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Instituto de Educação Tecnológica

Pós-graduação
Gestão Ágil de Projetos - Turma nº 05
18/11/2020

A evolução do sistema Kanban como ferramenta de gestão à vista, controle


de fluxo e inventário, redução de desperdício e melhoria da produtividade
Do chão de fábrica da Toyota de 1950 às metodologias ágeis de hoje.

Mauro Gomes Baleeiro


Conselheiro Independente e Empreendedor
mauro@baleeiro.com

RESUMO

É admirável como a filosofia do Sistema Toyota de Produção que nasceu nos anos 40,
alicerçada nos princípios da simplicidade, transparência, eliminação obsessiva do desperdício
e colaboração, foi transplantada com sucesso para as novas metodologias de gestão ágil
atuais. O sistema Kanban1 criado por Taiichi Ohno é a principal ferramenta de gestão à vista
utilizada nos processos de produção “Apenas a Tempo e no Tempo” (Just in Time) para
controle de fluxo dos “trabalhos, materiais e/ou recursos em curso” (Work in Progess), com o
objetivo de facilitar a sua visualização, “puxar” e regular o fluxo e permitir intervenções de
melhoria. Da manufatura enxuta e flexível (“Lean Manufacturing”) que levou a Toyota à
liderança da indústria automotiva, ao Manifesto Ágil e às modernas fábricas de software,
demonstra-se que a associação de velhos conceitos e ideias já provadas, possibilita a criação
de novas ideias (“insights”) e usos inovadores. É a velha teoria de Antoine Lavoisier, de que
“Na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma” em ação.

Palavras-chave: Kanban. Processo. Visibilidade. Controle. Produtividade.

1 INTRODUÇÃO

A utilização dos quadros de gestão à vista, recheados de “post-its” com anotações feitas à
mão, para os mais diversos usos e finalidades, tornou-se uma característica marcante da
gestão, das metodologias e das equipes ágeis que vêm sendo adotadas por muitas empresas.

Com a crescente digitalização dos processos, catapultada pela recente pandemia de


COVID19, assistimos à proliferação de inúmeros aplicativos que oferecem a alternativa
virtual e colaborativa on-line para a construção destes mesmos quadros de gestão à vista, com
a aplicação de post-its, editáveis, manuseáveis, armazenáveis e transferíveis como qualquer
outro arquivo digital. Trello, Miro, Mural, Google Jambord, entre outros, são algumas dessas
novas plataformas ágeis e digitais de colaboração, disponíveis.

1
Kanban é um termo em japonês cuja tradução literal é “cartão”. Segundo Ohno (1978), os primeiros kanbans
eram um pedação de papel contendo instruções diversas, colocados dentro de um envelope de vinil transparente.
Mas o que está por trás dos quadros recheados de post-its, que se tornaram a marca “ágil”?
Para responder a esta questão, o trabalho de pesquisa empreendido para a elaboração deste
artigo se propõe a estabelecer uma conexão entre a filosofia de gestão implantada pela
fabricante de automóveis Toyota Motors no Japão desde 1937, conhecida como Sistema
Toyota de Produção (“TPS”), e a filosofia de gestão baseada no Manifesto Ágil de 2001, que
hoje vivenciamos. O elemento comum entre elas é o sistema Kanban, que cumpre vários
papeis, como facilitar a visualização, “puxar” e regular o fluxo de produção e permitir
intervenções de melhoria para eliminação de desperdícios e aumento da produtividade.

Em 1986, o autor participou de uma missão de estudos ao Japão, patrocinada pela JMA-Japan
Management Association, destinada a ensinar as técnicas industriais japonesas a executivos
brasileiros. Após um curso preparatório de seis meses no Brasil, a missão no Japão em si teve
duração de 4 semanas, e constou de aulas teóricas e treinamentos em chão de fábrica em dez
empresas de setores produtivos diferentes, como o setor automotivo e de autopeças, a
construção naval, o de eletroeletrônicos e a indústria de alimentos. Na ocasião, o autor teve a
oportunidade e o privilégio de ser aluno de Taiichi Ohno, o “pai” do Kanban, e Shigeo
Shingo, ambos ícones mundiais da filosofia de gestão da manufatura “Apenas a Tempo e No
Tempo” (“just in time”), que é na realidade a base do Sistema Toyota de Produção.

Na virada dos anos 80 para 90, surgiu no Ocidente o movimento “Lean” ou do Pensamento
Enxuto (“Lean Thinking”) que encampou os princípios do TPS, com a denominação de
Manufatura Enxuta (“Lean Manufacturing”), o que será explicado mais adiante.

Ao longo do curso de pós-graduação em Gestão Ágil de Projetos do IETEC, deparando-se


novamente com alguns destes mesmos princípios e ferramentas, que agora se encaixam e
suportam as metodologias ágeis de gestão, foi crescendo o interesse e a motivação do autor,
inspirado nos ensinamentos dos velhos mestres japoneses, para estudar mais a fundo o papel
relevante e a multi-aplicabilidade do sistema Kanban como ferramenta de gestão à vista,
controle de fluxo e inventário, eliminação de desperdício e melhoria da produtividade.

Em última análise, pretende-se demonstrar como os velhos conceitos e ideias já provadas


podem ser recriados em novos formatos e novos contextos, para promover a inovação e a
competitividade nos negócios e, como tal, um exemplo que pode ser replicado de muitas
outras formas, como mecanismo de transformação econômica e social. Por analogia à teoria
de Lavoisier (1875), “na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

“Dizem que os japoneses não têm originalidade, só fazem


copiar. Mas Picasso não aprendeu com Lautrec?”

Akio Morita, co-fundador da Sony.

