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O Pantanal Matogrossense Enquanto Patrimonio Nacional No Contexto Das Mudancas Climaticas
O Pantanal Matogrossense Enquanto Patrimonio Nacional No Contexto Das Mudancas Climaticas
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Dr. Carlos Teodoro Irigaray, Dra. Carolina Joana da Silva, Dr. Heitor
Queiroz de Medeiros, Dr. Pierre Girard, Gustavo Crestani Fava,
Joelson Campos Maciel, Lafayette Garcia Novais Sobrinho e Rogério
Luis Gallo1.
Resumo
Este artigo pretende analisar alguns aspectos da vulnerabilidade institucional na gestão
e conservação do Pantanal relacionando as consequências dessas deficiências institucionais e
seus impactos no contexto das mudanças climáticas e das emissões de gases de efeito estufa.
Embora o Pantanal seja uma região muito específica ecológica e culturalmente, e a despeito
da Constituição Federal tê-lo proclamado como patrimônio nacional em 1988 ainda não há
uma legislação nacional específica que regulamente tão extraordinário ecossistema. Além
disso o Estado Brasileiro não dimensionou ainda os possíveis impactos das mudanças
climáticas sobre as principais atividades humanas e sistemas naturais nessa região.
Palavras-Chaves: Pantanal Matogrossense. Área protegida. Mudanças Climáticas
Abstract
This paper intends to examine some aspects of institutional vulnerability for the
management and conservation of the Pantanal wetlands and relating the consequences of
these institutional deficiencies and their impacts with climate change and greenhouse gases
emissions. Even though the Pantanal is a very specific region ecologically and culturally, and
despite the facts that the Brazilian Federal Constitution proclaimed the Pantanal National
Heritage in 1988, there is still no specific national law regulating this extraordinary
ecosystem. In addition, the Brazilian State did not dimension yet the possible impacts of
climate change on the main human activities and natural systems in this region.
1
Trabalho desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa Direito e Mudanças Climáticas – JUS-CLIMA
integrando professores e mestrandos do Programa de Mestrado em Direito Agroambiental da UFMT. Participa
dessa pesquisa o Prof. Dr. Heitor Q. Medeiros do Programa de Mestrado em Ciências Ambientais da UNEMAT.
Key words: Pantanal. Protected area. Climate Change
1. Introdução
Compreender a relação entre as alterações climáticas, as responsabilidades humanas, o
quadro normativo e sua respectiva aplicação prática e ainda a forma como que as instituições
lidam com as responsabilidades decorrentes deste cenário é urgentemente necessário. A
adaptação à variabilidade climática é estritamente local, no entanto, seu sucesso depende do
estabelecimento de um quadro nacional e regional de políticas que sejam efetivamente
implementadas em escala local (Argrawal, 2008; Adger et al, 2007; IPCC, de 2007, Lim e
Spanger -Siegfried, 2004).
No caso específico do Pantanal, localizado na Bacia do Alto Paraguai-BAP no Brasil,
existem políticas relativas à gestão do meio ambiente, uso da terra e dos recursos hídricos que
serão examinadas no contexto da mitigação, vulnerabilidade e adaptação às alterações
climáticas. Nesta abordagem serão avaliadas as mais relevantes, com foco na sua aplicação e
em que medida elas auxiliam a formulação de uma gestão eficaz dos recursos naturais em
âmbito estadual e local.
A Constituição brasileira enumera alguns biomas e ecossistemas considerados como
patrimônio nacional entre os quais se insere o pantanal Matogrossense, estabelecendo que sua
utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (Art. 225, § 4º).
Apesar de toda esta relevância, depois de mais de 20 anos, o Congresso Nacional não
aprovou uma lei federal que pudesse regular a conservação deste bioma, muito embora
existam diversos projetos em andamento para esse fim. Por sua vez, os Estados de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, em cujo território se encontra o Pantanal, aprovaram leis
estaduais as quais tiveram efeitos limitados na região; como consequência, a proteção jurídica
do pantanal é feita através de normas que não consideram as peculiaridades regionais,
especialmente a existência, de uma grande planície de inundação dotada de uma
biodiversidade excepcional.
