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A Linguagem Como Forma de Habitar o Proximo e o Di
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A linguagem como
forma de habitar:
o próximo e o distante
Paulo Roberto Masella Lopes
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.11, n.2, maio/ago. 2008.
se às novas tecnologias da comunicação a
Merleau-Ponty (1999) diz que a palavra não se
primazia pelo domínio do espaço virtual, assim
como à arquitetura a construção dos espaços reduz a um signo dos objetos e das significações,
concretos da materialidade. Sem dúvida, os meios
mas habita as próprias coisas e veicula
técnicos de comunicação, ao reorganizarem a
percepção das distâncias, suscitam uma crise significações de modo que no falante, a palavra
da matriz espacial;; contudo, cremos que não se não traduz um pensamento já concebido, mas o
possa excluir a produção de subjetividade como
um processo de virtualização do pensamento realiza, assim como aquele que escuta recebe,
que refaz o próprio sentido do espaço. Como pela palavra, o próprio pensamento. Já Heidegger
resultado, temos que as formas de habitar não se
reduzem à mensurabilidade do espaço concreto,
define o Dasein (Ser aí) como modo de estar
mas dependem das linguagens que produzem a no mundo, não apenas no sentido de dar uma
visibilidade do real.
localização, mas uma morada (Behausung).
Palavras-chave
Espaço. Linguagem. Habitar. Todavia este ser não se confunde com uma
consciência ou substância pensante, mas como
uma possibilidade, como um devir que encontra
pela linguagem um modo de estar no mundo. Para
Heidegger (2001), a linguagem não se reduz a um
conjunto de signos determinados logicamente
por meio dos quais se dá a comunicação de
mensagens, nem a funções apofânticas em suas
tentativas de descrição do real. Não é meramente
ontológicos a que se propõe a examinar, não Em sua origem, a cidade é, portanto, uma forma
é o homem que possui a linguagem, mas o de habitar marcada não só pela concretude de
contrário. Comunicar algo pela linguagem não sua arquitetura, mas também pela escrita e por
é transmitir informações ou vivências entre um modelo epistêmico que cria a dicotomia
sujeitos, mas partilhar sentido com os outros. sujeito-objeto, interior-exterior, como modo
Essa partilha de sentido com o outro requer, próprio de pensar o mundo.
portanto, um suporte no Lebenswelt (mundo
A relação interior-exterior, que é um aspecto
da vida) e outro na intersubjetividade, como principal do espaço concreto, sugere que os
movimento de fuga ao sujeito solipsista e à espaços possuem graus variados de extensão
e cercamento. Enquanto as paisagens se di-
transcendência. No entanto, é atrelada ao logos 2/14
ferenciam por terem extensões variáveis, mas
que a cidade deve sua origem, desde que Platão basicamente contínuas, os assentamentos são
entidades muradas entre fronteiras. Portanto,
procurou conciliar o discurso racional com os
assentamento e paisagem mantêm entre si uma
interesses da polis grega: relação de figura-fundo. De modo geral, tudo o
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que fica encerrado se manifesta como “figura”
O que implica o sistema da polis é primei- contra o vasto fundo da paisagem. (NORBERG-
ramente uma extraordinária preeminência da SCHULZ, 2006, p. 450).
palavra sobre todos os outros instrumentos
do poder. Torna-se instrumento político por Esse modo de pensar logocêntrico rompe
excelência, a chave de toda a autoridade no
Estado, o meio de comando e de domínio
com a continuidade da natureza e estabelece
sobre outrem. [...] Entre a política e o logos, linhas e contornos, impondo um sistema de
há assim relação estreita, vínculo recíproco.
contigüidades: o assentamento, a arquitetura,
A arte política é essencialmente exercício da
linguagem; e o logos, na origem, toma cons- contra a paisagem, mas também o tempo
ciência de si mesmo, de suas regras, de sua
histórico contra o cíclico, as regras da gramática
eficácia, através de sua função política. (VER-
NANT, 1984, p. 34-35). contra as formas iconográficas, a visibilidade
dos conceitos contra a visualidade das imagens.
