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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PRPG


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL – PPGHB

NATÁLIA MARIA DA CONCEIÇÃO OLIVEIRA

A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO EM


CAMPO MAIOR – PI (1941-1971)

TERESINA – PI
2015
NATÁLIA MARIA DA CONCEIÇÃO OLIVEIRA

A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO EM


CAMPO MAIOR – PI (1941-1971)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História do Brasil, do Centro de
Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal
do Piauí, com vistas à obtenção do grau de mestre
em História do Brasil.

Orientadora: Profa. Dra. Alcília Afonso de


Albuquerque e Melo.

TERESINA – PI
2015
NATÁLIA MARIA DA CONCEIÇÃO OLIVEIRA

A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO EM


CAMPO MAIOR – PI (1941-1971)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História do Brasil, do Centro de
Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal
do Piauí, com vistas à obtenção do grau de mestre
em História do Brasil.

Aprovada em 25 de maio de 2015.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________
Profa. Dra. Alcília Afonso de Albuquerque e Melo – UFPI
Orientadora

___________________________________________________________________
Profa. Dr. Nivaldo Vieira de Andrade Junior – UFBA
Examinador Externo
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Cláudia Cristina da Silva Fontinelles – UFPI
Examinadora Interna

______________________________________________________________________
Prof. Dra. Juliana Lopes Aragão – UFPI
Suplente
Ao Monsenhor Mateus Cortez Rufino (in
memoriam), um padre jovem e movido por seu
tempo, que através de seus feitos na “Terra dos
carnaubais”, me apresentou um caminho, para
poder contar uma história da cidade de Campo
Maior- Piauí, no ano do centenário de seu
nascimento.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer ao ser Supremo que me deu o dom da vida e a graça de
todos os dias amanhecer pronta para enfrentar os obstáculos que a vida põe à minha frente,
sempre com o dom da sabedoria, para reconhecer que tudo é um propósito divino.
Ao Programa de Pós-Graduação em História do Brasil (PPGHB) da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), pela oportunidade de desenvolver esta pesquisa em nível de
mestrado acadêmico.
À CAPES, pela concessão da bolsa, que propiciou momentos de aprendizagem e o
desenvolvimento dessa pesquisa.
À minha orientadora, Profa. Dra. Alcília Afonso de Albuquerque e Melo, pela sua terna
paciência, atenção, disponibilidade, sugestões essenciais e por direcionar-me a uma disciplina
e organização não somente à vida acadêmica, mas para a existência como um todo. Nossos
encontros foram sempre grandes momentos de interdisciplinaridade.
Aos professores do PPGHB, pelas contribuições dadas e por terem contribuído para o
andamento dessa pesquisa, através das referências bibliográficas estudadas nas disciplinas
cursadas. Dentre eles, destaco Claudia Fontineles, Francisco Alcides Nascimento, Edwar
Castelo Branco, Solimar Lima e Teresinha Queiroz.
A todos os amigos do mestrado, pelo convívio e amizade. Em especial, ao trio: Mônica,
Paula e Mara; que, juntamente comigo, formaram um quarteto fantástico. Apesar da distância,
a nossa amizade persiste fundamentada na sinceridade e no carinho que sentimos umas pelas
outras. E ao Jaislan Honório, grande pesquisador, pela excelente convivência.
Não posso esquecer-me de agradecer aos que me ajudaram em meu crescimento
intelectual, aos grandes mestres de minha vida acadêmica, na Universidade Estadual do Piauí,
no Campus Heróis do Jenipapo. Em primazia, a Domingos Alves de Carvalho Junior, por
direcionar-me a uma pesquisa consistente, que me permitiu chegar até aqui. Aos meus outros
mestres: à Ana Célia; à Lucélia Narjera; à Ana Cristina; ao Clayton; ao Nadson; ao Stênio;
Jayra; à Epoleana. Todos colaboraram para o meu crescimento.
Aos meus queridos colegas de graduação, em especial a Cristovane Rodrigues, que
esteve ao meu lado desde o início desta pesquisa; e ao Raimundo Bitencourt, por ter
compartilhado comigo: fontes, referências, dúvidas e angústias, que nos inquietavam nesse
processo de escrita.
À minha mãe, Maria Bernadete da Silva Oliveira, pelo seu amor, cuidado, atenção,
carinho e, muitas vezes, até renúncias, que, juntamente com meus avós, Francisca Miranda,
Francisco Moreno e dona Chaga, ensinaram-me que a humildade e o caráter de uma pessoa
são marcas indeléveis que devem sempre estar à mostra em um ser humano. A meu pai,
Raimundo, pela vida, que, juntamente com minha mãe, proporcionou-me. À minha irmã
caçula, Rayra, que, para mim, é um modelo de força, coragem, maturidade e persistência, pois
quando se encontrou com sérios problemas na saúde, ao invés de esmorecer-se, deu uma lição
de vida para todos aqueles que, por efêmeros problemas, reclamam de suas mazelas.
Aos meus amigos externos, Aldenê Aragão, o qual sempre está ao meu lado. Leandro
Melo e Jefferson Costa, meus irmãos de coração. À Layane Saraiva, a qual não permitiu que
eu desistisse dos meus sonhos; À Socorro Ibiapina, pela sua prestimosidade em ajudar-me e
por tantas noites e horas dos feriados estar ao meu lado, realizando trabalhos científicos. A
estes, agradeço por compartilharem comigo momentos de tristezas e alegrias. Ao Flávio
Naylton, amigo que se empenhou com grande presteza para me ajudar na procura por fontes e
referências que embasassem esta pesquisa. A você, devo e dedico parte dessa escrita.
Ao meu amado amigo, Juscelino, a quem devo tantas coisas que parece impossível
enumerá-las. No entanto, quero agradecer-lhe por ter acreditado em mim e nesta pesquisa,
pois, mediante a isso, não mediu esforços para me oferecer caminhos para chegar até aqui.
Foram ajudas que ocorreram desde pequenas coisas até gestos de grande sacrifício. Obrigada,
meu querido amigo que aprendi amar e a considerar como meu irmão. Tenho certeza que um
dia estaremos voando muito alto, mas sem nos esquecer dos nossos sonhos imaginados e
planejados nas inúmeras madrugadas de estudo, no silêncio do Santa Mônica.
À Amanda e à Claudiene, pela convivência fraterna e divertida, juntamente com o
Juscelino formamos “uma família nada convencional”.
À Paróquia de Santo Antônio, na pessoa do Mons. Paulo Mateus, e de sua secretária,
Marta, por terem me permitido e ajudado a pesquisar os documentos primários lá existentes.
À Diocese de Campo Maior, na pessoa de Dom Eduardo Zielski, bispo de Campo
Maior, e de sua secretária, Diomar. A estes, devo o incentivo e apoio constantes a este
trabalho; além da credibilidade que depositam nestes escritos, permitindo que ela fundamente
a comemoração dos 300 anos da Paróquia Mãe desta Diocese.
Às minhas entrevistadas, que não se opuseram a ajudar e rememorar suas lembranças
para que minha pesquisa fosse efetuada com sucesso. À minha família catequese, que, mesmo
em meio a tantas dificuldades, sempre esteve ao meu lado. Sei que são muitos a quem devo
agradecer, por terem me ajudado a chegar ao alto desta escada, mas aqueles que não foram
citados por minha falha memória, quero agradecer sinceramente e dizer-lhes, humildemente,
muito obrigada!
“Cada indivíduo não pode esquecer-se
que só recordando os outros, de si
mesmo se recorda.”
Catroga.
RESUMO

Esta pesquisa constitui um estudo sobre a Igreja Catedral de Santo Antônio, da cidade de
Campo Maior – PI, das décadas de 1940 a 1970. Utilizou-se, como metodologia, a pesquisa
bibliográfica, a qual ofereceu respaldo aos questionamentos propostos; além disso, fez-se uso
do método da história oral e utilizaram-se, também, fontes documentais, hemerográficas e
iconográficas. Considerando a relevância desse período para a história da cidade e da Igreja
Católica em Campo Maior, o objetivo desse trabalho foi investigar a história da referida
Igreja, observando a interferência dela no cenário urbano e as transformações sofridas na
época. No tocante aos referenciais teóricos, destacam-se os autores piauienses, como Melo
(1983), Mott (2010) e Queiroz (2006), que deram respaldo à ideia de que a cidade em estudo
surgiu a partir da Igreja e como a sua demolição, em 1944, sofreu a influência da cera de
carnaúba. Além destes, autores como Catroga (2009), Le Goff (2003) e Ricoeur (2007)
permitiram o entendimento sobre o conceito de memória. Choay (2006) direcionou a um
entendimento deste templo como um monumento; e Lamas (2000), Kevin Lynch (1997),
Cullen (2006) e Aldo Rossi (1995) conduziram a uma visão da cidade não somente pelo viés
histórico, mas também arquitetônico. Os artefatos da modernidade começaram a ser
construídos por homens que viviam a euforia dos novos tempos. Dentre esses artefatos,
destacou-se o evento marcante de demolir e construir o espaço religioso católico, ficando a
cargo do jovem padre Mateus Cortez Rufino, que dirigiu a Paróquia de Santo Antônio por
trinta anos, período de estudo desta pesquisa. Esse sacerdote colocou um dos elementos
causadores do desenvolvimento urbano em paralelo com os anseios do mundo moderno. A
partir da análise das fontes, constatou-se a importância da Igreja de Santo Antônio para este
espaço citadino e para a construção da malha urbana, bem como para a composição da
paisagem da cidade, possibilitando o entendimento de que sua história está intrinsecamente
ligada à história da Religião Católica neste lugar e que, no período em estudo, o Pe. Mateus
intensificou essa ligação direcionando todos para um mesmo objetivo: construir o novo
templo católico da cidade.

Palavras-chave: História. Cidade. Arquitetura Religiosa.


ABSTRACT

This research is a study about the Santo Antonio Cathedral, in the city of Campo Maior - PI,
in the decades from 1940 to 1970. It was used as methodology, literature review, which
provides support to the proposed questions; moreover, it was made use of the method of oral
history and used, also, documentary, hemerographic and iconographic sources. Considering
the importance of this period to the city’s and the Catholic Church’s history in Campo Maior,
the aim of this study was to investigate the history of that church, noticing its interference in
the urban scenario and the transformations suffered at that time. With regard to theoretical
references, the Piauí authors stand out, as Melo (1983), Mott (2010) and Queiroz (2006), who
gave support to the idea that the city under study came from the Church and with its
demolition, in 1944, came under the influence of carnauba wax. In addition, authors like
Catroga (2009), Le Goff (2003) and Ricoeur (2007) allowed the understanding of the concept
of memory. Choay (2006) directed to an understanding of this temple as a monument; and
Lamas (2000), Kevin Lynch (1997), Cullen (2006) and Aldo Rossi (1995) led to a view of the
city not only by the historical bias, but also architectural. The artifacts of modernity began to
be built by men who lived the euphoria of the new times. Among these artifacts, we highlight
the outstanding event that was to demolish and build a Catholic religious space, leaving it to
the young priest Mateus Cortez Rufino, who led the Santo Antonio Parish for thirty years,
period of study of this research. This priest put one of the causative elements of urban
development in parallel with the desires of the modern world. From the analysis of the
sources, we realized the importance of Santo Antonio Church for this city space and for the
construction of the urban area, as well as to the composition of the city landscape, enabling
the understanding that its history is inextricably linked to the history of the Catholic Religion
in this place and that during the period under study, Father Mateus intensified this link
directing all towards the same goal: to build the new Catholic church in the city.

Keywords: History. City. Religious Architecture.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Folha de Carnaúba .............................................................................................. 23


Figura 02 – Localização de Campo Maior, Piauí, nordeste brasileiro ..................................... 26
Figura 03 – Rua Santo Antônio ............................................................................................... 27
Figura 04 – Igreja de Nossa Senhora da Vitória ...................................................................... 33
Figura 05 – Carnaúba ............................................................................................................... 39
Figura 06 – Centro antigo na primeira metade do século XX ................................................. 40
Figura 07 – Centro histórico de Campo Maior ........................................................................ 45
Figura 08 – Igreja de Santo Antônio........................................................................................ 48
Figura 09 – Quadro evolutivo da arquitetura religiosa no Piauí de influência jesuítica .......... 51
Figura 10 – Primeira igreja de Santo Antônio ......................................................................... 52
Figura 11 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário no século XIX ............................................ 54
Figura 12 – Padre Mateus Cortez Rufino ................................................................................ 55
Figura 13 – Igreja de Santo Antônio........................................................................................ 71
Figura 14 – Igreja de Santo Antônio ....................................................................................... 73
Figura 15 – Planta de cobertura ............................................................................................... 77
Figura 16 – Planta baixa .......................................................................................................... 77
Figura 17 – Vitral .................................................................................................................... 78
Figura 18 – Nave central ......................................................................................................... 80
Figura 19 – Perfil da Igreja de Santo Antônio ......................................................................... 80
Figura 20 – Igreja de Santo Antônio ...................................................................................... 82
Figura 21 – Sobrado ................................................................................................................ 83
Figura 22 – Mapa da cidade de Campo Maior ........................................................................ 84
Figura 23 – Núcleo central de Campo Maior .......................................................................... 91
Figura 24 – Vista da Praça Rui Barbosa por volta de 1940..................................................... 92
Figura 25 – Quadras em torno da Praça Matriz ....................................................................... 94
Figura 26 – Painel de arte da Praça Bona Primo ..................................................................... 96
Figura 27 – Painel de arte da Praça Bona Primo ..................................................................... 97
Figura 28 – Memorial da Praça Bona Primo .......................................................................... 97
Figura 29 – Memorial da Praça Bona Primo .......................................................................... 98
Figura 30 – Mapa da Praça Bona Primo .................................................................................. 99
Figura 31 – Câmara de vereadores ........................................................................................ 100
Figura 32 – Cinema ............................................................................................................... 102
Figura 33 – Casario Colonial................................................................................................. 104
Figura 34 – Sobrado .............................................................................................................. 105
Figura 35 – Perfil lateral preservado ..................................................................................... 105
Figura 36 – Perfil frontal descaracterizado ........................................................................... 106
Figura 37 – Perfil lateral descaracterizado ............................................................................ 106
Figura 38 – Prefeitura Municipal .......................................................................................... 107
Figura 39 – Mapa do entorno da Igreja de Santo Antônio .................................................... 108
Figura 40 – Antiga Zona de Prostituição............................................................................... 109
Figura 41 – Rua Santo Antônio ............................................................................................. 110
Figura 42 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário .................................................................. 113
Figura 43 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário .................................................................. 115
Figura 44 – Antiga delegacia ................................................................................................. 116
Figura 45 – Antigo Hospital São Vicente de Paula ............................................................... 116
Figura 46 – Capa da revista Maior Turismo .......................................................................... 120
Figura 47– Festejos de Santo Antônio .................................................................................. 121
Figura 48 – Imagem de Santo Antônio ................................................................................. 123
Figura 49 – Passeata no dia do vaqueiro ............................................................................... 128
Figura 50 – Vaqueiro ............................................................................................................. 129
Figura 51– Bonecas dos festejos de 2012 ............................................................................. 130
Figura 52 – Procissão de abertura dos festejos ...................................................................... 132
Figura 53 – Mastro de Santo Antônio ................................................................................... 133
Figura 54 – Fiéis de Santo Antônio ....................................................................................... 136
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1 “TERRA DOS CARNAUBAIS”: A INFLUÊNCIA DO GADO, DA CARNAÚBA
E DA RELIGIÃO CATÓLICA ............................................................................................. 23
1.1 LOCALIZAÇÃO DA CIDADE DE CAMPO MAIOR-PIAUÍ ......................................... 25
1.2 HISTÓRIA DA CIDADE DE CAMPO MAIOR ............................................................... 28
2 A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO ................................................................................... 48
2.1 PRIMEIRO MOMENTO: A ANTIGA IGREJA (1711-1944) ......................................... 51
2.2 SEGUNDO MOMENTO: A NOVA IGREJA (1941-1971) ............................................. 54
3 A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO E A CIDADE DE CAMPO MAIOR .................... 83
3.1 A IGREJA E O SEU ENTORNO IMEDIATO .................................................................. 90
3.2 ÁREA DE ABRANGÊNCIA EM TORNO DA IGREJA ............................................... 107
4 A IGREJA: SOCIABILIDADES NA PAISAGEM URBANA ...................................... 120
4.1 OS FESTEJOS DE SANTO ANTÔNIO .......................................................................... 122
4.2 CAMPO MAIOR EM FESTA: O TURISMO EM ALTA ............................................... 127
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 141
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 144
ANEXOS ............................................................................................................................... 149
13

INTRODUÇÃO

São muitas as formas de escrita da História nos dias atuais, as quais surgem a partir de
diferentes campos, temas, fontes e metodologias. Diante deste leque de possibilidades, este
trabalho optou por desenvolver a temática cidade, possuindo como objeto de estudo a Igreja
de Santo Antônio, matriz da cidade de Campo Maior – PI, no período de 1941 a 1971.
A Igreja aparece como protagonista, no entanto, é por meio dela que se apresenta a
cidade, os seus habitantes e fiéis, bem como a intrínseca relação existente entre este espaço
citadino e o templo católico. Este trabalho buscou apresentar como um interfere diretamente
no outro, pois o movimento urbano influenciou a Religião Católica, assim como a prática
religiosa influenciou a cidade.
Esta pesquisa tem como corte cronológico o período que vai de 1941 até 1971, período
em que ocorreram inúmeros fatos que propiciaram uma grande mudança na paisagem da
cidade, pois a antiga igreja foi demolida para que a atual fosse edificada. Nesse momento da
história, as cidades brasileiras, desde o fim do século XIX, vinham sofrendo reformas
urbanas, motivadas pelas ações modernizadoras. Assim, Campo Maior não ficou aquém, pois,
com o desenvolvimento da economia extrativista, especialmente da cera de carnaúba, iniciou-
se um processo de desenvolvimento, que provocou, em seus moradores, o que Rezende chama
de “sentimentos ditos progressistas”1.
Esse período foi marcado por ações governamentais que buscaram desenvolver a
cidade de Campo Maior, como por exemplo, as reformas realizadas nas praças públicas, a
construção de estabelecimentos de ensino, de bibliotecas, os serviços de limpeza pública, de
iluminação, a arborização dos logradouros, além do incentivo às várias formas de lazer:
teatro, cinema, clubes, futebol, festas religiosas. Esse desejo pelo progresso foi bastante
divulgado pelos jornais do período.
Este recorte temporal também se justifica pelo fato de que foi no ano de 1941 que
Padre Mateus Cortez Rufino chegou à cidade para administrar a Paróquia de Santo Antônio e
nela permaneceu até 1971. Durante a sua permanência na cidade, coordenou a demolição da
antiga igreja e a construção do novo templo religioso, além de ter contribuído para outras
mudanças significativas para este espaço urbano: a construção do colégio Patronato Nossa
Senhora de Lourdes, o incentivo à criação do Ginásio Santo Antônio, o apoio à implantação

1
REZENDE, Antônio Paulo. (Des) encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de XX. Recife:
FUNDARPE, 1997, p. 32.
14

do Hospital São Vicente de Paula, o estímulo à educação, através da casa dos estudantes e da
alfabetização de adultos.
Além dos trabalhos sociais, o sacerdote ainda empenhou-se em organizar as pastorais
da Paróquia. Com a sua chegada, muitos grupos religiosos foram criados e/ou ampliados.
Suas ações atingiram uma grande área, especialmente com as desobrigas, oportunidade que
ele aproveitou para organizar as comunidades rurais, que se tornariam cidades.
Sendo assim, este recorte temporal levou em consideração o ano da chegada do Padre
Mateus à cidade e o ano de sua saída da Paróquia de Santo Antônio, buscando perceber as
influências do sacerdote e a sua inter-relação com o cenário urbano de Campo Maior a partir
da Igreja de Santo Antônio.
Outro fator que influenciou a escolha deste recorte deu-se pelos vários movimentos de
renovação que estavam ocorrendo na Igreja Católica nesse período. Essas discussões
antecederam o Concílio Ecumênico Vaticano II. Nesse período, Campo Maior não esteve
aquém, pois, além da demolição da igreja, Pe. Mateus ainda realizou eventos na cidade,
Semana da Missa, em consonância com o momento que a Igreja vivenciava.
Deste modo, esta pesquisa tem como objetivo geral: investigar a história da igreja de
Santo Antônio em Campo Maior, observando a sua interferência no cenário urbano e as
transformações sofridas no período.
Os objetivos específicos desta pesquisa são: coletar dados sobre a história da Igreja de
Santo Antônio; compreender a relação existente entre a cidade e o templo; observar a
representação da igreja para a população da cidade; perceber as influências do Pe. Mateus no
cenário urbano; analisar a arquitetura do edifício.
Este trabalho justifica-se pelo fato de existirem poucas investigações que abordam
essas temáticas que analisam não somente a religiosidade do espaço, mas que consideram a
sua arquitetura e ressaltam a sua significância para a população, que interage com o espaço
físico. A igreja, além de ser um lugar de propriedade de uma instituição religiosa, também é
um bem tangível, imóvel, construído com tipologia institucional religiosa. Portanto, para
ajudar na compreensão da cidade de Campo Maior como capital da fé, não é possível percebê-
la somente como elemento religioso, mas como algo concreto que agrega valores e gera
significados.
São vários os trabalhos que existem sobre a cidade de Campo Maior, sejam eles
históricos, poéticos ou memorialistas. No entanto, a Igreja de Santo Antônio aparece como
secundária em meio a várias outras afirmações. Acredita-se que a importância dessa pesquisa
dá-se pelo seu ineditismo.
15

Diante disso, surgiu o anseio de apresentar a cidade a partir das interferências da