A literatura básica revisada para fundamentar este artigo se atém ao tema da evolução do
sistema Kanban como ferramenta de gestão à vista, controle de fluxo e inventário, redução de
desperdício e melhoria da produtividade, com maior ênfase no estudo e compreensão da
conexão existente entre os papéis e funcionalidades desempenhados pelo Kanban no contexto
cultural e industrial do Japão, onde nasceu, e daí para os seus usos no contexto da indústria de
softwares e outras aplicações atuais, a nível global. Em paralelo, há também um interesse em
desvendar as condições de contorno e a gênese das ideias 2 subjacentes ao fenômeno Kanban,
observando-se a transformação da sociedade no curso da história, movida pela necessidade e
pela inovação3. Neste aspecto, Taiichi Ohno, considerado o “pai” do Kanban, nos traz uma
frase emblemática: “A necessidade é a mãe da invenção”. (OHNO, 1978, pg. 18)

Para isto, houve aqui e acolá, alguma digressão em relação ao objeto específico, permitindo-
se uma incursão da pesquisa por outros campos correlatos. Embora de maneira muito sintética
e própria dos artigos, pretende-se, com esta maior amplitude, evidenciar como a
engenhosidade humana é capaz de associar as ideias ou recriá-las, para responder às
necessidades de cada contexto, em cada época.

Nessa linha de busca foram encontradas publicações de referência para contextualizar, de um


lado, o Sistema Toyota de Produção, onde se insere o Kanban desde os seu primórdios, e da
mesma forma e de outro lado, para os métodos ágeis de gestão, onde também se insere o
Kanban, e as quais serão, em sequência, enumeradas e explicitadas.

Taiichi Ohno nos oferece um manancial inesgotável sobre o tema em estudo, e diretamente na
fonte original, já que é considerado o “pai” do Kanban e um dos desenvolvedores do TPS.
Não menos relevante é a contribuição de Shigeo Shingo, que foi um renomado consultor de
engenharia industrial da Toyota e parceiro de Ohno, para aperfeiçoar o TPS, particularmente
em relação aos sistemas de trocas rápidas de ferramentas (SMED) e dos sistemas à prova de
bobeiras ou erros tolos (POKAYOKÊ). Contribuíram também para este aperfeiçoamento, as
ideias dos controles estatísticos, do ciclo PDCA 4 e da qualidade total de W. Edwards Deming,
trazidas para o Japão em 1950. (OHNO, 1978), (SHINGO, 1982), (DEMING,2020).

2.1 Sobre as definições do Sistema Toyota de Produção (TPS):

Taiichi Ohno nos apresenta diferentes versões na definição do Sistema Toyota de Produção,
conforme as suas múltiplas facetas, por se tratar de um conjunto de técnicas entrelaçadas,
contemplando uma ideia central, com vários corolários, conforme a perspectiva da análise.
Segundo ele, o TPS é uma filosofia, um modelo ou um método. A ideia central,
exaustivamente repetida é a seguinte:

“A base do Sistema Toyota de Produção é a absoluta eliminação do


desperdício. Os dois pilares necessários à sustentação do sistema são o Just-in-
time e a Autonomação, ou automação com um toque humano.
Just-in-time significa que, em um processo de fluxo, as partes corretas
necessárias à montagem alcançam a linha de montagem no momento em que
são necessários e somente na quantidade necessária. Uma empresa que
estabeleça esse fluxo integralmente pode chegar ao estoque zero. (OHNO,
1978, pg. 13) (grifos do autor)

2
Definição do MIT: uma “ideia” é um potencial par perfeito para solucionar um problema, que em geral requer
alguma experimentação e refinamento, para um encaixe perfeito. (BUDDEN e MURRAY, 2017)
3
Definição do MIT: inovação é o processo de levar uma ideia desde a sua concepção até o seu impacto na
sociedade. (BUDDEN e MURRAY, 2017)
4
O ciclo PDCA “Plan-Develop-Check-Act/Adjust” foi idealizado por Walter Shewhart no Bell Labs-EUA, como
método iterativo para gestão de mudanças e aperfeiçoamento contínuo, e posteriormente incorporado por
Deming no conjunto das ideias da qualidade total. https://kanbanize.com/lean-management/improvement/what-
is-pdca-cycle
Repetindo, os dois pilares do Sistema Toyota de Produção são o just-in-time e a
automação com um toque humano, ou autonomação. A ferramenta utilizada
para operar o sistema é o kanban, uma ideia que tirei dos supermercados
americanos”. (OHNO, 1978, pg. 27) (grifos do autor)

2.2 Sobre a abordagem científica dos “cinco porquês5” e o surgimento do Kanban

Ohno (1978, pg.21) enfatiza a importância da técnica de perguntar os “cinco por quês” como
ferramenta de melhoria contínua6, considerada por ele como uma abordagem científica para
que se possa de fato encontrar a causa-raiz de um problema. E isto foi de grande valor para o
aperfeiçoamento do TPS ao longo do tempo:

“...o Sistema Toyota de Produção tem sido construído com base na prática e na
evolução desta abordagem científica. Perguntando cinco vezes “por quê” e
respondendo cada vez, podemos chegar à verdadeira causa do problema, que
geralmente está escondido atrás de sintomas mais óbvios.”

Foi através destes consecutivos questionamentos sobre o problema do desperdício da


superprodução, um dos maiores vilões para o TPS, que surgiu a ideia do Kanban, que foi
sendo refinada e ajustada ao longo de 10 anos (1953-1962), ampliando sua utilização pouco a
pouco para os diferentes tipos de atividades, até se encaixar perfeitamente como um sistema
integrado e sincronizado nas linhas de produção da Toyota e das suas empresas fornecedoras:

“A primeira resposta à pergunta “Por que estamos produzindo componentes


em demasia?” foi “Porque não existe um jeito de manter baixa ou prevenir a
superprodução.” Isso levou à ideia de controle visual que, por sua vez,
conduziu à ideia do kanban.” (OHNO, 1978, pg. 21)

2.3 Sobre a perseguição obsessiva aos desperdícios e a necessidade de identificá-los

“O passo preliminar para a aplicação do Sistema Toyota de Produção é identificar


completamente os sete tipos de desperdícios:

a) Desperdício de superprodução;
b) Desperdício de tempo disponível (espera);
c) Desperdício em transporte;
d) Desperdício do processamento em si;
e) Desperdício de estoque disponível (estoque);
f) Desperdício de movimento;
g) Desperdício de produzir produtos defeituosos.