Opondo-se à narrativa mítica e à oralidade,
Para McLuhan (1977, p. 339), não foi senão o
“é a escrita que vai fornecer, no plano
alfabeto fonético que “envolveu os gregos num
propriamente intelectual, o meio de uma cultura
‘Espaço euclidiano’ de ficção [...] ao trasladar
comum e permitir uma completa divulgação
o mundo audiotáctil para o mundo visual”,
de conhecimentos previamente reservados
criando “o sofisma do ‘conteúdo’, tanto na física
ou interditos” (VERNANT, 1984, p. 36). É
como na literatura”. Já Flusser (2007) associa
constituindo-se enquanto logos – enquanto
o logocentrismo ao primado da linearidade
discurso normativo – que a inteligibilidade
da escrita na tradição ocidental cartesiana,
do real será possível, possibilitando à escrita
contrapondo-se ao mundo imagético medieval e –
cumprir sua função de publicidade.
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Bauman (1999, p. 37-38), em uma concepção de para com seus súditos, fazendo-se necessário
espaço que se emoldura na relevância que os “controlar e neutralizar o impacto da variedade
mapas adquirirem na construção de um espaço e da contingência” através da “imposição de
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mensurável que o Estado-nação necessita medidas padrão, obrigatórias, de distância,
para impor sua perspectiva e remover toda superfície, volume” e da proibição das “medidas
forma de dissonância interpretativa. É a partir locais, baseadas no grupo ou indivíduo”. Antes,
desta constatação que Bauman (1999, p. 37- porém, de medir o espaço “objetivamente”,
38) argumenta que a “legibilidade do espaço” era preciso ter claro uma idéia de “distância”.
tornou-se um desafio do Estado moderno Idéia que, na origem, está atrelada à distinção
pela soberania de seus poderes. Isso incluía entre o “próximo” e o “longínquo” a partir da
o controle do ofício de cartógrafo, já que o experiência pessoal e que será sistemática e
objetivo “da moderna guerra pelo espaço era a progressivamente subvertida por uma ordem
subordinação do espaço social a um e apenas classificatória de demarcação da prática social.
um mapa oficialmente aprovado e apoiado Das culturas “arcaicas” analisadas por Lévi-
pelo Estado” e ainda “imune ao processamento Strauss, chegando-se ao Estado moderno, teria
semântico por seus usuários ou vítimas”. havido sempre a necessidade do poder em
submeter o espaço a sua autoridade direta,
2 O próximo e o distante separando “as categorias e distinções espaciais
como matrizes epistemológicas
das práticas humanas que os poderes do Estado
A mensurabilidade do espaço na modernidade não controlavam” e substituindo “as práticas
define um modo de habitar enquanto controle locais e dispersas por práticas administrativas de
das distâncias. É a relação entre o próximo e o Estado” como ponto de referência único.
distante o elemento epistemológico que define
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Há, assim, na relação entre o próximo e que levam ao edifício e que dele partem, isso
apenas significa que a linguagem está implica-
o distante, uma configuração espacial e
da nessas estruturas, que ela está “a caminho”,
epistemológica que caracteriza uma forma “movendo-se em direção à linguagem” dizia
[Martin] Heidegger, a caminho de alcançar a si
de habitar dependente de um diálogo entre a
mesma. (DERRIDA, 2006, p. 167).
