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Tradução preliminar de Messias Basques – SEM REVISÃO. NÃO CITAR EM OUTRAS PUBLICAÇÕES.

Texto disponibilizado para uso em aula. Curso de Extensão Vozes Negras na Antropologia, UNILAB, 2021

OPEN LETTER TO BLACK THEATERS


Author: Katherine Dunham
The Black Scholar, July/August 1979, 10(10),
BLACK THEATRE(July/August 1979), pp. 3-6
Published by: Taylor & Francis, Ltd.
Stable URL: https://www.jstor.org/stable/41163878

Carta aberta a teatros negros

Eu gostaria de compartilhar com vocês alguns pensamentos que tenho tido


sobre o Haiti e as minhas experiências por lá ao longo dos anos.
Foram Lydia Cabrera e Fernando Ortiz, ambos antropólogos cubanos
conhecidos no mundo inteiro por seu estudo dos cultos religiosos de santeria em
Cuba, que me introduziram aos conceito de santeria e vodun como teatros. Eu
observei e participei de rituais e cerimônias no Rio de Janeiro e em praticamente
todos os lugares do Caribe onde as crenças religiosas africanas são praticadas.
Mas embora batizada e iniciada na macumba, no xangó, no santeria e no vodun,
eu ainda via estas cerimônias como algo dado na vida cotidiana das pessoas.
Parece-me estranho, agora que estou mais profundamente envolvida no
vodun (ou vudu) do Haiti, que apenas recentemente eu tenha começado a ver os
vários papéis desempenhados pelo culto e a hierarquia de devotos na Comunidade
em geral.
Embora um peristilo, ou um recinto com telhado de palha e piso de terra, possa
ser redondo, quadrado ou retangular, em conformidade com o espaço disponível, o
poteau mitan (ou poste central) pelo qual os deuses descem ou montam nos
praticantes a partir do chão faz do espaço, inevitavelmente, um teatro circular. O
chefe houngan ou mambo, sacerdote ou sacerdotisa, é o produtor e diretor das cenas
que enchem o palco ao redor do poteau mitan de rituais, cantos, recitações e
danças tão exatamente fixadas pela tradição e por um roteiro não escrito quanto
qualquer produção de Shakespeare.
O hounganikan, líder do canto e assistente geral do houngan, é, provavelmente, o
mais próximo em importância ao diretor. La Place, que entre dois porta-bandeiras da
société, carrega a espada ancestral, seria o supervisor do palco. Ele lidera os hounci, ou
seguidores iniciados, na execução da sequência indicada pelo houngan.
Há a grande entrada da banda de hounci canzo, de vestes e lenços brancos, que
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respondem à litania de uma posição ajoelhada ao redor do poste central. Quando a


cerimônia está completa, eles executam as danças sagradas para os deuses, cuja entrada
pode ocorrer em duplas ou trios, a cada vez; o que pode se tornar um incômodo, de modo
que os deuses indesejados são cuidadosa e cordialmente encorajados a partir.
Os ‘cavalos’ individuais dos deuses, aqueles hounci que são ‘montados’ ou
possuídos, seguem um padrão tradicional de comportamento, movimento corporal e
expressão facial: Eles se tornam o deus que decidiu fazer a sua presença conhecida através
deste indivíduo em particular. Seu modo de falar é pré-determinado, mas a mensagem
varia de acordo com a petição que foi feita aos deuses antes do início da cerimônia; ou a
mensagem pode ser improvisada e preencher alguma necessidade não dita.
As palavras do deus são geralmente uma mistura de crioulo e langage [língua] ou
um conglomerado de palavras ou frases africanas vestigiais. Os mais instruídos dos
sacerdotes podem conduzir uma grande parte das cerimônias de iniciação em langage.
Não se espera que o devoto mediano seja fluente na langage; mas através do ‘cavalo’, o
houngan ou mambo no ofício deve ser capaz de traduzir a mensagem para crioulo.
O desdobramento de uma cena após a outra em uma verdadeira cerimônia de
vodun lembra as cenas e atos do teatro ocidental. Há uma grande diferença, porém: não
há, por si só, espectadores; alguns adultos e crianças do bairro podem entrar e sair à
margem do ‘peristilo’, mas o grande corpo daqueles que estão presenciando participa.
Eles podem ser de um ‘peristilo’ próximo ou, se o caso for importante, viajarão das
províncias para participar. Em roupas de uso diário, eles se sentarão por algum tempo em
pequenos bancos ou cadeiras, juntando-se à litania, às canções ou às batidas de palmas
das mãos. Mas logo eles serão vistos misturando-se com o hounci oficial, dançando,
cantando, saudando formalmente os amigos, até mesmo tornando-se possuídos.
São apenas as danças do vodun que podem ser realizadas diante de simples
espectadores ou de um público de turistas. Tudo o que se relaciona aos rituais e às
cerimônias perde algo de sua qualidade sagrada quando assim realizado. Somente as
possessões podem permanecer autênticas, dependendo da qualidade dos tocadores e dos
intérpretes. Agora que estou começando a entender a complexidade do desdobramento do
ritual, estou mais do que nunca ansiosa para conhecê-lo em seu sentido verdadeiro, em
seu significado para o coletivo que constitui a sua própria comunidade.
Cada houngfor (ou templo) que abriga seus próprios deuses particulares é
diferente dos demais. Normalmente, o houngfor ou houngfors são anexados ao peristilo,
mas também podem estar separados. Enquanto as cores, adereços e símbolos dos deuses
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são padronizados, cada complexo houngfor-peristilo reflete o gosto e o estilo de seu