Religião Católica, especificamente através de seu espaço sagrado e de seu pároco. Para isso,
surgiram as seguintes perguntas norteadoras: qual a importância da Igreja Católica para a
história da cidade? De que forma ocorreu o movimento urbano nesse período, a partir da
Igreja de Santo Antônio? Qual a influência da Igreja na vida dos campo-maiorenses? E de que
forma Pe. Mateus interferiu no cenário urbano?
Para responder a essas questões, utilizaram-se como fontes de pesquisa documentos
primários, que se encontram no Arquivo Público do Estado do Piauí e no arquivo da Paróquia
de Santo Antônio. Por meio da análise desse acervo, verificou-se a grande manifestação
existente sobre o desenvolvimento da cidade de Campo Maior, bem como o perfil
“visionário” de Pe. Mateus.
Os jornais da época, bem como outros meios como: Almanaque da Parnaíba e
Almanaque do Cariri, quando se referem a esta cidade, destacam o seu desenvolvimento
econômico, social, cultural e religioso. Além disso, enfatizam a figura do sacerdote,
especialmente quando a notícia refere-se aos elementos que surgiram mediante seu esforço e
incentivo à população, como a construção da nova igreja e do Colégio Patronato Nossa
Senhora de Lourdes.
O livro de tombo paroquial foi de grande importância para esta pesquisa, tendo em vista
que o Padre Mateus transcreveu, com riqueza de detalhes, muitos fatos que ocorreram na
Paróquia enquanto ele permaneceu. Além disso, a fonte oral se mostrou muito importante para
esta investigação, sendo entendida como uma possibilidade de verificação associada aos
documentos escritos.
Com essa intenção, foram realizadas duas entrevistas temáticas, que consistiram em
perguntas relacionadas ao tema do trabalho, direcionadas as duas entrevistadas: Iracema Lima
Costa Santos e Maria da Conceição Gonçalves. Entretanto, utilizamos outras duas entrevistas
temáticas, realizadas no período da graduação em História, pela Universidade Estadual do
Piauí – UESPI. Foram entrevistadas: Ana Assunção Oliveira Cunha e Teresinha de Jesus
Costa (in memoriam). Todas elas vivenciaram o período pesquisado na cidade de Campo
Maior.
Diante dessa experiência de realizar uma entrevista, entende-se o que coloca Camargo a
respeito: “não era um pretexto para se recolher de alguém alguma informação interessante,
que às vezes, até podia ser imprecisa. A entrevista era uma forma de apropriação de um
processo mais amplo, que o ator conseguia transmitir, porque, junto com ele, trazia toda sua
16

vivência2”. Isso ficou perceptível, pois muitas vezes, através de uma experiência individual,
conseguiu-se compreender todo o processo.
Alberti também enfatiza as inúmeras possibilidades que uma entrevista pode apresentar.
Segundo ele, “não há dúvida de que a história oral permite o registro de uma quantidade
diversificada de narrativas de experiência de vida, viabilizando o acesso a visões de mundo e
a história de vida proveniente de diferentes grupos sociais.”3
Contudo, é preciso uma consciência de que a entrevista é um documento limitado como
qualquer documento e que também deve ser interpretado e questionado, para não ser tida
como verdade absoluta. Sobre isso, é interessante o que Camargo afirma: “As interpretações
que se pode dar sobre o passado, às vezes até se baseiam em trocas de datas, imprecisão nas
coisas, pode haver erros, mas nós ali definimos que o que nos interessa não é a entrevista
como documento absoluto”4.
Entretanto, além da imprecisão, outro problema que surge é o de interpretar a memória
como fato da história, e não como sua depositária. Para Portelli, esse é outro grande desafio
para quem utiliza a fonte oral: “E penso que parte de nosso desafio é o fato de que realmente
encaramos a memória não apenas como preservação da informação, mas também como sinal
de luta e como processo em andamento."5 Diante disso, percebeu-se a necessidade de
entender a entrevista como um desafio à pesquisa, e não como um problema.
O método utilizado no decorrer dessa pesquisa consistiu na conexão entre as fontes
orais, as fontes documentais e bibliográficas coletadas ao longo do processo de escrita. Isso
associado ao aporte teórico e às referências bibliográficas. Todavia, para a construção desse
trabalho também se fez uso da metodologia da arquitetura, de modo que, além de aportes
teóricos, utilizaram-se mapas, perfis e plantas da Igreja de Santo Antônio.
Este trabalho dialogou com diversos campos e autores, tendo como suportes autores
como Lemos (2004), arquiteto que nos traz discussões a respeito de patrimônio; Choay
(2006), filósofa francesa que traz questões sobre patrimônio e monumento; Aldo Rossi
(1995), autor italiano que destaca que a relação arquitetura e cidade é fundamental para a
análise do espaço urbano; Lamas (2000), autor português que apresenta a constituição do

2
CAMARGO, Aspásia. Como a História Oral chegou ao Brasil: entrevista com Aspásia Camargo por Maria
Celina d’ Araújo. História Oral. Revista da Associação Brasileira de História Oral. São Paulo, n. 2, jun. 1999,
p. 171.
3
ALBERTI. Verena. Ouvir contar: textos em História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 46.
4
CAMARGO, op. cit., p. 172.
5
PORTELLI, Alessandro. Memória e diálogo: desafios da História Oral para a ideologia do século XXI. In:
FERREIRA, Marieta de Moraes; FERNANDES, Tânia Maria; ALBERTI, Verena (Org.). História Oral:
desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2000. p. 69.
17

espaço urbano, através de seus edifícios; e Silva Filho (2007), que ajuda no entendimento da
arquitetura piauiense, em especial a de Campo Maior.
A Igreja de Santo Antônio pode ser vista, também, como um patrimônio.
Etimologicamente, patrimônio, significa “herança paterna”, na verdade, a riqueza comum que
herdamos como cidadãos e que vai se transmitindo de geração para geração. Diante disso,
utilizou-se a ideia de cultura citada por Pesavento (2008).
Para esta autora, a cultura é algo que incita a visão da realidade, por meio de símbolos:
“É uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja,
admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais que
se apresentam de forma cifrada, portanto já um significado e uma apreciação valorativa.”6
Sendo assim, associou-se cultura e patrimônio de uma forma que levou à percepção
dos monumentos como manifestações de uma sociedade que demonstra e testemunha fatos ao
longo dos anos. Como bens do patrimônio, os templos evocam a história passada de uma
comunidade que surge a partir do interesse social daquele tempo e que também se transforma,
correspondendo às expectativas de determinados grupos sociais. O Patrimônio Arquitetônico
Religioso de Campo Maior atrai e demonstra importância porque se tornou não apenas
símbolo da fé católica, mas da presença e manifestação de uma época que marcou o
município.
Além destes, Chartier (1990) incita sobre a discussão de que todo receptor é, na
verdade, um produtor de sentido; e toda leitura é um ato de apropriação. As significações
produzidas pelas diferentes leituras podem estar bem distantes da intenção ou do interesse do
autor da obra ou, nos casos dos bens patrimoniais, das significações e valores que os agentes
estatais autorizados lhe atribuíram enquanto patrimônio, de modo que a igreja será sempre
valorizada de forma diversa; por alguns, será por suas qualidades estéticas; para outros, por
ser um lugar de culto católico, como palcos de rituais e, ainda, para os turistas, como um dos
símbolos da cidade.
Diante disso, entende-se que os interesses sociais são o resultado de uma construção
simbólica e linguística e que toda e qualquer prática, seja ela qual for, está situada na ordem
do discurso. Segundo Chartier (2006), o objeto fundamental de uma história que visa
reconhecer a maneira pela qual os atores sociais dão sentido às suas práticas e aos seus
enunciados situa-se, portanto, na tensão entre, de um lado, as capacidades inventivas e, do
outro, as restrições e convenções que as limitam.

6
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 15.
18

Acerca de cidade, utilizou-se a ideia que afirma Rolnik (1995), pois, para ela, é uma
obra coletiva que resulta do trabalho articulado de muitos homens. O espaço urbano
contemporâneo se caracteriza pela velocidade da circulação de pessoas, mercadorias e capital.
Para a autora, além de continente das experiências humanas, a cidade é, também, um registro,
uma escrita, materialização de sua própria história. Essa imagem se associa à cidade de
Campo Maior, que é um registro não só para o entendimento de sua própria história, mas para
do estado do Piauí.
Ainda sobre essa temática, utilizou-se o pensamento de Calvino (2003), que apresenta
as diferenciações existentes entre os espaços urbanos, pois, para ele, a cidade de quem passa
sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais dali; uma é a cidade à qual
se chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para nunca mais retornar. Essas
distinções se enquadraram na cidade em estudo, especialmente quando se analisou a relação
da Igreja com a cidade, tendo em vista que essa associação provoca sentidos diversos.
Quanto à historiografia piauiense, utilizaram-se autores como Mott (2010), que
apresenta a história do Piauí no período colonial. Com base neste autor, pode-se perceber a
relevância da cidade de Campo Maior para o estado, desde a sua origem. Este permitiu,
também, o entendimento sobre a pecuária, que foi um dos elementos essenciais para o
desenvolvimento da cidade, e que até hoje influencia a cultura deste espaço citadino.
Outro autor piauiense utilizado foi Melo (1983; 1991?), que apresenta a história do
Piauí, permitindo um maior entendimento do contexto em que a antiga igreja de Santo
Antônio foi construída. Através de seus escritos, é possível associar o início do povoamento
de Campo Maior à construção de seu primeiro templo católico, bem como perceber a
importância da religião para a constituição e formação do cenário urbano.
Sobre o uso do método da história oral, Portelli (2010) apresenta a história como uma
narração dialógica que tem o passado como assunto e que brota do encontro de um sujeito que
ele chama de narrador; e de outro sujeito que ele chama de pesquisador. No entanto, ressalta
que o que torna realmente significativa a história oral é o esforço de estabelecer um diálogo
entre e para além das diferenças.
Sobre a relação entre memória e historiografia, utilizaram-se autores como Catroga
(2009). Com base nesse autor, foi possível compreender que, por mais esforços que façam, o
historiador não consegue se colocar “entre parênteses”, pois a época que vive possui nexos
com a memória e com o que dentro dela existe, é a presença do coletivo que impede o
pesquisador de agir como um ser transcendental.
19

Além deste autor, utilizou-se Le Goff (2003), que discute a respeito da importância da
memória para a construção da história. Contudo, preocupou-se para o que ele chama a
atenção, pois, para o autor, um trabalho que utiliza a memória coletiva deve se preocupar para
que ela “sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.”7
Com efeito, é esta memória que traz desejo por desvendar os significados históricos e
sociais dos monumentos, refazendo, desse modo, o passado em relação ao presente, pois o
patrimônio representa o passado de um povo, de uma comunidade, que muitas vezes assistiu
às suas construções e modificações, isso porque conserva a memória do que foi e do que é.
Assim, os vários indivíduos, na ânsia de reavivar o passado, fazem uso da memória contida
nas fotografias, nos lugares monumentais, como cemitérios e arquiteturas, recorrendo a estes
quando querem rememorar fatos que não presenciaram, mas que fazem parte da história do
meio em que vivem.
Outro autor que embasou a discussão sobre memória foi Ricoeur (2007), pois ele
entende a memória coletiva como “uma coletânea dos rastros deixados pelos acontecimentos
que afetaram o curso da história dos grupos envolvidos [...]”8. Essas lembranças geralmente
reaparecem por ocasião de ritos, festas e celebrações. Em Campo Maior, pode-se dizer que as
lembranças coletivas surgem fortemente no período dos festejos de Santo Antônio.
As representações são portadoras do simbólico, com a força que se dá pela capacidade
de mobilizar e produzir reconhecimento e legitimidade social do meio em que estão inseridas.
Não é pelo seu valor de verdade, pois, se a comunidade tomar determinada representação
como algo verdadeiro que dá sentido, não valerá de nada o surgimento de questionamentos a
respeito da correspondência dos discursos com o real; por isso, há tantas formas discursivas e
imagéticas em torno do passado.
Segundo Ricoeur (2007), “as lembranças de ter morado em tal casa de tal cidade ou de
ter viajado a tal parte do mundo são particularmente eloquentes e preciosas; elas tecem ao
mesmo tempo uma memória intima e uma memória compartilhada entre pessoas próximas”9.
Portanto, para proceder à leitura de uma época e, assim, poder compreender o poder
valorativo de um espaço que se apresenta como sagrado para diversas pessoas que o
respeitam, é preciso decifrar representações, pois indivíduos e grupos de uma sociedade dão
sentido ao mundo e ao espaço em que vivem, por meio das representações que eles próprios

7
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. ed. Trad. de Bernardo Leitão. Campinas – SP: UNICAMP, 2003. p.
471.
8
RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas, SP: UNICAMP, 2007. p. 129.
9
RICOEUR, op. cit., 157.
20

constroem sobre a realidade. Estas pessoas são portadoras de um imenso valor simbólico, pois
atraem com grande força produtora de legitimidade daquilo em que se crê.
Para melhor sintetizar as análises sobre a Igreja de Santo Antônio em Campo Maior-
PI, nas décadas de 1940 a 1970, optou-se por dividir este trabalho em quatro capítulos, assim
intitulados: “Terra dos carnaubais”: a influência do gado, da carnaúba e da Religião Católica;
A Igreja de Santo Antônio; A Igreja de Santo Antônio e a cidade de Campo Maior; A Igreja:
sociabilidades na paisagem urbana.
No primeiro capítulo, “‘Terra dos carnaubais’: a influência do gado, da carnaúba e da
Religião Católica”, é apresentado um panorama sobre Campo Maior, destacando a sua
localização, bem como seus aspectos econômicos, sociais e culturais.
No segundo tópico do capítulo, é exposto um pouco da história da cidade de Campo
Maior, destacando o seu desenvolvimento urbano. Este item abordou três elementos
marcantes na constituição deste lugar: a pecuária, a carnaúba e a Religião Católica.
A priori, enfatizou-se a pecuária, a partir das fazendas de gado, que deram origem a
este espaço citadino. Essa exposição fez-se necessária devido ao fato de ter sido em uma
fazenda, de propriedade de um português, que o primeiro templo católico desta cidade foi
erigido. A Igreja de Santo Antônio foi construída com os recursos oferecidos por Bernardo de
Carvalho Aguiar e com o trabalho de seus agregados. Além disso, essa prática econômica
permanece com grande vitalidade na economia campo-maiorense.
Em seguida, ressaltou-se a prática econômica da extração da cera de carnaúba. Este
elemento é bastante marcante na paisagem natural da cidade; e essa prática propiciou ao
município um grande desenvolvimento econômico. Partindo dessa perspectiva, associa-se a
essa fonte de renda o impulso dado para o empreendimento da demolição e construção da
nova Igreja de Santo Antônio.
Posteriormente, discutiu-se sobre a influência da Religião Católica, desde o
surgimento da cidade, tendo em vista que ela veio a tornar-se vila devido ao fato de ser a sede
da Freguesia de Santo Antônio do Surubim. Além disso, abordaram-se as influências do
cenário internacional e nacional religioso nas ações do sacerdote responsável pela paróquia,
haja vista que, no primeiro momento da história religiosa da cidade, a Igreja agia sob as
determinações do Concílio de Trento e, no segundo momento, atuava diante de um contexto
de renovação, que será concretizado com o Concílio Ecumênico Vaticano II. Nesse contexto,
destaca-se Pe. Mateus, que atuou neste espaço urbano durante o período em que a Igreja se
renovava.
21

No capítulo “A Igreja de Santo Antônio”, foi analisada a história da Igreja, dividindo-a


em dois momentos: a antiga igreja (1711-1944) e o novo templo (1941-1971). O primeiro
item destacou o processo de construção do primeiro templo católico da cidade. Além disso,
realizou-se uma análise arquitetônica do espaço sagrado, associando-a a outras igrejas
piauiense, que sofreram a mesma influência, inclusive a segunda igreja da cidade: a Igreja de
Nossa Senhora do Rosário.
O segundo tópico apontou questões mais amplas, tendo em vista que é no seu
desenvolvimento que há um entendimento mais concreto do recorte temporal. O primeiro fato
a ser destacado é a chegada de Padre Mateus Cortez Rufino à cidade de Campo Maior, em
1941. A partir desse momento, inúmeros acontecimentos que sucederam permitiram a
“aceitação” do projeto de demolir a antiga igreja e erguer-se uma nova, que correspondesse
aos novos anseios da cidade e da Religião.
O texto desenvolveu-se apresentando o percurso que marcou esse projeto. Além disso,
colocou-se a forte atuação do sacerdote no espaço urbano. Isso foi possível à medida que a
ação adquiria forma. Pe. Mateus passou a atuar em praticamente todos os setores da cidade:
educação, saúde, política, imprensa, entre outras.
No final deste capítulo, fez-se uma análise arquitetônica desse espaço católico.
Percebendo em cada elemento, um significado que refletia uma época.
No terceiro capítulo, “A Igreja de Santo Antônio e a cidade de Campo Maior”,
realizou-se uma associação do templo católico à cidade que o abriga. Para isso, dividiu-se o
texto em duas seções, uma que abordou a Igreja e o seu entorno imediato; e outra que
destacou a área de abrangência em torno do espaço religioso.
Na primeira parte, analisaram-se, histórica e arquitetonicamente, os espaços que
dialogam diretamente com o objeto de estudo. Foram eles: a Praça Rui Barbosa; a Praça Bona
Primo; a Câmara de Vereadores (antigo clube de festas); o antigo cinema; e o casario colonial.
No segundo tópico, ressaltou-se que a Igreja de Santo Antônio, pela relevância que
possuía, não dialogava somente com o seu entorno imediato, mas com uma área muito mais
ampla. Entretanto, esse estudo destacou quatro espaços: a Rua Santo Antônio (antiga zona de
prostituição); a Igreja de Nossa Senhora do Rosário; o antigo Hospital São Vicente de Paula;
e a antiga delegacia da cidade.
Por fim, o capítulo intitulado “A Igreja: sociabilidades na paisagem urbana”
apresentou a movimentação dos habitantes de Campo Maior, motivados por uma
comemoração religiosa, que é considerada uma das maiores do estado: os festejos de Santo
Antônio.
22

Esta festividade foi apresentada levando em consideração a sua evolução e a sua


importância não somente religiosa, mas econômica, social e cultural. Além disso, destacou-se
como ela tem grande importância para o turismo deste espaço urbano.
Outros elementos destacados foram as figuras que a compõe: “mordomos”,
“noitantes”, “bonecas”, “padrinhos”. Além destes, apresentaram-se os rituais que acontecem
nesse período de festa: procissões, trezenas, missas diárias e alvoradas.
Sendo assim, partindo da interferência da Igreja de Santo Antônio na cidade de Campo
Maior, buscou-se, através dos escritos, embarcar em uma viagem que permitisse a
compreensão da intrínseca relação existente entre esse espaço citadino e a sua igreja Matriz.
23

1 “TERRA DOS CARNAUBAIS”: A INFLUÊNCIA DO GADO, DA CARNAÚBA E


DA RELIGIÃO CATÓLICA

No primeiro capítulo, serão discutidos


aspectos históricos, geográficos e culturais
da cidade de Campo Maior – PI, localizada
no centro-norte do estado, a 84 km da
capital, Teresina, destacando a participação
da Igreja Católica, proprietária do primeiro
templo religioso da cidade, a Igreja de Santo
Antônio, e ressaltando a participação deste
templo na formação e desenvolvimento
urbano.

Figura 01 – Folha de Carnaúba


Fonte: Marques (2015)
24

1 “TERRA DOS CARNAUBAIS”: A INFLUÊNCIA DO GADO, DA CARNAÚBA E


DA RELIGIÃO CATÓLICA

Este primeiro capítulo anseia apresentar alguns elementos da história da cidade de


Campo Maior- Piauí, destacando no seu processo de formação alguns elementos peculiares de
sua trajetória, dentre eles a pecuária, a carnaúba e a sua religiosidade influenciada pela
atuação da Igreja Católica, com o seu projeto de evangelização nas novas terras conquistadas
pelo colonizador português.
Partindo dessa perspectiva, percebe-se a cidade em estudo como um palco de grandes
acontecimentos que marcaram e transformaram épocas. Com isso, surge o desejo de conhecer
e valorizar a sua história, tendo em vista que o município possui uma população com forte
religiosidade popular, incentivada desde o seu surgimento.
Abordar essas temáticas permite o descobrimento de como se deu a constituição do
patrimônio material em estudo, a igreja de Santo Antônio, direcionando ao conhecimento da
arquitetura religiosa que a sociedade oferece, proporcionando, aos seus moradores, uma
conscientização a respeito da importância de seu partido arquitetônico.
Para isso, deve-se, então, garantir a compreensão da memória, preservando o que for
significativo dentro do vasto repertório de elementos que é apresentado em uma cidade, que é
um bem de um povo e, além disso, é um “artefato que pulsa, que vive, que permanentemente
se transforma, se autodevora e expande em novos tecidos recriados”10. Essa transformação
ocorreu em Campo Maior ao longo de sua história e junto a ela, a Religião Católica sofreu
modificações, bem como seus espaços, para o culto divino.
Partindo desse pressuposto, busca-se dar um maior destaque a Campo Maior, uma das
cidades com relevância histórica do Estado, devido a sua atuação em movimentos, como a
Batalha do Jenipapo, além das diversas riquezas históricas (monumentos, museus, templos,
fazendas, casarões, dentre outras) que apresentam, de forma material, o patrimônio histórico-
cultural de uma população, marcada pela trajetória de homens e mulheres atuantes na história
de sua cidade e Estado.
Segundo Monsenhor Chaves11, “não há na história da independência do Brasil uma
página mais épica, mais emocionante do que a que escreveram, com sangue e bravura, aqueles
homens, no dia 13 de março de 1823, nas margens do Jenipapo”. Há inúmeras discussões

10
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. O que é patrimônio histórico. 5.ed. São Paulo: Brasilense, 2004. p. 47.
11
CHAVES, Monsenhor Joaquim. O Piauí nas lutas da Independência do Brasil. Teresina: Alínea Publicações,
2005. p. 81.
25

acerca deste fato, no entanto, é certo que ele propiciou ao município um grande
reconhecimento por parte das autoridades civis e também de sua população. Esse prestígio
possibilitou até a construção de um grande monumento em homenagem a esta Batalha, além
de permitir o crescimento da devoção às almas dos “heróis” que morreram às margens do
Jenipapo.
De origem agropastoril, Campo Maior é uma cidade conhecida pela atuação das pessoas
que ajudaram a edificar a sua materialidade e que, ao longo de sua história, vem sendo
registrada. Apresenta, ainda, uma espécie de patrimônio religioso que incita discussões, pois
leva a compreender não só as transformações enquanto freguesia, vila e município, mas como
espaços de sociabilidades que suscitam, na população, uma apropriação de identidade
religiosa.
Dentro desta perspectiva, observa-se um imenso arcabouço para que haja um diálogo
entre a história da cidade de Campo Maior e a igreja de Santo Antônio, pois são muitas as
representações e apropriações que a população faz deste espaço sacralizado, repleto de
significados para todos que compõem esta sociedade, seja de aceitação ou repúdio. É notável
que, de alguma forma, o templo católico em estudo suscita sentidos e emoções para os campo-
maiorenses e vários outros piauienses.
Para o entendimento da forte influência da religião Católica na cidade de Campo
Maior, faz-se necessárias algumas observações acerca de seu passado. Tendo em vista que o
surgimento de uma nestas terras está intrinsecamente ligada à outra.
Acredita-se que, estas observações iniciais fazem-se necessárias, devido aos capítulos
que se seguem, destacando a igreja de Santo Antônio como elemento essencial para a gênese
campo-maiorense, bem como, para a sua situação atual. Tendo em vista que além de estimular
a economia da cidade, através dos festejos de Santo Antônio, ainda centraliza várias cidades
em torno da Diocese de Campo Maior, proporcionando aos campo-maiorenses uma forte
religiosidade.

1.1 LOCALIZAÇÃO DA CIDADE DE CAMPO MAIOR – PIAUÍ

A cidade de Campo Maior, está localizada no centro-norte do estado do Piauí, nordeste


do Brasil, a 84 km da capital Teresina. É formada por uma população aproximada de 50.000
mil habitantes, possuindo um clima tropical que favorece sua economia, baseada no comércio,
26

na agricultura, no extrativismo, principalmente da carnaúba e na pecuária, com um potencial


para a caprino e a ovinocultura.12
Ela possui uma latitude de 04º 49’40’’ sul e longitude 42º 10’ 07’’ oeste, uma altitude
de 125 metros, e é formada por uma área de 1.699,383 km², possuindo como taxa de
densidade demográfica de aproximadamente 24,4 hab./ km².13
O município é polo da microrregião de Campo Maior (Figura 02). Ele limita-se com os
seguintes municípios: Coivaras, Altos, Cabeceiras do Piauí, Cocal de Telha, Jatobá, Nossa
Senhora de Nazaré, Sigefredo Pacheco, Juazeiro do Piauí e José de Freitas. Como pode ser
observado na figura abaixo.

Figura 02 – Localização de Campo Maior, Piauí, nordeste brasileiro.


Fonte: Afonso (2014).