A eliminação completa desses desperdícios pode aumentar a eficiência de operação por uma
ampla margem.” (OHNO, 1978, pg. 23)

2.4 Sobre o controle visual e o papel do Kanban como ferramenta de comunicação direta
5
Segundo o site KANBANIZE, https://kanbanize.com/pt/gestao-lean/melhoria/5-porques-ferramenta-de-analise
a técnica dos “5 Por quês” para identificação da causa-raiz foi desenvolvida pelo industrial e inventor Sakichi
Toyoda, pai de Keijiro Toyoda, o fundador da Toyota Motor Company.
6
A melhoria continua é também denominada de Kaizen, em japonês.
“Em cada planta da Toyota Motor Company, bem como nas plantas de
produção das empresas fornecedoras que adotam o Sistema Toyota de
Produção, o controle visual é estabelecido integralmente.
Folhas de trabalho padrão são afixadas em local bem visível em cada estação
de trabalho. Quando alguém olha para cima, o andon (o quadro de indicação de
parada da linha) fica visível, mostrando rapidamente o local e a natureza das
situações problema. Além disso, caixas contendo os componentes, trazidas para
o lado da linha de produção, chegam com um kanban afixados nelas, o símbolo
visual do Sistema Toyota de Produção”. (grifo nosso)

A figura 1 abaixo, ilustra como é o “cartão” Kanban como ferramenta de comunicação típica
da Toyota, seja entre as suas diferentes linhas ou seções da produção internas, seja com os
parceiros externos, fornecedores de peças:

Figura 1 – Estrutura típica dos “cartões” (kanbans) do chão de fábrica da Toyota


“Ficha 1” “Ficha 2” “Ficha 3”

Fonte: Shingo (1981)

A Ficha (ou tag) 1 carrega as informações necessárias para a requisição de peças ou


confirmação do pedido, contendo a identificação do fornecedor (interno ou externo), o
número padrão de identificação da peça, dos horários, frequência e quantidade de peças de
cada entrega.

A Ficha 2 carrega as instruções de produção, com as especificações técnicas da peça,


denominação, codificação, indicação do modelo ou produto onde será aplicada, tipo e
quantidade de dispositivo de acomodação ou estocagem (palete, caixa, etc).

A Ficha 3 carrega as informações para o transporte e local da entrega (endereço da unidade


recebedora, número da doca ou portão), etc.

Todas as informações são grafadas em números e letras (modo analógico), bem como, em
códigos de barras para leitura ótica (digital), à prova de erros de transcrição. É também
comum a utilização de fichas com cores padronizadas, como um fator adicional de sinalização
e diferenciação.

A figura 2 abaixo, ilustra como são circulados os diversos “cartões” (kanbans) ao longo do
processo de produção, baseado no conceito de “puxar”, ou seja, tudo começa com os pedidos
dos clientes, que puxam o produto final, a linha de montagem final puxa os componentes
imediatamente anteriores necessários, e, assim sucessivamente:
Figura 2 – Ilustração da linha de produção puxada pelos “cartões” Kanban:
Production Production
Instruction Instruction
Use of Use of Use of
KANBAN KANBAN
material parts parts
Parts transportation Parts transportation

Receiving KANBAN Receiving KANBAN

S2 P1 S1 S2 P2 S1 S2 P3

Receiving KANBAN Receiving KANBAN


Material Production Production Production
P = PROCESS indication
market Instruction Instruction
KANBAN S = STORAGE KANBAN KANBAN

PROCESS OF PARTS PROCESSING PROCESS OF PARTS ASSEMBLY PROCESS OF FINAL ASSEMBLY

Fonte: Shingo (1981)

2.5 Sobre a máquina autônoma e inteligente que para a produção quando há problema

“A outra base do Sistema Toyota de Produção é denominada de autonomação 7,


que não deve ser confundida com a simples automação. Ela é conhecida
também como automação com um toque humano. A autonomação também
muda o significado da gestão. Não será necessário um operador enquanto a
máquina estiver funcionando normalmente. Apenas quando a máquina para
devido a uma situação anormal é que ela recebe atenção humana. Como
resultado, um trabalhador pode atender diversas máquinas, tornando possível
reduzir o número de operadores e aumentar a eficiência da produção. Parar a
máquina força todos a tornar conhecimento do fato.”

2.6 Sobre a importância do trabalho em equipe e a habilidade de “passar o bastão”

“A chave para vencer ou perder é o trabalho em equipe. A manufatura também


é feita através do trabalho em equipe. Pode ser preciso 10 ou 15 operários, por
exemplo, para levar um trabalho de matérias-primas a produto final. A ideia é o
trabalho em equipe – não quantas peças foram usinadas ou perfuradas por um
operário, mas quantos produtos foram completados pela linha com um todo 8. O
trabalho em equipe combinado com outros fatores pode permitir que um time
menor vença. Eu sempre digo aos operários que eles devem ser bons também
na passagem do bastão. Se um operador num processo posterior está atrasado,
outros deveriam ajudar a trocar as ferramentas da sua máquina. Na Toyota,
chamamos o sistema de passagem do bastão de “Campanha de Assistência
Mútua.” Ela provê a força para gerar um trabalho em equipe mais forte.”
(OHNO, 1978, pg. 25-26)

2.7 Sobre a revolução na consciência e atitudes relativas aos estoques de segurança

7
Segundo Ohno (1978) a ideia da autonomação é oriunda dos teares da indústria de tecelagem da família Toyoda
e desenvolvida por Sakichi Toyoda, que além de industrial era inventor.
8
Os conceitos de trabalho coletivo, assistência mutua e das entregas por equipe, esquivando-se simplesmente de
medir o desempenho individual, foi perfeitamente incorporado nas metodologias ágeis.
Ohno (1978, pg. 20) aponta que a ideia de estocar arroz para a subsistência, advinda dos
nossos ancestrais, embora natural e compreensível, não tem mais lugar na complexa
sociedade capitalista atual:

“A indústria moderna também parece estar paralisada neste modo de pensar.


