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Análise do Filme- “Torre Bela” de Thomas Harlan

“Torre Bela" é um documentário de 1975 encabeçado por Thomas Harlan. A produção


ocorre em Portugal durante a Revolução dos Cravos, um golpe sem sangue que derrubou o regime
autoritário do Estado Novo. O filme conta a narrativa da ocupação de Torre Bela por um grupo de
camponeses sem-terra que louvava a reforma agrária e a redistribuição justa de terras.
A produção é uma ilustração interessante das tensões sociais e políticas que existiam em
Portugal neste período, e presenteia-nos com uma perspetiva única sobre as lutas dos agricultores
sem-terra na sua disputa por equidade, através de entrevistas com agricultores e proprietários de
terras. O filme revela as profundas divisões de classes na sociedade portuguesa e a injustiça
enfrentada pelos camponeses (classe baixa).
A abordagem de Harlan no filme é altamente subjetiva, uma vez que participou ativamente
nos eventos que estava a documentar. Chegou mesmo a viver com os camponeses no seu
acampamento improvisado na propriedade de Torre Bela e participou nestas lutas diárias pela
justiça social. Como resultado, o filme é altamente pessoal e emotivo, e oferece uma visão única
sobre as experiências dos camponeses.
Um dos pontos fortes do filme é a sua utilização de planos longos e não editados que
permitem ao espetador mergulhar totalmente nos acontecimentos no ecrã. O filme é filmado num
estilo verdadeiro, e a câmara capta as lutas diárias dos camponeses, bem como os confrontos entre
os camponeses e a polícia. O filme apresenta também uma poderosa banda sonora, que inclui
música tradicional portuguesa e discursos de líderes políticos, o que contribui para o impacto
emocional do filme.
Globalmente, "Torre Bela" é um importante documento histórico que capta um momento
fulcral da história portuguesa.

Descrição do filme e respetivos acontecimentos retratados

No início do filme Torre Bela, o plano aéreo da Quinta aparece gradativamente


no écran, partindo da tela escura. A maior extensão de terra murada do país é
assim tornada visível para o espectador. O título é apresentado: “Torre Bela”. Logo
após, a dedicatória do filme: “a Otelo de Saraiva de Carvalho que derrubou a ditadura”,
anunciada por legenda no canto superior direito da tela. O plano aéreo da Quinta,
que coloca em evidência a grande dimensão da propriedade privada, o fato histórico do
derrube da ditadura, a modernização do campo do ponto de vista do trabalhador.

Manhã do dia 23 de abril de 1975


Na tela preta é anunciada por legenda a data de 23 de abril de 1975. Ouve-se a voz de D.
Miguel, “A propriedade tem 1700 hectares”. O plano de frente abre-se, e o espectador fica diante da
imagem em preto e branco do proprietário da Quinta Torre Bela que repete: “Já disse, 1700
hectares, repito”. Mas “a propriedade aqui ou a propriedade da sociedade?”, pergunta Harlan. Logo,
D. Miguel responde que a propriedade pertence a oito irmãos, entre eles seis rapazes com curso
superior, o que não é comum em Portugal. As duas irmãs não têm curso superior, depreende-se que
existem até aquela data, marcadores de diferença de gênero que caracterizam a sociedade
portuguesa e que se expõem neste quadro. Assim começa a entrevista a D. Miguel um dos
proprietários da Quinta Torre Bela. Os planos curtos são encadeados entre quadros negros que
separam as perguntas de Harlan feitas ao proprietário: “Quantos empregados têm nesta
propriedade?”.
A pergunta é crucial, já que no espaço externo da Quinta um grupo de trabalhadores
reivindica pela realização de um acordo que resolva o problema do desemprego e precariedade de
vida dos agricultores da região, ao mesmo tempo, que apontam o desperdício e a manutenção das
terras incultas pelos proprietários.
D. Miguel pede para dizer antes de responder à pergunta, que a vocação da Quinta é a
silvicultura, a partir da qual justifica todo e qualquer prejuízo na relação com a pouca mão de obra
que demanda a produção. A partir daqui, continuando a sequência de planos curtos, o tipo de
entrevista leva à explicação da forma de exploração capitalista da Quinta.
Na análise da sequência de planos podemos constatar como as respostas de D. Miguel às questões
colocadas pelo cineasta expõem a lógica da manutenção da mão de obra barata, que está na base da
formação e reprodução do capitalismo tardio português.