A cidade tem, no seu espaço geográfico, os rios temporários Jenipapo, Longá e


Surubim. Destacam-se, ainda, os riachos Longazinho, Pontilhão, Quebrado, Pintadas e
Salubre.
A economia da cidade é dependente do comércio e da produção agrícola, destacando a
lavoura de grãos, a criação de gado e a exploração da carnaúba. A produção e a seleção dos
produtos dependem das condições do solo e do clima, especialmente do período chuvoso. Na
lavoura destacam- se milho, feijão, arroz e mandioca.
A parte folclórica do município de Campo Maior tem suas principais manifestações
através de tradicionais danças, como: São Gonçalo, de 24 de dezembro a 06 de janeiro;
Reisados, mesmo período dos festejos de São Gonçalo; Marujos ou Marujadas, de 23 de
dezembro a 01 de janeiro, sendo que esta prática encontra-se quase extinta; em junho, as

12
INSTITUTO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Sítios históricos de Campo Maior e Pedro II. Dossiê
para proteção. v. 1. 2008. [s.p.]
13
INSTITUTO. Op. cit.
27

festas de São João são bastante apreciadas, devido às músicas entoadas durante os folguedos e
os trajes típicos usados pelos componentes dos grupos de danças que atuam em toda a cidade
nesse período.
No entanto, a festa marcante e tradicional da cidade são os festejos do padroeiro do
município, Santo Antônio, que acontecem de 31 de maio a 13 de junho, período em que são
realizadas as trezenas14. O destaque desses festejos se dá pela grande influência religiosa,
social, econômica e cultural que possui sobre a cidade.
A Praça Bona Primo, onde fica a Igreja Matriz de Santo Antônio, durante esse período
torna-se o principal espaço de sociabilidade da cidade, ambiente por onde as pessoas circulam
e depositam seus olhares sobre a cidade, seus transeuntes e seus lazeres.
Um fato que chama atenção é que, próximo da igreja matriz, ficam localizados alguns
“prostíbulos” que ainda resistem ao tempo, fazendo com que a população não se esqueça dos
tempos áureos da prostituição em Campo Maior, quando a Rua Santo Antônio, era um dos
pontos mais frequentados da cidade.

Figura 03 – Rua Santo Antônio


Fonte: Silva Filho (2007)

O que há de peculiar nesse fato é que esta zona de prostituição (Figura 03), se
constituiu no centro da cidade, próximo da igreja e das principais praças da cidade: Bona
Primo e Rui Barbosa. Era uma rua com o nome do padroeiro da cidade, mas que possuía outra
identificação e era conhecida como “zona planetária” e “zona das virtudes”, pois, nas portas
dos prostíbulos, havia nome de planetas e de virtudes.

14
São os dias consecutivos de orações e celebrações, em honra a um Santo, ela antecede e prepara para a festa.
28

1.2 HISTÓRIA DA CIDADE DE CAMPO MAIOR

O Piauí tem suas primícias nas fazendas de gado que “definiram a forma de ocupação
do solo e a distribuição dos colonizadores ao longo do sertão piauiense [...]”15. Sendo uma
região que tem, em sua unidade de conquista e povoamento, a fazenda de gado, que fez com
que toda a sua vida socioeconômica estivesse intrinsecamente ligada à pecuária extensiva, os
piauienses tinham certo descaso pela agricultura devido às questões naturais e à excelência
que eles atribuíam à pecuária.
Segundo Chaves16, “o boi era a nossa riqueza. Nossa rica mercadoria eram os
rebanhos”. A economia piauiense tinha suas rendas oriundas da pecuária, tendo em vista que a
agricultura tinha um papel subsidiário. E foi essa riqueza um dos fatores que provocaram o
surgimento do vale do Longá, como alvo promissor de muitos que palmilharam todo o
território em busca de firmarem suas atividades econômicas.
Por conta do clima e pelo fato de os rios serem perenes, os latifúndios surgiram de
forma grandiosas e distantes um dos outros. Segundo Mott17, a fazenda de gado foi o germe
do povoamento dessa região. Muitos grupos vieram oriundos, em especial, dos territórios que
correspondem ao Maranhão, Bahia e Pernambuco, visando às vastas chapadas para serem
utilizadas na base da economia da época – a pecuária.
A Casa da Torre, quando percebeu o povoamento do norte piauiense, tratou de enviar
várias pessoas. A fortaleza de Garcia d’Ávila, existente no norte da Bahia desde 1551, foi
responsável pela conquista e povoamento de terras, que despontavam desde o sertão baiano
até às margens do rio Parnaíba.
Acredita-se que foi nessa leva que Bernardo da Carvalho Aguiar surgiu e participou
avidamente da pacificação do Norte e de sua fazenda Bitorocara, fazendo com que todos os
currais daquela região começassem a convergir. Ele lutou fortemente para que o Piauí fosse
vinculado ao Maranhão e se desmembrasse do poderio da Casa da Torre.
A família Carvalho, juntamente com a Castelo Branco, faz parte da história das
ocupações da região dos carnaubais “[...] Os nomes e procedências dos seus cidadãos nos
mostram que foi a povoação mais portuguesa da capitania. Foi a única que teve fidalgos

15
MOTT, L. Piauí Colonial: população, economia e sociedade. 2. ed., v 8. Teresina: APL- FUNDAC- DETRAN
2010. p. 54.
16
CHAVES, Monsenhor Joaquim. O Piauí nas lutas da Independência do Brasil. Teresina: Alínea Publicações,
2005. p. 28.
17
MOTT, op. cit.
29

vivendo em uma fidalguia [...]”18. Essa característica será mantida por várias gerações
fazendo com que Campo Maior tivesse muitos de seus habitantes no cenário estadual e até
nacional. Pode-se citar o historiador Pe. Cláudio Melo, Mons. Joaquim Chaves, o senador
Sigefredo Pacheco, o General Cândido Borges Castelo Branco, pai do Marechal Castelo
Branco, dentre outros campo-maiorense que divulgaram a existência e importância da terra
dos carnaubais.
Franco19 também destaca essa característica inicial de Campo Maior, afirmando que
desde a sua fundação estabeleceu-se em suas terras pessoas, vindas de Portugal para fundar
fazendas, “dando origem a certa fidalguia, com hábitos e maneiras de civilização europeia”.
Este fato terá grande influência na organização desse espaço, uma delas será a escolha do
santo padroeiro da Freguesia, Santo Antônio de Pádua, que mais tarde seria instalada.
Entretanto, há um embate quanto à origem da cidade de Campo Maior, envolvendo
essas duas famílias, pois para alguns historiadores como Pe. Cláudio Melo, Campo Maior
surgiu a partir de Bitorocara, fazenda de propriedade da família Carvalho, entre 1680 e 1690.
Para outros, como o IBGE, ela surgiu a partir dos esforços da família Castelo Branco,
especialmente de Dom Francisco da Cunha Castelo Branco, depois de 1693.
Todavia, esta pesquisa não entrará nesta seara mas, destacará o papel do português
Bernardo de Carvalho e Aguiar, no processo de construção da primeira igreja de Santo
Antônio, que mais tarde propiciou a instalação da Freguesia de Santo Antônio do Surubim.
Bernardo de Carvalho e Aguiar nasceu em Portugal, na Vila Pouca de Aguiar, em
meados do século XVII. A ele foram atribuídos a fundação dos municípios de São Miguel do
Tapuio, Campo Maior e São Bernardo (MA), e a idealização da cidade de Caxias. Foi um
grande proprietário de fazendas, dentre elas Bitorocara, que, segundo alguns historiadores,
teria sido a origem da cidade de Campo Maior.
Este fazendeiro destacou-se por ser um grande incentivador das construções de igrejas,
especialmente na antiga capital, Oeiras, e em Campo Maior. Acredita-se que este tenha sido
um dos motivos para que ele recebesse o Hábito de Cristo, uma das mais altas honrarias da
época.
Bernardo foi um Mestre de Campo, prestou inúmeros serviços a Portugal, ao Brasil, ao
Maranhão e ao Piauí, atuou em missões oficiais e em campanhas militares, acompanhou
padres em suas desobrigas, dentre muitos outros serviços que empregou seu labor. No

18
MELO, C. Os primórdios de Nossa História. Teresina: [s. n.], 1983. p. 97.
19
FRANCO, José Patrício. O Munícipio no Piauí-1761 a 1961. Edição comemorativa dos 125 da Fundação de
Teresina. Teresina. p. 30.
30

entanto, os pesquisadores como, por exemplo, Elmar Carvalho, apresentam que ele teria
falecido em 1730, em São Bernardo (MA), pobre e endividado.
No entanto, a história religiosa de Campo Maior tem seu início anterior a Bernardo de
Carvalho, para Melo20 ela surgiu a partir dos primeiros contatos com os missionários da
Ibiapaba, que mantiveram aproximação com os grupos silvícolas, Potis e Longá. Para
Franco21, “os padres jesuítas, os párocos e as missões religiosas deram os passos iniciais no
caminho da organização da vila”. Estes grupos religiosos tiveram grande papel no processo de
organização e colonização das terras comandadas pelos portugueses.
É marcante nas pesquisas quanto à formação histórica do Piauí, o papel exercido pela
forte presença dos missionários franciscanos e jesuítas22, pois estes foram responsáveis pela
evangelização e catequese que deveriam ser prestadas aos colonos. Segundo Pinheiro, a Igreja
Católica confiou aos missionários a tarefa de expandir a fé católica em todo o território
conquistado, e o Piauí foi um dos espaços que foram foco da evangelização promovida pelos
religiosos.

No Piauí, a atuação da Igreja Católica nos séculos XVII e XVIII precedeu a


constituição das vilas e cidades, antes da instalação oficial da Capitania de
São José do Piauí, os missionários já pregavam aos índios e faziam
desobrigas, percorrendo o sertão e administrando os sacramentos, quando as
fazendas aqui foram fixadas23.

Desde a ação dos jesuítas da Serra da Ibiapaba, que as práticas religiosas tornaram
intimamente ligados à Religião e o homem do sertão piauiense que, distante de tudo,
conseguiu sorver algumas questões culturais que envolviam o país. “A religião foi, assim, o
elo de unidade cultural do sertão”24. E em Campo Maior isso não foi diferente, pois através
dela a região assumiu uma identidade cultural que os identifica até os dias atuais, mesmo que
exista as mudanças de cada época.
Segundo Melo,25 os jesuítas tinham o hábito de levantar capelas feitas de taipa e
cobertas de palha por onde passavam. Pode-se, portanto, supor que estes homens, em suas

20
MELO, C. Fé e Civilização. Teresina: [s. n.], [1991?].
21
FRANCO, José Patrício. O Munícipio no Piauí-1761 a 1961. Edição comemorativa dos 125 da Fundação de
Teresina. Teresina. p. 31.
22
A companhia de Jesus foi fundada por Santo Inácio de Loyola, que obtivera a aprovação do papa Paulo III,
com a Bula Regiminis militantes Ecclesiae, de 27/07/1540, e mais tarde a convite de Dom João III viriam em
missão para o Brasil.
23
PINHEIRO, Áurea da Paz. Senhores de seu ofício: arte santeira do Piauí. Teresina: Superintendência do Iphan
no Piauí, 2009. p. 21-22.
24
SILVA FILHO, O. P. da. Carnaúba, pedra e barro na capitania de São José do Piauhy. v. 2. Belo Horizonte.
2007. p. 308.
25
MELO, op. cit. p. 44.
31

desobrigas, deram, ao Surubim, um lugar para que pudessem dedicar suas preces e realizarem
seus cultos divinos.
Isso se deu, segundo Melo26, a partir de 1658. Sob a jurisdição de Olinda – PE,
acredita-se que tornou-se Freguesia de Santo Antônio do Surubim em 1715, devido às várias
insistências do Padre Tomé de Carvalho, vigário da Mocha, tido também por muitos, como
um grande construtor de diversas igrejas do Piauí.
É importante destacar as várias controvérsias que existem a respeito da data de criação
da Freguesia de Santo Antônio do Surubim, o historiador e padre Cláudio Melo deixa
subentendido que ela teria sido criada em um período próximo a 1711. Outros afirmam que
ela foi instalada em 1713. Entretanto, esta pesquisa tem como base a data adotada pela
Diocese de Campo Maior- Piauí, que é o ano de 1715. A diocese se fundamenta no Anuário
Católico, livro que contêm nome e ano de fundação de todas as paróquias e dioceses do
Brasil. Dessa maneira, o que se anseia destacar é a importância desta freguesia para a região,
que mais tarde viria a ser vila, e posteriormente, cidade de Campo Maior, tendo em vista o
valor destas, assim como destaca Patrício Franco:

[...] Até então, as freguesias criadas eram a única forma de organização dos
moradores, e delas, já com capelas, igrejas, se originaram os primeiros
municípios, sem que este fato significasse algum processo propriamente
comunitário. Ocorria que no Piauí, inteiramente rural, era singularmente
povoado nas fazendas, onde residiam os fazendeiros, que mantinham na
povoação casas apenas para os dias em que ali passavam, no período de
festividades religiosas.27

No período colonial, construíam-se várias igrejas para abrigarem as imagens cultuadas


pelos colonizadores e pelos povos catequizados. Com o decorrer dos anos, esses lugares
transformavam-se em arraiais, posteriormente núcleos habitacionais. Os templos revelaram-se
ferramentas para a extensão da vida religiosa da Europa Católica. E isso também ocorreu na
terra dos carnaubais, proporcionando a existência de um ponto de apoio e de expansão da fé
católica nessa região.
Para Franco, “A igreja, erigida junto aos currais, foi, no Piauí, o marco inicial da
criação dos municípios; a freguesia foi a primeira organização da vida municipal”. Ao
analisar esse fato percebe-se o processo, primeiramente a construção do templo religioso,
posteriormente, a instalação da freguesia e algum tempo depois, a criação da vila.

26
MELO, C. Fé e Civilização. Teresina: [s. n.]. [1991?].
27
FRANCO, José Patrício. O Município no Piauí-1761 a 1961. Edição comemorativa dos 125 da Fundação de
Teresina. Teresina. p. 27.
32

As igrejas construídas, principalmente nas fazendas de gado, tornavam-se centros de


devoção que tornava possível a expressão de fé dos colonos, mas também servia de lugar de
encontro para os moradores da região, provocando laços sociais, que eram propiciadas quando
rezavam os terços, comemoravam o dia do padroeiro e anteriormente faziam novenas e até
mesmo, quando se reuniam para os velórios.
No processo de construção da igreja de Santo Antônio e na instalação da freguesia, é
preciso destacar a figura de Padre Tomé de Carvalho. Segundo Odilon Nunes28, ele foi o
cofundador da capela de Nossa Senhora da Vitória, em Oeiras, além disso, também ajudou a
levantar alguns curatos e igrejas, distribuídos pelas ribeiras mais populosas. Eram cinco afora
Mocha: Santo Antônio do Surubim, Longá, Piracuruca, Gurgueia e Parnaguá.
Outro historiador que também apresenta a importância do Padre Tomé de Carvalho
para a construção da capela, que mais tarde viria a ser a igreja de Santo Antônio do Surubim,
é padre Cláudio Melo, pois, segundo o autor, foi por meio de sua insistência com os populares
e, posteriormente, com o fazendeiro Bernardo Aguiar que a construção da igreja tornou-se
possível. No entanto o historiador não apresenta nenhum vínculo familiar entre o sacerdote e
o fazendeiro, apesar de possuírem o sobrenome em comum. Apenas destaca a prontidão do
fazendeiro em atender ao pedido do vigário da Mocha.

[...] o Pe. Tomé de Carvalho reuniu em Bitorocara, Arraial de Bernardo de


Carvalho, os principais cidadãos da redondeza para decidirem o local e
construção da Matriz da nova freguesia que teria por Padroeiro o glorioso
Santo Antônio. [...] E, com efeito, fez a Capela a sua custa, tanto de
escravos, como gados, farinha e dinheiro [...]29.

A população da região concordou com a proposição do sacerdote, mas mostrou-se


impossibilitada de colaborar com tal façanha. Então, o padre Tomé de Carvalho apelou ao
coronel Bernardo de Carvalho que, prontamente, afirmou que assumiria a construção da
capela, utilizando-se de seus bens para isso. Acredita-se que, a capela foi, então, inaugurada
em 171230 e teve, como primeiro pároco, o padre Antônio Rodrigues da Silva. Esta casa de
oração presenciou fatos memoráveis da história campo-maiorense.
Bernardo de Carvalho Aguiar já possuía o hábito de colaborar com a construção de
igrejas, por isso, quando incitado a ajudar na construção da Igreja de Santo Antônio, mostrou-
se tão solícito. Ele também contribuiu de modo significativo para a edificação da primeira e

28
NUNES, Odilon. Pesquisa para a história do Piauí. v. 1 Teresina: FUNDAPI; Fundação Mons. Chaves, 2007.
29
MELO, C. Fé e Civilização. Teresina: [s/n]. [1991?]. p. 47.
30
Esta data é defendida pelos membros da Academia Campo-maiorense de Artes e Letras- ACALE.
33

da segunda igreja da Mocha (Oeiras): igreja de Nossa Senhora da Vitória (Figura 04) e de
Nossa Senhora do Rosário.

Figura 04 – Igreja de Nossa Senhora da Vitória


Fonte: Silva Filho (2007)

Segundo Elmar Carvalho31, ele ainda colaborou com a construção da matriz de São
Francisco da Barra do Rio Grande, da construção das igrejas dos aldeamentos que
empreendeu, da construção da primeira capela de São Bernardo (MA), da construção da igreja
dos índios Anacês e auxiliou a reparar o templo da Missão dos Aroases.

[...] Bernardo de Carvalho não construiu uma igreja provisória [...], deu
continuidade à construção da igreja, deixando sem conclusão apenas a torre
que já é do final do século XVIII. Aquela bela igreja resistiu até 194632,
quando o Monsenhor Mateus Rufino a demoliu, colocando em seu lugar a
majestosa Catedral que hoje temos33.

Chartier34, ao apontar que os homens se apropriam e atualizam as suas representações


e as reelaboram, provoca uma reflexão quanto ao desejo dos colonizadores em recriarem, no
Piauí, uma espécie de nova casa, para isso seria necessário alocar as suas crenças e garantir a
prática religiosa. Isso demonstra um imenso imaginário religioso que pairava sobre os
colonizadores, pois cada símbolo religioso, repleto de significados, provocava emoções que
atingia a esfera religiosa.

31
CARVALHO, ELMAR. Bernardo de Carvalho: o fundador de Bitorocara. Teresina: Gráfica do Povo. 2012.
32
A data da demolição da igreja de Santo Antônio é 1944, há aqui um erro na data citada.
33
MELO, C.Fé e Civilização. Teresina: [s/n]. [1991?]. p. 48.
34
CHARTIER, ROGER. A História Cultural: entre práticas e representações. Trad. de Maria Manuela Galhardo.
Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1990.
34

Outro aspecto interessante é que muitos templos no estado do Piauí foram construídos
envoltos de narrativas míticas. Muitas imagens que foram encontradas ou que se atribuíam
poderes miraculosos acabavam por tornar-se pontos de convergência da atenção dos
moradores da região em que se encontrava. O conquistador carregou consigo as suas imagens
e devoções. Ele teve a preocupação de propiciar as condições para a realização de seus rituais.
Os colonos acabaram por aderir a essa mentalidade católica se envolvendo com essas
práticas e interiorizando os rituais, passando, assim, a valorizar o sagrado. Eles integravam a
visão de mundo das pessoas da época. No entanto, é preciso compreender que esta
interiorização ocorreu não somente de forma livre, mas por uma imposição em relação aos
indígenas e escravos negros, tendo em vista que a religião do colonizador era a católica. Isto
gerou inúmeros conflitos e sincretismos, visto que os índios e negros deveriam vivenciar a fé
de seus patrões, mesmo que de maneira forçosa. Além disso, havia pouco ou nenhum
entendimento da nova fé que eram obrigados a abraçarem.
Isso se deu por causa da liturgia que foi trazida para o Brasil pelos portugueses, pois ela
era realizada nos moldes medievais e pós- tridentinos. Uma celebração litúrgica com a
estrutura romano-franco-germânica e com o latim como a língua única e obrigatória. Ela era
igual para todos, sem levar em consideração as culturas que estavam sendo evangelizadas,
apesar de ter existido algumas tentativas de se fazer algumas adaptações.
Porém, essa forma de agir sofria a influência do Concílio de Trento que segundo
Borobio35, assumiu a tarefa de discernir a verdade católica da doutrina protestante,
evidenciando os aspectos questionados pelos reformadores. Para isso os padres de Trento
elaboraram muitos programas para a execução de uma reforma intereclesial, como por
exemplo, a criação dos seminários e a presença mais efetiva dos bispos nas comunidades,
mesmo diante das dificuldades.
No entanto, muitos deles exerciam sua religiosidade construindo igrejas, preparando as
festas dos santos padroeiros, seguindo todo o calendário litúrgico36. Além disso, possuíam
imagens em suas residências, estendendo a proteção divina até sua intimidade. Esses homens
e mulheres expressavam sua fé em concordância com a sua formação social e cultural.
Segundo Neto, “as celebrações religiosas representavam, muitas vezes, a diversão única
de toda uma população, que encontrava nas procissões, nas missas, nos festejos, nas vigílias e

35
BOROBIO, Dionísio (Org). A celebração na Igreja I: Liturgia e Sacramentologia fundamental. 2. ed. São
Paulo: Loyola. 2002. p. 113.
36
O calendário litúrgico, diferentemente do calendário convencional, baseia-se nas festividades católicas. Ele tem
início no primeiro domingo do Advento e encerra-se na festa de Cristo Rei. Ambas, geralmente, ocorrem no
mês de novembro, mas podem variar.
35

mesmo nos velórios, momentos excepcionais em suas vidas”37. Isso deveu-se a pouca
presença do padre que chegava à região somente para as desobrigas, ou o bispo, quando
realizava visitas pastorais, portanto, desenvolveu-se mais uma religiosidade que um
entendimento da Religião Católica.
Contudo, isso traria inúmeras dificuldades para a Religião Católica, tendo em vista a
grandiosidade do território conquistado. Segundo Neto, “sob o regime do padroado38
organizou-se a estrutura episcopal brasileira que se caracterizou por sua absoluta inadequação
as necessidades pastorais do imenso território.”39. Sendo assim, o Brasil iniciou sua vida
eclesiástica em meio a diversas dificuldades. Esse cenário também é apresentado por SILVA
(2006) apud MARCELO (2013):

Até fins do século XIX, o Brasil contou com uma estrutura eclesiástica
insuficiente para atender as necessidades espirituais, seja por suas dimensões
territoriais, seja por sua crescente população. Somente no início do século
XX, com as mudanças de relações e a separação entre Igreja e Estado,
promovida pela República, é que se assistem a iniciativas do Vaticano no
sentido de reestruturar os espaços religiosos com a criação de novas
dioceses, período no qual, por fim criou-se a Diocese do Piauí, em 190340.

A criação da Diocese do Piauí ocorreu em meio as mudanças proporcionadas pela


separação entre a Igreja e o Estado. Os bispos brasileiros percebendo as necessidades
pastorais, solicitaram à Santa Sé, a multiplicação das dioceses. Isso só foi possível graças a
extinção do regime do Padroado.
Essa pouca assistência devido as distâncias desenvolveu nas pessoas uma religiosidade
ligada mais às devoções. A partir disso, surgiu o apego às imagens e aos santos padroeiros
como solução para suas necessidades.
Entretanto, isso não foi algo que ocorreu de forma isolada, mas em todo o país: a vida
litúrgica dos fieis esteve expressa pelas grandes celebrações da Semana Santa, no Natal, na
Páscoa, em Pentecostes e nas festas de Nossa Senhora.
Segundo Pinheiro, “Essa marca da presença católica é responsável pelo substrato
cultural profundamente religioso que permanecerá, com modificações e interferências, na

37
SOUSA NETO, Marcelo de. Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850).
Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2013. p. 63.
38
Para os reis o padroado era como um direito, que afirmava o poder absoluto dos reis, esse pensamento também
esteve presente na mente dos monarcas que administraram as novas terras. No entanto Roma, considerava
somente uma concessão papal, para que os conquistadores pudessem promover a expansão da Religião
Católica e evangelizar aqueles que não conheciam a fé cristã.
39
SOUSA NETO, op. cit. p. 58.
40
SOUSA NETO, op. cit. p. 59-60.
36

formação cultural do Piauí, nas formas de religiosidade popular [...]”41. Isso fica bastante
evidente quando analisa-se a religiosidade existente no Piauí e as permanências ainda
existentes, como por exemplo, as festas dos padroeiros que ainda resistem ao tempo.
Outra dessas questões culturais existentes em diversas cidades do Piauí, são as lendas
existentes em torno da construção da igreja matriz da cidade. A lenda sobre a construção da
igreja de Santo Antônio se assemelha a outras inúmeras histórias relacionadas ao início de
outras igrejas piauienses, dentre elas a igreja de Nossa Senhora dos Humildes, que fica na
cidade de Alto Longá. As histórias se repetem com pequenas diferenças.
A lenda que habita o imaginário dos campo-maiorenses fala, que a pequenina imagem
de Santo Antônio teria aparecido em um tronco de juremeira (outros dizem que foi em um
tronco de carnaúba), à beira de um riachinho, e que foi encontrada por um vaqueiro da região,
que a levou para sua casa, mas, por três dias seguidos, a imagem desapareceu de sua casa e
apareceu no lugar onde havia sido encontrada. Sendo assim, a comunidade teria
compreendido que o Santo desejava que, naquele lugar, fosse construído um espaço onde
fosse possível realizar o culto divino.
Sendo assim, nesta vastidão de campinas, implantou-se a segunda freguesia do Piauí, a
Freguesia de Santo Antônio do Surubim. De início, um aldeamento de índios; depois, a
formação das primeiras fazendas de propriedade em sua maioria de portugueses; em seguida,
um curato religioso, uma freguesia; uma vila e hoje, uma Diocese.
Após torna-se freguesia essas terras ao norte passaram a exercer importantes funções,
dentre elas, a marcação de limites territoriais e religiosos “[...] foi a jurisdição religiosa que
fixou limites entre Mocha e Surubim [...]”42. As duas representaram, por um período, os
limites das Dioceses do Maranhão e do Pernambuco.
Segundo Melo,43 o descobrimento daquela parte norte piauiense que veio a ser
freguesia e, posteriormente, vila, se deu nos primeiros anos do século XVII e seu total
desbravamento só se completará no século XVIII.