interioridade e a exterioridade. Como lembra
Norberg-Schulz (2006, p. 448): Devemos então entender o lugar não só como
um abrigo, mas também como aquilo que nos
A propriedade básica dos lugares criados pelo
homem é a concentração e o cercamento. Os lu- permite entrar em contato com o mundo através
gares são literalmente “interiores”, o que signi- de relações de vizinhança, de contigüidade, que
fica dizer que “reúnem” o que é conhecido. Para
lhe dão sentido. A construção de um lugar sendo 4/14
cumprir essa função, os lugares têm aberturas
através das quais se ligam com o exterior. a própria construção de um sentido que se tece
entre as coisas, na medida em que as próprias
A inspiração heideggeriana aqui é nítida: habitar
coisas só vêm a ser por meio da linguagemjá que
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significa estar em paz em um lugar protegido. O
estas só vêm a ser por meio da linguagem que
abrigo é um lugar habitável que nos faz pertencer
disponibiliza um modo de estar no mundo.
ao entorno, que nos possibilita estar no mundo
como condição da própria existência, como a O estabelecimento de um lugar habitável é
um acontecimento e, evidentemente, esse
marca expressiva de uma primeira pedra, de
estabelecimento sempre supõe algo de técni-
um primeiro assentamento, mas também como co. Inventa-se algo que não existia até então,
mas, ao mesmo tempo, há o habitante, homem
passagem de um caminho no qual nos instalamos
ou Deus, que requer esse lugar antes mesmo
e por onde o mundo passa. que ele tenha sido inventado ou produzido. Por
isso, não se sabe muito bem onde situar a ori-
Se toda linguagem sugere uma espacializa- gem do lugar. Talvez habitemos um labirinto,
ção, uma certa disposição no espaço que, sem que não é natural nem artificial, e que está no
dominá-la, permite que dela nos aproximemos, cerne da história da filosofia greco-ocidental,
então devemos compará-la a uma espécie de de onde se originou o antagonismo entre na-
desbravamento, de abertura de um caminho. tureza e tecnologia. Dessa oposição nasce a
Um caminho que não tem de ser descoberto, distinção entre os dois labirintos. (DERRIDA,
mas inventado. E essa invenção de um caminho 2006, p. 168).
não é de modo algum alheia à arquitetura. Todo
lugar na arquitetura, todo espaço habitado, tem “Habitamos um lugar como habitamos no
uma precondição: que o edifício se localize em
um caminho, em um cruzamento de ruas ou es- conceito. E essa territorialização que o conceito
tradas pelos quais tanto se possa entrar como imprime ao pensamento atualiza-se na palavra,
sair. Não há edifícios sem ruas que conduzam a
na linguagem, que ganha sentido na medida
ele ou que partam dele; tampouco existem edi-
fícios sem percursos interiores, corredores, es- em que se constrói” (MASELLA LOPES, 2007,
cadas, passagens, portas. Mas, se a linguagem
p. 140). E, por isso, podemos afirmar que a
não pode controlar o acesso a esses trajetos
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e esta se faz como um caminho, sua metáfora
mas político. Nesse sentido, a cidade não é
mais perversa não poderia ser outra que a da
apenas uma metáfora, mas o lugar privilegiado
Torre de Babel. A pretensão em alcançar os
do controle das distâncias. Idéias, objetos
céus, de ascender ao eixo transcendental fixando
e indivíduos encontram na cidade seus nós,
a linguagem em um lugar “acima” do mundo,
seus pontos de acúmulo e tensão. Enfim, toda
em um supramundo, não poderia ser mais
sorte de fluxos de bens materiais e imateriais
destoante da metáfora heideggeriana de buscar
condensam-se e ganham consistência na cidade,
na casa a simultaneidade entre o acolhimento
de modo que não se possa reduzir o fenômeno
e a afirmação do mundo. Aqui, a arquitetura
da compressão espaço-temporal ao ciberespaço
da Torre de Babel encontra o projeto da cidade
sem antes admitir que a cidade tenha
cartesiana, da geometrização do espaço. O que
disponibilizado uma dimensão virtual antes
era o controle do espaço como metáfora de um
dispersa na velocidade do pensamento.
método (cartesiano) para controlar toda sorte
de opiniões, e, assim, atingir à verdade, torna-se,
3 A virtualidade das cidades
aqui, metáfora de uma obra que visa garantir o
A virtualidade da cidade apresenta-se não só
controle da linguagem.