Um industrial pode se inquietar com a sobrevivência nesta sociedade
competitiva sem manter alguns estoques de matérias primas, produtos
semiacabados, e produtos prontos. Este tipo de estocagem, contudo, já não é
mais prático. A sociedade industrial deve desenvolver a coragem, ou melhor, o
bom senso, de buscar apenas o que é necessário quando for necessário e na
quantidade necessária. (grifo do autor)
Isso requer uma revolução na consciência e mudança de atitude dos
empresários. Num período de crescimento lento manter estoque causa o
desperdício da superprodução.”

2.8 Sobre a origem do Kanban e a ousadia de pensar a produção na ordem inversa

“Gosto de pensar repetidas vezes sobre um problema. Fiquei pensando sobre


como fornecer o número de peças necessárias no momento certo. O fluxo de
produção é a transferência de materiais. O modo convencional era fornecer
materiais de um processo inicial para um processo final.
Assim, eu tentei pensar sobre a transferência de materiais na direção inversa:
um processo final vai para um processo inicial para pegar apenas o componente
exigido, na quantidade necessária no exato momento necessário. Neste caso,
não seria lógico para o processo anterior fazer somente o número de
componentes retirados? No que tange à comunicação entre os muitos
processos, não seria suficiente indicar claramente “o quê” e “quanto” é
preciso?
Chamaremos este meio de indicar as necessidades de Kanban e o faremos
circular entre cada um dos processos para controlar a quantidade produzida, ou
seja, a quantidade necessária. (OHNO, 1978, pg. 14) (grifos do autor)

Ao relatar a sua ousadia para contrariar o pensamento dominante na época, baseado na


doutrina da engenharia industrial americana, Taiichi Ohno enaltece a criatividade, a
perseverança, a necessidade de questionar o status quo e a experimentação 9, descrevendo
detalhadamente as diferenças entre o sistema de produção tradicional por lotes ou bateladas
(sistema de “empurrar” do começo para o fim da linha), tipicamente focada na eficiência de
atividades estanques, em contraposição à abordagem sistêmica just in time (sistema invertido
= de “puxar”), tendente ao lote econômico unitário, que busca a eficácia econômica de todo o
processo, agregando valor o tempo todo, pela eliminação de todas as formas de desperdício:

Este foi o início da ideia. Experimentamos e, finalmente, decidimos por um


sistema. O fim da linha de montagem é tomado como o ponto inicial. Então, o
método de transferência de materiais é invertido. Cada elo na corrente just-in
time está conectado e sincronizado. Por essa razão, os níveis gerenciais são
também drasticamente reduzidos.
O Kanban é o meio usado para transmitir informação sobre apanhar ou receber
a ordem de produção, sustentado pelo sistema just-in-time e pela autonomação,

9
Segundo Anderson (2010), a experimentação é também um dos pilares das metodologias ágeis.
pelo qual o Sistema Toyota de Produção flui suavemente. (OHNO, 1978, pg.
14) (grifos do autor)
Schonberger (1982) complementa o repertório de autores seminais relacionados às técnicas
industriais japonesas. Ademais, foram consultados sites especializados, como o do Instituto
Deming, e blogs para esclarecimentos de detalhes históricos e enriquecimento do contexto.

2.8 As raízes históricas e culturais do Kanban

Afastando-se do ambiente estritamente industrial e de chão de fábrica da Toyota, onde reinou


o Kanban desde o início dos anos 50, a pesquisa embrenhou-se no tempo para inseri-lo na
perspectiva histórica e cultural do Japão, desde o período da dinastia imperial Tokugawa
(1603-1868), passando pelas duas guerras mundiais e da guerra da Coréia, pelo choque do
petróleo de 1973 e até após a virada para o terceiro milênio da era cristã. Randle e Watanabe
(1985) e Morita (1986) foram as fontes principais de consulta, complementadas por Ohno
(1978), que descreve a saga industrial da família Toyoda, com a transição dos teares para o
automóvel, em três gerações. Os sites do Instituto Deming e da própria Toyota também
contribuíram com a cronologia dos marcos históricos após a Segunda Guerra Mundial, e seus
significados para o Japão e para o TPS, relevantes para o propósito deste estudo.
A história do Japão no pós-guerra retrata um caso impressionante de superação de uma nação
devastada e desacreditada, que renasceu das cinzas para, em 30 anos, assombrar o mundo com
uma revolução na qualidade e produtividade industrial, tornando-se uma das três maiores
potências econômicas mundiais, daí em diante. O sucesso das técnicas industriais da Toyota e
seus pares japoneses, alavancaram as exportações não apenas de bens, como automóveis e
eletroeletrônicos, mas também de tecnologia e de fábricas que foram sendo espalhadas pelo
mundo. (OUCHI, 1981); (MORITA, 1982); (PASCALE e ATHOS, 1982)

Nos EUA, os gigantes automotivos ficaram atônitos e quase foram à bancarrota, tratando logo
de copiar o modelo japonês, mas esbarraram em questões culturais e estruturais da sua
economia. A solução interina dos americanos foi de impor barreiras comerciais para forçar os
japoneses a se mudarem para os EUA, para não perder o acesso àquele gigantesco mercado,
através de associações com os fabricantes locais. Foi uma maneira deles aprenderem as novas
técnicas. Logo, os americanos encamparam os princípios do TPS e o rebatizaram na versão
ocidentalizada como “lean10”, sinônimo de manufatura enxuta e flexível. (OUCHI, 1981);
(MORITA, 1982); (PASCALE e ATHOS, 1982); (CRANDALL, 2020).