Além do vazio legal ou a inadequação de normas ambientais para a proteção deste
bioma único, a gestão ambiental na região sofre com a incapacidade dos órgãos ambientais e
com a falta de vontade política para implementar políticas públicas específicas para a região.
Os problemas ambientais resultam muitas vezes, ou são agravados, por uma vulnerabilidade
institucional fruto da inadequação dos instrumentos legais de gestão ou mesmo da omissão do
Governo na estruturação da gestão, na regulamentação de questões relevantes e na aplicação
das normas existentes.
Este trabalho pretende examinar alguns aspectos dessas deficiências, enfocando as
consequências das falhas institucionais e seus impactos sobre o Pantanal. Tal análise irá
abordar os marcos institucionais, regulatórios e de gestão, bem como a redução da utilização
de instrumentos para gestão ambiental e recursos hídricos.
Abordará também a formulação limitada de políticas públicas para prevenir ou mitigar
os danos ambientais que afetam o Pantanal e seu entorno.
A primeira seção trata sobre o vazio legal sobre o Patrimônio Nacional pantaneiro na
tentativa de mostrar que, apesar de já terem se passado mais de 20 anos sem uma política
específica para o bioma, ainda é pertinente e necessário para a sociedade brasileira a produção
de um marco regulatório que supra essa lacuna.
O segundo ponto cinge-se à aplicação do Código Florestal no Cerrado brasileiro,
bioma caracterizador da maior parte do Pantanal e seu entorno. Esta seção demonstra os
limites e consequências da falta de implementação da legislação florestal.
A terceira seção aborda a questão das áreas protegidas (ou melhor, áreas “des”
protegidas) na Bacia do Alto Paraguai, do seu papel na preservação de ecossistemas
fundamentais para as sociedades locais e ainda aprecia o tema dos incentivos econômicos para
a manutenção desses serviços.
O quarto capítulo levanta algumas preocupações sobre as políticas públicas ambientais
Brasileiras na Bacia do Alto Paraguai foram geradas e por que elas são um campo tenso de
conflitos e confrontos que prejudicam a sua aplicação.
Por fim, a última seção examina as implicações de algumas das vulnerabilidades mais
importantes discutidas acima na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
2
Ação Direta de Inconstitucionalidade N º 487-5 - Relator: Min. Sepúlveda Pertence.
Em qualquer caso, apesar da existência desta lei, o maior problema é a sua aplicação
pouco efetiva, demonstrando que qualquer norma ambiental, seja federal ou estadual, depende
da existência de uma estrutura administrativa que assegure a sua implementação. É notório no
Brasil que vários escritórios regionais do IBAMA - O Instituto Nacional de Defesa do Meio
Ambiente - não têm equipamentos básicos, nem tampouco recursos humanos e infra-estrutura
necesssários ao desempenho de suas atribuições legais.
Da mesma forma, as demais normas federais e estaduais que podem ser empregadas
para a proteção da biodiversidade e das unidades de conservação localizadas na Bacia do Alto
Paraguai, padecem também de um déficit de implementação.
No item seguinte serão abordados alguns dos graves problemas que afetam o Pantanal
e que evidenciam a vulnerabilidade desse bioma, em termos de gestão ambiental e a
capacidade de lidar com as consequências das alterações climáticas na região.
3
Contudo, a referida Lei, apesar de aparentemente dispor também sobre a bacia do Alto Paraguai, só trouxe
dispositivos sobre a área alagável, cedendo aos interesses dos grandes produtores. A esse respeito, “embora a lei
faça referência, em sua ementa, à proteção à Bacia do Alto Paraguai, prevaleceu o esforço dos ruralistas de
delimitar a aplicação da lei à planície alagável do Pantanal em Mato Grosso, o que é lamentável, na medida em
que os problemas que afetam o entorno do Pantanal repercutem diretamente sobre a planície alagável; como
exemplo emblemático, cita-se a degradação do rio Taquari provocado pela expansão da monocultura no
planalto que circunda a planície pantaneira e responsável pelo carreamento de toneladas de areia e agrotóxicos
para o coração do Pantanal.” (IRIGARAY, Carlos Teodoro J. Hugueney; SOUZA, Silvano Carmo.