na eletricidade, que desde o início do século XX
O fato de que esta intervenção na arquitetura, flui pelas linhas de energia que lhe atravessam
com uma construção que também é uma des-
construção, represente o fracasso ou a limita-
por toda parte, mas também, e principalmente,
ção imposta sobre uma linguagem universal pelo que a cidade se insinua com suas vitrines,
para impedir um plano de dominação política e
seus anúncios, seus itinerários estriados nas
lingüística do mundo nos informa sobre a im-
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linhas traçadas pelas ruas, e com sua arquitetura, apropriação mercadológica do espaço urbano,
que acumula nas fachadas o tempo em diversas Kenneth Frampton (2006, p. 477-478) contra-
escrituras. A cidade não é mais esse abrigo argumenta da seguinte forma:
interior e artificial da natureza que, como
Absolvemos a Strip, por medo de admitir que
extensão da casa, protege-nos do caos de um talvez tenhamos eliminado para sempre toda
mundo exterior, já que, há muito tempo, esse possibilidade de estar em algum lugar. Nós nos
gabamos de nossa tão valorizada mobilidade,
limite se diluiu. Ao contrário, a virtualidade da
de nossa rush city [“cidade da pressa”] [...]
cidade está em sua polissemia, em seus devires; só para descobrir que, se parássemos, haveria
poucos lugares nos quais qualquer um de nós
nos sentidos que se abrem à multiplicidade
escolheria estar. Trocamos, com alegre incon-
de fluxos que se processam em seu meio. Meio seqüência, nossa já débil influência na esfera 6/14
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as implicações políticas que isso acarreta, assim legitimidade da arquitetura como linguagem
como a linguagem não pode mais se reduzir à impondo-se à arquitetura como espaço em
escrita para assumir um contexto mais amplo que uma sociedade imagética – de ubiqüidade da
inclua os códigos visuais. comunicação visual:
Aprendendo com Las Vegas, de Venturi e Brown O trevo rodoviário e o aeroporto se comunicam
(2006), ilustra essa transformação do espaço com multidões em movimento, de carro ou a
pé, por razões de eficiência e segurança. Mas
urbano em uma espécie de simulacro do mundo as palavras e os símbolos também podem ser
mercadológico e publicitário, ao discutir em que usados no espaço para a persuasão comercial.
Se nas feiras do Oriente Médio não há placas ou
medida a arquitetura, apropriada pelo modo letreiros, a Strip é praticamente toda sinais. Nas
de produção capitalista, teria descaracterizado feiras, a comunicação se faz pela proximidade.
Caminhando por suas estreitas aléias, os com-
uma certa “aura do espaço” que sempre
pradores sentem e cheiram as mercadorias, e
prescindiu de um ideal estético como índice o comerciante se encarrega da persuasão ex-
plícita. Nas ruas estreitas da cidade medieval,
de autenticidade e valor do espaço construído.
embora houvesse sinais, a persuasão se fazia
Os autores referem-se ao advento do corredor principalmente pela visão e pelo cheiro de bolos
e pães concretos, através das portas e janelas
comercial, especialmente a Las Vegas Strip – seu
da padaria. (VENTURI; BROWN, 2006, p. 344).
exemplo por excelência –, em que a arquitetura
das fachadas assume o caráter pictórico das Ora, essa questão de contrapor a cidade
superfícies luminosas em detrimento da como linguagem à cidade como lugar, remete-
tradicional concepção de espaço tridimensional nos também à produção dos não-lugares de
própria dos interiores. Ao “cinismo” dessa Marc Augé (1994, p. 73) que, na chamada
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propaganda da rádio – em que a busca pelo uma cidade – qualquer uma, mesmo as mais
anonimato torna-se uma bizarra forma de antigas – pode ser lida de uma forma semiótica.