Tarde e noite do mesmo dia

Os trabalhadores formam uma comissão com os representantes de cada freguesia da região


como preparação para a reunião com o proprietário da Quinta.
A próxima cena acontece de noite. Maria é filmada de costas enquanto caminha até um
grupo de trabalhadores que aguarda ao redor do espaço da Quinta. Maria anuncia que o
proprietário quer dar trabalho, mas apenas a alguns trabalhadores, como havia feito até então.
Após isto, um trabalhador afirma: “Nós queremos trabalhar, e estamos dispostos a
trabalhar... Tem de ser este pessoal todo à volta: Manique Maçussa, Ereira, Alcoentre, Aveiras... e
Lapa... desculpem, este povo todo à volta?”
Nesta cena, é o pequeno proprietário que corrige o trabalhador “É conveniente sempre que
falarem empregarem o nome dessas terras todas, que é para não perderem a razão...”. No entanto,
o pequeno proprietário partilha com os trabalhadores o sentimento de injustiça causada pela
apropriação da sua terra pela família real de Bragança, sendo um deles naquele momento. Esta cena
acaba com as vozes dos trabalhadores, que desabafam individualmente, contestando a miserável
situação que dura gerações.

Quarta-feira, 24 de Abril

Wilson através do megafone informa que “Os donos desta terra não estão de acordo
com a cooperativa” e confirma o que já havia sido comentado por Maria no fechamento da cena
anterior sobre a garantia de trabalho para alguns trabalhadores e não para todos. O resultado da
reunião é exposto entre os trabalhadores e são abertas falas entre os diferentes protagonistas.
Um dos trabalhadores manifesta o propósito da luta dos trabalhadores: “(...) dar a terra a
quem a trabalha”. E Wilson segue comentando sobre o processo de Reforma Agrária que decorre no
resto do país, e a necessidade de firmar um acordo de cooperativa entre os trabalhadores. Camilo
Mortágua, que apela à continuidade da luta dos trabalhadores pelo acesso à terra, “(...) com
serenidade e conscientes dos direitos”, garante o desenvolvimento da assembleia, expondo os
pontos de interesse dos trabalhadores para uma tomada de posição.
No próximo quadro, já se encontra no meio da multidão, e do seu lugar afirma ainda a
importância de ter acesso às terras, mas “(...) também às instalações, também imóveis, também
máquinas e também tudo aquilo que é necessário para amanhar a terra”. Wilson reforça do alto que
para amanhar a terra “teremos de ter dinheiro”, e Mortágua afirma que existe o Instituto
da Reforma Agrária (IRA) para apoio financeiro e técnico.
No final da cena, Wilson apela ao voto de todos sobre o acordo de cooperativa.
Os trabalhadores são unânimes em afirmar o acordo de cooperativa que garante trabalho para
todos, para ser encaminhado como decisão dos trabalhadores nas negociações com o proprietário
D. Miguel.

Sexta-feira, 26 de Abril

Os trabalhadores, homens e mulheres são filmados, no interior de um trator em movimento


que é dirigido no interior das terras da Quinta. A cena passada nos campos é curta, assim como a
cena do almoço coletivo, em que o espectador pode observar que os trabalhadores comem das
marmitas trazidas de casa, todos comem pão e partilham comida de forma simples, passando o
garfo com um pedaço de carne, de uns para os outros. A cena, aparentemente singela, torna-se uma
das cenas mais importantes do filme Torre Bela.
Depois de um corte, segue-se a cena em que Wilson aparece à porta da casa dos
trabalhadores na Quinta perguntando a Eugénio exaltado qual o valor da sua ferramenta.
O trabalhador responde que não sabe o valor da ferramenta. Wilson reafirma ser da cooperativa. As
duas personagens debatem entre si a propriedade coletiva dos meios de Produção. Maria entra na
cena de panela na mão e dá razão a Wilson, que propõe garantir a ferramenta da cooperativa, a
partir da doação da ferramenta do próprio trabalhador, ficando a cooperativa responsável por pagar
o valor gasto pelo trabalhador na compra. Mas, Eugénio afirma ter outros trabalhos fora da
cooperativa, e que precisa ter sempre uma ferramenta no seu poder.
De seguida, é possível observar um grupo de trabalhadores a descansar, a falar sobre o tipo
de produção que pode ser explorada nas diferentes terras da Quinta. Um dos trabalhadores
menciona o feijão verde e a couve. Outro questiona a possibilidade da construção de uma estufa.
No próximo plano, é mostrado um dos trabalhadores com uma arma, a proteger um dos
portões. Não há indícios de perigo.
Após, os trabalhadores reúnem-se em assembleia, discutindo desalmadamente.

Sexta-feira, 10 de Maio

Desenvolve-se o conflito entre os trabalhadores de diferentes freguesias.


O líder representante da mesa, assume a possibilidade de erro da parte da comissão, que
talvez não tenha atendido aos anseios de todos, no momento da sua formação. E seguem alguns
planos finais em que os trabalhadores manifestam a importância das deliberações de assembleia
tomadas em reunião pelo coletivo.

Segunda-feira, 13 de Maio

Uma viatura militar dirige-se para a entrada da herdade. Todos gritam “O povo está com a
MFA” e “Abaixo a reação”.
Wilson e Maria saem da habituação junto com os outros militares e trabalhadores.
O povo segue o ativista (Wilson) e gritam “Soldado amigo, o povo está contigo!”. Os militares
acenam e aos poucos distanciam-se da Quinta.
Dá-se o reconhecimento da cooperativa pelas Forças Armadas, e rejeita-se qualquer tipo de
atitude reacionária.

