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lugar-na-aprendizagem-da-matematica

Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Março | 2013

Prática Pedagógica

O jogo e seu lugar na


aprendizagem da
Matemática
Nas aulas de Matemática, os jogos ajudam a criar contextos
de aprendizagem significativos. Mas é preciso acertar na
escolha e compreender como os indivíduos se relacionam
com o jogo. A especialista Ana Flávia Alonço Castanho
discute o assunto. E você aprende mais sobre jogos na NOVA
ESCOLA de março
Ana Flávia Alonço Castanho

1. A contribuição dos jogos para a aprendizagem

Aluno da EMEI Profª Maria Alice Pasquarelli, em São José dos Campos, experimenta um jogo
matemático
Ana Flávia Alonço Castanho,
selecionadora do Prêmio Victor Civita na
área de Matemática

Trabalhar com jogos nas aulas de Matemática é uma das situações didáticas que
contribuem para a criação de contextos significativos de aprendizagem para os
alunos. Esta descoberta se deu no conjunto de uma série de transformações que
o ensino experimentou nas últimas décadas, desde que professores e instituições
passaram a pautar sua prática por uma concepção de aprendizagem segundo a
qual aprender significa elaborar uma representação pessoal do conteúdo que é
objeto de ensino - quando os alunos constroem conhecimentos em um processo
ativo de estabelecimento de relações e atribuição de significados.

Ensinar passou a ser compreendido como criar condições adequadas a esse


processo e à realização de intervenções com vistas a possibilitar avanços aos
alunos. Com isso, novos critérios passaram a ser úteis para a tarefa do professor,
como: organizar o ensino em torno de situações-problema que façam sentido
para os estudantes e tornem necessária a construção ou reelaboração de
conhecimentos para sua resolução; estabelecer relações com os fazeres que
caracterizam o trabalho de uma determinada área de conhecimento;
compreender as práticas culturais de uso de um determinado saber e as formas
como os indivíduos, em geral, se relacionam com elas.

É nesse contexto que o jogo passa a ser uma presença mais constante nas aulas
de Matemática. Mas a experiência tem indicado que a presença do jogo, por si só,
não leva à aprendizagem dos alunos. Por isso, vamos discutir nos capítulos
seguintes que condições podem fazer do jogo um aliado do professor na
organização de boas situações de aprendizagem. O ponto de partida é
compreender o jogo como uma prática humana e social de relação com o
conhecimento.

2. As instâncias do jogo e sua relação com o conhecimento


Vídeo: https://www.youtube.com/embed/KhV0def45fs

Macedo (2003) discute em seu texto "Os jogos e sua importância na escola" como
o jogo está, segundo a teoria piagetiana, intimamente ligado ao processo de
desenvolvimento humano (acima, veja um vídeo em que o professor fala sobre o
uso dos jogos na aprendizagem)

Nessa perspectiva, o desenvolvimento de cada indivíduo é marcado por três


grandes instâncias de jogo: os jogos de exercício, em que a assimilação de novos
conhecimentos, sobre si e sobre o mundo que o cerca dá-se na forma do prazer
pela repetição dos primeiros hábitos; o jogo simbólico, em que a criança se
apropria de conhecimentos sobre o mundo e conhece mais sobre si a partir da
atribuição de diferentes significados aos objetos e as suas ações - em fantasias,
em faz-de-contas ou na possibilidade de viver diferentes histórias; e os jogos de
regras, em que o "como fazer" do jogo é sempre o mesmo, regulamentando uma
interação entre pares - nesses jogos, a criança se depara com o desafio de se
apropriar das regras e encontrar estratégias para vencer dentro do universo de
possibilidades criado pelo jogo.

As três instâncias de jogo são parte de cada um de nós, parte de nossa história
pessoal e da nossa relação com o mundo e, por isso, em maior ou menor grau,
continuam presentes ao longo de nossas vidas:

"Compreender melhor, fazer melhores antecipações, ser mais rápido, cometer


menos erros ou errar por último, coordenar situações, ter condutas estratégicas
etc. são chaves para o sucesso. Para ganhar é preciso ser habilidoso, estar atento,
concentrado, ter boa memória, saber abstrair, relacionar as jogadas todo o
tempo" (Macedo. Os jogos e sua importância na escola, 2003).