compartilhar uma identidade. A diferença, contudo, é que agora a arquitetura
não é mais um modo de expressar a forma ou a
Todavia, cremos que não seria o caso de
função de um ambiente – ou o sublime, como
opormos o lugar ao não-lugar, imputando a
afirma Derrida –, mas é um mero suporte de
este uma negatividade, pois não se trata de
sinais, símbolos e peças publicitárias. A cidade
impugnar o espaço repertoriado do lugar
já não tem mais um caráter ou identidade senão
ao não-repertoriado do não-lugar, já que o
aquele que os meios de comunicação ocupam por
repertório depende do modo como lemos os
toda paisagem. Os edifícios tornam-se suportes
espaços pelos quais caminhamos. Crer de forma
de peças publicitárias e os outdoors proliferam
incondicional nessa dicotomia seria negar
pelas avenidas, reproduzindo uma seqüência de
a produção de subjetividade a qual refaz os
instantâneos como em um filme, obliterando a
caminhos daquilo que é visível. Como lembram
paisagem de um fundo natural. Cria-se assim
Deleuze e Guattari (1997, p. 184-190), tanto
uma arquitetura de superfícies, uma arquitetura
o espaço liso dos mares e do campo pode ser
sem profundidade, em que a experiência do
estriado pela navegação e agricultura, como o
espaço ocorre como no dispositivo do mecanismo
espaço estriado das cidades pode tornar-se liso
cinematográfico: como uma sucessão de quadros
quando não sujeito às forças de estriagem do
postos em movimento, só que agora pela
capitalismo. Tudo depende do modo pelo qual
velocidade do carro.
circulam esses espaços.
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de uma nova ordem cognitiva, em que a luz não
ocultando de nossas representações o fundo
é mais a metáfora de um mundo inteligível, mas
natural. Através dessa nova imagem sintética,
em que a essência e a aparência diluem-se, ou
desfaz-se o mundo físico dos objetos extensos e
concentram-se, na própria luz como dimensão
mergulhamos em um mundo da representação
de uma nova realidade. Se a medida, através de
eletrônica em que a luz não mais dá forma
seus diversos instrumentos, contribuiu “para
aos objetos, mas transfigura-se no próprio
a constante redefinição do espaço percebido,
objeto. Evidentemente, a luz que protagoniza
do espaço vivido e, portanto, indiretamente,
a forma-imagem que se apresenta nos suportes
para a determinação cada vez mais rigorosa da
eletrônicos pelas tecnologias da comunicação
imagem do mundo sensível”, hoje, presenciamos
não é a mesma que aquela dos letreiros
uma transferência dessa “matéria mensurada
luminosos que proliferam nas cidades, mas
e agrimensada para a luz mensuradora”,
podemos aproximar essa ubiqüidade da imagem
inaugurando “efetivamente uma mutação na
e a sua conseqüente eliminação das distâncias
avaliação científica do tempo e do espaço”.
com uma leitura da transformação do espaço
Ocorre que se a luz tem sua grandeza não urbano em suporte de uma comunicação visual.
mais medida por sua espacialidade – como o
Como afirma Virilio (1993, p. 22-23):
são as figuras –, mas por sua velocidade, seu
movimento – sem repouso –, torna-se então A partir de agora assistimos (ao vivo ou não) a
uma co-produção da realidade sensível na qual
não mais um atributo de sua matéria, mas sua
as percepções diretas e mediatizadas se con-
própria condição. A forma-imagem luz apresenta- fundem para construir uma representação ins-
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sempre se constituiu enquanto verdadeiro. O que distância e, portanto, a homogeneidade e a
indiferença do lugar. Quando todos os lugares
emerge e se sobrepõe desse fundo natural é a
têm o mesmo valor, não nos podemos situar e
imagem sintética que surge nas interfaces dos nos tornamos deslocados.