2.9 O Kanban como método ágil e sua literatura de referência

Já pelo lado das metodologias ágeis e no período pós-Manifesto Ágil 11 de 2001,


indiscutivelmente as obras de maior destaque são do autor David Anderson, que é
considerado o precursor do uso do Kanban na indústria de desenvolvimento de software. Para
além disso, uma profusão de e-books, artigos técnicos e posts disponíveis na Internet em sites
e blogs, de diversos autores especializados neste mesmo assunto, também oferece um robusto
acervo de material de referência, com abordagens práticas e de uso corrente do Kanban e do
Scrunban12, como ferramenta dos métodos ágeis, sob óticas diferentes.
10
O termo “lean” foi cunhado por John Krafcik (KRAFCIK,1988) e posteriormente transformado na teoria do
Pensamento Enxuto (“Lean Thinking”) por James Womack, Daniel Jones e Daniel Roos, com a publicação do
livro “The Machine that Changed the World” em 1990. (vide https://www.lean.org/downloads/MITSloan.pdf )
11
Manifesto Ágil: conjunto de princípios e valores, acordados espontaneamente, e por consenso, em forma de
manifesto, por um grupo de expoentes da indústria de desenvolvimento de software dos EUA, em 2001.
12
Scrunban ou ScrumBan é a junção do método Scrum com o Kanban.
Anderson (2010) relata que seu encontro com o Kanban decorreu, de um lado, do acaso de
uma visita ao Palácio Imperial do Japão, e de outro lado, da influência de Donald Reinertsen,
que se trata de um estudioso do Kanban, que aliás, prefaciou o livro de Anderson. Sua
primeira experimentação dos princípios do Kanban, aplicados à indústria de desenvolvimento
ágil de softwares, ocorreu na Microsoft em 2004, tendo alcançado excelentes resultados.

Em seu relato, Anderson aponta que durante muitos anos se debatia com dois problemas
recorrentes. De um lado, como disciplinar o fluxo de trabalho das suas equipes de
desenvolvimento de software, de tal forma a aumentar a qualidade, produtividade e
previsibilidade das entregas, que resultasse numa situação ganha-ganha, isto é, atender às
demandas da empresa e ao mesmo tempo melhorar a qualidade de vida dos colaboradores. De
outro lado, como ampliar a adoção de uma abordagem ágil para a empresa toda, superando a
inevitável resistência às mudanças necessárias. Anderson estava convencido que a solução
para ambos os problemas seria um sistema de “puxar” o fluxo de produção. Depois de uma
experiência realizada com a metodologia Tambor-Pulmão-Corda13, Anderson fixou-se na
filosofia do Kanban, e, segundo suas próprias palavras, tornou-se um pregador dessa filosofia
mundo afora, em razão das suas inúmeras virtudes e benefícios.

Segundo Anderson (2010), simplesmente por limitar a quantidade de trabalho em processo


(“WIP”), o Kanban possibilita a melhoria da qualidade e encoraja um melhor desempenho das
equipes, sendo que só esta combinação já é suficiente para reduzir a duração das tarefas,
melhorar a previsibilidade e a pontualidade das entregas. Ademais, o fato de estabelecer uma
cadência regular e balanceada, que permite que as entregas sejam realizadas de forma
consistente com essa cadência estabelecida, alavanca a confiança em toda a cadeia de valor.

Além de melhorar o desempenho da produção e aumentar a satisfação dos clientes, o Kanban


é uma ferramenta de evolução cultural das organizações, que se utiliza de cinco propriedades
fundamentais para criar um conjunto emergente de comportamentos enxutos (“lean”) nas
organizações: 1) Visualização do fluxo de trabalho; 2) Limitação do trabalho em andamento
(“WIP”); 3) Medição e gestão do fluxo; 4) Transparência das políticas e regras dos processos;
5) Utilização de modelos para identificar oportunidades de melhoria. (ANDERSON, 2010).

Anderson (2010) descreve que a baixa qualidade é o maior desperdício de todos, na indústria
de desenvolvimento de software, e apresenta uma receita para o sucesso, a qual o Kanban
atende em todos os aspectos, a saber: a) Foco na qualidade; b) WIP regulado e balanceado; c)
Entregas regulares e frequentes; d) Capacidade balanceada com a demanda; e) Priorização das
atividades e tarefas; f) Ataque às fontes de variabilidade para melhorar a previsibilidade.

3 METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa utilizada neste estudo é descritiva e explicativa, na medida em


descreve os dois contextos em que se insere o uso do Kanban como ferramenta de gestão à
vista, explicando como e por que o uso do método Kanban, desenvolvido pela Toyota nos
anos 50, tornou-se um elemento emblemático do mundo ágil, em razão da existência de
princípios subjacentes comuns, presentes tanto na filosofia do TPS e do “lean”, quanto nos
princípios e valores declarados no Manifesto Ágil. A pesquisa é qualitativa na abordagem e
13
Do inglês “Drum-Buffer-Rope”, metodologia para identificação e remoção de gargalos preconizada pela Teoria
das Restrições (GOLDRATT, 1999 apud ANDERSON, 2010)
eminentemente bibliográfica quanto ao procedimento técnico adotado, que consistiu de
extensa revisão de literatura, indicada no Referencial Teórico acima.