Domingo, 19 de Maio
A ocupação já era considerada pelo IRA como “ocupação selvagem”. O seu relatório deixa
clara a intenção de não ser dado apoio ao ato direto dos trabalhadores. Há uma apatia, uma
indiferença em relação à Torre Bela, por parte dos órgãos representativos do Estado que acaba por
ser fortemente ressaltada no filme, supondo-se a tendência para a defesa dos interesses privados.
Um trabalhador comenta a necessidade de expor ao “povo que este país está na miséria, mas que
nós temos bom pessoal humano, bons elementos para poder trabalhar”, sugerindo uma
discrepância entre a realidade concreta do país e aquilo que é transmitido pelos órgãos
representativos do Estado.
Dado isto, ouve-se a música “Grândola, Vila Morena” de Zeca Afonso (utilizada como
segunda senha no dia do Golpe de Estado. Todos cantam em coro.
Aqui, é reconhecida a importância da MFA na concretização deste Golpe de Estado, ao
mesmo tempo que a sua ocupação é legitimada socialmente com a presença de Zeca Afonso e
Vitorino.

Quarta-feira, 5 de Junho
A discussão em assembleia chegou ao impasse da impossibilidade de atuação pela base e
ficou determinado formar-se uma Comissão que levasse o assunto ao Conselho da Revolução (CR).
Foi discutido que existem fraturas no interior das Forças Armadas, e militares que boicotam a
execução das instruções, de dentro das diferentes unidades militares, impossibilitando a garantia de
apoio aos trabalhadores.
Um dos militares coloca o problema da segurança dos trabalhadores da Quinta Torre Bela, e
o estado de vulnerabilidade em que eles se encontram. No final, Wilson comenta, referindo-se aos
grandes proprietários que fugiram logo no momento do Golpe de Estado:

Se vocês não nos armarem, se vocês que têm realmente o poder nas
mãos e que estão connosco e não nos armarem, caímos no ridículo de
um dia mais tarde, nem vocês nem nós [estamos aqui]. Olha que eles
não nos perdoavam, de certeza absoluta. Eles se viessem [...] agora, e
da Espanha e de outro lugar não nos perdoavam.”

Quinta-feira, 6 de Junho

Nestas imagens é apresentado o interior do Palácio. Dois trabalhadores são filmados de


costas. Escuta-se a mulher “Oh, pá, anda lá”. O homem abre um livro que tira da estante, lê umas
páginas, e começa a retirar os livros todos. A mulher diz para a personagem do lado, referindo-se
provavelmente aos técnicos de filmagem: “Agora tira os livros todos e só te viras quando eles forem
embora”. Este plano de sequência, supostamente já coloca em evidência, nas diferentes esferas, o
tempo revolucionário, partindo da relação entre a reflexão sobre a atuação e a ação em si.
Ao decorrer da ação, os trabalhadores ousam experimentar as roupas do duque e de
usufruir dos objetos pertencentes aos donos.

Sexta-feira, 7 de Junho

Inicia-se uma discussão entre Wilson e os outros, que discordam que se deva ocupar o
Palácio. Para estes, seria essencial o direito à habitação, alimentação, saúde e creche. No entanto,
não teriam visto os seus direitos respeitados anteriormente.
Seguidamente, anuncia-se uma Reunião da assembleia geral no dia 11 de Junho. O
presidente divulga as informações sobre a pauta de trabalhos.
Instantaneamente, observa-se os agricultores a lavrar a terra.

Na legenda final podemos ler como “as tropas do governo socialista” contraditoriamente
prendem a Comissão dos trabalhadores e oficiais da polícia militar que apoiaram a luta dos
trabalhadores.
Harlan refere-se às tropas do governo Socialista como grandes opositores da luta dos trabalhadores.

No dia 1 de dezembro de 1975, 219 dias após a ocupação das terras, a


“Comunidade popular de Torre Bela” foi ocupada por tropas lealistas
por ordem do governo socialista. A comissão de trabalhadores foi
presa. Os oficiais da polícia militar foram levados a conselho de
guerra e a produção foi suspensa. A “Revolução dos Cravos' tinha
chegado ao seu termo. Em 1982, Dom Diogo Duque de Bragança e os
seus irmãos retomaram a posse das suas terras e reconverteram os
22.331 hectares numa reserva de caça.

Apesar do fim trágico da ocupação, a luta pela reforma agrária continuou em Portugal. Nos
anos seguintes, o governo português implementou uma série de políticas para redistribuir a terra e
criar cooperativas agrícolas em todo o país. A ocupação da Herdade Torre Bela tornou-se um
símbolo da luta pela justiça social e continua a ser lembrada como um dos eventos mais
significativos da história contemporânea de Portugal.

Mariana Campochão Carvalheiras, nº17, 12ºG

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