninas, produzindo m udanças nos com portam entos de am bas,
principalm ente L uciana, que deixou de sair de casa à noite, sem o
consentim ento da m ãe, para peram bular pelo bairro com os am igos.
A intervenção com os cuidadores foi fundam ental na
potencialização do processo de m udança das m eninas. V erificou-se
que o apoio deles exerce grande influência no quadro clínico das
adolescentes, e os m ais engajados no processo terapêutico influencia­
ram positivam ente o prognóstico das garotas. A intervenção com as
m ães foi im portante para que elas aceitassem a situação de abuso
sexual, não culpabilizassem as filhas e com preendessem a dinâm ica
do abuso, identificando com portam entos de risco, tanto nas m eninas,
quanto nelas próprias, para evitar futuras reincidências. E ntretanto,
observou-se a necessidade de um espaço m aior para abordar
terapeuticam ente os sentim entos de im potência das m ães e o
sofrim ento pela separação do com panheiro. Sugere-se que algum as
sessões do grupo priorizem a abordagem dessas questões específicas.
C om relação às intervenções realizadas nos abrigos, contatou-se que
foram insuficientes para produzir as m udanças necessárias. T am bém
148 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

se verificou um certo desinteresse das equipes técnicas desses abrigos


em participar do processo terapêutico das m eninas. T ais constatações
apontam a necessidade de um a intervenção estruturada, sistem ática
e continuada nas equipes de educadores dos abrigos, com o objetivo
de proporcionar um espaço de estudo e discussão sobre a problem ática
do abuso sexual na infância.
O s resultados positivos da intervenção grupoterápica podem ser
atribuídos a um conjunto de fatores: a escolha de técnicas cognitivas
e com portam entais eficazes; a m otivação das m eninas para superar
as conseqüências negativas do abuso; a inclusão dos cuidadores; a
interdisciplinaridade (participação da E nferm agem , da E ducação
Física, da Psiquiatria e da G inecologia); o trabalho em rede com o
C onselho T utelar, Juizado da Infância e Juventude, escolas, abrigos
e fam ílias; a qualidade da relação terapêutica, ou seja, o vínculo e a
confiança que foi estabelecida com as m eninas e seus cuidadores.
Pa r t e IV

Co n s id e r a ç õ e s f in a is
Co n s id e r a ç õ e s f in a is

abuso sexual contra crianças e adolescentes é um

por
O
um a
fenôm eno de violência com plexo, desencadeado e m antido
série de variáveis fam iliares e sociais. A incidência
epidem iológica apontada pelas pesquisas é alta, e os dados revelam apenas
parcialm ente o problem a. E sta categoria de m aus-tratos é um grave
problem a de saúde pública devido às conseqüências negativas para o
indivíduo ao longo do seu desenvolvim ento cognitivo, afetivo,
com portam ental e social. A lém disso, é um problem a jurídico, pois viola
o E statuto da C riança e do A dolescente (L ei Federal n° 8069/ 1990).
A s intervenções em casos de abuso sexual devem contem plar a
com plexidade do fenôm eno. A interdisciplinaridade e o trabalho em
rede são fundam entais para que a intervenção seja eficaz, m inim izando
o im pacto negativo que a experiência produz nas vítim as. D essa form a,
a capacitação dos profissionais das áreas de saúde, educação e jurídica,
para identificar e intervir com qualidade é m uito im portante, assim
com o a necessidade de m aior investim ento em pesquisas sobre
tratam ento e prevenção.
C om relação ao tratam ento, torna-se urgente no B rasil o
desenvolvim ento de estudos controlados para verificar a eficácia de
m odalidades terapêuticas para a vítim a, para o agressor e para a
fam ília. E xiste pouca produção científica em nível nacional com
relação ao tratam ento de casos envolvendo abuso sexual. O s estudos
existentes apontam a dinâm ica, a incidência e as conseqüências do
152 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

problem a, m as a descrição de m étodos de tratam ento com os resul­


tados é raram ente apresentada.
O presente trabalho apresentou um estudo em pírico que
dem onstrou, através da análise qualitativa dos resultados, a eficácia
de um m odelo experim ental de intervenção clínica cognitivo-
com portam ental para m eninas vítim as de abuso sexual. Ficou evidente
que as m eninas foram beneficiadas pela m odalidade grupai e pelas
técnicas cognitivas e com portam entais utilizadas a fim de reduzir
sintom as psiquiátricos e reestruturar a m em ória traum ática no plano
cognitivo e em ocional. A intervenção tam bém prom oveu a aprendi­
zagem de com portam entos funcionais diante de situações-problem a.
Os resultados da grupoterapia cognitivo-com portam ental foram
potencializados pelo atendim ento aos cuidadores realizado conco­
m itantem ente, pela articulação da rede (C onselho T utelar, Juizado
da Infância e Juventude, abrigos, escolas, fam ílias) e pelas inter­
venções interdisciplinares que ocorreram em determ inados m om entos
do tratam ento.
A eficácia da intervenção podería ter sido m ais bem avaliada
pela utilização de instrum entos de m ensuração de sintom as clínicos.
E ntretanto, há poucas ferram entas no B rasil com essa característica.
Sugere-se o desenvolvim ento ou a adaptação de instrum entos de
avaliação psicológica para essa população clínica. A lém disso, a
utilização de um grupo controle de lista de espera para com paração
dos resultados das avaliações pré e pós-teste seria um im portante
procedim ento na validação desse m étodo de intervenção. Sugere-se
o desenvolvim ento de novas pesquisas a fim de validar m étodos
eficazes de avaliação e tratam ento clínico para crianças e adolescentes
vítim as de abuso sexual.
Finalm ente, é im portante discutir a im plicação do pesquisador
que desenvolve estudos com crianças e adolescentes vítim as de
violência. A lém de todas as questões éticas relacionadas à notificação
dos casos, é necessário o com prom isso com a confiança conquistada
dos participantes, desenvolvendo intervenções que produzam
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M. Ca min h a 153