A despeito da extensa pesquisa realizada, no âmbito de um artigo técnico não seria possível
reproduzi-la em toda a sua plenitude e profundidade, razão pela qual a apresentação dos
resultados será condensada em infográficos, quadros e diagramas, inspirados no formato de
comunicação visual do Kanban.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Sobre a importância do contexto histórico e cultural de onde surgiu o Kanban

Randle e Watanabe (1987) descrevem a sociedade japonesa como muito homogênea,


altamente instruída e disciplinada, cujas características culturais tem raízes no sistema feudal,
que remonta à era Tokugawa (1603-1868), baseadas na lealdade, obediência e honestidade. Já
nessa época, entretanto, o combate ao desperdício e a educação dos filhos eram valores
fundamentais. Na sociedade japonesa o grupo tem precedência sobre o indivíduo, por
considerar que “o grupo reflete o amor dos japoneses pela harmonia”.

Morita (1986, pg. 245) descreve o Japão como um conjunto de ilhas vulcânicas, sujeitas a
todo tipo de catástrofes naturais e cuja extensão geográfica agregada é diminuta em proporção
à população14 que nela vive:

“Nós temos obsessão pela sobrevivência. Todos os dias, literalmente, a terra


treme sob nossos pés. Nossas ilhas não nos dão nada de matéria prima, a não
ser água, e menos de um quarto de nossas terras são cultiváveis ou habitáveis.
Por isso, tudo o que temos no Japão é muito precioso para nós. E é também por
essa razão que aprendemos a respeitar a natureza e a conservar, a miniaturizar e
a encarar a tecnologia como um modo eficiente de nos ajudar a sobreviver.”

Morita (1986, pg. 246) explica o significado de mottainai, uma palavra japonesa que exprime
o sentimento religioso japonês em relação ao desperdício, que é considerado uma heresia e
uma irreverência à confiança divina. “O desperdício de qualquer coisa é considerado
vergonhoso e virtualmente criminoso”.

Segundo Ohno (1978), a saga industrial da família Toyoda começou na esteira da revolução
industrial no final do século XIX, na indústria têxtil. Sakishi Toyoda era um próspero
industrial e inventor, que sonhava em produzir carros para os japoneses, o que só foi possível
após a sua morte, pelas mãos do seu filho Keichiro Toyoda, fundador da Toyota Motors em
1937. Mas, Sakishi deixou como legado as suas ideias relativas ao método dos “cinco por
quês” e da autonomação das fábricas. Logo após a rendição dos japoneses na segunda guerra,
Keichiro lançou o “supremo” desafio da Toyota: “”. Durante a guerra, a Toyota esteve à beira
da falência. Ohno (1978) relata que se via perplexo, ao comparar a produtividade média
americana com a japonesa da época, na razão de 1 x 9. Como aumentar em 9 vezes a
produtividade para alcançar os americanos?

14
A população japonesa atual é de 127 milhões, para uma área total de 377. 801 Km2. (fonte: Mundo Educação.
Uol. https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/japao-1.htm ). O Estado de Minas Gerais possui uma área de
586.528 Km2 para uma população atual de 20,7 milhões. A densidade população do Japão é cerca de 40 vezes
maior que a de Minas Gerais, considerando-se que menos de ¼ do território japonês é habitável.
Morita (1986) admite que nos anos 50 e 60, os produtos Made in Japan eram sinônimos de
baixa qualidade, sendo vistos com reserva no mercado internacional. Havia escassez de tudo e
os japoneses dependiam de importações, praticamente, de todas as matérias primas que
necessitavam, principalmente petróleo, e precisavam reequilibrar a sua balança comercial com
o resto do mundo através de exportações.

Segundo Ohno (1978), a Toyota foi salva em 1950 por uma grande encomenda de caminhões
do Exército americano, durante a Guerra da Coréia. Junto com a encomenda, os americanos
estabeleceram os padrões de qualidade a serem atendidos e trouxeram o Prof. Deming para
ensiná-los. Começou aí a revolução na Toyota, construída pelas mentes brilhantes de Ohno,
Shingo e Deming, inspirados na sabedoria milenar japonesa, nas teorias de Frederic Taylor,
Henry Ford e Walter Shewhart e no legado de Sakichi Toyoda, adaptados para aquela nova
realidade. Os resultados práticos, graças ao Kanban, podem ser vistos comparando-se a
evolução do giro anual dos estoques, Quadro 1:

Quadro 1
Giro médio anual de estoques em empresas automotivas
Concorrente 1 Concorrente 2 Concorrente 3
Ano Toyota
Japão EUA EUA
1960 41 vezes 13 vezes 7 vezes 8 vezes
1965 66 vezes 13 vezes 5 vezes 5 vezes
1970 63 vezes 13 vezes 6 vezes 6 vezes
Fonte: SHINGO (1982, pg. 167)

4.2 Sobre os benefícios do Kanban

Do ponto de vista econômico-financeiro, o TPS puxado pelo Kanban tem um impacto


virtuoso sistêmico, aumentando a eficácia de todo o ciclo empresarial pela eliminação dos
desperdícios (redução de custos) e a dinamização do giro dos estoques, o que corresponde a
maior competitividade e lucratividade, drástica redução da demanda líquida de capital de giro
e aumento exponencial da rentabilidade da Toyota, em termos de retorno sobre o capital
empregado (ROCE) e retorno sobre os ativos (ROA).