Comentários à lei de gestão do pantanal. Revista Amazônia legal: de estudos sócio-jurídico-
ambientais/Universidade Federal de Mato Grosso, Ano 2, n. 4 (jul/dez – 2008) – Cuiabá: EdUFMT, 2008, p. 44.)
das áreas úmidas do Pantanal. Aliás, trabalho do IBGE intitulado “Indicadores de
Desenvolvimento Sustentável – Brasil 2008” demonstra claramente que: O cerrado foi
durante muito tempo encarado apenas como uma área a ser ocupada pela agropecuária.
Desta forma, a maior ameaça a este bioma vem da expansão da fronteira agrícola. O
bioma Pantanal pode ser entendido como uma extensão do bioma Cerrado em área
sujeita a inundação periódica. As maiores ameaças a este bioma vêm do turismo não
controlado, da captura de animais silvestres, da ocupação agrícola das cabeceiras dos
afluentes do rio Paraguai e das obras de regularização e barragens na bacia deste rio.
Para o bioma Pantanal, é essencial a proteção das áreas de cabeceira dos rios que
drenam para o rio Paraguai (IBGE:2008).
Estudos ainda apontam que ‘a expansão da atividade pecuária está relacionada com o
aumento da área desmatada na planície pantaneira. O incremento da área plantada
com algodão, cana, milho e soja é o principal fator de degradação da vegetação
nativa na área dos planaltos do entorno do Pantanal, onde nascem os principais rios
que drenam para a planície pantaneira’ (HARIS, M.B, et all: 2005).
Assim, é premente sintonizar as políticas públicas fundiárias e ambientais relativas ao
Pantanal com olhos na bacia do Alto Paraguai, que presta serviço ambiental essencial
à conservação da maior área úmida do mundo, erigido à condição de patrimônio
nacional pela Constituição Federal (art. 225, § 4°) e, também, sítio Ramsar
reconhecido pela Convenção de Áreas Úmidas”.
Associado ao desmatamento, que coloca o cerrado da região em um quadro de
vulnerabilidade, também exerce pressão sobre os recursos hídricos da área de estudo e
conseqüentemente sobre a bacia do Alto Paraguai, a implementação de políticas públicas de
expansão agrícola e da poluição e degradação ambiental a ela inerente, que afetam sobretudo
os recursos hídricos.
As agressões antrópicas vão desde o crescimento urbano desordenado que conduz à
deposição irregular de efluentes por meio de fossas sépticas, com danos aos lençóis freáticos e
aqüíferos, passando pelo lançamento de esgoto doméstico e industrial não tratado nos rios que
banham as cidades, bem como pelo rebaixamento dos níveis dos rios com vistas à propiciar
água à agricultura e sua poluição ocasionada também pelo uso indiscriminado de defensivos
agrícolas além do assoreamento de seus leitos, fruto da destruição das matas ciliares.
Como visto, são múltiplas e entrelaçadas as formas de degradação dos recursos
hídricos fruto da exploração agropecuária atécnica e irracional.
Em especial na região da Bacia do Alto Paraguai, às margens do Pantanal, estão as
regiões de cerrado muito utilizadas para a atividade pecuária. O uso intensivo deste solo, em
sua grande maioria arenoso, somado ao manejo inadequado, potencializam o processo natural
de erosão e assoreamento dos cursos de água do próprio planalto que, em última instância, vai
afetar os rios do Pantanal. Como exemplo emblemático de práticas agropecuárias
insustentáveis em região, cita-se os processos erosivos na porção alta da Bacia do Rio Taquari
que provocaram o assoreamento do rio na planície pantaneira. Em decorrência do
assoreamento, extensas áreas do Pantanal passaram a ficar permanentemente inundadas,
causando graves impactos na região, que incluem alterações na qualidade da água, mudanças
no regime hidrológico, alterações florísticas e fitofisionômicas, e também impactos sócio-
economicos, que afetaram sobretudo as populações tradicionais4.
Associa-se ainda ao problema da erosão, o uso abusivo e indiscriminado de
agrotóxicos, em especial nas regiões de maior altitude onde a monocultura de larga escala é
mais presente.