O meio foi tão propício aos objetivos econômicos de então que, ao se


instalarem as primeiras vilas, Santo Antônio do Surubim já era a mais
atraente, a mais organizada e talvez a de maior riqueza embora de população
não tão expressiva. [...] Campo Maior, desde as origens, foi um nobre povo
na vastidão do Piauí.44

41
PINHEIRO, Áurea da Paz. Senhores de seu ofício: arte santeira do Piauí. Teresina: Superintendência do Iphan
no Piauí, 2009. p.22.
42
MELO, C. Os primórdios de Nossa História. Teresina: [s. n.], 1983. p. 31.
43
MELO, op. cit., p. 75.
44
MELO, op. cit., p. 23-28.
37

Para Mott45, o Ouvidor Durão via Campo Maior com benevolência, porque ela
assemelhava-se às povoações do Reino. Segundo Baptista46, “Pereira Caldas achava que no
Piauí apenas dois lugares, além de Oeiras, poderiam ser vilas: Parnaguá e S. Antônio do
Surubim; entretanto cumpriu as ordens reais”. Isso demonstra a organização que devia existir
nestas terras, bem como o prestígio que deviam possuir os fazendeiros que residiam ou que
possuíam suas fazendas, mas nelas não habitavam.
No ano de 1761, João Pereira Caldas, então governador da Capitania do Piauí, visita a
população da Freguesia do Surubim. Nove meses depois, aquela mesma comunidade recebe o
comunicado de que, em oito de agosto de 1762, se tornaria Vila.
Nessa época, já existia, no local, uma estruturação urbana bastante atraente,
principalmente quando comparada com as demais do Piauí, dispondo de dois largos em frente
e, atrás da Matriz, uma quadra completa de moradias junto às praças, uma quadra de casas dos
negros à direita da Matriz e outras do lado esquerdo, onde se construiu a Igreja do Rosário,
um cemitério junto ao cruzeiro da Matriz e outro junto à primeira.
A Carta Régia de 1761 traz, como ponto, a fundação de sete vilas no Piauí, dentre elas
está a Freguesia de Santo Antônio do Surubim (que mais tarde viria a ser Campo Maior).
Todavia, esta Carta trazia instruções precisas para a fundação de vilas a partir de Paróquias
anteriormente instaladas. Padre Cláudio destaca a importância tanto da estrutura eclesiástica
já existente quanto do espaço físico.

Na manhã do dia 08 de agosto de 1762 todos estes cidadãos, ladeados de


uma multidão de expectadores, deram ingresso na Matriz, para uma pioneira
reunião em que deveriam decidir sobre o local de instalação da Vila e o seu
nome foram unânimes na escolha do local, a sede da freguesia e na
aprovação de Campo Maior, que tanto atendia a vontade real que se desse às
Vilas nomes de povoações Portuguesas, como condizia com a realidade – A
freguesia era realmente o Campo Maior do Piauí47.

Na Matriz de Santo Antônio, reuniram-se os eleitores aprovados por ocasião da


instalação da vila para escolherem aqueles que iriam compor o primeiro senado da Câmara de
Campo Maior. A igreja, aqui, assume o papel de casa de todos, lugar não só de oração, mas de
tomada de decisões importantes para a comunidade, visto que está inserida nela e, por
conseguinte, não pode manter-se inerte às mudanças que estavam ocorrendo naquele espaço.

45
MOTT, L. Piauí Colonial: população, economia e sociedade. 2. ed. v. 8. Teresina: APL- FUNDAC-
DETRAN. 2010.
46
BAPTISTA, João Gabriel. Mapas Geohistóricos. Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1986. p. 73.
47
MELO, C. Os primórdios de Nossa História. Teresina: [s. n.], 1983. p. 115-116.
38

Foi em frente a ela que também se ergueu o Pelourinho, símbolo de autonomia que era
erguido em todas as vilas e cidades. “As casas de câmara e cadeia nasceram oficializando
vilas. Juntamente com o pelourinho e a igreja, são as referências de conquista transplantadas
da cultura portuguesa para as principais praças das vilas”48. Este segundo os pesquisadores,
teria sido conservado até o ano de 1844, quando foi retirado devido a um desmoronamento
parcial.
A Vila de Campo Maior teve participação significativa em vários momentos
importantes da história do Piauí. Além de participar efetivamente no processo de
independência do estado. Também se destacou em alguns fatores como na navegação, pois,
assim como a capital, Oeiras, possuía embarcações que favoreciam o comércio e o
abastecimento da vila. No setor educacional, evidenciou-se por apresentar cadeiras da Língua
Latina.
Sendo assim, a Vila de Campo Maior desenvolveu-se tendo como base a pecuária,
elemento básico da economia do Piauí. No entanto chegou ao século XIX sem promover
inovações na sua principal fonte de renda e com isso teve que buscar novas fontes
econômicas.
A economia piauiense, durante a segunda metade do século XIX, ainda poderia ser
definida como um domínio da pecuária. O comércio do gado foi responsável pela dinâmica da
economia até a década de 1870. A agricultura, no entanto, era basicamente voltada para o
consumo interno do estado. Isso é destacado por Terezinha Queiroz.

A pecuária, apesar de continuar sendo a atividade mais importante e de


absorver grande parte da força de trabalho, perdia rapidamente posição no
mercado regional, em decorrência do crescimento e melhoria dos rebanhos
das demais províncias e das perdas qualitativas do próprio rebanho por falta
de inovações no sistema de criação. O gado piauiense perdia, enfim,
competitividade nos tradicionais mercados consumidores do nordeste, nas
províncias do norte, caso do Pará, e no próprio mercado externo49.

Todavia, devido a essas dificuldades econômicas surge outra fonte de renda, a extração
da carnaúba. Para Pinheiro50 na virada para o século XIX e nas primeiras décadas do século
XX, o Piauí se inseriu na dinâmica capitalista internacional, através da economia extrativa da
maniçoba, da carnaúba e do babaçu, que fornecia matéria prima para os países

48
SILVA FILHO, O. P. da. Carnaúba, pedra e barro na capitania de São José do Piauhy. v. 2. Belo Horizonte.
2007. p. 247.
49
QUEIROZ, Teresinha. Economia piauiense: da pecuária ao extrativismo. Teresina: EDUFPI, 2006. p. 21.
50
PINHEIRO, Áurea da Paz. Senhores de seu ofício: arte santeira do Piauí. Teresina: Superintendência do Iphan
no Piauí, 2009. p. 26.
39

industrializados. Isso gerou grandes lucros para o Piauí, e Campo Maior não ficou fora deste
momento de crescimento econômico. Tendo em vista que também é conhecida por seus
vastos carnaubais.
A carnaubeira na região de Campo Maior é considerada por seus habitantes também
como “árvore da vida” porque todas as suas partes são utilizadas para benefício humano,
como por exemplo, o tronco para construções, o fruto é comestível, a folha para artesanato e
construções, além de fornecer matéria-prima de excelente qualidade para a fabricação de cera,
a qual é utilizada nos mais variados ramos industriais: automobilística, cosméticos e
informática.

Figura 05 – Carnaúba
Fonte: Afonso (2014).

Segundo Queiroz51, a dinâmica da economia piauiense na primeira metade do século


XX foi dada pelas exportações de produtos extrativos – borracha de maniçoba, cera de
carnaúba (Figura 05) e babaçu – alterando, assim, a função até o momento exercido pela
pecuária. Antes, as exportações eram, basicamente, de elementos derivados da pecuária e do
algodão, posteriormente as exportações para a Europa e os Estados Unidos provocaram uma
significativa mudança na economia piauiense, suscitando novos anseios para o estado.
A cidade de Campo Maior chega ao século XX, com diversos traços coloniais,
demonstrando certo atraso com relação às cidades mais prósperas do estado. No entanto, a
cidade que envelheceu agora se renova, se constrói e reconstrói para atender os ditames do
novo século que surge.

51
QUEIROZ, Teresinha. Economia piauiense: da pecuária ao extrativismo. Teresina: EDUFPI, 2006.
40

Para isso, a cera de carnaúba aparece como elemento relevante para o processo de
modernização da cidade, em especial nos anos de 1930-1960. “A título de exemplo, em 1931,
os municípios que mais produziram e exportaram cera de carnaúba foram Campo Maior,
Altos, Piracuruca, Barras, Floriano e Oeiras”52. Este dado se repetiria por vários anos, até que
o preço da cera de carnaúba sofresse várias quedas, prejudicando assim os grandes lucros que
esta prática extrativista propiciava.

Figura 06 – Centro antigo na primeira metade do século XX.


Fonte: Silva Filho (2007)

Graças ao “Ouro Verde”, Campo Maior (Figura 06) vai entrar na década de quarenta
como um dos municípios mais prósperos do Piauí, devido aos recursos financeiros advindos
da cera de carnaúba. Houve, assim, grande dependência com relação à renda oriunda da cera,
não somente no nível individual, mas, principalmente, no público municipal. Segundo
Queiroz53, na década de 40, as receitas públicas atingiram 70% de impostos cobrados sobre a
cera.
Nessa perspectiva de mudança e inovação, a igreja não fica de fora, mas, ao contrário,
também se desconstrói e se reconstrói em um período de prosperidade para boa parte da
população. E são estes novos ricos, que Teresinha Queiroz cita, que, provavelmente, tenham
ajudado nas mudanças ocorridas no templo católico de Campo Maior.

As transformações econômico-sociais advindas com a extração da cera não


se limitaram ao aumento da renda gerada, à maior intensificação da
circulação monetária e ao aprofundamento da integração do Piauí às linhas

52
QUEIROZ, Teresinha. Economia piauiense: da pecuária ao extrativismo. Teresina: EDUFPI, 2006. p. 43.
53
QUEIROZ, op. cit.
41

do comércio nacional e internacional. A valorização súbita e crescente das


terras com carnaubais provocou mudanças que resultaram na emergência de
novos grupos sociais, formados principalmente por possuidores de
carnaubais- antes sem valor econômico- e intermediários na
comercialização. O padrão de riqueza modificou-se e, ao lado de
fazendeiros, surgiram os novos ricos dos carnaubais54.

No entanto, esse período de intenso crescimento da economia piauiense não se


manteve por um longo período, isso devido à falta de investimentos e de políticas que
propiciassem uma estabilidade econômica. A partir da década de 1950, começa um declínio
nas importações, provocando, assim, inúmeros problemas, tendo em vista que havia, no
estado, uma grande dependência da riqueza proporcionada pela prática extrativista.
Segundo Pinheiro,55 nos anos 1950, o Piauí sofreu um de seus piores momentos sociais
e econômicos, tendo em vista que a pecuária considerada a sua economia tradicional estava
esfacelada, o extrativismo vegetal que antes tinha proporcionado grandes lucros, já não trazia
ao Estado a mesma renda, e a agricultura sofria os impactos da seca. Essa problemática
estadual atingirá de forma bem concreta a terra dos carnaubais.
O Jornal do Piauí destaca essa problemática, apresentando a grande dependência que
se criou em Campo Maior com relação a prática extrativista. Essa diminuição na renda que foi
gerada pela venda da cera de carnaúba pode também ter contribuído diretamente para a
demora em executar as mudanças na igreja de Santo Antônio, tendo em vista que ela só foi
inaugurada realmente após dezoito anos de sua demolição.

É certo que nos últimos anos a redução de preço da cera de carnaúba causou
desânimo ao povo campo-maiorense, e com isso ficou por menos a renda
municipal, mas economias consideráveis foram acumuladas, capazes de
empreenderem a instalação de diversas indústrias. Sem muitas casas de
comércio na cidade, sem fábricas nem empregos nas repartições públicas, a
maioria da população vive das rendas dos carnaubais e das fazendas de
gado.56

Após a queda na renda proporcionada pela cera de carnaúba a cidade procurou outros
meios para manter o seu crescimento econômico. Sendo assim, investiu no comércio local e
continuou a investir naquilo que fazia parte de sua gênese, a pecuária, mesmo que esta não

54
QUEIROZ. Teresinha. Economia piauiense: da pecuária ao extrativismo. Teresina: EDUFPI, 2006. p. 45.
55
PINHEIRO, Áurea da Paz. Senhores de seu ofício: arte santeira do Piauí. Teresina: Superintendência do Iphan
no Piauí, 2009. p. 27-28.
56
SEMANA da Missa em Campo Maior- Piauí. Jornal do Piauí. 31 jan. 1953.
42

estivesse mais propiciando grandes ganhos, isso foi incentivado também pela instalação da
sede do FRIPISA (Frigorífico do Piauí S/A)57 que abastecia de carne o munícipio e o estado.
Além de destacar a questão econômica que teve grande influência no processo de
mudança na cidade de Campo Maior, em especial na sua Matriz, é preciso fazer referência a
um momento significativo para a história da Igreja no Brasil e do mundo, o chamado
Movimento Litúrgico que iria trazer inúmeras mudanças não somente na forma de celebrar a
liturgia, mas também na forma de construir os templos católicos.
Segundo Silva58, o Movimento Litúrgico teve início no começo do século XIX, com
uma conferência do monge beneditino Beauduin. A partir daí ele se espalhou por vários países
do mundo. No Brasil, esse movimento chegou em 1933 com o monge beneditino, Dom
Martinho Michler. Ele foi o responsável pela primeira Missa versus populum e dialogada no
Brasil fora de um convento.
Outro personagem importante nesse momento foi Dom Beda Keckeisen, responsável
pela tradução do Missal para a língua vernácula. Ainda Dom Polycarpo Amstalden publicou
um folheto semanal que trazia os textos da Missa dominical. Além destes, pode-se citar ainda
Dom Hidelbrando Martins, Frei Henrique e Dom Mário de Miranda Vila- Boas, ambos
também realizaram várias publicações com o objetivo de promover a interação na celebração
litúrgica.
A expansão e divulgação do Movimento Litúrgico no Brasil se deu através de diversos
meios, dentre eles pode-se citar as várias publicações e traduções de livros e artigos sobre a
temática, publicações que serviam diretamente ao culto católico, cursos, congressos e
programações de estudos litúrgicos, Semanas Litúrgicas, Semanas da Missa, Tríduos
Litúrgicos e a promoção da renovação na arte sacra em geral.
Outra forte difusão de ideias se deu através de Dom Pedro Bandeira de Melo que
difundiu os ensinamentos da Encíclica do Papa Pio XII, “Mediator Dei” sobre Liturgia, pelo
nordeste, através do semanário católico “A Tribuna de Recife”. O bispo abordava a
necessidade de promover a educação dos fiéis, principalmente, através desses eventos.
Todavia anseia-se destacar a Semana da Missa, evento que ocorreu na cidade de Campo
Maior de vinte um a vinte e sete de outubro de 1956, organizado por Padre Mateus e seu
colaborador Padre Isaac, esse acontecimento foi noticiado pelo Jornal O Dominical.

57
SOARES, Sidney. Enciclopédia dos municípios piauienses. Fortaleza: Escola gráfica Santo Antônio, 1972, p.
60.
58
SILVA, José Ariovaldo da. O Movimento Litúrgico no Brasil: Estudo Histórico. Petrópolis: Vozes, 1983.
43

[...] aconteceu em Campo Maior a Semana da Missa, organizada pelo


‘dinamismo do Pe. Mateus e pelo zelo de seu colaborador Pe. Isaac’. Os três
primeiros dias aconteceu nos bairros com conferências sobre a missa. A
segunda parte ocorreu no centro da cidade onde se deteve aos ministérios do
altar. Estiveram presente Pe. Antônio Cardoso, Pe. Raul Formiga, Pe.
Emídio Andrade, Pe. Deusdetit Craveiro e Pe. Luís Soares59.

Esse evento demonstra o entendimento do pároco da cidade de Campo Maior e de seus


colaboradores sobre as discussões que ocorriam em todo o país. Além disso, evidencia que o
jovem padre preocupava-se não somente com o espaço físico, mas também com a formação
de seus paroquianos sobre a importância daquilo que se celebrava.
Outro evento que merece atenção quando se fala em Movimento Litúrgico foi o
Primeiro Concílio Plenário Brasileiro (CPB), que aconteceu no Rio de Janeiro em 1939 e que
apesar de não falar diretamente neste movimento, demonstrou que muitas ideias sobre as
mudanças litúrgicas já estavam sendo absorvidas pelo episcopado brasileiro. Um dos bispos
que mais tarde apontou concordância com as ideias do Movimento foi Dom Avelar Brandão
Vilela, quando ainda era bispo em Petrolina, mas que mais tarde se tornaria o pastor
piauiense.
O Movimento Litúrgico não ocorreu de forma isolada, mas dentro de um conjunto de
outros movimentos que ocorriam dentro da Igreja no século XX, e que mais tarde traria
discussões para um grande e importante evento da Igreja Católica, o Concílio Ecumênico
Vaticano II que ocorreu de 1962 a 1965. Os movimentos foram os seguintes: bíblico,
ecumênico, missionário, leigo, teológico, social e o litúrgico que já abordou-se anteriormente.
Essa discussões acerca da política religiosa que pairava sobre o mundo e especialmente
no Brasil, tornam-se importantes ao levar-se em consideração que Padre Mateus, era um padre
jovem recém ordenado, ou seja, em sua mente pairava essas novas discussões sobre a Liturgia
e o espaço sagrado. Pode-se supor que essas ideias possam ter influenciado diretamente o seu
empenho em conceder a Campo Maior um novo templo. É notório que este encontrava-se
também influenciado pelas normas já arraigadas, mas demonstrou possuir um espírito
compatível em alguns aspectos com os novos ares que sopravam sobre a Igreja do Piauí.
Diante de todas essas questões culturais, econômicas e religiosas, a cidade de Campo
Maior, chega ao século XX devido a sua formação histórica sendo a ela atribuídos valores
históricos, já que “tudo que ficou do passado como testemunho pode pretender um valor

59
PROGREDIU o Município de Campo Maior. Jornal o Dominical. 04 nov. 1956.
44

histórico”60. E esta tem em suas fazendas, casarões, templos e ruas as marcas de um passado
que lhe garante destaque em todo o estado do Piauí. Seja pela questão histórica, cultural ou
religiosa. Assim, na memória de seus filhos mesmo que distantes, como o escritor Elmar
Carvalho, que demonstra as marcas que a história de sua cidade natal deixaram em sua
memória.

Todo campo-maiorense apaixonado por sua terra, mesmo analfabeto, tem no


espírito a mesma Elegia, sente no dia a dia as mesmas inspirações, vive sob
o mesmo encantamento, ao recordar os doces anos da infância, [...]. A bonita
e imponente Catedral faz quantos jovens brincar com as nuvens e as estrelas,
e os de minha idade ver uma escada em demanda do céu [..]. Descendentes
de Vaqueiros, todos venerados como um símbolo o gibão e as perneiras dos
construtores de nossa primeira economia, como admiramos os majestosos
testões chifrudos de bois dependurados nos alpendres e salas das fazendas.61

A fala do campo-maiorense apresenta de maneira bem nítida aquilo que considera-se


como marcas da identidade desta urbe, a fé Católica expressa por sua igreja matriz e a
pecuária que tem como símbolo mais concreto o vaqueiro. Além disso, percebe-se a
existência desse sentimento de vínculo com o lugar, mesmo que nele não habite.
Sendo assim percebe-se a terra dos carnaubais, em seus duzentos e cinquenta e dois
anos, assim como diversas outras cidades do Brasil que sofreram influência da pecuária e da
Igreja Católica em sua formação, possuidora de um centro histórico que se mostra como
testemunha imensurável da construção do seu espaço urbano e que gera significados para a
população que vê nele as marcas de seu passado.
O patrimônio religioso católico não se isentou dessas modificações e, algumas vezes,
até mutilações, apesar de ser de pertença de uma Instituição que, em comparação com outras,
é uma das únicas a manter seus espaços quase intactos. Essa manutenção, no entanto, deve-se
a interesses, afetividades, desejos, inibições evidenciadas na memória individual e coletiva,
pois “a memória humana é particularmente instável e maleável”62. Isso fica perceptível ao
observar aquilo que ocorreu na cidade quando houve o desejo de demolir a antiga igreja de
Santo Antônio, uma construção do século XVIII, muitos campo-maiorenses tem pouco ou
nenhum conhecimento sobre o fato.

60
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil. Rio de Janeiro. UFRJ; IPHAN: 1997. p. 66.
61
CARVALHO, ELMAR. Bernardo de Carvalho: o fundador de Bitorocara. Teresina: Gráfica do Povo. 2012. p.
25.
62
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. ed. Tradução Bernardo Leitão. Campinas: UNICAMP, 2003. p.
462.
45

Com base nas pesquisas, percebeu-se que o centro histórico (Figura 07) de Campo
Maior está situado no centro da zona urbana, possuindo um traçado irregular, formado por
duas praças: Bona Primo e Rui Barbosa, com a Igreja de Santo Antônio entre essas duas
praças. Além disso, possui em seu entorno imediato outros espaços que por muito tempo
foram de grande relevância para a cidade, como é o caso da Rua Santo Antônio.
Ao lado direito da igreja, encontra-se a Câmara municipal, antiga Intendência. No
entorno das praças, encontram-se o antigo cinema da cidade; a antiga delegacia; a zona de
prostituição e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que foi construída em 1893; além de
diversas casas, das quais algumas ainda mantêm características de seu tempo, como o telhado
de carnaúba.

Figura 07 – Centro Histórico de Campo Maior


Fonte: IPHAN – PI.