4.3 Sobre a transposição do Kanban da manufatura para o mundo ágil

Resumiu-se em infográfico (fig.3) os marcos históricos mais relevantes dos últimos 120 anos,
relacionados à gênese do Kanban e à sua transposição para o mundo ágil atual, que mostra
como as ideias foram evoluindo ao longo do tempo, através dos insights captados por
personagens que marcaram suas épocas, pela sua visão empreendedora e capacidade
transformadora:

Figura 3 - INFOGRÁFICO: Marcos históricos relevantes para o Kanban em 120 anos


INFOGRÁFICO: TRANSFORMAÇÃO. O Efeito das Crises e a Inovação pela Associação de Ideias
← 1900 - Sakichi Toyoda: "Autonomação" dos Teares ← 1953 - T. Ohno: nos EUA se inspira nos Supermercados para criar Kanban
← 1930 - Shigeo Shingo: "Tabuleta" de controle de fluxo das ferrovias
1940 Kiichiro Toyoda nos EUA/novas ideias → ← 1953 - Shigeo Shingo: desenvolve o SMED e o Pokayokê
← 1937 - Kiichiro Toyoda: Funda Toyota Motors 2015 - Toyota: Líder mundial →
1950 - Crise no Japão. Toyota à beira da falência → ← 1960 - Toyota: fracasso 1ª investida mercado EUA (aprendizado)
Ind. Textil → Sist. Toyota de Produção / Lean / JIT / Kanban → Manifesto Ágil / Fábricas de Software / Kanban / Scrunban
1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
← 1908 - H Ford: Linha de montagem em série ← 1950 - E. Deming: Traz p/ Japão filosofia da Qualidade Total
1945 - EUA: bombas atômicas destroem 2 cidades → 2001 - EUA: Manifesto Ágil p/ indústria de software →
1945 - EUA: rendição do Japão 2ª Guerra Mundial → 2004 - EUA: D. Anderson usa Kanban como ferramenta ágil →
1950 - Guerra Coréia: Governo EUA salva a Toyota → 2010-2020: Disseminação do Kanban como ferramenta de gestão ágil →
Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.
Figura 4 – Taiichi Ohno Não há dúvidas de que Taiichi Ohno (fig.4), o “pai do
Kanban, é o personagem central de todo o processo
industrial revolucionário implementado na Toyota. Shingo
(1982) relata suas conversas com Ohno nos primórdios do
Kanban. Ohno trouxe a ideia do sistema de “puxar” a partir
dos supermercados americanos, onde o consumidor puxa os
produtos que deseja para o caixa, enquanto as gôndolas
funcionam com limitadores da quantidade de reposição do
estoque, na exata medida do que foi puxado. Shingo disse a
Fonte: Wikipedia (2020) Ohno que, quando trabalhou na ferrovia japonesa, utilizava
um tipo de kanban, constituído por uma plaqueta de madeira, para a segurança do controle de
fluxo de trens entre estações, numa mesma via. A plaqueta era única para cada trecho e era
entregue pelo chefe da estação ao maquinista do trem, que com ela viajava para entregá-la ao
chefe da próxima estação. Sem a plaqueta, o trem não podia se mover.

Na figura 5, apresenta-se em diagrama a contextualização do Kanban como elemento em


comum nos dois mundos, o da manufatura e do chão de fábrica, e o da indústria de software e
aplicações correlatas, no ambiente de “equipes ágeis”.

Figura 5 - O KANBAN como elemento comum entre o TPS e o Manifesto Ágil


TQC Edward DEMING, EUA --> Plano Marshall / Pós-guerra (1945)
TOTAL QUALITY CONTROL FILOSOFIA DA QUALIDADE TOTAL

SÉCULO XX SÉCULO XXI


(2ª metade)

ScrunBan
KANBAN KANBAN
Método KANBAN
Sistema KANBAN SCRUM
JUST-IN-TIME GESTÃO ÁGIL DE PROJETOS

SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO / "LEAN" MANIFESTO ÁGIL

CULTURA ORIENTAL / JAPONESA CULTURA OCIDENTAL / AMERICANA / Vale do Silício

Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.

4.4 Sobre o Kanban moderno, transposto do TPS/“lean” para a indústria de software


ANDERSON (2010), adotou a filosofia do Kanban aplicada às equipes de desenvolvimento
de softwares, quando trabalhava na Microsoft em 2004. Antes disso, desde 2002, debatia-se
com os desafios de (i) encontrar uma maneira sistemática para estabelecer um ritmo de
trabalho sustentável nas suas equipes (nivelar a produção/regular o fluxo); (ii) encontrar uma
abordagem bem sucedida para introduzir mudança nos processos, com a menor resistência
das equipes (melhoria contínua). Anderson estava convencido de que a solução seria através
de um sistema de “puxar” e sua primeira experiência foi baseada na teoria das restrições, para
a gestão de gargalos, através do sistema tambor-pulmão-corda, o que trouxe bons resultados.

Em 2005, de férias em Tóquio com a família, Anderson visitou o parque das cerejeiras no
entorno do Palácio Imperial. Ao entrar, cada membro da família recebeu um pequeno cartão
branco, com a instrução de devolvê-lo na saída. Anderson, a princípio, não entendeu qual a
finalidade do cartão e, menos ainda, quando ao sair simplesmente depositaram os cartões
numa caixa de papelão, sem nenhum outro tipo de controle. Os pontos de entrada e saída eram
distintos. Havia fila na entrada. Anderson achou que o sistema de controle era falho e sujeito a
fraude. Não havia controle rígido de fato e qualquer um poderia pegar um cartão e entrar no
parque. Até que lhe veio o insight: era o kanban. A única finalidade era a de evitar a
superpopulação de visitantes no parque e, contanto que cada entrante portasse o tal cartão
branco padronizado, a população máxima visitante estaria limitada aos cartões disponíveis!