A introdução de culturas geneticamente modificadas, especialmente aquelas projetadas
para resistir a uma alta taxa de aplicação de pesticidas, muito provavelmente aumentará a
circulação desses produtos tóxicos no solo, ar e água, representando um risco para a saúde
humana e ao meio ambiente.
Diante desse quadro, uma política de recursos hídricos consistente é fundamental para
assegurar a manutenção das paisagens sustentáveis na região e sobretudo a perpetuidade do
pantanal enquanto santuário ecológico, destacando-se que, a despeito da existência da Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente e de leis estaduais de águas, a gestão dos recursos
hídricos nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul é, ainda, incipiente,
caracterizando-se por uma limitada estrutura institucional e ações pontuais, incompatíveis
com a dimensão dos problemas que afetam, sobretudo, a Bacia do Alto Paraguai e o Pantanal
Matogrossense.
Ainda no que se refere à deficiencia na gestão dos recursos hídricos, cabe assinalar
que, segundo dados da Embrapa Pantanal, está prevista a instalação de 116 pequenas centrais
hidrelétricas (PCHs) nos cursos d’água que localizados na região do Alto Paraguai,
4
Os problemas socioeconômicos e ambientais da Bacia do Rio Taquari são analisados numa publicação da
Embrapa Pantanal (Corumbá- MS), sob o título "Impactos Ambientais e Socioeconômicos na Bacia do Rio
Taquari - Pantanal". A obra editad pelos pesquisadores Sérgio Galdino e Luiz Marques Vieira e pelo especialista
em Geoprocessamento Luiz Alberto Pellegrin encontra-se disponível no sítio: <http://www.cpap.embrapa.br>.
responsáveis pelas inundações periódicas do Pantanal, o que representa uma ameaça à pesca,
agricultura familiar, pecuária bovina e o turismo pesqueiro, especialmente porque 70%
dessas PCHs ficarão concentradas numa mesma região.
A lei brasileira autoriza a construção dessas pequenas centrais hidrelétricas sem
estudos prévios de impacto ambiental. Em um futuro próximo, em quase todos os afluentes do
Pantanal, haverá uma ou mais barragens. Considerando que estes cursos de água são
responsáveis pela inundação periódica do Pantanal o conjunto de barragens previsto para a
Bacia pode constituir uma ameaça não apenas à pesca, mas também à agricultura familiar.
Isto é especialmente verdadeiro na porção norte do Pantanal, onde 70% dessas PCHs estará
concentrada. As barragens impedem a migração de algumas espécies de peixes para
reprodução e, também, alteram o fluxo de nutrientes para a planície de inundação o que
repercute na produção de pastagens naturais.
Os impactos cumulativos da energia hidrelétrica projetada adicionados às já instaladas,
incluindo a APM Manso, a maior barragem na Bacia (210 MW), não foram adequadamente
avaliados; especialmente nos impactos potenciais sobre as inundações e a seca características
do regime do Pantanal.
Ressalta-se que grande parte dos empreendimentos de exploração dos recursos
hídricos da BAP refere-se a projetos de pequeno porte, porém cujos efeitos conjugados pode
se configurar como significativo. Afinal, uma usina hidrelétrica geralmente requer a
construção de uma barragem que implica na formação subsequente de um lago que afeta a
migração das espécies de peixes, especialmente na época de reprodução. Uma análise dos
impactos cumulativos dos projetos hidrelétricos é necessária antes de sua efetiva
implementação, mesmo porque tal exigência decorre também do princípio da precaução,
insculpido principalmente na Declaração do Rio de 1992, que delimita a necessidade de
discussão, apreciação e comprovação dos eventuais impactos socioambientais e
principalmente ecológicos caso subsistam dúvidas quanto às consequencias ambientais dos
empreendimentos, como é o caso dos potenciais impactos que tão expressivo número de
centrais hidrelétricas poderá trazer para o frágil ecossistema da Bacia do Alto Paraguai.