Partindo desse pressuposto, observa-se um patrimônio que se molda com


características próprias, mas também, com influências externas. Todo templo deve seguir um
programa litúrgico, pois as celebrações seguem uma liturgia que necessita de espaços fixos e
concretos. Cada espaço deste possui uma atmosfera mística para que seja alcançado pela
participação dos fiéis, isso é, portanto, oferecido pelo espaço arquitetônico, que foi criado pela
mão de sua população e edificada com o objetivo de conservar, para as gerações futuras, a
lembrança de um ato religioso que é mantido pela tradição e pela crença cristã.
46

Os templos religiosos que compõem a construção da malha urbana são portadores de


uma mensagem espiritual evocada do passado. Esse monumento63 pertencente a um povo
perdura no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. Os templos
Católicos que compõem o espaço urbano de Campo Maior adquiriram, com o tempo, uma
significação cultural, pois são reflexo da influência de pensamentos ideológicos, não somente
religioso, mas, também, socioeconômico.
Estes espaços sagrados dão testemunho de uma sociedade particular que integram a
cidade, isso porque eles possuem uma função útil para ela e, portanto, trata-se de algo que é
desejado por aqueles que fazem parte deste convívio, visto que o monumento é inseparável da
história que presenciou e do meio em que está situado.
Sendo assim, podemos perceber os templos como algo que gera sentidos diferentes,
pois cada um os percebe de acordo com suas versões de mundo partindo do sentido64 que
estes remetem para cada um em particular.
A produção de sentidos não é uma mera atividade individual, nem pura e simples
reprodução de modelos predeterminados. Para Spink65, ela é uma prática social dialógica que
implica a linguagem em uso. A produção de sentidos é tomada, portanto, como um fenômeno
sociolinguístico – uma vez que o uso da linguagem sustenta as práticas geradoras de sentido –
e busca atender tanto as práticas discursivas66 como os repertórios utilizados nessas
produções.
Essa produção de sentidos no caso do espaço católico campo-maiorense surge de um
discurso peculiar, num determinado contexto, em um determinado momento histórico. Para
compreender-se o modo como esses sentidos circulam na sociedade é necessário considerar as
interfaces do tempo, no qual se processa a produção de sentidos.

Mesmo os sentidos passados, decorrentes de diálogos travados há muitos


séculos, não são estáveis; são sempre passíveis de renovação nos

63
Para Aloise Riegl (LE CULTE MOERNE DES MONUMENTOS, 1984) apud Choay. (ALEGORIA DO
PATRIMÔNIO, 2006), monumento é uma obra criada pela mão do homem com o intuito preciso de conservar
para sempre presente e viva, na consciência das gerações futuras, a lembrança de uma ação ou destino; e
monumento histórico é a criação da cidade moderna, um evento histórico localizado no tempo e no espaço.
64
Para Spink e Medrado (1999) o sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais
precisamente interativo, por meio do qual as pessoas- na dinâmica das relações sociais historicamente datadas
e culturalmente localizadas- constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e
fenômenos a sua volta.
65
SPINK, M. J. e MEDRADO, B. Produção de sentidos no cotidiano uma abordagem teórica metodológica para
análise das práticas discursivas. In: SPINK, Mary J. (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no
cotidiano. São Paulo: Cortez, 1999. p. 41-61.
66
Para Spink e Medrado (1999) são os momentos de ressignificações, de rupturas, de produção de sentido, ou
seja, corresponde aos momentos ativos do uso da linguagem nos quais convivem tanto a ordem como a
diversidade.
47

desenvolvimentos futuros do diálogo. Em qualquer momento, essas massas


de sentidos contextuais esquecidas podem ser recapituladas e revigoradas
assumindo outras formas (em outros contextos).67

Esse é um processo sócio histórico que exige o entendimento do contexto cultural e


social em que se inscreve determinado fenômeno. Além disso, é necessário perceber os
agentes envolvidos nesse processo, pois, segundo Spink68, a pessoa, no jogo das relações
sociais, está inserida num constante processo de negociação, desenvolvendo trocas simbólicas
em um espaço de intersubjetividade ou, mais precisamente, de interpessoalidade.
Sendo assim, a produção de sentidos é sempre uma produção discursiva de pessoas em
interação. Portanto, é a intencionalidade de quem produz o discurso e o grau de conformidade
com que os ouvintes recebem as informações que determinarão tudo isso como uma
construção social.
Assim ocorreu em Campo Maior, quando em 1711, Padre Tomé propôs a ereção de
um espaço para o culto católico, e mesmo não conseguindo a colaboração de todos para a
construção, ao que parece ele conseguiu a aceitação deste espaço como lócus que
proporcionaria uma unidade religiosa naquela região. Mais tarde no século XX, Monsenhor
Mateus fez a proposta de mudança completa no espaço religioso e a população aceitou a
proposta a partir de uma produção de sentido gerada pelo discurso de um jovem padre,
incentivado e influenciado por outros grupos interessados na transformação.

67
SPINK, M. J. e MEDRADO, B. Produção de sentidos no cotidiano uma abordagem teórica metodológica para
análise das práticas discursivas. In: SPINK, Mary J. (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no
cotidiano. São Paulo: Cortez, 1999. p. 52.
68
SPINK, op. cit p. 41-61.
48

2 A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO

No segundo capítulo, será analisado


o objeto de estudo desta pesquisa, a Igreja de
Santo Antônio, destacando sua intrínseca
relação com a cidade de Campo Maior e o
momento em que a igreja se une ao período
em que a cidade se modernizava, demolindo
e construindo um novo templo católico

Figura 08 – Igreja de Santo Antônio


Fonte: Vilhena (2014).
49

2 A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO

“O vigário teve a ideia de iniciá-la.


Os ricos deram-lhe do seu dinheiro.
Os operários dão-lhe a sua inteligência
e capacidade de trabalho. Eis, portanto, a Matriz.
Não é obra de ninguém.”
(O Estímulo, 1946)

A epígrafe, retirada de uma matéria do jornal campo-maiorense, O Estímulo, da


década de quarenta, intitulada ‘O marco de uma geração”, apresenta sucintamente o percurso
que envolve o objeto de estudo dessa pesquisa, a igreja de Santo Antônio. E demonstra como
a demolição da antiga igreja e a construção da nova, apresentou-se como um período de
mudanças, não somente para a cidade de Campo Maior mas, também para o catolicismo, pois
esse processo envolveu vários segmentos da sociedade desta cidade.
Sendo assim, é a partir da percepção de que o estado do Piauí, possui, especificamente,
nas igrejas e fazendas a gênese da maioria de suas cidades. Tendo em vista que, estes
elementos agregaram moradores tornando-se assim, o núcleo de seu povoamento, que este
capítulo, apresenta como a história da cidade de Campo Maior- Piauí, se confunde com o
traçado e as alterações sofridas por sua igreja Matriz.
Isto é perceptível, quando considera-se que Campo Maior, uma das sete primeiras
vilas do estado, assim como as demais, sofreu forte influência portuguesa, visto que surgiu de
uma fazenda, que era propriedade de um português. Além disso, sofreu grande influência da
religião Católica, a qual, até então, ainda era a religião oficial do território que hoje constitui o
Brasil. Isso gerou uma forte tradição religiosa, perceptível até os dias atuais.
Com base nisso, este segundo capítulo também, apresenta de forma mais
pormenorizada a história da igreja de Santo Antônio na cidade de Campo Maior,
especialmente no período que vai desde a década de quarenta até o ano de 1971. Este item do
trabalho destaca a atuação da Igreja através da participação ativa de seu representante na
cidade, padre Mateus Cortez Rufino. Tendo em vista que, sua atuação durante esse período de
trinta anos, trouxe inúmeros benefícios e mudanças para esse espaço citadino.
Dentre eles, pode-se citar, a demolição e construção da nova igreja de Santo Antônio,
o empenho para a construção do Patronato Nossa Senhora de Lourdes, a dedicação na direção
50

do Ginásio Santo Antônio, a construção de capelas, o incentivo ao Hospital São Vicente de


Paula e a organização dos festejos de Santo Antônio.
Partindo dessa perspectiva, percebe-se que esse templo e a trajetória de seu
idealizador, remetem a uma série de análises, todavia, compreendeu-se que essa igreja é
resultado da construção humana, que compõe o espaço urbano e, consequentemente, a
paisagem, sendo repleta de sentidos atribuídos por seus fiéis e por aqueles que não seguem
esta denominação religiosa, mas que, ainda assim, veem, neste espaço, uma significância
cultural, já que está inserida no espaço urbano que eles habitam.
Diante disso, entende-se os templos católicos, atrelados à paisagem, surgindo como
patrimônio, não apenas material, mas, também, imaterial, visto que carregam, consigo, uma
gama de ritos e simbologias, os quais, impregnadas de subjetividade, formam o modo de ver
de cada fiel sobre estes espaços sagrados.
Com base nisso, entende-se o que coloca Machado69, quando ela apresenta os templos,
como lócus privilegiado de encontro com a divindade. Isso porque, a humanidade sentindo a
necessidade de sacralizar os espaços, sempre dedicaram lugares especiais para vivenciar a sua
crença, independente da religião, e do grau de desenvolvimento técnico.
Estes ambientes são carregados de sentido, pois cada um deles é testemunha de uma
temporalidade que escoou, tornando possível, assim, o acesso ao passado, por meio dos sinais
que aqui chegaram para que, então, se pudesse fazer uma captura em ritos, objetos,
materialidades dos espaços construídos. Eles são a experiência humana construída nas e sobre
as paisagens.
Além disso, toda igreja tem como finalidade básica, seja ela pequena ou grande,
abrigar os fiéis que nela chegam para participar do culto e proteger os objetos que são
utilizados nas celebrações e que são considerados sagrados.
Deste modo, este capítulo se divide em duas partes, que trazem dois momentos
importantes da Religião Católica na cidade de Campo Maior. A primeira delas faz referência
ao período inicial de expansão da fé católica, onde foi construído seu primeiro templo no
início do século XVIII, com a ajuda de um fazendeiro português, e que mais de duzentos anos
depois foi demolido.
Posteriormente, na segunda parte apresenta-se outra fase do catolicismo em Campo
Maior, onde um jovem padre recém ordenado, resolve colocar um ideal em prática,

69
MACHADO, Regina Celi de Albuquerque. O local de celebração: arquitetura e liturgia. São Paulo: Paulina,
2001. p. 14.
51

demolindo e construindo um novo espaço para o culto católico na cidade. Isso, motivado por
questões religiosas e econômicas, e incentivado por um grupo considerável de pessoas da
cidade. Tendo em vista que a Igreja vivia tempos de mudança e a urbe vivia um período de
crescimento econômico.

2.1 PRIMEIRO MOMENTO: A ANTIGA IGREJA (1711-1944)

Em sua gênese histórica, o que hoje corresponde à suntuosa Matriz da Igreja particular
de Campo Maior, sofreu inúmeras transformações até alcançar a estrutura atual. Os jesuítas da
Serra da Ibiapaba tiveram marcada participação na arquitetura religiosa do Piauí, em especial
da região do Longá. É o que se pode perceber, ao observar o quadro evolutivo abaixo (Figura
9), pois todas essas igrejas são de influência jesuíticas, porém demonstram a evolução do
estilo no Piauí.

01- Igreja de Cocal 02- Igreja de Santo Antônio (Jerumenha)

03- Igreja de N. Sra. do Rosário (Oeiras). 04- Igreja de N. Sra. Da Vitória (Oeiras).

Figura 09 – Quadro evolutivo da arquitetura religiosa no Piauí de influência jesuítica


Fonte: Afonso (2012)70

70
Os desenhos 01, 02 e 04 são de autoria de Michele de Moraes. O desenho 03, de autoria de Juliana Silva.
52

Sendo assim, acredita-se que a primeira capela erguida em Campo Maior sofreu forte
influência jesuítica; mais tarde, com o florescimento da freguesia, surge o anseio de se erguer
uma igreja que correspondesse aos ideais da época.
Nesse contexto, embora a Igreja devesse obediência ao Rei, dividia o poder com o
Estado absolutista, por isso, os templos, em sua maioria, foram levantados com donativos de
fazendeiros e do próprio povo interessado.
As construções no Brasil partiram da dialética entre o poder do rei, representado pelos
fazendeiros, donos de terras e o povo, representando um poder marginalizado, que não
possuía uma vida financeira, que os permitisse colaborar de outra forma, que não fosse
através de mutirão, fruto do esforço comum dos moradores da região.
Deste modo, a primeira Igreja de Santo Antônio (Figura 10), da cidade de Campo
Maior – PI, foi construída no século XVIII, possuindo como característica, a simplicidade e o
despojamento, observando-se ausência de elementos ornamentais que são características de
outras tipologias arquitetônicas de influências jesuíticas, em sua volumetria e na sua solução
em planta.

Figura 10 – Primeira Igreja de Santo Antônio


Fonte: Silva Filho (2007)

Isso ocorreu, devido ao fato de todo templo apresentar de forma visível, a imagem da
comunidade que abrigava. Tendo em vista que “a construção reflete na sua forma a
fisionomia, o jeito de ser Igreja em um determinado tempo e lugar” 71
. E nesse período da
história campo-maiorense, poderia até existir a pretensão de se construir um grandioso espaço

71
MACHADO, Regina Celi de Albuquerque. O local de celebração: arquitetura e liturgia. São Paulo: Paulina,
2001. p. 33.
53

para vivenciarem sua fé. No entanto, a maioria dos moradores da região não eram os
proprietários das fazendas, mas os empregados responsáveis por ela.
As construções destes espaços sagrados obedeciam às orientações eclesiásticas e à
certa padronização arquitetônica; já as capelas foram feitas de maneira livre. A Matriz de
Campo Maior, esteve, desde sua implantação, cercada por duas praças, uma menor, aos
fundos, e uma maior, a sua frente, e por ruas tangenciadas.
Observa-se que, referente à sua volumetria o frontispício72 é bastante singular,
composto por um frontão73 triangular central com volutas, arrematado por marcações em
cimalha74. Possui apenas uma torre sineira coberta por uma cúpula75, com pináculos76 que
contornam o perímetro da torre e um óculo77, que complementa a composição do frontão.
Quanto à solução em planta, esta apresenta um programa de necessidade composto por
uma nave central ladeada por duas naves laterais, arrematada na parte frontal por uma torre
sineira e a outra, por uma pia batismal.
Por meio da análise fotográfica, pode-se observar que ela possuía um coro78. Um
transepto79 também compõe este programa. Toda a composição do frontispício era assentada
em um adro80 frontal elevado em relação à rua, composto por uma escadaria em U. Acredita-
se que neste adro havia a implantação de um cruzeiro81.
Estas suposições partem do conhecimento a respeito daquilo que o Concílio de Trento
trouxe de modificação na liturgia, mas que interferiu diretamente no espaço. Com base nas
mudanças conciliares, acredita-se que a nave era ampla e o presbitério, não muito profundo e
o seu fundo formava um conjunto com o retábulo e a parede. Além disso, existiam capelas
laterais que permitiam celebrações simultâneas e que incentivavam a devoção aos santos
venerados pelo povo.

72
Este termo se refere à fachada principal da igreja.
73
Espécie de empena que serve para coroar a parte central do frontispício da igreja, quase sempre trabalhada e
encimada ao meio por uma cruz.
74
Arremate superior da parede que faz concordância entre esta e o plano do forro ou do beiral.
75
Parte superior, semiesférica, em cobertura de alguns edifícios, como por exemplo, nas igrejas do século XVIII.
76
Ornamento geralmente de pedra que coroa fachadas, torres ou frontões de edifícios.
77
Quando se refere igreja, é uma abertura ou janela circular ou elíptica, destinada a passagem de ar ou de luz. Por
vezes, assume formas variadas, para efeitos decorativos.
78
Balcão situado por cima da porta central de entrada da igreja, destinado a abrigar os cantores em cerimônias
religiosas.
79
Galeria transversal que numa igreja separa a nave central da capela-mor, formando os braços da cruz nos
templos que apresentam essa disposição.
80
Pátio, à frente ou em torno das igrejas.
81
Grande cruz, erguida nos adros, cemitérios, largos, praças, que busca apresentar o instrumento do suplicio de
Cristo.
54

Outra questão é quanto à inexistência da segunda torre sineira, pois isso suscita
reflexões quanto à inexistência de recursos para a sua construção, isto também é possível de
ser visto em outras construções jesuíticas existentes na zona norte do Piauí, como por
exemplo, a igreja de Nossa Senhora da Vitória em Oeiras.
Outro exemplo que se pode fazer referência é a igreja de Nossa Senhora do Rosário
(Figura 11) da cidade, edificação do século XIX, que em sua construção original também não
possuía a segunda torre, ela só será construída no século XX, pelo primeiro bispo da Diocese
de Campo Maior, Dom Abel Alonso Nunez.

Figura 11 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário no século XIX


Fonte: Silva Filho (2007)

Esse templo igualmente manterá uma simplicidade e despojamento plástico e será


classificado como uma construção de influência jesuítica. Esta igreja foi construída com
donativos de uma senhora portuguesa que, em pagamento a uma promessa, se prontificou a
construir esse templo.

2.2 SEGUNDO MOMENTO: A NOVA IGREJA (1944-1971)

Na virada do século XIX, muitos templos sofreram reformas, perdendo-se,


definitivamente, as características originais. Isso deveu-se aos inúmeros movimentos que
ocorriam na Igreja Católica, com o desejo de mudança. Na questão litúrgica e do espaço
físico, a grande influência veio do Movimento Litúrgico que já foi citado no capítulo anterior.
Em Campo Maior, a Matriz de Santo Antônio foi substituída por um novo edifício no ano de
1944 e, da antiga construção, restam apenas algumas fotografias e imagens.
55

A grande mudança ocorrida na paisagem cultural de Campo Maior se deu sob a


direção do padre Mateus Cortez Rufino que, nomeado por Dom Severino Vieira de Melo82,
bispo da Arquidiocese de Teresina, da qual pertencia Campo Maior, chega à cidade em vinte e
oito de novembro de 1941 e, em trinta de novembro do mesmo ano, assume a paróquia como
ecônomo e vigário amovível (suscetível de remoção). Em cinco de fevereiro de 1950, tomou
posse como pároco inamovível (fixo).

Figura 12 – Padre Mateus Cortez Rufino


Fonte: Souza (2011).

Padre Mateus (Figura 12) nasceu em Ipiranga – PI, em 5 de julho de 1915, filho de
Joaquim Rufino Silva e de Maria Cortez da Silva. Estudou em Oeiras, e quando decidido
seguir a vocação à vida sacerdotal, mudou-se para Teresina, onde permaneceu até 1935,
quando foi enviado para Fortaleza para concluir sua formação. No ano de 1939 foi ordenado
diácono.
Foi ordenado sacerdote em oito de dezembro de 1940 em Teresina. Atuou como
vigário cooperador da Paróquia de Nossa Senhora do Ó e Nossa Senhora da Conceição, em
Valença do Piauí, de dezembro de 1940 a novembro de 1941.
A primeira Paróquia em que atuou como responsável direto foi a de Santo Antônio,
em Campo Maior, onde viveu e exerceu seu ministério durante trinta anos, dos anos de 1941
até 1971. Posteriormente, foi assumir o cargo de reitor do seminário menor de Teresina

82
Assumiu Dom Severino Vieira de Melo o governo da Diocese do Piauí, na Catedral de Nossa Senhora das
Dores, em 23 de fevereiro de 1924. Ele foi o terceiro bispo do Piauí (1924-1944), o primeiro bispo de Teresina
(1945- 1952) e o primeiro arcebispo de Teresina (1953-1955).
56

(1971-1977). Em seguida, tornou-se o vigário geral da Arquidiocese (1972-1985), cargo em


que permaneceu por treze anos. Por fim, foi administrador diocesano (1985-1988). Faleceu na
capital piauiense, em vinte e dois de outubro de 1990.
Ao chegarem Campo Maior, é recebido com muita hostilidade, segundo se encontra
descrito, pelo próprio sacerdote, no Livro de Tombo número dois da paróquia. “Durante o
trajeto até a casa paroquial fui alvo de manifestações de hostilidades e desacato como
‘foguetes de apito’, algazarras e barulho de latas velhas etc., que partiu de um bar localizado
na Praça Rui Barbosa”.
Isto é confirmado por Dona Teresinha de Jesus Costa83, senhora que morava em uma
casa na Praça Bona Primo, que fica defronte à igreja. Padre Mateus era um jovem de apenas
vinte e seis anos de idade e chegava à cidade para assumir uma grande responsabilidade,
cuidar de uma Paróquia com grandes dimensões territoriais.
Acredita-se que essa hostilidade deveu-se a vários fatores, o primeiro deles seria o fato
dele ter substituído três frades alemães que viviam na Paróquia realizando missão, homens
mais experientes e que já viviam algum tempo na cidade. Além disso, padre Mateus era um
jovem franzino, recém ordenado que chegou à cidade para substituir uma estrutura arraiga na
mente de muitos.
Todavia é válido destacar, que ao mesmo tempo, que foi destratado por alguns, foi
muito bem acolhido por fiéis da paróquia, como o sacristão, algumas senhoras do Apostolado
da Oração e por Otacílio Eulálio, procurador e tesoureiro da Paróquia e do patrimônio da
Matriz de Santo Antônio, por ato do bispo Dom Severino Vieira de Melo. E ainda, teve o
apoio do poder público municipal, que reprimiu as investidas realizadas contra o sacerdote
naquele dia. E o padre não se esquecendo disso, agradeceu ao prefeito escrevendo no livro de
tombo:

[...] Não posso porém, deixar de fazer aqui, sobressair, e ao mesmo tempo
expressar meus sinceros agradecimentos, ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal,
Cel. Francisco Alves Cavalcante, pela solidariedade e apoio que me prestou,
logo, imediatamente, a minha chegada como também pelo modo enérgico e
destemido com que reprimiu aquelas manifestações, que S. Excia. Muito
bem cognominou de ‘selvageria’.84

O senhor João Alves, autor do livro Mateus Rumo ao Céu, narra esse momento
colocando que o prefeito Francisco Alves Cavalcante, quando teve conhecimento das

83
COSTA, Teresinha de Jesus. Campo Maior, out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da Conceição
Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
84
LIVRO DE TOMBO, 1942.
57

manifestações ocorridas no Bar Santo Antônio, procurou o delegado pedindo que fosse feita a
prisão de Antônio Bona Neto, um dos participantes da algazarra.
O delegado e o prefeito seguiram para o local, onde ocorreu um enfrentamento físico
entre o prefeito e Bona Neto e, num determinado momento, o representante municipal,
motivou a um dos soldados que estava armado a atirar em seu oponente. “O soldado chegou a
se posicionar, mas o sargento delegado deu a contra ordem: ‘não o faça. Você não sabe com
quem está metido’ [...]. Felizmente não houve mortos e nem feridos.”85. Esse aviso do
delegado, deu-se por conta da importância política e econômica da família do jovem Bona
Neto. Apesar de todo esse confronto, a situação foi resolvida.
Dona Iracema, moradora da cidade de Campo Maior, também recorda-se deste fato,
mas afirma que, graças a dedicação em todas as suas atividades, a população passou a
respeitá-lo. Afirmou ela que, “Ele trabalhou, trabalhou de verdade e depois conquistou a
amizade de todos os paroquianos, inclusive dessa pessoa, que soltou foguete de assovio no dia
de sua chegada.”86
Com o passar do tempo, Padre Mateus tornou-se um homem com muitas funções e
missões na cidade de Campo Maior, talvez até seja possível compará-lo a outro sacerdote que
andou pelas terras piauienses, Padre Marcos, conhecido, especialmente, pelo seu incentivo à
educação, e que assim como ele, foi um homem múltiplo. “Padre Marcos percorreu a todos e
com todos conviveu. Era padre, educador e pregador, seja em sua igreja, em sua Escola ou
nos palcos próprios da vida política. Interessava-se por pessoas, por religiosidade, por
educação, por política”87.
Entende-se que, assim como padre Marcos foi importante para várias ações no Piauí,
assim foi padre Mateus para a região de Campo Maior, provavelmente tenha sido esse, um
dos motivos, que influenciaram nos cargos o sacerdote assumiu logo após, a sua saída da
Paróquia de Santo Antônio.
Padre M ateus mesmo estando em Campo Maior ocupou cargos na Cúria da
Arquidiocese de Teresina. No ano de 1955, por exemplo, era um dos juízes prós sinodais88,
fazia parte do conselho de disciplina e ainda era um dos párocos consultores e examinadores
prós sinodais.

85
ALVES FILHO, João. Mateus Rumo ao céu. Campo Maior. 1994. p.36.
86
SANTOS, Iracema Lima Costa. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
87
SOUSA NETO, Marcelo de. Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850).
Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2013. p. 200.
88
Pró- sinodal é um teólogo nomeado num sínodo para examinar outros clérigos.
58

Como homem das ideias, da política e do sagrado, conduzia seu ‘rebanho’ a


onde queria e, como bom pastor, possuía também um pesado cajado a seu
serviço ao ser lembrado que, como citado anteriormente, ‘se preciso, ele
sabia mostrar-se decidido, forte e tenaz, embora preferindo ao tom violento e
a voz entrecortada uma fala longa e envolvente’. É importante notar que essa
força não é constituída isoladamente, mas nas relações de poder assumidas
pelo Padre. Portanto, ele não pode ser considerado à parte do enredo que
compõe e com o qual se articula89.