Uma percepção não mais restrita às dimensões, Ocorre que a eliminação das distâncias
mas da representação instantânea de dados. não é apenas um fenômeno das tecnologias
Diante desse “desequilíbrio entre a informação da comunicação que possibilitam uma
direta de nossos sentidos e a informação desconstrução da materialidade do espaço
mediatizada das tecnologias avançadas” em que geográfico, mas também da ubiqüidade da
“nossos julgamentos de valor, nossa medida das imagem em todos os espaços físicos da cidade,
coisas” é transferida “do objeto para sua figura, transformando-a em um enorme hipertexto
da forma para sua imagem”, o risco que corremos e eliminando todos os volumes das formas
é, conforme alerta Virilio (1993, p. 40), de “um arquitetônicas. A cidade passa a não ser mais
delírio generalizado de interpretação”. percebida pelo corpo, mas pelo olhar. O efeito 10/14
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ocupa o lugar da natureza não enquanto
qual observamos nas interfaces dos suportes
representação, mas como o próprio real. Não
eletrônicos, provocando, segundo Virilio (1993,
se trata aqui de considerar os conteúdos
p. 19), uma “crise da noção de dimensão” ou “a
que operam através dessas imagens, mas
crise do inteiro”, ou seja, a crise
de perceber que a técnica não é mais um
instrumento de intelecção da realidade, mas [...] de um espaço substancial, homogêneo,
herdado da geometria grega arcaica, em be-
torna-se o padrão de medida através do qual
nefício de um espaço acidental, heterogêneo,
toda realidade é posta à prova. Significa dizer em que as partes, as frações, novamente tor-
que a técnica descola-se da ciência, ganha nam-se essenciais, atomização, desintegra-
ção das figuras, dos referenciais visíveis que
autonomia diante dos fenômenos físicos favorecem todas as transmigrações, todas as
observáveis na medida em que atua como transfigurações.
ordem sócio-econômica que se impõe como O legítimo passa então a habitar o que está
hegemônica a partir do crescimento das forças dentro do espaço visível das mídias, enquanto
capitalistas de produção. Entretanto, a sujeição as subjetividades ou práticas dissonantes
dessa crise da dimensão a uma ordem político- mantêm-se fora desse olhar midiático,
econômica permanece aquém do entendimento tornando-se unicamente visíveis enquanto
dos processos de operacionalização que levam algo antagônico ou ameaçador à ordem
ao desabrigo do ser diante dessa nova condição estabelecida, enquanto negatividade.
espaciotemporal. Para tanto, será preciso
O espaço não está nas coisas, mas na relação
antes entender de que maneira essas imagens
que estabelecemos com as coisas. Os mapas
midiáticas preenchem o imaginário social, 11/14
geográficos não definem uma espacialidade senão
encontrando uma correspondência no sistema
aquela que imputamos através de uma ordem,
sócio-psíquico equivalente àquela que o fetiche
seja esta política, etnográfica ou topográfica.
desempenha nas relações com as mercadorias.
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Da mesma forma, a comunicação não pode ser
circunscrita a um único mapa, porque não está
5 O habitar: entre a natureza e a técnica
sujeita a uma única gramática que lhe designe o
Se a relação entre o próximo e o distante
que é. Já que há várias ordens, falemos, portanto,
estrutura-se como condição do “estar no mundo”,
em vários mapas, ou ainda, em várias linguagens.
é muito porque se entende “este mundo” por
“mundo natural” que, para vivenciá-lo, é preciso Habitamos e somos habitados por diversas
o valor do espaço não pode ser medido pela verbais e visuais. Este é o pressuposto que
sua materialidade, pela sua possibilidade de nos possibilita entender a cidade como uma
mensuração, mas pela sua territorialidade, pela forma possível de habitar comprimida entre
fluidez dos limites que contrai ao se diferenciar uma narrativa mítica acerca da natureza e
dos demais espaços. A inclusão ou exclusão social, outra tecnológica, que adquire uma dimensão
não estando mais necessariamente circunscrita virtual com os meios técnicos de comunicação.