benefícios para a vida deles. Isso exige um a constante atualização de


conhecim entos teóricos e técnicos, sensibilidade e capacidade de
em patia com as experiências relatadas por essas crianças e esses
adolescentes. D esenvolver este estudo exigiu profunda dedicação e
envolvim ento na relação terapêutica com as m eninas que participaram
dos grupos. N essa relação, não foi apenas necessário conhecer
teoricam ente aspectos do abuso sexual e dom inar os procedim entos
técnicos da grupoterapia, m as realm ente com prom eter-se com a
prom oção de m udanças na qualidade de vida das participantes.
A prender a lidar com frustrações, com a confiança depositada, com
as angústias e com os efeitos terapêuticos de cada intervenção exige
m ais do que conhecim ento técnico - exige autoconhecim ento. A bordar
essa questão é pertinente, pois a vulnerabilidade das m eninas
dem andou m uitos cuidados e um profundo envolvim ento em cada
intervenção. A relação terapêutica exigiu m uito investim ento
profissional e pessoal. E ntretanto, é extrem ante gratificante acom ­
panhar os progressos terapêuticos de cada m enina. O bservar o quanto
elas se m odificaram durante o processo de terapia, transform ando
um evento traum ático em um a experiência potencializadora de saúde,
de crescim ento e de esperança com relação ao futuro, é m uito
recom pensador.
A lém disso, a interlocução com profissionais de outras áreas do
conhecim ento e a articulação de intervenções com a rede proporcio­
naram aprendizagens fundam entais que enriqueceram a form ação
profissional. O conhecim ento produzido na realização deste trabalho,
certam ente, não contribuiu apenas para um desenvolvim ento
profissional, m as possibilitou um im portante crescim ento pessoal.
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Psiquiatria, R S, 13(3), 136-145, 1991.
An e x o s
An e x o A

E ntrevista sem i-estruturada com a criança (The M etropolitan


Toronto Special Com m ittee on Child Abuse, 1995)

I n íc io :

• Rapport (apresentação);

• explorar assuntos am plos de interesse da criança;

• questões de transição: “V ocê sabe porque está aqui hoje?”;

• não prom eter sigilo.

M e io :

• N arrativa livre através de questões abertas (perguntar desde


quando acontecia, quantas vezes, se haviam am eaças, explorar
sentim entos, pensam entos e atitudes);

• m edidas de proteção (dem onstrar que acredita na criança e a


ausentar de culpa, contar que isso acontece com outras
crianças para reduzir sentim entos de estigm atização, salientar
a im portância da revelação).
168 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

F im :

• E xplorar sentim entos da revelação;

• exam inar as perspectivas futuras com relação à criança, à


fam ília e ao abusador de form a realista;

• colocar-se disponível.

Recursos de apoio : bonecos anatom icam ente perfeitos e


desenhos (pessoa, fam ília, lugar ou situação boa, lugar ou situação
ruim ).
An e x o B

Checklist para avaliação diagnostica (C am inha & Flores, 1994).

P r o to c o lo d e A te n d im e n to d e A b u s o S e x u a l

C h e c k -L is t

A lte r a ç õ e s C o m p o r ta m e n ta is - A b u s o S e x u a l

T r a n s to r n o d o s o n o P e rd a d e p e so

A tr a s o d o d e s e n v o lv im e n to D is tú r b io s a lim e n ta r e s

A tu a ç ã o s e x u a l M e n tir a s , f u r to s

A n s ie d a d e g e n e r a liz a d a C o m p o r ta m e n to s u ic id a

M u d a n ç a d e c o m p o r ta m e n to I s o la m e n to

n a e s c o la

F u g a d o c o n ta to f ís ic o A b a n d o n o d e a n tig o s h á b ito s lú d ic o s

E p is ó d io s d e m e d o o u p â n ic o A b a n d o n o d e a n tig o s la ç o s a f e tiv o s

F u g a s d o la r F a d ig a

P r o s titu iç ã o A lc o o lis m o /d r o g a d iç ã o

E m b o ta m e n to a f e tiv o ( in d if e r e n ç a ) C o n f u s ã o d e id e n tid a d e /

r e la c io n a m e n to
170 Ab u s o s e x u a l c o n t r a c r ia n ç a s e a d o l e s c e n t e s : c o n c e it u a ç ã o e in t e r v e n ç ã o c l ín ic a