São inúmeras as semelhanças existentes, entre esses dois sacerdotes, que tiveram um
papel importante na expansão da fé católica. Contudo, além de missionários foram homens de
ideias que influenciaram em todos os âmbitos da sociedade que faziam parte. Uma das
semelhanças que pode ser citada é o incentivo à educação.
Uma das contribuições para a educação campo-maiorense se deu com a fundação do
Ginásio Santo Antônio, fundado em 30 de maio de 1946 e reconhecido pelo MEC (Ministério
da Educação e da Cultura) no dia 30 de janeiro de 1947. Essa unidade de ensino teve como
primeiro diretor o senhor Hilson Bona e, como vice-diretor, padre Mateus, que também
desempenhava a função de professor de latim. Esse fato e o envolvimento do padre foi
destacado pelo Almanaque do Cariri:

Ao contrário do que ocorria antigamente, nos dias de hoje a mocidade


brasileira pode com relativa facilidade realizar os seus estudos de
humanidade sem a inconveniência de se locomoverem de sua cidade natal,
ou pelo menos, de se afastarem para grandes distâncias, isto graças ao
Espírito apostólico de educar como o Pe. Matheus e a plêiade de paladinos
da instrução superior, que o acompanha90.

Essa escola teve como primeiros professores: Padre Mateus, Dr. Altivo da Costa
Araújo, Professora Lina Bona Morais, Dr. Joaquim Antônio de Oliveira, Professor Raul
Santos, Professora Mercedes da Costa Araújo, Professor Olímpio Castro de Oliveira e o Juiz
de Direito, Dr. João Cavalcante.
Além do Almanaque do Cariri, o acontecimento da fundação do Ginásio Santo
Antônio por uma plêiade de homens da elite campo-maiorense, foi destacado também pelo
jornal O Piauí. Esse meio de comunicação ressaltou a importância deste estabelecimento de
ensino e a direção dinâmica e virtuosa de Pe. Mateus Rufino, que juntamente com um
professorado capaz, “vem sendo e há de continuar a ser reformador, um criador de uma

89
SOUSA NETO, op. cit. p. 210.
90
ALMANAQUE DO CARIRI, 1952. p. 605.
59

mentalidade nova e sadia, educando com esmero a esperançosa juventude campo-


maiorense.”91
Segundo a senhora Conceição, que estudou um ano na escola, o sacerdote era um
diretor firme, que os alunos respeitavam e temiam. Coloca ela, “Ah! Ele era rígido, menino
tinha medo, eu pelo menos tinha muito medo dele, ele não foi meu professor, não foi, mais se
ele dissesse uma coisa, menino lá tremia, obedecia mesmo”92.
Em uma dessas demonstrações de temor das pessoas, quanto à rigidez e firmeza do
sacerdote, ela recorda o que seu pai dizia, quando ela se preparava para ir à missa. Diz ela:
“meu pai sempre dizia: olhe se vão para a igreja, vão com as manguinhas, com os vestidinhos
de manga, porque vocês sabem que o padre não quer e eu não quero que ele bote nenhuma de
vocês para fora.”93
A presença do padre da Matriz nos espaços de ensino demonstra aquilo que, Marcelo
Neto94 destaca a respeito da relação entre os padres e os estabelecimentos de ensino, tendo em
vista que, a escola assumia um caráter missionário religioso, pois os ensinamentos
promovidos tinham como fundamentação a doutrina católica. Todavia, essa característica não
foi algo exclusivo a urbe de Campo Maior, mas por todo o país a Igreja estava presente, como
toda a sua simbologia.
Além da atuação no Ginásio Santo Antônio, padre Mateus, ainda atuou em outros
âmbitos da educação, o Jornal O Estímulo, anunciou no ano de 1946, a abertura de uma
Escola Noturna Gratuita para adultos na casa paroquial. Esta tinha como público alvo os
operários e empregados. “As aulas serão dadas pelo vigário auxiliado por alguns moços
católicos. Os interessados poderão desde hoje tratar de sua matrícula, lembrados de que é
tarde para se aprender.” 95
Além disso, transformou a casa paroquial, em casa de estudantes. Os jovens que
chegavam para o internato vinham de diversas cidades como, por exemplo, Barras, Porto,
Nossa Senhora dos Remédios, Castelo, Piripiri, Pedro II, Capitão de Campos e do interior de
Campo Maior. Estes dividiam espaço com padres e professores e vivenciavam atividades da
paróquia, como por exemplo, os festejos de Santo Antônio.

91
CAMPO Maior. Jornal o Piauí, 1950.
92
GONÇALVES, Maria da Conceição. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para a pesquisa de mestrado.
93
GONÇALVES, Op. cit.
94
SOUSA NETO, Marcelo de. Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850).
Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2013. p. 206.
95
JORNAL O ESTÍMULO, 1946.
60

[...] e para receber estudantes do interior e dos municípios vizinhos,


transformou a casa paroquial, sua residência, em internato masculino, onde
os internos tinham moradia, alimentação, roupa lavada e aulas no Ginásio,
mediante o pagamento da mensalidade. [...] Houve anos em que o internato
hospedava mais de quarenta estudantes, além de dos professores Chagas
Campos, Joaquim Santos e dos padres coadjutores.96

Esse papel múltiplo do sacerdote em tempos em que a Religião ainda possuía uma
maior unicidade, é destacado por Rops quando destaca a interferência dos párocos nas vidas
de seus paroquianos, sendo que muitas vezes isso era permitido de forma livre ou gerava
insatisfações. “O pároco está, portanto, em contínua união com o seu rebanho, que conhece
pessoa por pessoa. É para ele que afluem todas as súplicas e reclamações. Vela pela saúde
pública bem como pelo estado moral da sua paróquia.”97
Uma dessas interferências é tida por alguns historiadores da cidade, como uma forma
de perseguição. Para Marcus Paixão98, padre Mateus levantou duro enfrentamento contra tudo
e todos que pareciam atrapalhar os seus planos, isso motivado pela Igreja, que anterior a sua
chegada, já vinha “perseguindo” os Batistas e a Assembleia de Deus. Entretanto, segundo o
autor, o vigário da freguesia de Santo Antônio teria perseguido durante sua estadia em Campo
Maior, a Maçonaria, na década de quarenta e o Espiritismo Kardecista, na década de
cinquenta.
Sobre isso há, um registro do ano de 1960, no livro de tombo de número dois, com o
título “heresias e seitas”, e nessa descrição aparece uma referência aos Batistas e aos
Pentecostais. Quanto aos Espiritismo o texto coloca que “na sede da Paróquia há um Centro
Espírita, com intensa atividade. O chefe é um farmacêutico da praça local, tem relacionado no
meio. É, às vezes, desleal na sua propaganda. Conseguindo influência dos médicos locais”99.
Outra grande querela do padre com a comunidade campo-maiorense se deu, ao
enfrentar e criticar a Loja Maçônica fundada nesta urbe, no dia nove de outubro de 1948, com
o nome “Costa Araújo n. 3”. No entanto, o seu posicionamento tinha como base, aquilo que a
Igreja dizia a respeito. Exemplo disso, encontra-se em uma matéria presente no jornal
católico, O Dominical, do mesmo ano de fundação da Maçonaria100 em Campo Maior.

96
OLIVEIRA, Joaquim Pereira de. Estrelas no Chão: memórias. Brasília: André Quicé Editor, 1997. p. 45.
97
ROPS, Daniel. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. v. III. São Paulo: Quadrante, 1993. p. 265.
98
PAIXÃO, Marcos. Perseguição religiosa em Campo Maior. Boletim Trimestral de Estudos Históricos de
Campo Maior. Foge Homem. p. 2.
99
LIVRO DE TOMBO, 1942.
100
Segundo LIMA (2001): “Embora a feição primitiva desta entidade fosse de caráter solidário entre seus
membros e caritativa na sociedade, desde seu aparecimento em Londres, a 24/06/1917, a maçonaria cedo se
expandiu e absorveu o ideário teísta e iluminista. Principalmente na Europa, tornou-se sociedade secreta e
impulsionou a Revolução Francesa. Investiu contra as diversas formas de absolutismo, incluindo entre elas, a
61

Pode um católico ser maçom? ‘Esta pergunta foi dirigida ao Grande Oriente
de Paris no ano de 1903. Para o Grande Oriente, suprema instância
maçônica, deu a seguinte resposta: ‘O maçom não pode ser católico, nem o
católico pode ser maçom, a incompatibilidade é radical. O maçom tem até a
imperiosa necessidade de combater a Igreja Católica, o maior óbice aos fins
da Maçonaria’. A resposta é muito clara e ainda há católicos que duvidam.
Quem não é comigo é contra mim, disse Jesus.101

Diante disso, percebe-se aquilo que Lima aborda sobre está temática, pois para ele
inúmeras personalidades da política, das forças armadas, das classes produtoras, da cultura e
do clero filiaram-se às lojas maçônicas, com maior ou menor convicção pelo seu ideário, mas
no mínimo, para angariar status.
Pois assim, como muitos correligionários da maçonaria brasileira não estavam
conscientes do antagonismo básico que, no referido ideário, existe a respeito da concepção de
Deus e dos deveres que a fé da Igreja impõe aos seus fiéis. Ocorre também o que coloca Rops,
“Do mesmo modo, nem todos eles estariam suficiente ou essencialmente instruídos na
doutrina pregada pela Igreja [...]”102. Isso provavelmente, também, aconteceu em Campo
Maior, onde motivados por questões desconhecidas buscavam vivenciar as duas práticas
associadas uma a outra.
Segundo Alves Filho103, quando o padre tomou conhecimento da instalação da Loja
Maçônica, ele teria manifestado sua insatisfação através de reclamações públicas, chegando
até excomungar todos os seus componentes. Porém, esta pesquisa não encontrou nenhum
escrito que comprove a excomunhão dos membros desta instituição nesse período, exceto, a
afirmação do autor.

Instalada a Loja Maçônica Costa Araújo no. 3, estava também instalado o


maior desentendimento social da época. Padre Mateus, de reconhecido dom
oratório, a sua palavra agia como uma metralhadora, quando marchava para
destruir, o que não agrada a Deus, na sua concepção. Dizia Mateus não
permitir que o ‘demônio’ instalasse na Paróquia de Santo Antônio, o ‘seu
reinado’, que tinha como símbolo um ‘bode preto’, de longos chifres. A
teimosia entre maçonaria e Igreja estava pronta e teve vida longa.104

igreja.” Chegou até o Brasil através de estudantes vindos da Europa, imbuídos de ideias e do iluminismo que se
infiltravam na literatura. Há quem atribua a primeira atuação política da maçonaria no Brasil à Conjuração
Mineira de 1789.
101
PODE um católico ser maçom? O Dominical 22 ago. 1948.
102
LIMA, Maurilio Cesar de. Breve História da Igreja no Brasil. Rio de JANEIRO: Restauro, 2001. p.128.
103
ALVES FILHO, João. Mateus Rumo ao céu. Campo Maior. 1994. p.48.
104
ALVES FILHO, op. cit.
62

Contudo, Alves Filho coloca que com o passar dos anos, houve uma aproximação,
entre padre e maçons, e que “foram lentamente formando a corrente da paz e do amor, nesta
cidade em que a Igreja e Maçonaria, prestam cada instituição, ao seu modo, os seus serviços,
espelhados sempre na Bíblia Sagrada.”105No entanto, acredita-se que as fatos não foram
apaziguados de maneira tão simples assim, tendo em vista, o grande conhecimento que o
Padre Mateus possuía sobre os ensinamentos teológicos de sua Igreja.
Apesar de todas essas questões ideológicas, Padre Mateus continuou a realizar
inúmeras atividades, na paróquia que estava sobre sua responsabilidade. Uma delas foi a
colaboração para o surgimento de comunidades organizadas e, com sua participação, foram
edificadas as capelas dos povoados Boqueirão, Capitão de Campos, Lagoinha, Jatobá, São
Joaquim, Sambaíba, Santa Maria, Cocal de Telha, Conceição (Sigefredo Pacheco), Tocaia e
Nossa Senhora de Nazaré. Esse seu trabalho foi destacado pelo Almanaque do Cariri.

Além da Matriz um dos mais belos Templos católicos do Estado registra-se


ainda a existência das seguintes capelas: Na sede: Nossa Senhora de Lourdes
e Nossa Senhora do Rosário; na povoação Nazaré, Nossa Senhora de
Nazaré; em Conceição, Nossa Senhora da Conceição; em Lagoinha, São
Francisco de Assis; em Santa Maria, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro;
em Capitão de Campos, Sagrado Coração de Jesus106.

Ele foi um incentivador da criação de muitas confrarias religiosas. Implantou a


Congregação Mariana dos Moços no ano de 1949. Os moços foram selecionados e preparados
pelo padre Mateus, os rapazes eram reconhecidos pelas cores das fitas que utilizavam, pois a
fita azul era utilizada pelos congregados, a fita verde pelos aspirantes e benjamins. Estes
grupos e associações, acabavam por propiciar um destaque na sociedade, para aqueles que
faziam parte deles.
Acredita-se que, devido ao posicionamento assumido pelo jovem padre, diante dos
acontecimentos, que ocorreram logo após sua chegada e ao seu trabalho para organizar a
paróquia e as comunidades pertencentes a elas, que quando instigou a população a respeito da
demolição da antiga igreja, para a construção de um novo templo não sofreu grandes embates.
Entretanto, é interessante perceber como a demolição da antiga igreja, e a construção
da nova, sempre aparecem relacionadas ao padre Mateus, e praticamente não é falado no
Cônego Gastão Pereira da Silva, que já vinha realizando reformas na igreja e nas outras
construções pertencentes à Igreja desde a década de vinte.

105
ALVES FILHO, João. Mateus Rumo ao céu. Campo Maior. 1994. p.48.
106
ALMANAQUE do Cariri, 1952. p. 605.
63

O Cônego reformou a capela Mor e a de São José, além disso, realizou uma nova
pintura na igreja. O livro de tombo de número um apresenta que estas reformas foram
custeadas com doações da comunidade.
O que se pode supor é que, o cônego, que já vinha realizando trabalhos na comunidade
para promover mudanças no templo, apresentou ao jovem padre o seu desejo de construir um
novo templo para a cidade, que vinha sofrendo mudanças significativas devido à extração da
cera de carnaúba. “O Cônego Gastão deu seu integral apoio a ideia e convidou todos os
presentes que quisessem o mesmo. O que imediata e unanimemente se verificou.”107
Contudo, de acordo com Dona Teresinha, passou algum tempo para que o padre
Mateus resolvesse demolir a igreja para fazer uma nova em seu lugar.

[...] com a continuação é que ele foi percebendo que a quantidade de pessoas
era muita e que a igreja era pequena, além disso, não tinha nenhuma das
igrejas que tem hoje, somente a igreja do Rosário e algumas capelas como a
do Patronato. Conversando com um e com outro, com autoridades, com os
amigos, ai ele achou que devia demolir a igreja e fazer outra maior e mais
bonita. 108

Em 19 de março de 1943, foi convocada uma reunião geral das associações paroquiais,
além de diversos fiéis e algumas pessoas do comércio local. Segundo o Livro de Tombo, essa
reunião foi presidida pelo Cônego Gastão Pereira da Silva, um dos clérigos da matriz, e tinha
por objetivo organizar uma comissão para a construção da nova Matriz de Santo Antônio, que
segundo o Almanaque do Cariri “era um desejo velho e geral de muitos campo-
maiorenses”109.
A comissão que se formou era composta por Luiz Rodrigues de Miranda, como
presidente; José Euzébio de Carvalho, como secretário; Waldeck Bona, como tesoureiro; além
do doutor Sigefredo Pacheco; Coronel José Pires Neto; Aarão Santana; Nilo Oliveira e João
Cristóvão de Oliveira. Neste mesmo ano, arrecadou-se dinheiro para a construção da Matriz.
Nota-se que a comissão formada era principalmente formada por pessoas da elite campo-
maiorense, pessoas tidas como representantes de um desejo que, em seguida, se mostrou
comunitário.
Posterior a essa reunião, o Padre Mateus, em vinte e três de junho de 1944, envia um
requerimento à Cúria da Arquidiocese pedindo a licença necessária para executar a

107
LIVRO DE TOMBO. v. 2 Campo Maior: [s.n.], 1943.
108
COSTA, Teresinha de Jesus. Campo Maior, 31 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
109
LIVRO, op. cit.
64

demolição. Para isso, justificou-se dizendo que a atual Matriz não satisfazia mais às
necessidades dos fiéis e, por isso, deseja dar-lhe proporções mais amplas e torná-la, assim,
mais adaptada ao Culto Divino.
O Almanaque do Cariri destacou em uma de suas edições o que eles consideraram a
primeira grande proeza do jovem padre, a reforma da igreja. “Demolindo o velho templo,
antiquado e grosseiro, erigiu em seu lugar um outro moderno e elegante cujas linhas
arquitetônicas, constituem um grande adorno para a casa de Deus.”110. Porém, é importante
analisar o discurso de descrédito que eles fazem do antigo templo e a exaltação do novo
espaço sagrado, como símbolo do novo.
Diante disso, percebe-se que, muitas vezes, para explicar a aparição deste ou daquele
novo templo, bem como a substituição de uma antiga igreja por outra nova, não houve
nenhum motivo ocasional, mas aquilo que Rops apresenta como sendo a causa para tal fato,
“a única razão era o desejo de fazer algo melhor do que os antepassados e dar a Deus uma
morada mais digna e mais bela.” 111
Obtida a aprovação supra em 27 de junho de 1944, celebrou-se a bênção de Santo
Antônio na velha Matriz e, logo após, a imagem do padroeiro foi transladada para a Igreja do
Rosário, ficando as outras imagens nas residências das famílias Católicas da cidade. No dia 28
de junho de 1944, foi celebrada a última missa com o acompanhamento de todos e fez-se a
transladação do Santíssimo Sacramento para a Igreja do Rosário, de acordo com dona
Teresinha Costa, em sua entrevista.

Nossa Senhora das Dores ficou na casa do Eulálio, Santa Teresinha ficou
aqui em casa além de outras imagens; em todas as casas tinham santos, São
Francisco na casa de seu Miguel Furtado. Os bancos foram para a igreja do
Rosário, castiçais, jarros ficaram aqui em casa, encheu uma despensa da
casa.112

Após a transferência das imagens e objetos litúrgicos para a Igreja do Rosário e para a
casa de famílias católicas, a obra se inicia. Os operários, auxiliados por voluntários, sobretudo
estudantes e meninos, começaram a demolição da igreja, iniciando pela capela-mor e pela
sacristia. Em 19 de julho de 1944, marcaram-se as cavas. Em três de agosto do mesmo ano,
lançaram a primeira pedra das bases da nova Matriz. Em 28 de novembro, estavam prontas as
paredes da nave transversal e da sacristia.

110
ALMANAQUE do Cariri. 1952 p. 604.
111
ROPS, Daniel. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. v. III. São Paulo: Quadrante, 1993. p. 390.
112
COSTA, Teresinha de Jesus. Campo Maior, 31 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
65

Nesse mesmo ano, acredita-se que motivados pelos acontecimentos em torno da


construção da nova igreja, por meio de uma portaria de número 1, datada de 17 de janeiro de
1944, ficou estabelecido que o dia 13 de junho, consagrado a Santo Antônio, seria, a partir de
então, feriado municipal. Esta portaria foi assinada pelo senhor João Almeida, delegado
Regional do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio no Estado do Piauí.
A construção levou cerca de dezoito anos para ficar pronta, pois, nesse período, muitos
problemas contribuíram para essa demora. Um deles, acredita-se que tenha sido a seca que
ocorreu na década de cinquenta durando mais de dois anos.
Outro empecilho foi um olho d’água que brotou no chão quando se faziam as cavas, o
que atrapalhou bastante a construção; mas, com o conselho de pessoas amigas, como a
professora Briolanja Genuíno de Oliveira e o auxílio de algumas pessoas, como o senhor
Waldeck Bona, conseguiram solucionar o problema e dar continuidade aos trabalhos de
edificação do novo templo.

[...] com uma cara de preocupado ele disse para dona Briolanja que não sabia
o que fazer, o serviço tava enroscado por causa do olho d’água. Dona
Briolanja disse pra ele pedir uma máquina que pudesse puxar água. Então ele
disse que ia pedir ao Waldeck Bona, porque ele podia ter. Ai ela disse pra ele
mandar preparar a massa e mandar trazer um caminhão de pedra da serra e
colocar perto do buraco. Então as pessoas prepararam a massa e ligaram o
motor. Era tanta água que descia pela rua que vai pra ponte, juntou tanta
gente pra ver. Ia secando e eles jogando a massa e colocando as pedras,
muita massa e muita pedra, os meninos iam atrás empurrando. Jogaram,
ficou merejando um pouquinho, mas conseguiram dar fim. No outro dia
ainda ficou merejando, então ele mandou colocar mais pedra e mais massa,
passou mais de uma semana pra secar. Aí eles conseguiram subir as paredes
[...]113

O senhor Waldeck Bona governou a cidade de Campo Maior em dois mandatos, de


seis de maio de 1946 a seis de maio de 1947 e, posteriormente, de 21 de abril de 1948 a trinta
de janeiro de 1951, além disso, foi vereador e deputado estadual. Ele era coligado ao partido
PSD, era fazendeiro, comerciante e político, natural de Campo Maior, pertencente à família
Bona, que possui uma forte tradição política na cidade. Ele também tinha forte atuação
religiosa, sendo membro e presidente da Confraria São Vicente de Paulo, que mais tarde
construiria o Hospital São Vicente de Paulo, a primeira casa de saúde com internação em
Campo Maior.

113
COSTA, Teresinha de Jesus. Campo Maior, 31 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
66

O seu governo foi marcado por muitas obras de infraestrutura, tendo em vista o bom
momento vivido pela economia piauiense, especial, a campo-maiorense, alimentada pelo
extrativismo da cera de carnaúba. Foi construído o Estádio Deusdeth Melo, houve a
implantação de chafarizes, reformas em ruas e avenidas, implantação de leis e apoio às ações
da Igreja Católica. No entanto, também sofreu fortes críticas de seus adversários que muitas
vezes o colocava como “fantoche” de Sigefredo Pacheco.
Em meio à construção da igreja, ocorreu um fato significativo para a cidade de Campo
Maior, impulsionada por padre Mateus. Ele, que demonstrava o desejo de abrir uma casa de
irmãs para a formação da juventude feminina, incitou uma campanha e conseguiu apoio das
autoridades, especialmente do deputado Sigefredo Pacheco, para a concretização deste desejo.
O deputado conseguiu do governo federal uma quantia de cento e cinquenta mil cruzeiros.
Todavia, a comunidade também colaborou com doações espontâneas.