3. A relação entre os homens e o jogo


Uma das telas do jogo Feche a Caixa

A relação do homem com o jogo, enquanto prática cultural, remonta ao início de


sua história. A espécie humana, em todas as épocas e em todas as culturas,
construiu muitas e variadas formas de jogar, permitindo, tanto aos mais novos se
apropriarem de saberes culturais importantes - muitas vezes essenciais para sua
inserção naquela determinada sociedade -, quanto aos já adultos usufruírem de
um espaço de lazer e descanso.

Alguns desses jogos envolvem conhecimentos que são alvo da preocupação da


escola hoje, como a contagem, presente nos mais variados jogos de percurso, o
cálculo mental, necessário para vencer no "Sjoelback" (ou bilhar holandês) ou no
"Fecha a Caixa", a localização espacial presente nos jogos de batalha naval. Mas,
embora o próprio processo de desenvolvimento humano crie condições para a
compreensão dos jogos de regras, as características do jogo, enquanto objeto
cultural que remete aos momentos de diversão e lazer, fazem com que a relação
de cada um com os jogos de circulação social seja regida por preferências
pessoais e contextos de convivência.

Assim, embora existam jogos que ponham em evidência conhecimentos


valorizados pela escola, não é esperado, socialmente, que todos joguem bem
todos os jogos nem que todos superem suas dificuldades iniciais e se apropriem
de estratégias para jogar bem esses jogos.

Dessa forma, há uma primeira dificuldade na relação da escola com os jogos, pois
a experiência social deixa claro que, na ausência de uma intervenção sistemática,
pautada em preocupações e compromissos educativos, se perpetua a divisão
entre bons e maus jogadores. E a escola nunca pode naturalizar a divisão entre
bons e maus alunos, sob pena de não ser mais escola.

4. O jogo como via de acesso a conhecimentos


No jogo Trilha da Tabuada os alunos devem resolver problemas de multiplicação

A despeito dessa dificuldade em relacionar as características de um objeto


cultural de lazer e entretenimento com as preocupações escolares, muitos
estudiosos defendem a presença do jogo na escola, argumentando que para a
criança em idade escolar, o jogo, nas suas diferentes formas, é uma excelente via
de acesso a novos conhecimentos, porque além de tornar significativo o encontro
com novos saberes, também cria um contexto em que se apoderar desses
conhecimentos tem uma razão mais próxima do ponto de vista infantil - ir bem
no jogo - , além da razão que a escola sempre lhe apresenta, que é preparar-se
para a vida futura.

Segundo Ortiz (2005), um estudioso espanhol desse tema, as próprias


características do jogo o constituem como um excelente veículo de aprendizagem
e comunicação, especialmente para as crianças, que têm a oportunidade de
envolver-se com a própria aprendizagem, participando ativamente de todo o
processo educativo. Esse autor ressalta que o acesso ao jogo ao longo do
processo educativo é considerado, hoje, um direito inalienável, segundo a
Declaração Universal dos Direitos das Crianças:
"A criança desfrutará plenamente do jogo e das diversões, que deverão estar
orientados para finalidades perseguidas pela educação; a sociedade e as
autoridades públicas se esforçarão para promover o cumprimento desse direito"
(Ortiz, J. P. Aprendizagem através do jogo).

Assim, pode-se considerar que dar ao jogo um justo lugar dentro da escola,
relacionando-o com conteúdos importantes de aprendizado, é uma forma de
respeitar o modo como as crianças aprendem, dando a todos os alunos a chance
de se relacionar com o conhecimento de uma forma mais prazerosa, significativa
e produtiva.

Mas, o que significa dar ao jogo "um justo lugar dentro da escola"? Uma primeira
resposta é a que já foi apontada acima: criar condições para que todos os alunos
aprendam, para que o jogo seja uma instância que favoreça o avanço de seus
conhecimentos. Outra resposta, imprescindível, também, é que o jogo se
relacione com os objetivos curriculares e as necessidades de aprendizagem dos
alunos. Ou seja, dar ao jogo seu justo lugar dentro da escola implica perguntar se
o jogo em questão cria condições para as aprendizagens específicas que se quer
promover.

