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AHA U]DLOhs) CULTURAIS DO TRIE A HISTORICIDADE DO DESIGN E PMN POST ola at gic) ORDEM E PROGRESSO ‘Quando Vietor Papanek escreveu seu lvro Design para o mundo real PAPANEK, 1984) os, problemas latentes da industrializaco.e da dliviso internacional do trabalho afloravam de forma alarmante. 0 mundo nas periterias dos Ccentros urbanos, no campo e nos paises do Sul Global se encontrava em um cenario de crise, ‘com fome, secas, doencas e guerras fatrcidas. Enquante isso, designers projetavam, do ‘mesmo sondadas. Os pés do colono nunca estéo a mostra, salvo talvez no ‘mar, mas nunca ninguém esta bastante préximo deles. Pés protegidos por calcados fortes, ‘enquanto que as nas de sua cidade ‘so limpas,isas, sem buracos, sem ‘selxos. cidade do colono é uma cidade saci, indolente, jo ventre ‘estd permanentemente repleto de boas coisas. cidade do colone é uma cidacte de brancos, de estrangeiros.(.) A cidade do colonizado, ou pelo menos a cidade indigena,a cidade negra, a ‘medina, a reserva, é un lugar mal See) ete tee a ane Pee ee See ety eMart Ce ee eee eee ere ts Cee eer rd Cees Interior asséptico de escritorios com ar condicionade, “escovas de cabelo eltricas, caixas-arquivo cobertas de strass etapecarias debanheiro de vison" (PAPANEK. 1884: p. IX ‘Se comparamos a dentincia feita por Papanek coma descricdo do mundo colonial feita por Frantz Fanon (FANON, 1961) podemos fazer paralelos desconcertantes. ‘cidade do colono é uma cidade ‘solid, toda de pedra e fer. Euma ‘cidade iuminada, astatad, onde os Ccalxotes do ix regurgitam de sobras ‘desconhecidas jamais vistas, nem _afamado, povoado de homens mal afamados. Aise nasce nao importa ‘onde, nd0 importa como Morre-se no Jmporta onde, ndo importa de que. E um munda sem intervalos, onde os homens esto uns sabre os outros, as ‘casas umas sobre asoutras.A cidade do colonizado 6 uma cidade faminta, faminta de pio, de carne, de sapatos, de carvio, de uz (FANON, 1961 p. 28- 23) (O mundo real a qual se refere Papanek - dosassstido, “subdesenvolvida” - 6 omunda do colonizado desctito por Fanon, omundo das perieria dos centros urbanos e dos paises {evastados pelo coloniaismo € 0 ‘neocolonialismo, O designer em seu escritorio ‘em prédio de anelas esnelhadas. representa o ‘unde de colonizador, com sua opulencia © fordenacao: sua abundincia material advinda de mings 2 céu aberto e bases petroliferas. Os objetos projetados por designers ocupam as prateleras e depésitos dos ‘colonizadores", “os caixotes de io regurgitam de sobros desconnecidas” de uma sociedade opulenta ‘que soterra de pléstico os “colonizados” (FANON, 1961p. 28), rojetar produtes com adequado uso de materiaise processos de {abricago: (5) projetar produtos com ‘boa terminacdo;(6)projetar produtos ‘com um preco razevel (GONSIEPE, 1983,p. 80-81) valor necessrios para se avalar um “bom design” no contexto da euromodernidade apitalsta,compreendendo que tal movimento servi para a construcao da cultura material ‘europe, industraistae racionalista enquanto a normaa ser seguida peles paises que Dbuscassem sua modernizacao através do dosign edo desenvolvimenta, Nasse sentido, temos acui odes enquanto ferramenta. ou “tecnologia poltica", para citar Escobar. para alcangar o horizonte utopico do desenvolvimento, ‘Ap6s a Segunda Guerra Mundialem uma Europa destruida, a necessidadede se repor os. ‘bons materiaisemeios de producao destruidos ‘Aabundancia material que marca o ‘segundo pés-guerva,baseadanna ata produtvidade daindustia enum elevado ado de consume na papulagae & umdos ‘elementos aue v30 configuraro padra de vids dos paises industrializados do Norte Global. No ‘entanta, como vimos, esta abundanca s6se -mantm comum tlxa eonstante de matérias rims extridas tanto em coldnias quento ex. ‘oldnias em rao da forma como 0 capital Industrial se consoldou alravés dalvisao iternacional do trabalho [QUUANO, 2008: LANG, 2016), Esse modo de vide marcedo pela abundancia de utensos,ferramentas © _gadgets, pertetamenteciagramado = Analisando de modo superficial, s80 rnogdes mals do que razodveis. Entretantoo problema centralreside na valeracso do que se ‘considera "om, “funciona’, "prtico” “qualidade estética”e “razoivel’ princinalmente, quem &0sujeito. sup0 ou insttuigae responsével por defini os padres 205 quas serd0 submetidos os objetos. Para Bonsiepe (BONSIEPE, 1978, p.33),0 movimento do bom design ‘se trata\..) deurna _ago tendente a canonizar 0s comportamentos referencias de um grupo socal que atua ‘como formador de opnides".Aluz dos ‘conceitos de colonialidade do poder e do saber, podemos ola eiticamente para os juizos de pela guera era urgente (BONSIEPE, 1983). 