Obtive um terreno ao lado da capela de Nossa Senhora de Lourdes no bairro


do mesmo nome, medindo 52 m de frente por 70 de fundo e no dia 03 de
agosto de 1949, precisamente cinco anos após o início da Matriz, louvei a
primeira pedra do Patronato, não houve cerimônias. Tudo em silêncio.114

Segundo Lima115, o Patronato Nossa Senhora de Lourdes foi instalado, a partir de uma
capela construída em 1890, em honra a Nossa Senhora de Lourdes. De acordo com os
registros existentes, a iniciativa da construção partiu de Frei Mansuetto de Maria, de
passagem pela Vila naquele ano.
A história da construção desta capela assemelha-se com os trabalhos promovidos em
torno da construção da nova igreja de Santo Antônio. Isso fica visível, quando observa-se o
texto de Otacílio Eulálio, intitulado: Capela de N. S. de Lourdes, sua origem. “O povo
aplaudiu delirantemente a idéia do Frei Mansuetto[...] homens e mulheres e crianças rumo às
olarias da cidade, em procissão, traziam sobre os ombros tijolos, barro e areia para a
construção.”116
Sendo assim, no dia 13 de março de 1953, foi inaugurado, na cidade, o Patronato
Nossa Senhora de Lourdes, escola que cuidaria da formação das jovens moças campo-
maiorenses. Esta tarefa ficou a cargo das irmãs da Congregação das Filhas de Santa Teresa de
Jesus. Os jornais da época deram destaque a esse fato. O Dominical também destacou “Com

114
LIVRO DE TOMBO. v. 2. Campo Maior: [s. n.], 1943.
115
LIMA, Reginaldo Gonçalves de Lima. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Teresina,
1995. p. 101.
116
LIMA, op. cit. .p. 299-300.
67

tal inauguração do Patronato Nossa Senhora de Lourdes, faz mais uma vez, jus à gratidão
perene dos campo-maiorenses, à admiração de todos, o homem de Deus que é o Pe. Mateus
Cortez”117.
A construção do Patronato foi destaque no Almanaque do Cariri em sua edição de
1952 também destacou “Outro trabalho de vulto e que dignifica e eleva o movimento social
desempenhado pelo Pe. Mateus é a construção de um edifício destinado ao funcionamento de
um patronato”118.
Dentro de todo esse contexto, a segunda igreja foi construída com a ajuda de seus
fiéis. Conforme os relatos orais, o desejo de construir um templo novo era tão grande que as
pessoas faziam leilões, doavam dinheiro, ajudavam com aquilo que podiam. A senhora Ana
Cunha119, viúva do poeta campo-maiorense Cunha Neto, conta que ele lhe falava da sua
participação na construção da igreja. Ele, como escritor, produziu um folheto para vender e
doou todo o dinheiro das vendas para a igreja. Para ela, ele era um entusiasta da construção
que, como os outros, queria uma igreja nova para sua cidade.
No entanto, ela fala de uma divisão que houve na cidade, pois algumas pessoas eram
contrárias à demolição, dizendo que era um templo histórico que devia ser preservado e não
destruído. Segundo o Professor Raimundinho Andrade, no discurso proferido por ele, na festa
de comemoração pela passagem de trinta anos da chegada de padre Mateus em Campo Maior,
após dois anos da chegada do sacerdote a cidade, ele iniciou uma obra polêmica entre os
descrentes da terra, mas que não permitiu que o descrédito e o pessimismo de muitos,
barrassem a trajetória do seu desejo, “o de oferecer a comunidade católica, um templo que
abrigasse condignamente os seus paroquianos.” 120
Mas, esses relatos contrários a demolição encontram-se silenciados. O jornal O
Estímulo, ao contrário destacou em uma de suas matérias, o interesse que a população tinha
para que a obra fosse realizada, pois seria a concretização da vontade do povo. “Será o marco
de uma geração. No seu frontispício ficará a placa de bronze. Para a glória de Deus e
homenagem a Santo Antônio, o povo de Campo Maior.”121
Dona Ana, fala ainda, da ajuda que a população prestava à igreja dava-se de todas as
formas. Segundo ela, os jovens do tiro de guerra, inclusive seu marido, a comando do

117
EM CAMPO Maior. Dominical, 22 fev. 1953.
118
ALMANAQUE do Cariri, 1952. p. 604.
119
CUNHA, Ana Assunção Oliveira. Campo Maior, 20 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
120
SOUSA, Silvia Maria Melo de. Educação e Educadores de Campo Maior. Campo Maior: Realce, 2011. p.
127.
121
O MARCO de uma geração. O Estímulo, jan. 1946.
68

sargento, ajudavam na construção de maneira física e financeira. Ao analisar a fala da senhora


Ana Cunha, deparamo-nos com aquilo que Catroga coloca como a convocação da recordação
dos outros, pois ela tem viva, em sua memória, as narrativas de seu marido sobre o fato.

Por conseguinte, a relação com o passado não se esgota numa evocação em


que cada subjetividade se convoca a si mesma como um outro que já foi. E
ela decorre também do facto de a recordação envolver sujeitos diferentes do
evocador e de o desejo de ascender ao verossímil se comprovar com o
recurso às recordações dos outros. Por sua vez como a consciência do eu se
matura em correlação com as camadas memoriais não só diretamente
vividas, mas também adquiridas, tem de se ter presente que estas, para além
das de origem pessoal, só se formam a partir de narrações contadas por
outros, ou lidas e vistas em outros: o que prova que a memória é um
processo relacional e intersubjectivo.122

Interessante perceber que, em toda a cidade, existe essa convocação da memória


alheia, tendo em vista que muitos daqueles que presenciaram a demolição e a construção da
nova igreja de Santo Antônio ou já são falecidos, ou não habitam mais na cidade, restando
apenas um pequeno número de pessoas que repassam suas lembranças e, com isso, acabam
gerando uma repetição daquilo que foi vivido e visto em outros tempos.
Outro fato interessante da participação popular se deu quando, aos domingos, o padre
Mateus convocava os moradores para irem buscar tijolos e pedras para construir a igreja.
Segundo Costa123, as pessoas juntavam-se para irem buscar esse material na Olaria da Caiçara
e do Zé Dóia. Aqueles que possuíam melhor condição financeira doavam caminhões para
trazerem os materiais. No entanto, a maioria das pessoas, inclusive as crianças, os traziam na
cabeça e nas mãos.
Segundo Vasconcelos124, em seu livro de memórias a respeito de Campo Maior, a
diretora do Grupo Escolar Valdivino Tito, em que ele estudava, querendo ajudar, decretava
que os alunos que quisessem ir apanhar tijolos nas olarias poderiam sair da sala de aula, pois
estavam dispensados. Assim, muitos alunos, querendo se ver livre das aulas, partiam e lá, para
se exibir para as garotas, colocavam até três tijolos na cabeça e seguiam para o pátio da igreja.
Ele afirma que por pesar cerca de três quilos, muitas vezes seus colegas deixavam o material
pelo caminho, chegando ao destino final com um ou mesmo nenhum tijolo nas mãos.

122
CATROGA, Fernando. Os passos do homem como restolho do tempo: memória e fim da História. Coimbra:
Almedina, 2009.
123
COSTA, Teresinha de Jesus. Campo Maior, 31 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
124
VASCONCELOS, Marcos. Raízes de pedra. Fortaleza: Editora livro Técnico Premius, 2006.
69

Outra forma de ajudar era com doações em dinheiro e, segundo Dona Teresinha,
houve uma doação individual para que se pudessem comprar os bancos da igreja. Para
Cunha125, outro fato relevante nesse contexto de ajudas é que o local da construção serviu de
ponto de encontro pra os namorados, que iam ajudar e aproveitavam a ocasião para conversar
e firmarem seus compromissos.
Segundo relatos, após o início da construção, os católicos da cidade realizaram
inúmeras campanhas de doação. E cada encontro religioso ou social, apresentava como
temática a construção da igreja. Segundo Alves Filho, padre Mateus utilizando de sua grande
oratória, empolgava a população para realizarem suas doações e não deixarem de colaborar
com a construção da nova igreja. Especialmente quando faltava-lhe recursos para a compra de
materiais e o pagamento daqueles operários contratados exclusivamente para a obra.

Padre Mateus aproveitava as Missas aos domingos, que ele celebrava nesta
Igreja do Rosário, para improvisar procissões, levando o povo até a
construção da nova Igreja, mostrava-lhe a evolução do trabalho, usava sua
arma forte, A PALAVRA, fazendo discursos emocionantes, referindo-se
sempre na importância de ver a Igreja de Santo Antônio construída.
Rapidamente a bandeja circulava e entre todos e o dinheiro aparecia, vindo
do bolso de cada paroquiano.126

As campanhas para arrecadarem fundos eram muitas, uma delas foi notícia do jornal O
Estímulo, a matéria noticiava o resultado da campanha das portas. O meio de comunicação
parabenizou pelo grande trabalho realizado pela Confraria do Perpétuo Socorro, apresentando
que a arrecadação rendeu um total Cr$ 43.387,50. “Glória, pois a Confraria é invencível”127. E
ainda parabenizou a presidente do grupo Dona Iraci Saraiva Oliveira, pois havia arrecadado o
valor de Cr$ 12.000,00.
Outra forma de contribuição, segundo a senhora Conceição Gonçalves 128, eram os
leilões, realizados nas portas das casas das famílias campo-maiorenses e, sua família foi um
dos grupos familiares, que promoveu esta ação. Ela fala que, essa prática tinha como
finalidade a compra do piso da igreja.
Essa prática de doações, para construções eclesiásticas sempre foi, constante em todo
o país e no estado do Piauí, pode-se citar como exemplo piauiense a construção da igreja de

125
CUNHA, Ana Assunção Oliveira. Campo Maior, 20 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
126
ALVES FILHO, João. Mateus Rumo ao céu. Campo Maior. 1994. p. 41.
127
O RESULTADO da campanha das portas. O Estímulo. 13 jun. 1946.
128
GONÇALVES, Maria da Conceição. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para a pesquisa de mestrado.
70

São Benedito, que segundo Nascimento, “foi construída pelo processo de mutirão”129, pois no
princípio da construção o material teria sido doado pela comunidade e transportado por ela até
o canteiro de obras. De acordo com o autor, essa construção teria durado cerca de doze anos
devido a questões naturais e a uma epidemia variólica. A obra foi conduzida pelo Frei Serafim
de Catania.
Quanto às celebrações, no início, foram realizadas na Igreja do Rosário. No entanto,
no ano de 1945, a Trezena130de Santo Antônio foi celebrada naquele espaço que mais tarde
seria um novo templo. Segundo o Livro de Tombo, escrito pelo próprio padre Mateus,
celebrou-se sem teto, colunas ou piso, mas mesmo assim se celebrou.
Ana Cunha, natural da cidade de Piripiri – PI, veio a Campo Maior, pela primeira vez,
no ano de 1948, e, quando aqui esteve, participou de uma Trezena na igreja que já estava de
pé, porém ainda em construção, pois dentro dela havia muitos andaimes.
Outro fator relevante é o momento em que os novos bancos chegam para compor o
templo. Eles vieram com o intuito de substituir os já existentes, assim como os
genuflexórios131 da antiga igreja, que eram de propriedade das famílias nobres de Campo
Maior, ou seja, cada família tinha seu próprio banco. Essa prática era bastante comum na
Igreja, demonstrando não somente uma prática social, mas também uma prática litúrgica.
Para Costa132, o padre Mateus pediu ao sacristão da igreja que queimasse todos os
genuflexórios existentes, pois ele não queria mais vê-los no novo templo. “O padre disse pra
deixar com ele, porque quando botassem os bancos novos não queria que essas cadeiras
tivessem por lá.”133 Segundo ela, foi uma grande confusão, mas as pessoas acabaram
aceitando a exigência do sacerdote.
Supõe-se que o vigário, poderia estar agindo motivado pelas discussões em torno da
renovação litúrgica, bem como pela ação dos novos anseios do Concílio Ecumênico Vaticano
II, que trouxe recomendações e instruções de como dever-se-ia agir a partir de então.

Disponham-se com especial cuidado os lugares para os fiéis, a fim de que


estes possam participar devidamente nas funções sagradas com a vista e com
o espírito. Convém que haja usualmente para eles bancos ou cadeiras. Deve
porém, reprovar-se segundo o art. 32 da Constituição, o costume de reservar

129
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Igreja de São Benedito. Cadernos de Teresina, v. 07, n. 14. 1993. p.
10.
130
São os dias consecutivos de orações e celebrações, em honra a um Santo, ela antecede e prepara para a festa.
131
Objeto típico dos rituais católicos utilizado para apoiar os joelhos nos momentos em que se pede que os fiéis
se ajoelhem.
132
COSTA, Teresinha de Jesus. Campo Maior, 31 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
133
COSTA, op. cit,
71

cadeiras para particulares. Procure-se mesmo com o emprego dos modernos


meios técnicos, que os fiéis possam não só ver, mas também ouvir sem
dificuldade o celebrante e os ministros.134

Conforme o padre Mateus, em sua escrita no Livro de Tombo, quando os forros da


capela-mor de Nossa Senhora e de São José ficaram prontos, ele, ouvindo a opinião geral e
aproveitando a boa vontade da prefeitura municipal, na pessoa do então administrador
Waldeck Bona, que se prontificou a patrocinar o material necessário, iniciou a construção da
torre no mês outubro; as calçadas, ao redor da igreja, foram construídas pela prefeitura.
A atuação do poder municipal demonstra a importância da cera de carnaúba, que fez
com que o município mantivesse bons superávits durante algum tempo, podendo, desse modo,
colaborar com esse momento do templo religioso de Campo Maior. Segundo Silva Filho 135,
depois do boi, o ciclo econômico da carnaúba foi promissor para o desenvolvimento das áreas
urbanas.

Figura 13 – Igreja de Santo Antônio


Fonte: Assis Lima[1950?].

Algum tempo depois, os sinos ocuparam novamente a torre da Igreja Matriz (Figura
13), na qual o padre Mateus colocou uma cruz de ferro na torre, em seu ápice, que, com o
auxílio dos operários da construção, antes de dar início à missa dominical, ele, com suas
mãos, colocou-os no alto da torre. Dona Teresinha descreveu, com emoção, o momento em

134
SAGRADA congregação dos ritos. Instrução “Inter Oecumenici”. 26 de setembro de 1964. n. 98.
135
SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy. v. 3. Belo
Horizonte. ed. autor. 2007.
72

que ele subiu e se abraçou com a cruz. Para ela, foi uma cena inesquecível, vê-lo no alto, todo
de batina preta, “foi a coisa mais linda ver ele lá em cima com sua batina balançando com o
vento”136. Aqui é perceptível o valor das representações, fato que, mesmo depois de tantos
anos, ainda suscita um significado que surge da representação que se tinha do sacerdote em
questão.
Para o sacerdote, também parece ter sido um momento de grande emoção, pois ele
descreve no livro de tombo137 que no dia 14 de maio, antes da missa, diante dos fiéis, ele
realizou a bênção da cruz de ferro que ficaria no alto da torre e que logo depois, com suas
próprias mãos, auxiliado pelos operários, colocou-a no ápice da agulha.
O sino, resquício da primeira igreja datado de 1774, aqui citado assume um papel de
destaque, tendo em vista, que servia para fazer as chamadas para as missas e para vários
outros momentos realizados no templo. Além disso, servia também, para fazer o anúncio do
falecimento de algum paroquiano e morador da cidade. Esse costume na Igreja, bastante
antigo e de origem monástica, ainda sobrevive em muitas cidades e paróquias.
Esses sinais e símbolos, que fazem parte da história da Igreja, estiveram presentes em
vários lugares, inclusive na cidade de Campo Maior e até hoje se mantêm. Como afirma o
espanhol Mario Righetti, “Las campanas, además del normal encargo de señalar la hora de los
servicios religiosos, tuvieron también otros ofícios parecidos, todavia vivos em las iglesias,
como el de advertir La agonía y La muerte de un fiel, para que se rezase por su alma, [...]138.
Apesar do crescimento da urbe, o tumulto da agitação diária, ainda se confunde com o
toque do sino, avisando que morreu um membro da paróquia de Santo Antônio.
No ano de 1952, com os bons resultados da festa do padroeiro, foi possível terminar o
revestimento interno e assentar todo o mosaico que, segundo Silva Filho 139, é uma
padronagem de ladrilho hidráulico140.
Foram ainda longos anos de acabamento, visto que a cada ano se fazia algo novo para
que a igreja correspondesse aos desejos da sociedade que percebia, nas novas construções
arquitetônicas, o ar de novidade, desenvolvimento e prosperidade, já que a cidade, de

136
COSTA, Teresinha de Jesus. Campo Maior, 31 out. 2011. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
137
LIVRO DE TOMBO. v. 2. Campo Maior: [s. n.], 1943.
138
RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1955. p. 445.
139
SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy. v. 3. Belo
Horizonte. rd. autor. 2007.
140
Revestimento “de maior resistência, uniformidade de assentamento e variadas opções de paginação oferecida
pelo colorido e efeitos figurativos geométricos e fitomórficos, rapidamente tomou o lugar do ladrilho de
barro. O ladrilho hidráulico foi fartamente empregado durante muitos anos caracterizando-se como um dos
mais representativos elementos da indústria da construção civil no Piauí, hoje praticamente desaparecido.”
(FILHO, op. cit., v. II, .p.136).
73

aparência ainda colonial, vê, no “Ouro Verde”, a possibilidade de, assim como em seus
primórdios, receber elogios por ser um espaço urbano próspero e renovado, correspondendo
às expectativas no novo século.
Sendo assim, no dia 15 de agosto de 1962, nas comemorações do bicentenário da
emancipação de Campo Maior, Dom Avelar Brandão Vilela141, arcebispo da Arquidiocese de
Teresina, da qual Campo Maior ainda fazia parte, procedeu, solenemente, à bênção da Igreja
Matriz de Santo Antônio (Figura 14), segundo o cerimonial Pontifical Romano.

.
Figura 14 – Igreja de Santo Antônio
Fonte: Autor desconhecido [1960?]

Estavam presentes, neste momento, conforme consta na descrição feita no Livro de


Tombo142, o professor José Camilo, representando o governador; Monsenhor Joaquim
Chaves; o prefeito da cidade, José Olímpio da Paz; o presidente da Câmara, Dácio Bona;
vereadores; o juiz, Hilson Bona; sacerdotes da Arquidiocese; representantes de todas as
classes; associações; colégios e grande multidão de fiéis. “Após a bênção da Igreja, S. Excia.
Revma. fez a sagração do Altar Portátil, colocando em seu sepúlcreto relíquias autênticas dos
Santos Mártires Jurandine, Vigilante e Urbano”.143 Essa celebração, ofereceu a população da

141
Dom Avelar Brandão Vilela, eleito arcebispo de Teresina, por bula de 05 de novembro de 1955, passada em
Castel Gandolfo, sob o pontificado de Pio XII, tomou posse do governo arquidiocesano de Teresina em 05 de
maio de 1955. Tempos depois ele elegeria, Vigário Capitular, em 03 de junho de 1971, Monsenhor Mateus
Cortez Rufino.
142
LIVRO DE TOMBO. Campo Maior: [s. n.], 1943. v.2.
143
LIVRO. op. cit.
74

cidade, o que Gueertz apresenta como, a garantia da compreensão de mundo e de seus


sentimentos.

Os símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas para sua
capacidade de compreender o mundo, mas também para que,
compreendendo-o, deem precisão a seu sentimento, uma definição às suas
emoções que lhes permita suportá-lo, soturna ou alegremente, implacável ou
cavalheirescamente.144

E assim, mesmo em meio a todas as dificuldades a igreja estava pronta para a


celebração do culto divino. No início da construção ainda na década de quarenta, o jornal O
Estímulo, destacou a força que o povo possui quando anseia algo. E é na observância desse
espaço sagrado, que se pode afirmar utilizando a fala do autor do texto impresso, “não
podemos deixar de admirar o quanto pode um povo, quando tem fé, união de vistas e amor ao
progresso de sua terra”145.
Sendo assim, a partir deste dia, esteve solenemente terminada a construção da segunda
igreja, que surgiu no mesmo local que a antiga, mas agora com forma diversa. A partir deste
momento, Campo Maior e a Igreja Católica passaram a contemplar um novo ornamento na
paisagem urbana da cidade. O espaço religioso, que antes se apresentava timidamente na
paisagem, agora, de forma suntuosa, surge como um elemento cultural da paisagem.
Não se busca, aqui, menosprezar o templo antigo que tombou, mas evidenciar uma
mudança significativa que ocorreu na cidade com relação a seus espaços sagrados, uma
mudança que vai se diferenciar de muitos dos templos do restante do estado, que optaram,
mesmo em meio a tantos novos ditames, manter-se em sua forma original, como é o caso de
Oeiras e Piracuruca.

Na segunda igreja, a julgar pela foto, a planta repetia o esquema das igrejas
basilicais de nave única, transepto formado por capelas profundas, capela-
mor e sacristias laterais, enquanto a frontaria se afasta dos princípios
arquitetônicos gravados nas matrizes de Oeiras, Jerumenha ou Piracuruca,
onde o trabalho de cantaria acentua as linhas duras e precisas que
caracterizam o barroco desses monumentos. O surto reformista que atingiu
as cidades no princípio do século XX não poupou esse templo,
sumariamente substituído em 1946 e novamente reformado em 1974.146

144
GUEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
145
O MARCO de uma geração. O Estímulo. ,jan. 1946.
146
SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy. v. 3. Belo
Horizonte. Ed. do autor. 2007. p.339.
75

Padre Mateus Cortez Rufino habita a cidade na direção do templo católico central da
cidade por trinta anos. Ao se despedir da paróquia que o havia abrigado por tantos anos.
Escreve uma carta no livro de tombo intitulada, “Fim de um capítulo”, e a deixa juntamente
com outros relatos contidos nele, “Do que se fez, alguma cousa está registrada neste livro e
poderá ser julgada pelos homens e pela História”. Interessante perceber a consciência
histórica que ele possuía. Dentre tantos motivos, poder-se-ia citar, a convivência com Padre
Cláudio Melo.
Na carta, ele apresenta que Dom Avelar lhe apresentou a possibilidade de permanecer
como pároco da igreja de Santo Antônio, acumulando as funções de vigário geral da
Arquidiocese. Porém, chegou à conclusão de que o melhor seria renunciar a Paróquia. Disse
ele:

Sempre pedi ao Senhor que me mostrasse o momento em que devia deixar a


Paróquia, para não fazer mal ao povo de Deus. Não tenho qualquer ilusão
quanto a minha ação nesta Freguesia. Dei generosamente a esta Igreja todos
os dias que aqui passei. Não me arrependo de o ter feito. Sei que, por mim, a
graça de Deus fez alguma cousa para salvar este povo. Sei também que fui
estorvo que impediu de que muito bem aqui se fizesse.147

Percebe-se nas entrelinhas do texto escrito a punho, algumas insatisfações do vigário.


Além disso, há em suas palavras um tom de tristeza e cansaço, pois foram trinta anos de muito
trabalho. Talvez, ele intitula-se de estorvo, tendo em vista o fato de tantas vezes ter interferido
na vida de seus paroquianos e da comunidade.
No entanto, são inúmeros os trabalhos de historiadores e memorialistas que fazem
menção ao nome desse personagem da história da cidade de Campo Maior. Lima, o descreve
como, um conciliador emérito e um ser humanitário ímpar, que fez da probidade e da
humildade os seus instrumentos de respeito e sucesso. “Muito querido por toda a sociedade
campomaiorense, tornou-se um grande líder e conselheiro, sempre acatado e ouvido.”148.
Dessa forma ele se refere a ele, como em seu livro intitulado, Geração Campo Maior.
Professor Raimundinho Andrade, destaca que passados trinta anos, o padre
“conquistou amizade de todos os campo-maiorenses, que o tem como ídolo, amado, querido.
[...] Campo Maior tem por ele uma dívida irresgatável.”149

147
LIVRO DE TOMBO. v. 2. Campo Maior: [s. n.], 1943.
148
LIMA, Reginaldo Gonçalves de Lima. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Teresina,
1995. p. 172.
149
SOUSA, Silvia Maria Melo de. Educação e Educadores de Campo Maior. Campo Maior: Realce, 2011. p.
130.
76

Quando ele vai para Teresina assumir outras funções religiosas, dá lugar ao padre
Isaac Jose Vilarinho que, mais tarde, juntamente com Dom Abel Alonso Nuñez, primeiro
bispo da Diocese de Campo Maior, realiza inúmeras reformas na igreja que lhe tiraram as
feições originais, mas mantiveram a configuração primitiva. Dom Eduardo Zielski, segundo
bispo da Igreja Particular de Campo Maior, juntamente com os párocos da igreja, também
promoveu algumas modificações.
A construção da Igreja de Santo Antônio, que levou quase duas décadas para ficar
pronta, basicamente permanece, em planta, como foi projetada. A alteração mais marcante
que sofreu foi em sua capela-mor, que teve seus arcos retirados em uma reforma, feita por
Monsenhor Silvestre e Dom Abel, na década de noventa. Essas reformas foram feitas,
buscando um embelezamento daquela que é agora era Matriz, não somente da cidade, mas de
toda a Diocese. Sendo assim, a paróquia do arcebispo. Um lugar onde está a cátedra, a cadeira
do epíscopo, como afirma o autor espanhol.