5. O jogo como recurso para a realização de objetivos curriculares

Graziela De Muylder, professora, joga com seus alunos da Escola Balão Vermelho

Para que o trabalho com jogos matemáticos na escola possa se constituir como
base para uma boa relação com o conhecimento, é preciso ter em mente que:

"O jogo é, por natureza, uma atividade autotélica, ou seja, que não apresenta
qualquer finalidade ou objetivo fora ou para além de si mesmo. Nesse sentido, é
puramente lúdico, pois as crianças precisam ter a oportunidade de jogar pelo
simples prazer de jogar, ou seja, como um momento de diversão e não de
estudo. Entretanto, enquanto as crianças se divertem, jogando, o professor deve
trabalhar observando como jogam. O jogo não deve ser escolhido ao acaso, mas
fazer parte de um projeto de ensino do professor, que possui uma
intencionalidade com essa atividade" (Ana Ruth Starepravo. Jogando com a
Matemática: números e operações).

A ideia de que "o jogo não deve ser escolhido ao acaso" é a marca fundamental
do trabalho escolar. É imprescindível - se se quer fazer do jogo um contexto de
aprendizagem - perguntar-se sobre o que o jogo permite ensinar, sobre qual
conteúdo matemático é posto em destaque no jogo, sobre como isso se relaciona
com as necessidades de aprendizagem dos alunos naquele momento, sobre que
outras situações de ensino podem-se articular às situações de jogo, sobre como
sistematizar e institucionalizar o conhecimento posto em ação e, com isso,
relacioná-lo às aprendizagens previstas no currículo.

A intencionalidade do professor, tão bem apresentada nas palavras de Ana Ruth


Starepravo, é a marca que distingue as situações de jogo vividas no meio social e
as situações escolares de aprendizagem a partir do jogo. Para fazer valer essa
intencionalidade, é fundamental que o professor parta das estratégias de cálculo
utilizadas inicialmente pelas crianças em suas jogadas, de seus procedimentos, de
suas dúvidas e acertos e planeje atividades e intervenções desafiadoras a partir
disso, a fim de que seus alunos possam avançar nos conhecimentos em questão.

Esse espaço para intervenção do professor que o trabalho com jogos


matemáticos possibilita é precioso, segundo Cecília Parra. Esta autora aponta que
um trabalho intencional e reflexivo, por parte dos professores, com jogos na aula
de Matemática permite "maiores oportunidades de observação, a possibilidade
de variar as propostas de acordo com os níveis de trabalho dos alunos e inclusive
de trabalhar mais intensamente com aqueles que mais o necessitam". Ou seja, é
a partir da intervenção do professor que os jogos matemáticos se transformam
em contextos de aprendizagem para os alunos.

Isso ocorre nas ocasiões em que o professor organiza sequências de atividades a


partir do jogo, de forma que os alunos possam: tomar consciência do que sabem;
reconhecer a utilidade (economia, segurança) de utilizar determinados recursos
(resultados memorizados, procedimentos etc.); ter uma representação do que se
deve conseguir e do que precisa saber; "medir" seu progresso; escolher, entre
diferentes recursos, os mais pertinentes; serem capazes de fundamentar suas
opções, suas decisões; estabelecerem relações entre os conhecimentos postos
em destaque no jogo e os conhecimentos escolares.

Assim, o que caracteriza o jogo como contexto de aprendizagem escolar é que na


escola, diferentemente da vida social, o jogo não se encerra em si mesmo, não se
justifica apenas pelo seu aspecto lúdico e, sim, é parte de uma sequência
intencional de ensino, que contextualiza a resolução de problemas e o
desenvolvimento de estratégias que se relacionam com o desenvolvimento de
aprendizagens importantes de uma determinada etapa; que respeita os
diferentes ritmos de aprendizagem das crianças, mas se compromete com o
avanço de todos e a conquista de um conjunto compartilhado de saberes. E isso
só é possível com a intervenção atenta e cuidadosa de um professor que sabe
aonde quer chegar.

Quer saber mais?

Ana Ruth Starepravo. Jogando com a Matemática: números e operações. Curitiba: Ed. Aymará, 2009.
Cecília Parra. "Cálculo Mental na Escola Primária". In: Parra, C. & Saiz, I. Didática da Matemática: reflexões
psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.
Macedo, L. Os jogos e sua importância na escola. In: Macedo, L., Petty, A. L. S. e Passos, N.C., Quatro cores, senha e
dominó. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
Ortiz, J. P. In: Múrcia, J.A.M. (e col.). Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre: Editora Artmed, 2005.

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