T r a n s to r n o d e E s tr e s s e P ó s -T r a u m á tic o (T E P T ) - Indicadores

r e e x p e r im e n ta ç ã o d o s e n to r p e c im e n to e s ta d o d e e x c ita ç ã o

fe n ô m e n o s e v ita ç ã o p s ic o ló g ic a a u m e n ta d a

L e m b ra n ç a s/im a g e n s F u g a : se n tim e n to s, D ific u ld a d e s p a ra

in tru sa s p e n sa m e n to s, d o rm ir

lo c a is, situ a ç õ e s

S o n h o s tra u m á tic o s In te re sse re d u z id o Irrita b ilid a d e /ra iv a

e m a tiv id a d e s h a b itu a is
Jo g o s re p e titiv o s S e n tim e n to d e e sta r D ific u ld a d e d e

so z in h o , se p a ra d o , c o n c e n tra ç ã o
a lie n a d o

C o m p o rta m e n to d e  m b ito e m o c io n a l H ip e rv ig ilâ n c ia


re c o n stitu iç ã o re strito

L a p so s d e m e m ó ria R e sp o sta e x a g e ra d a d e
A n g ú stia n a s le m b ra n ç a s so b re ssa lto

tra u m á tic a s

P e rd a d e h a b ilid a d e s já R e sp o sta a u tô n o m a a
a d q u irid a s le m b ra n ç a s tra u m á tic a í

A lte ra ç ã o n a o rie n ta ç ã o
c o m re sp e ito a o fu tu ro

S o lid e z d o d ia g n ó s tic o d e a b u s o

Nenhum item positivo : diagnóstico negativo.


Apenas relato da criança : diagnóstico positivo provável
(evidência significativa, com provada e sustentada em literatura
científica, aponta a confirm ação do diagnóstico de abuso sexual,
em bora a variável apresente-se isolada do conjunto investigado).
Relato da criança e m ais 1 ou 2 itens : diagnóstico positivo
conclusivo (m elhora o grau de em basam ento de confirm ação do
diagnóstico de abuso sexual na presença de m ais variáveis que
solidificam o resultado; m elhor cerceam ento do fenôm eno.
Relato da criança e m ais de 3 itens : diagnóstico positivo definitivo
(pela incidência do núm ero de variáveis apresentadas, o diagnóstico de
abuso sexual está bem solidificado e com alto grau de respaldo científico).
Lu ís a E Ha b ig z a n g & Re n a t o M . Ca min h a 171

Check-List FA M ÍL IA Protocolo:

I n d ic a d o r e s d e A b u s o I n tr a fa m ilia r

P a i a lc o o lis ta

P a i v io le n to , v ítim a d e a b u s o f ís ic o e m s u a f a m ília d e o r ig e m

P a i d e s c o n f ia d o , a u to r itá r io , e x c e s s iv a m e n te p u r ita n o o u v io le n to

M ã e p a s s iv a , a u s e n te , d is ta n te e in c a p a z d e im p o r - s e a o p a i

q u a n d o n e c e s s á r io

F ilh a d e s e m p e n h a n d o o p a p e l d e m ã e

F ilh a p s e u d o m a d u r a

P a is c o m r e la ç ã o s e x u a l p e r tu r b a d a o u in e x is te n te

P r e s e n ç a d e p a d r a s to n a f a m ília

P a i f ic a p o r te m p o p r o lo n g a d o c o m a s c r ia n ç a s e a s s u m e o p a p e l d e m ã e

F ilh a q u e f o g e d e c a s a , p r o m ís c u a , a u to d e s tr u tiv a o u q u e u s a d r o g a s

C r ia n ç a s q u e s e is o la m , s e m a m ig o s , s e m v ín c u lo p r ó x im o c o m n in g u é m

C o m p o r ta m e n to s e x u a l im p r ó p r io p a r a a id a d e

A titu d e p a r a n ó ic a e h o s til d a f a m ília a n te e s tr a n h o s

P a is q u e s e o p õ e m a a u to r iz a r u m a e n tr e v is ta d e u m p r o f is s io n a l a
s ó s c o m s u a f ilh a

P a i, m ã e o u a m b o s v ítim a s d e a b u s o s e x u a l n a in f â n c ia

P a is q u e f o r a m n e g lig e n c ia d o s o u d e s p r o te g id o s n a in f â n c ia

C iú m e e x a g e r a d o d o p a i e m r e la ç ã o à f ilh a a d o le s c e n te

P a is q u e a c a r ic ia m o s f ilh o s d e m o d o a v io la r a p r iv a c id a d e s e x u a l

P a is q u e e x ig e m c a r íc ia s ín tim a s d o f ilh o

O b s e r v a ç õ e s a d ic io n a is
An e x o C

A utom onitoram ento

R egistrando m inhas em oções, pensam entos e com portam entos...

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