O resultado a partir desse insight, é que Anderson vislumbrou a aplicação do Kanban, não
apenas como na manufatura da Toyota, mas para qualquer tipo de atividade produtiva, que
demanda algum tipo de gestão. "O Kanban é baseado numa ideia muito simples. As atividades
em andamento devem ser limitadas. Algo novo só deve ser iniciado quando uma peça de
trabalho existente é liberada ou quando uma função automática inicia isso. É uma iniciativa
Lean (enxuta) para moldar a cultura das organizações e encorajar a melhoria contínua.”
(ANDERSON, 2010).

Como se pode notar, o Kanban de Ohno e o Kanban de Anderson estão baseados nos mesmos
princípios, com as adaptações próprias para cada contexto, conforme o Quadro 2:

Quadro 2
SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO E MANIFESTO ÁGIL DE 2001 E O KANBAN
KANBAN DE TAIICHI OHNO DE 1950 DE DAVID ANDERSON DE 2004
1. Gestão à vista, Kanban, Andon 1. Visualizar o fluxo de trabalho
2. Sistema puxado, produção nivelada 2. Limitar trabalho em progresso
3. Visão sistêmica, sincronização 3. Gerenciar o fluxo
4. Folhas padrão de produção, transparência 4. Tornar as políticas explícitas
5. Autonomia para parar a produção, 5 por quês 5. Implementar laços de feedback
6. Trabalho em equipe, assistência mutua 6. Melhorar colaborativamente,
7. Melhoria contínua, Kaizen 7. Evoluir experimentalmente
Fonte: Elaborado pelo autor; Anderson (2010).

4.5 Sobre o Kanban no mundo ágil e virtual

No novo Kanban, o conceito de desperdício que o é vilão para o TPS, foi substituído por um
conceito equivalente do modelo econômico de custo, como custos de transação, custos de
coordenação e custos de carga de falhas. Da mesma forma, a comunicação visual, física e
analógica do Kanban de Ohno, vem sendo substituída pelas plataformas digitais de gestão e
colaboração on line, como Trello, Miro, Mural, Google Jambord e outros.

O Sistema Kanban da indústria de software, desenvolvido por Anderson (2010), que faz
questão de ressaltar o “K” maiúsculo, apresenta diferentes formatações, em razão da sua
enorme flexibilidade e adaptabilidade para diferentes contextos, qualidades estas que são
muito valorizadas e ressaltadas por ele, as quais explicam a sua grande aplicabilidade.

As figuras 6 e 7 abaixo ilustram diferentes formatos de quadros Kanban para controle visual
de fluxo de processos, desde os mais simples, aos mais complexos:
Figura 6 – Ilustração do Kanban adaptando-se a diferentes contextos
A forma mais elementar do
Kanban consiste em três colunas
com três situações:
1. “To Do” = a fazer ou backlog
de tarefas em espera;
2. “Fazendo” = atividades em
andamento (WIP);
3. “Done” = pronto ou
atividades concluídas

Fontes: CERTIPROF (2019)

Figura 7 – Ilustração do Kanban em situações complexas: Nivel de Maturidade 5

Fonte: Anderson e Bozheva (2018)

Uma recente pesquisa sobre a utilização do Kanban no mundo ágil pelo site State of Agile,
nos traz o posicionamento relativo do Kanban com 7% de utilização em relação aos outros
métodos e práticas ágeis, conforme Figura 8 abaixo, onde se destaca o Scrum com 58%:

Figura 8
Fonte: State of Agile, 2019.

Figura 9

Fonte: State of Agile, 2019.

Em relação às técnicas da gestão ágil mais empregadas, o Kanban ocupa a 6ª posição, atrás
de: 1) Reuniões diárias (dailies); 2) Retrospectivas; 3) Planejamento de sprints; 4) Revisão de
sprints; 5) Ciclos curtos de iteração. Vide Figura 9 acima.

Entretanto, entre as ferramentas de gestão ágil de projetos, o quadro Kanban era disparado o
mais utilizado por 76% dos usuários em 2019, com 10% dos usuários planejando utilizá-lo,
conforme a Figura 10:
Figura 10
USA ATUALMENTE PLANEJA UTILIZAR
Fonte: State of Agile, 2019.

Entretanto, Anderson (2010) adverte que a mera utilização de quadros kanban de gestão à
vista, não caracteriza a condição necessária para o funcionamento do sistema Kanban, que
exige a limitação explícita de WIP e a sinalização para a “puxada” de novos itens de trabalho.
5 CONCLUSÃO

O sucesso do Kanban como ferramenta de gestão, nos vários contextos em que se insere,
decorre da sua simplicidade e adaptabilidade, da conexão transparente, direta e intuitiva que
logra estabelecer, em todo e qualquer processo de comunicação e/ou interação em que é
utilizado.

O Kanban vem sendo atualizado e até reconfigurado, acompanhando o processo crescente de


transformação digital da sociedade como um todo; todavia, preservando as suas características
fundamentais de ferramenta visual, para controle de balanceamento da carga de trabalho em
andamento (“WIP”), regulação ou normalização de fluxo e redução de desperdício em
qualquer processo produtivo. É uma demonstração de que as velhas ideias e conceitos
evoluem, são recriados e associados a outros, adaptando-se a novos contextos, mas mantêm a
sua essência.

Nesse processo contínuo de transformação, poderá o novo Kanban, na versão ágil, ser
transposto de volta para o chão de fábrica, criando a “manufatura ágil” no âmbito da indústria
4.0? Como estará hoje o Kanban criado por Ohno, sendo utilizado nas fábricas da Toyota?
Estão são indagações instigantes, que ensejam a recomendação para futuras pesquisas.
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CRANDALL, C. The effects of US Trade protection for autos and steel. pdf. Brookings
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PASCALE, Richard T.; ATHOS Anthony G. As artes gerenciais japonesas. Métodos e


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SHINGO, Shigeo. Study of Toyota Production System from industrial engineering


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WOMACK, James P.; JONES, Daniel T. Lean Thinking: Banish waste and create wealth
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