Tal discussão deve englobar todos os serviços ambientais do sistema hidrológico
como a quantidade e qualidade de água, a produção pesqueira, a manutenção da
biodiversidade, etc., traduzindo-se em questão a ser amplamente debatida de forma a
estabelecer medidas que se não eliminam os impactos sobre esse bioma, proponha novas
formas de exploração de seus recursos, ou ainda, medidas mitigadores dos danos advindos de
atividades econômicas insubstituíveis.
4. Áreas “des” protegidas
Também como fator de vulnerabilidade institucional insere-se a inexistência de uma
política de áreas protegidas na região, uma vez que, a despeito de sua importância ecológica,
no pantanal e seu entorno existem poucas áreas de proteção integral, conforme assinalado em
pesquisa conduzida por técnicos da ONG Conservação Internacional (Harris et al., 2005).
Com efeito, apesar do conhecimento sobre a relevância do Pantanal e do seu entorno
para a manutenção dos recursos hídricos e para a conservação da biodiversidade, existem
poucas áreas que garantam a proteção dessa região. A partir de dados oficiais obtidos junto à
SEMA/MS e ao IBAMA, apenas 2,9 % da BAP e 4,5% da área da planície pantaneira estão
protegidos por algum tipo de unidade de conservação de proteção integral – UCPI – e reservas
particulares do patrimônio natural (RPPN). Em toda a área da BAP, que é de 363.442 Km2,
apenas 10.596 Km2 encontram-se protegidos em 19 UCPI públicas e em 34 RPPN (Harris et
al, 2005).
Como fator agravante, algumas dessas áreas, que deveriam gozar de proteção integral,
permanecem em mãos de particulares que continuam explorando-as econômicamente
ocaisonando a perda de atributos que justificaram sua proteção. A falta de regularização
fundiária dessas áreas, soma-se a inexistência de planos de manejo e deficiência na
fiscalização, que as torna efetivamente desprotegidas.
O quadro, portanto, aponta para a necessidade urgente de compatibilização das
políticas de gestão dos recursos hídricos da bacia, tomando em consideração, para as decisões
ambientalmente relevantes, a relação existente entre bacia do Alto Paraguai e o Pantanal,
limitando, por exemplo, atividades em áreas essenciais, com a criação de unidades de
conservação, e estimulando os proprietários rurais a criarem reservas naturais do patrimônio
natural.
A partir dos dados técnicos anteriormente expostos, torna-se claro que a gestão
ambiental da área de planalto da Bacia do Alto Paraguai não considerou todas as variáveis
relevantes para sua proteção. Entre outros, os serviços ambientais que esta bacia oferece ao
Pantanal não foram ainda ponderados.
Neste contexto, deve também ser notado que, de acordo com a legislação brasileira, as
áreas indígenas constituem uma modalidade de área de proteção, apesar de algumas terras
indígenas na Bacia do Alto Paraguai estarem sob pressão, principalmente as dos povos
Chiquitanos e Nhambiquaras.
Portanto, é oportuno rever as alternativas para a introdução de instrumentos
econômicos para apoiar a conservação de terras indígenas, particularmente, no que diz
respeito à utilização do pagamento por serviços ambientais. Entre estes, o REDD - Redução
de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal - pode ser visto como um mecanismo
para garantir melhores condições para a manutenção dessas comunidades e preservação de
sua cultura. Este mecanismo pode ser usado de modo a incentivar as populações tradicionais e
comunidades indígenas a continuar com sua forma de gestão da terra, obstaculizando as
pressões econômicas para suprimir sua cultura e promovendo a sustentabilidade da região do
pantanal.
Em dezembro de 2009, a comunidade internacional, reunida na COP 15, reconheceu
“...the crucial role of reducing emission from deforestation and forest degradation and the
need to enhance removals of greenhouse gas emission by forests...” e concordou com a
necessidade de se criar incentivos positivos para a Redução de Emissões por Desmatamentos
e Degradação, bem como para a conservação e aumento do estoque de carbono (item 6 do
Acordo de Copenhagen -FCCC/CP/2009/11/Add.1).