aos limites materiais da cidade, mas aos espaços Assumindo o lugar do logos, a cidade é, ao mesmo
imateriais das subjetividades, passa a se tornar tempo, resultado de uma construção da política
do que deve ou não se tornar visível, fazendo da forma de publicidade. Conseqüentemente, o que
ainda extremamente eficaz de controle social. cidade em sua concretude, mas um sistema de
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signos verbais e visuais, ou seja, é a linguagem HARVEY, David. A condição pós-moderna. 13. ed. São
Paulo: Loyola, 2004.
que nos permite a visibilidade, ou a forma e
o conteúdo do real, assim como possibilita HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências.
Petrópolis: Vozes, 2002.
situarmo-nos na espaciotemporalidade própria
a cada estrato ou formação histórica. Estrato MASELLA LOPES, Paulo Roberto. O espaço como
matriz epistemológica na comunicação. 2007.
que, na contemporaneidade, tem sido marcado
Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação –
pela criação de um ambiente cognitivo cuja
Epistemologia, Teoria e Metodologia da Comunicação
condição atual é de proximidade, continuidade ÁREA) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade
e visibilidade tecnicamente mediada, alterando de São Paulo, 2007.
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.11, n.2, maio/ago. 2008.
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Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.11, n.2, maio/ago. 2008.
may not be reduced to the measurement of the sentido del espacio. Como resultado, tenemos
concrete space, but depends on languages that que las formas de habitar no se reducen a la
produce the visibility of real. mensuración del espacio concreto, pero dependen
A revista E-Compós é a publicação científica em formato eletrônico da Revista da Associação Nacional dos Programas
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Pós-Graduação em Comunicação.
(Compós). Lançada em 2004, tem como principal finalidade difundir a Brasília, v.11, n.2, maio/ago. 2008.
produção acadêmica de pesquisadores da área de Comunicação, inseridos A identificação das edições, a partir de 2008,
em instituições do Brasil e do exterior. passa a ser volume anual com três números.
CONSELHO EDITORIAL
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.11, n.2, maio/ago. 2008.
Antonio Carlos Hohlfeldt Muniz Sodre de Araujo Cabral
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Arlindo Ribeiro Machado Nilda Aparecida Jacks
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
César Geraldo Guimarães Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Denilson Lopes Ronaldo George Helal
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Eduardo Peñuela Cañizal Rosana de Lima Soares
Universidade Paulista, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Erick Felinto de Oliveira Rossana Reguillo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores do Occidente, México
Francisco Menezes Martins Rousiley Celi Moreira Maia
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Gelson Santana Sebastião Carlos de Morais Squirra
Universidade Anhembi/Morumbi, Brasil Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Hector Ospina Simone Maria Andrade Pereira de Sá
Universidad de Manizales, Colômbia Universidade Federal Fluminense, Brasil
Ieda Tucherman Suzete Venturelli
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Itania Maria Mota Gomes Valério Cruz Brittos
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
Janice Caiafa Veneza Mayora Ronsini
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Jeder Silveira Janotti Junior Vera Regina Veiga França
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
COMISSÃO EDITORIAL
COMPÓS | www.compos.org.br
Ana Gruszynski | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
João Freire Filho | Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Rose Melo Rocha | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Presidente
Erick Felinto de Oliveira
CONSULTORES AD HOC
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Aníbal Bragança | Universidade Federal Fluminense, Brasil erickfelinto@uol.com.br
Gisela Castro | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Vice-presidente
Gislene Silva | Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Ana Silvia Lopes Davi Médola
Maria Helena Weber | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Estadual Paulista, Brasil
Rosana de Lima Soares | Universidade de São Paulo, Brasil
asilvia@faac.unesp.br
Tania Hoff | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Secretária-Geral
REVISÃO DE TEXTO E TRADUÇÃO | Everton Cardoso Denize Correa Araújo
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil
ASSISTÊNCIA EDITORIAL E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA | Raquel Castedo denizearaujo@hotmail.com