18 nos Estados Unidos, navia a “necessidade de transforma uma economia de guerra em uma ‘economia civi" (MALDONADO. 1991) Nesse Pesiodo de reconsirucéo, uma das tarefas atibuidas 20s industria era da amplificagao a produtividade da industria de modo a super asperdas materiais da guerra, por um lado, e retomar a atividade econémica. por outro, Como vimos antoriormento, sso processo so daria atraves de um inerementona produtividade da indastria cominvestimento em tecnologia automacso bem como de um incentive a atividadeextrativistano Sul Global (Nagées Unidas, 1948). ‘construdo se cistalzou no padraode bem- ‘estar do"Primeira Munda"; sempre ae custas ‘de um extrativismo predatoro eda “superexploracio de trabalho no “Tercera ‘Mundo ‘cos ce subirbiocem carta na garagem, a" codinha americana” eseus utensios variados para todo fim. a garagem repletade ferramentas; essa imagem reflete os valores de uma sociedad deinividuos auténomes, ‘agrupados em uma faa tradicional burguesa ‘eque sesitisfazem no consumo ESCOBAR, 2016) Te imagem foidfundida intensivarente pel indistria cultural. em uma reedicao das ‘erasuniversais que marcaram oircio do procesto de industrializasso para promover 0 “progressoda cvlizacao ocidenta” Essas ‘vas feras passarama seapresentar no apenas em pavihdes, mas em revistas sobre o “bom design’, catlagos de produtos, como “objetos de desizn”exoostos no MoMA de Nova York ouno Sato do Mével de Milo ou Estocolmo, uma verdadsia gloriicacao da Inddstia © de sua capecidade de “democratizar” a abundncia dos paises do Norte Fssaimagem,arelada 20s indicadores econdmicos que se estabeleceram como comparativo entre paises contribuiu para a consolitagdo da indstra enquantoa principal bara a racionalizagao da produco, a padronizacdo, a tipticagdo, areducao de custos,foramas bandeiras sob as. ‘quais 0 desenho industrial tentou ‘encontrar sua identidade. O aumento da produtividade fgurava como limperativo inquestionsvel eo desenho Industrial, que pretendeuinseri-sen0 sistema produtivo, no péde afastar- ‘se da influéneia de uma doutrina tao {forte e difundida,(BONSIEPE, 1983:p. 78-79) similares 20s da "‘modernizapa0" nos séculos XVII © XIX.a dizer a expulsio e marginalizacdo das popularées ndo-brancas de seus teritérios através do processo de gentificagao eda implementacio de mega-obras de infrasstrutura.Resumidamente, assim como nao existe modernidade sem coloniaidade, nao existe desenvolvimento sem subdesenvolvimento, Tal constatacao éfeita or Fanon: A riaueza dos poises imperiaistas 6 também nossa rqueze, No plano Universal. esta afmacao, 6 de ferramenta para o desenvolvimento econémico ‘dem pas "subdesenvovido” BONSIEPE. 1978b; AGUINAGA etal, 2011 ACOSTA, 2011 Nas palavras de Bonsiepe: Odesenhoindustril se deboulevar bor essa onda de industraismo © hoe ‘parte intinseca dele. Um dos princinais incicadores do crescimento Eoaumento da produtvidade. Assn, no deve causarsurpresaofato deo desenho industrial ter sido _apresentado como instrumento para _aumentaraprodutlvdade.Contriouir [Uma vez que o desenvolvimento industrial ‘europeu dependeu dretamente da exploracao Colonia a imagem produzda e propagandeada {do “avanco" edo “progresso" do Primeiro ‘Mund e da sociedade de consume do Norte depende da condicio de “exportadores de natureza” des possess0es neo}coloniais e dos paises “subdesenvalvidos” do Sul (ACOSTA, 2011), Dessa forma fica evidente a Ccontinuidade entre.a busca pelo “desenvolvimento” ea busca pela “modernizacio" e “europelzacio" Isso se ‘observa no fato de que areprodugaode modelos de desenvolvimento aos moldes ‘europeus nos séculos XX e XX! tenham efeitos resumir ndo retende absolutamente signiticar que nos ‘Sentimos tocados pelas criacbes da técnica e das artes ocidentas. faastante concretamente a Europa Jnchou de maneira desmedida como ‘ouro eas matérias-primas dos pases

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