Em relatório recente para fornecer idéias preliminares sobre o que será necessário para
fazer o instrumento do REDD+ funcionar em campo, a Conservação Internacional (CI)
analisou 12 iniciativas piloto de projetos florestais de carbono em nove países (cinco
iniciativas piloto de REDD+ e sete atividades de reflorestamento), nas quais essa organização
tem se envolvido como parceira. Os resultados destas análises evidenciam que o sucesso dos
projetos dependem em grande parte do efetivo engajamento e apoio dos atores locais. No
entanto levantam vários desafios para o envolvimento de atores. Os desafios mais
frequentemente mencionados consistem em como explicar claramente aos atores locais sobre
o funcionamento dos projetos, como articular os potenciais benefícios e riscos e como
gerenciar as expectativas dos participantes (Harvey et al., 2010).
Como na Bacia do Alto Paraguai existem poucas áreas públicas protegidas, o uso de
instrumentos como REDD, torna-se uma estratégia ainda mais importante para atribuir valor
aos serviços ambientais e assegurar a expansão das áreas efetivamente protegidas.
7. Conclusão
Nas seções anteriores, as vulnerabilidades institucionais foram identificadas,
demonstrando que prejudicam a adequada gestão e conservação do meio ambiente no
Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai. A principal delas é certamente a falta de leis especificas
(Federais ou Estaduais) que estabeleçam os princípios e diretrizes da gestão e proteção desse
Patrimônio Nacional constituído pelo Pantanal Matogrossense e seu entorno. Neste ponto é
importante estabelecer que, em Mato Grosso, a Lei Estadual que disciplina a gestão e
proteção da Bacia do Alto Paraguai (Lei n° 8.830/98) deixa de regular as relações entre a
planície do Pantanal e os planaltos adjacentes.
Apesar da inexistência de regulamentação específica, a qual certamente poderia
facilitar a proteção contemplando as peculiaridades da região, bem como o modo de produção
das comunidades tradicionais, são aplicáveis à proteção do Pantanal as regras gerais como o
Código Florestal e também as Políticas de Água e de Unidades de Conservação (nacional e
estaduais). No entanto estes instrumentos seguem minimamente implementados na região.
Assim, há poucas áreas que assegurem a proteção da Bacia do Alto Paraguai e as terras baixas
do Pantanal, atualmente, apenas 2,9% da Bacia do Alto Paraguai está totalmente protegido.
Considerando que grande parte do território da BAP e do Pantanal está sob domínio
privado, outro ponto importante diz respeito à ausência de um sistema consistente de registro
da posse e propriedade da terra o que facilitaria o monitoramento e gestão além de promover a
efetiva responsabilização por eventuais danos, a ser implementada por parte do governo.
Aproveitando-se da falta de legislação e dificuldades operacionais para a aplicação das
regras existentes, verifica-se uma proliferação de projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas,
sem que tenha sido adequadamente avaliado, de forma integrada, quais os impacto dessas
atividades na Bacia do Alto Paraguai e, consequentemente, sobre o Pantanal.
Num cenário de aumento da produção de grãos relacionados à crescente demanda
mundial por carne, em conjunto com as mudanças climáticas previstas para a Bacia do Alto
Paraguai, as fraquezas reais no aparato legal e institucional demonstram a inadequação dos
instrumentos disponíveis para assegurar a proteção do Pantanal, do cerrado e dos serviços
ambientais por eles proporcionados. Nesse contexto o desmatamento e, consequentemente, as
emissões de GEE são susceptíveis de aumentarem. Assim, é duvidoso que o corpo de
regulamentação existente irá conter os impactos indesejáveis deste panorama, tais como
diminuição da vazão do rio, aumento de sedimentos em seu leito, cargas de poluição em rios e
perdas de biodiversidade.
Finalmente,a proteção do pantanal e seu entorno não deve ser efetivada apenas
mediante o emprego de instrumentos de comando e controle. É imperiosa a utilização de
instrumentos econômicos para apoiar a conservação ambiental, especialmente no que diz
respeito à utilização do pagamento por serviços ambientais. Na mesma linha, é também
crucial o aumento da participação comunitária na elaboração e acompanhamento de políticas
públicas relacionadas ao meio ambiente e aos recursos naturais. Isto irá permitir que a
sociedade possa efetivamente minimizar os riscos associados às alterações climáticas e à
crescente demanda mundial por grãos.
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