houngan ou mambo. O mesmo é verdadeiro no caso da condução das danças e cerimônias;
os passeios, as saudações, o tratamento dos possuídos, a resposta aos tocadores e colegas.
Apesar das seguidas promessas, esperei pela minha iniciação final para o grau de
mambo. Agora sei que tenho procurado ou esperado para vir até mim o guia que se
conformaria com meus próprios gostos pessoais em estilo e movimento. Sendo estes de
tal importância para meu estilo de vida geral, não me senti à vontade nestes anos sem ter
me confiado a alguém a quem eu me sentiria atraída a emular. Tendo encontrado tal
pessoa e, a seu pedido, iniciado as etapas finais de preparação, estou realmente feliz por
ter esperado e ansiosa pelos três meses de treinamento extenuante que precedem os oito
dias de isolamento no houngfor de André, onde as instruções finais serão batidas [tocadas]
em mim.
Eu não prevejo nenhuma mudança material ou externa em minha vida, mas tenho
certeza de uma mudança em meu ser, um entendimento mais profundo de mim mesma e
de minha relação com o mundo em que vivo, e uma maior maturidade. De agora em diante
haverá ação em vez de promessas, e eu estarei presente ao redor do poteau mitan como
membro de uma família estendida, e não como um espectadora.

Katherine Dunham (centro) em Stormy Weather, 19-43 (foto extraída de Katherine


Dunham: uma biografia, de Ruth Beckford, Marcell Dekker, Nova York, 1979.

Antes de tomar conhecimento da macumba, santeria e vodun como formas


altamente desenvolvidas de teatro popular, eu já havia começado a usar as formas e
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coreografias em meu próprio teatro de dança. A partir dos passos dos deuses, eu concebi
formas, exercícios e técnicas que mais tarde, filtradas através do balé clássico e outras
percepções, se tornaram a base para a Técnica Dunham. Este apego ao e o crescimento
do coletivo na sociedade primitiva e popular guiaram, mais do que qualquer outra
influência, as minhas expressões teatrais no sentido de expressões comunitárias e de
grupo.
Para uma bailarina, as danças do culto haitiano são, na superfície, bastante simples
e devem ser aprendidas através de uma exposição prolongada ou das lições concentradas
de um especialista. Ao desenvolver exercícios que mais tarde se tornaram a Técnica
Dunham, eu trabalharia estreitamente com os tocadores disponíveis. Como numa escola,
ensinamos batucada haitiana, cubana e brasileira, a partir das noções tiradas do que eu
pude gravar ou rememorar de experiências de primeira mão. Minha teoria da inter-relação
entre a forma e a função me serviu bem. Com o tempo e a experiência, tornou-se algo
natural para mim relacionar um ritmo, que em seu ambiente nativo teria sido usado para
estimular a adrenalina no baralhamento rápido dos pés e/ou nos tremores dos ombros,
com uma resultante excitação de movimentos agressivos, e até mesmo violentos. Os
detalhes desta relação entre forma e função são mais desenvolvidos em uma pequena
monografia ainda não publicada neste país.1
Em suma, é inconcebível para mim que qualquer forma de Arte Negra,
especialmente o teatro não-verbal, possa ser experimentado sem referência à fonte. E esta
referência não é apenas dos livros, ou do ponto de vista de um turista muito familiar ou
de um pesquisador ocasional. Uma vida entre as pessoas é essencial. Como povo, somos
ricos e complexos por trás de uma fachada simplista enganosa, holística, de modo que
nenhuma característica possa ser separada do complexo ao qual pertence. Nossa pesquisa
merece completa devoção, avaliação criteriosa e uma contribuição tão grande quanto
esperamos derivar dessas fontes folclóricas e primitivas.
Minha vida pessoal e teatral teria sido bem diferente sem a minha associação
íntima com a cultura da grande diáspora africana.
Até a próxima vez.
Reflexões e votos de felicidades.

1
Katherine Dunham, Danças do Haiti. México: Belles Artes, 1947.
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Katherine Dunham, Professor universitária


Diretora, Performing Arts Training Center Southern
Southern Illinois University
East St. Louis, Illinois

A Dança do Povo, de Eileen Nelson

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