La iglesia donde elo bispo tiene su cátedra recibe el título de catedral. Es,
por tanto, la más importante (ecclesia maior, sênior), el centro litúrgico y
espiritual de la diócese, porque designa el lugar donde elo bispo reside,
donde gobierna, donde celebra, donde enseña, donde, a través de las
ordenaciones, provee y renueva las filas del clero.150

A igreja é uma construção que tem sua implantação em adro aberto, com a fachada
principal voltada para o Oeste e composta por uma torre octogonal de concreto armado com
cobertura piramidal. As alvenarias, de acordo com as fontes, são de pedra e tijolos rebocados
e pintados.
A cobertura (Figura 15) é de telha de fibrocimento. Observa-se que o telhado é
composto por um jogo de águas em telha cerâmica arrematada por uma platibanda151 decorada
com balaustrada152, a qual, na aresta de cruzamento destas, foi pontuada por um pináculo. O
corpo da nave central é composto por uma porta em arco pleno de acesso à nave central, com
quatro folhas.

150
RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia. Madrid: Imprenta Saéz- Buen Suceso, 1955. p. 429-430.
151
Elemento de alvenaria maciça ou vazada formando uma mureta que no topo das paredes serve para encobrir as
águas dos telhados, ou para proteger terraços.
152
Pequena coluna ou pilar usado para sustentar a parte superior da mureta.
77

Figura 15 – Planta de cobertura


Fonte: IPHAN (2007).

Quanto a solução em planta (Figura 16), para a construção do novo templo, foi
adotado um modelo de igreja em forma de T, de uma cruz alongada, a qual acrescenta duas
capelas laterais e sacristias. A Instituição a qual pertence este espaço sagrado, em suas
construções dos primeiros séculos do Cristianismo, associava o formato da igreja com o corpo
de Cristo, pois, para a Igreja, Jesus é a cabeça do corpo místico e os seus fiéis são os
membros.

Figura 16 – Planta baixa


Fonte: Rômulo Marques (2015).

Este formato é, portanto, muito representativo e repleto de significados singulares para


os seus seguidores. Para a sua construção, foram utilizados muitos materiais disponíveis na
região, como pedra e tijolos feitos em olarias próximas. A igreja, que hoje se apresenta como
elemento da paisagem urbana de Campo Maior, assemelha-se às igrejas cristãs primitivas, por
possuir planta retangular alongada no eixo Leste-Oeste. No entanto, acredita-se que a nova
78

igreja, construída na primeira metade do século XX, no ano de 1944, adotou o ecletismo
neogótico como estilo.
A nave da igreja é iluminada por janelas com vitrais situados na parte superior e
inferior das paredes. As naves laterais também são iluminadas por vitrais com artes diversas.
As novas portas e os vitrais que hoje se apresentam foram colocados para substituir as janelas
e portas que o padre Mateus e a comunidade da época da construção haviam colocado.

Figura 17 – Vitral
Fonte: Rômulo Marques (2015).

Dom Abel Alonso Nuñez era de origem espanhola, um homem influente que trouxe,
para a igreja Matriz da Diocese, ornamentos e pompas, visto que foram os inúmeros recursos
que ele trouxe de países estrangeiros, embora os fiéis nunca tenham deixado de ajudar. Sendo
assim, com as reformas realizadas por ele, a igreja toma formas bastante pomposas. É nos
pequenos detalhes que se encontra a suntuosidade do templo, como, por exemplo, os quatro
lustres que iluminam a nave central e os que iluminam as naves laterais.
Os vitrais que embelezam a igreja possuem várias artes, dentre elas, a imagem de Dom
Abel, do batismo de Jesus, de Nossa Senhora das Mercês, de Santo Antônio, de Nossa
Senhora do Rosário, de São José com o Menino Jesus, do Bom Pastor e de Nossa Senhora das
Dores (Figura 17). Nas naves laterais, a imagem de Jesus Ressuscitado e os Sete Dons do
Espírito Santo. Há vitrais, também, nas sacristias – na que ficava a pia batismal, há a imagem
de uma criança sendo batizada; na que se encontra o sacrário, lugar onde é guardado aquilo
que a Igreja acredita ser o corpo de Cristo, existe um vitral representando a Eucaristia. Além
79

destes, existem, ainda, os vitrais frontais que compõem a fachada: a imagem do Bom Pastor à
porta, de Jesus sobre as águas, do Sagrado Coração de Jesus e do Sagrado Coração de Maria,
além do brasão de Dom Abel. Na parte superior da nave central, há vitrais com figuras de
flores.
Atualmente, o templo é composto por dez imagens de santos na nave central, quatro
imagens no presbitério e três imagens em cada nave lateral, além de uma imagem na sacristia
direita e de um sacrário ornado em ouro na sacristia esquerda. Possui uma pia batismal ao
fundo da nave central e dois confessionários de madeira nos seus corredores; coro e uma
capela, onde se encontra a imagem de Santo Antônio “pequenininho”, os restos mortais do
monsenhor Mateus Cortez Rufino e o corpo de Dom Abel.
Importante ressaltar, que de acordo com a entrevistada, Teresinha Costa, quando a
antiga igreja foi demolida, foram encontrados alguns restos mortais. Estes teriam sido
enterrados novamente debaixo do local onde hoje se encontra a mesa do altar. Atualmente os
únicos sepultamentos registrados são os do primeiro bispo da diocese e do construtor da nova
igreja de Santo Antônio.
O altar em mármore possui uma mesa fixa que contém as relíquias de Santo Antônio.
Além dessas, ainda existem, ao fundo da nave central, as relíquias de Santa Faustina e de São
Pio de Pietrelcina. É interessante explicitar o porquê de a mesa do altar hoje ser fixa, já que
nem na construção, nem nas reformas, isso ocorreu. Após o Concilio Vaticano II (1962-1965),
ficou decidido que, para ela ser fixa, teria que ser dedicada a algum santo. Isso só vai ocorrer
no século XXI, quando Dom Eduardo, atual bispo da Diocese, decide, com o pároco da Igreja,
Monsenhor Paulo Mateus dos Santos, realizar tal ato.
O piso (Figura 18) é um mosaico de padronagem de ladrilho hidráulico, característica
alterada apenas em sua capela-mor – quando seu altar é dedicado a Santo Antônio – e o
revestimento passa a ser de cerâmica esmaltada e mármore.
80

Figura 18 – Nave central


Fonte: Rômulo Marques (2015).

O frontispício (Figura 19) é composto por planos simétricos, um na nave central, e


dois nas naves laterais. Cada corpo lateral, que são idênticos, possui uma porta com arco
pleno153 de acesso às naves. As portas são compostas por duas folhas, com estrutura em ferro
e acrílico colorido em tom azul.

Figura 19 – Perfil daIgreja de Santo Antônio


Fonte: Rômulo Marques (2015).

153
Trata-se de um arco que tem o perfil de uma semicircunferência.
81

O frontão contém dois arcos plenos laterais e um triflório central finalizados com
platibandas decoradas com balaustradas e pontuadas por um pináculo. É formado por uma
torre sineira central, com cobertura piramidal octogonal arrematada por uma cruz.
Ao se fazer uma análise histórica e uma descrição arquitetônica, percebe-se que a
igreja Matriz de Santo Antônio é um elemento da paisagem de Campo Maior que possui
como tipologia o Ecletismo Neogótico. Segundo o arquiteto Carlos Lemos 154, deve-se
entender o Ecletismo como “a somatória de produções arquitetônicas aparecidas a partir do
final do primeiro quartel do século XIX, que veio juntar-se ao Neoclássico histórico surgido
por sua vez, como reação ao Barroco”.
O autor também define o Ecletismo como algo livre para criar e recriar, que assume
como característica a combinação de formas, a mistura de ornamentações de diferentes
estilos. Para Lemos, explicar o Ecletismo “é buscar a miscelânea”, tendo em vista que ele é
uma linguagem marcada pela liberdade de criação e que possuía como apoio as novas
tecnologias.
Com base nas observações, pode-se afirmar que a igreja em estudo possui estas
características, pois nela foram condensadas várias formas. Além disso, há uma mistura de
elementos neogóticos e pode-se supor que houve uma tentativa de se erguer um templo com
grandes dimensões que lembrassem as grandes catedrais góticas do auge da religião Católica.
Cada componente repleto de significado e representações, não só para seus fiéis, mas
para todos que fazem parte da sociedade campo-maiorense, visto que ela se apresenta de
forma imponente e suntuosa para todos que a contemplam. É certo que a sua contemplação,
de forma individual, gera significâncias diversas.
Campo Maior, desde a capela de taipa e palha erguida pelos missionários da Ibiapaba
até o suntuoso templo atual, percebe um lugar não só de oração, mas, também, um lugar de
memória que evoca, do passado, traços sociais, econômicos e culturais do espaço urbano em
que estão inseridos.
Para Ricoeur155, esses lugares de memória “funcionam principalmente à maneira dos
meminders, dos indícios de recordação, ao oferecerem alternadamente um apoio à memória
que falha, uma luta contra o esquecimento”. Para ele, as “coisas” para serem lembradas
necessitam, geralmente, de um lugar.

154
LEMOS, Carlos. Ecletismo em São Paulo. In. FABRIS, Anna Teresa (Org). Ecletismo na Arquitetura
Brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: 1987.
155
RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. São Paulo: UNICAMP, 2007. p. 58.
82

Figura 20 – Igreja de Santo Antônio


Fonte: Rômulo Marques (2015).

Quando há uma caracterização da cidade de Campo Maior como a capital da fé, isso
devido as suas inúmeras igrejas e às festividades religiosas que ocorrem anualmente, faz-se
logo uma associação à primeira Paróquia da cidade, a Igreja de Santo Antônio (Figura 20), um
lugar que suscita lembranças e significados particulares.
83

3 A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO E A CIDADE DE CAMPO MAIOR

O terceiro capítulo traz, como


discussão central, a intrínseca relação
existente entre a cidade de Campo Maior
e a Igreja Católica, especialmente, por
meio de seu primeiro templo, a Igreja de
Santo Antônio. Far-se-á uma análise do
diálogo que ocorre entre o templo e o seu
entorno, seja ele imediato, ou abrangente,
percebendo o movimento urbano
ocorrido no período em estudo.
Figura 21 – Igreja de Santo Antônio
Fonte: Silva Filho (2007).
84

3 A IGREJA DE SANTO ANTÔNIO E A CIDADE DE CAMPO MAIOR

Campo Maior do Patrimônio Histórico


dos velhos casarões da Praça Bona Primo
da Praça do Rosário e da casa paroquial
do Cônego Cardoso e do Pe. Issac Vilarinho
Dom Abel, Dom Eduardo e Pe. Silvestre
Campo Maior do Mons. Mateus Cortez Rufino.
(José Wagner Brazil)

O espaço citadino em estudo, possuí uma intrínseca relação com o objeto de pesquisa,
a igreja de Santo Antônio. Portanto, partindo dessa ligação entre cidade e igreja, este capítulo
busca, apresentar os ambientes que compõem o entorno imediato e abrangente do templo,
dando ênfase ao movimento urbano provocado pelas relações de sociabilidades existentes
entre o espaço sagrado e a cidade de Campo Maior.

Figura 22 – Mapa da cidade de Campo Maior


Fonte: Google (2014).

A igreja de Santo Antônio, localizada no centro da cidade de Campo Maior (Figura


22), não se encontra isolada na paisagem, mas dialoga com o seu entorno, tendo em vista que,
85

o centro histórico da cidade, até a década de cinquenta, abrigava o eixo comercial do espaço
urbano. Quanto a essa questão, afirmou Celson Chaves (2014):

Na década de 1950, com o processo de expansão urbana- calçamento das


principais vias públicas- a Avenida Demerval Lobão começou a atrair e a
concentrar as casas comerciais de diversos gêneros dispersos no centro da
cidade. O eixo comercial foi deslocado [...] para a Avenida José Paulino, e
sobretudo Demerval Lobão, que inicialmente concentrou o comércio ao
redor da Praça Luiz Miranda (antigo Mercado Público, hoje prefeitura).
[grifo do autor]156.

Portanto, este objeto de estudo, é considerado um elo facilitador da urbanização


campo-maiorense, desde a sua gênese, pois foi responsável pela criação da Freguesia, que
mais tarde propiciaria a implantação da Vila de Campo Maior. No entanto, este capítulo irá
deter-se, especialmente, no período que abrange o recorte temporal em análise, 1941-1971,
abordando as questões que envolvem fé e desenvolvimento urbano.
Para realizar estas discussões será realizada a análise da morfologia urbana, que é a
possibilidade de compreensão da formação, evolução e transformação dos elementos urbanos
e de suas inter-relações culturais e sociais.
Para isso, será utilizada informações coletadas em Del Rio157, onde se ver que a
morfologia é o estudo do tecido urbano e seus elementos construídos formadores através de
sua evolução, transformações, inter-relações e dos processos sociais que os geraram. Para o
autor, a cidade pode ser compreendida em três níveis organizativos básicos: o coletivo, o
comunitário e o individual.

O nível ou dimensão coletiva é o que possui uma lógica estruturadora


percebida inconscientemente e coletivamente; aqui estaria o conjunto de
elementos primários do tecido e se verifica uma maior permanência no
tempo. A dimensão comunitária traz aqueles elementos e uma lógica com
significados especiais apenas para um restrito círculo de população, o bairro
por exemplo. A dimensão individual, por sua vez, conforma onde mais
livremente se expressam os significados individuais, a residência e seu
espaço imediato, e, consequentemente é a que apresenta uma maior rapidez
de mutações.158

Essa pesquisa faz uma análise da cidade, nesses três níveis básicos, pois percebe o
conjunto de elementos que dialoga com o templo católico, compreendendo as permanências e

156
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 29.
157
DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: Pini, 1990.
158
DEL RIO, op. cit. p. 83.
86

rupturas. Além disso, visa analisar os significados especiais para a comunidade restrita, e por
fim busca entender alguns dos sentidos individuais gerados por essa relação.
A relação arquitetura e cidade é fundamental para a análise do espaço urbano, e o
autor e crítico italiano Aldo Rossi159, coloca que a arquitetura é “a vicissitudes do homem,
carregada de sentimentos de gerações, de acontecimentos públicos, de tragédias privadas, de
fatos novos e antigos”. E complementa afirmando que, todos os elementos compõem-se e
confundem-se na cidade, pois ela é feita de pessoas que acabam formando um todo com a
urbe, e neste todo a Religião e o seu espaço de vivência da fé tem um papel significativo.
Outro embasamento encontra-se no que, Lamas160 apresenta como a constituição do
espaço urbano, apontando que é preciso perceber e analisar todo o derramamento plástico da
urbe para compreender as suas vicissitudes. Segundo o autor, “é através dos edifícios que se
constitui o espaço urbano e se organizam os diferentes espaços identificáveis e com forma
própria: a rua, a praça, o beco, a avenida ou outros espaços mais complexos e historicamente
determinados.”
Sendo assim, pode-se estabelecer uma leitura que parte das dimensões da forma
urbana, analisando a escala da rua, do bairro e da cidade. A primeira escala permite a
percepção das fachadas, da pavimentação, das árvores, dos monumentos, dos edifícios,
elementos que, juntos, definem a forma urbana. Daí, a necessidade de perceber o diálogo da
igreja de Santo Antônio, com os monumentos históricos presentes em seu entorno, que assim
como ela, definiram a forma urbana inicial da cidade.
A segunda dimensão, que trata da escala do bairro, comporta a estrutura de ruas e
praças, pois, com base nela, pode-se perceber a totalidade do espaço citadino. Os bairros
numa cidade, segundo Lamas161, são as partes homogêneas identificáveis e podem englobar a
totalidade da vila, aldeia, ou da própria da cidade. Este trabalho, detêm-se no espaço que é
considerado o centro da cidade, e que foi a origem dos diversos bairros que surgiram com o
decorrer dos anos.
Com base nisso, entende-se o que Rossi162 identifica como conceito de bairro, pois
para ele “o bairro torna-se, pois, um momento, um setor da forma cidade, intimamente ligado
à sua evolução e à sua natureza, constituído por partes e à sua imagem”.
Por fim, a terceira escala, que trata da cidade, permitirá perceber os diferentes bairros
ligados entre si, fazendo com que se tenha uma visão global da cidade. Por meio desta escala,

159
ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 03.
160
LAMAS, José. Morfologia Urbana e Paisagem da Cidade. Lisboa: Fergáfrica, 2000. p. 84.
161
LAMAS, op. cit, p. 78.
162
ROSSI, op. cit, p. 70.
87

será possível perceber os macros sistema de arruamentos e os bairros, as zonas habitacionais,


centrais ou produtivas, que se articulam entre si e com suporte geográfico.
Partindo dessa perspectiva, é necessário compreender a cidade, para tanto compartilha-
se do pensamento de Kevin Lynch163, que a percebe como obra arquitetônica, construção no
espaço, mas uma construção em grande escala. O autor ainda afirma que a urbe não é apenas
um objeto percebido por milhões de pessoas de classes sociais diversas, mas a ação de
múltiplos construtores que, por razões próprias, nunca deixam de modificar sua estrutura,
especialmente nos detalhes. Portanto, deve-se perceber a cidade, não como algo estático, mas,
que é percebido por seus habitantes de diferentes modos que, depende da história individual
de cada um em particular.
Contudo, a compreensão de cidade não encontra-se apenas sob o prisma arquitetônico,
mas sob aquilo que, Ricoeur164, chama a atenção, pois não é possível perceber a cidade
através de um edifício isolado, sem realizar a leitura do tempo em que ela está inserida.
Colocou Ricoeur: “uma cidade confronta no mesmo espaço épocas diferentes, oferecendo ao
olhar uma história sedimentada dos gostos e das formas culturais. A cidade se dá ao mesmo
tempo a ver e a ler”165. Quando se observa a cidade, não se vê somente o edifício isolado,
mas o espaço que é habitado.
Ricoeur ressalta as emoções que a cidade suscita nas pessoas, pois oferece
deslocamento, uma aproximação e o distanciamento. Por mais que as pessoas percebam-se
perdidas, sempre haverá um espaço público que elas possam estar reunidas, seja ele uma
praça, ou uma igreja.
Partindo dessa perspectiva, compreende-se as respostas para as indagações da
arquiteta campo-maiorense, Marielly Mascarenhas166, apresentadas em uma pesquisa de
campo, realizada no ano de 2008, na cidade de Campo Maior. A questão inicial levantada, foi
sobre qual a primeira imagem mental produzida, quando a temática era a cidade de Campo
Maior. Os entrevistados apontaram, que pensavam na Batalha do Jenipapo, na religiosidade-
festejos de Santo Antônio, em seus familiares, na culinária regional e nos pontos turísticos
como o Açude Grande e a Serra de Santo Antônio.
Isso demonstra o que Le Goff coloca: “As características do monumento são ligar-se à
capacidade- voluntária ou involuntária- de perpetuar as sociedades históricas (é um legado à

163
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
164
RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.
165
RICOEUR, op. cit,. p. 159.
166
MASCARENHAS, Marielly Ibiapina. Entre Telhas e Carnaúbas: Breves histórias da arquitetura de Campo
Maior- PI. Teresina, 2012.
88

memória coletiva) e reenviar para testemunhos que só numa parcela escrita são testemunhos
escritos” [grifo do autor]167. Diante disso, percebe-se que esses monumentos citados, além de
outros, propiciam a cidade de Campo Maior uma perpetuação de seu passado.
Outra pergunta referia-se aos edifícios, que os entrevistados consideravam importantes
para as futuras gerações. As respostas apresentaram os seguintes edifícios: Unidade Escolar
Valdivino Tito, Patronato Nossa Senhora de Lourdes, Armazéns do Período Colonial,
Conjunto arquitetônico da Praça Bona Primo, antigas casas das fazendas, prédio da Câmara,
Edifícios da arquitetura moderna, Edifício do Antigo Banco do Brasil em estilo Arte Déco.
Diante disso é interessante destacar, o que a pesquisadora coloca, sobre a relevância que é
dada ao partido arquitetônico da Praça Bona Primo.

Em relação à importância do conjunto arquitetônico da Praça Bona


Primo, os entrevistados reconhecem nesse ambiente o início da
formação da cidade, tendo grande apreço pela Igreja e pelo local que
sedia festividades de Sto. Antônio. Eles citam ainda o detalhe de que
as antigas residências abrigavam, e ainda abrigam até hoje, muitas
gerações de uma mesma família.168

Partindo dessa perspectiva, analisa-se o entorno da Igreja de Santo Antônio que é


formado por inúmeros elementos, dentre eles as praças que se encontram na parte posterior,
Praça Rui Barbosa, e na parte frontal, Praça Bona Primo. Além de espaços onde se refletiam
os hábitos e costumes vivenciados pela população campo-maiorense, como por exemplo, o
cinema, os clubes, a prefeitura, e as casas das famílias que conviviam diariamente com o
pulsar da cidade.
No entanto, inicialmente, é importante retomar algumas discussões, sobre a situação
econômica da cidade no período em estudo. Além disso, destacar a visibilidade que esta urbe
possuía no cenário piauiense, e que se faz visível, quando analisa-se alguns meios de
comunicação impressos da época.
O jornal Resistência, por exemplo, traz na década de quarenta uma matéria intitulada,
“Campo Maior, cidade do progresso”, e nela destaca o desenvolvimento desse espaço
citadino, devido aquilo que ele chama, de “pó de suas palmeiras miraculosas e do trabalho
diligente de seus filhos”. O periódico afirma que a cera de carnaúba associada à força de seus
habitantes, torna Campo Maior, o mais próspero, entre os mais ricos municípios brasileiros.

167
LE GOFF, Jaques. História e memória. Lisboa: Edições 70, [s.n.]. p.104
168
MASCARENHAS, Marielly Ibiapina. Entre Telhas e Carnaúbas: Breves histórias da arquitetura de Campo
Maior- PI. Teresina, 2012. p. 108.
89

Este jornal destacou também que, a cidade de Campo Maior: “tem do melhor que uma cidade
de interior pode desejar: praças ajardinadas e bons logradouros públicos, igrejas modernas e
outras seculares, mercados higienizados, ruas e mais ruas calçadas com esmero e carinho,
uzina elétrica, cinema, bares, hotéis, etc.”169
Outro periódico que enfatizou o momento no qual Campo Maior vivia, foi o jornal
parnaibano O Norte, trazendo uma matéria com o título “Campo Maior Progride: Um
município Histórico, a administração de Francisco Cavalcante”170.
Essa reportagem faz inúmeros destaques sobre a cidade, dentre eles, o jornal elogia a
higienização da cidade e apresenta algumas obras realizadas pelo prefeito Francisco
Cavalcante, gestor de Campo Maior em duas legislaturas, de cinco de outubro de 1930 a vinte
e dois de março de 1936 e três de janeiro de 1938 a dezoito de abril de 1942: Teatro
Municipal, os Correios e Telégrafos (governo federal), a Usina 04 de Outubro, O Grupo
Escolar Valdivino Tito, o Matadouro e os postos de Extração de Cera, o novo cemitério, da
Biblioteca Municipal, o Centro Operário, a ponte sobre o Rio Surubim. Além disso, ressaltou
os calçamentos, o zelo pela sede da prefeitura e a beleza das praças ajardinadas e bem
cuidadas.
Este jornal ainda enfatizou como o desenvolvimento da cidade havia deixado os
produtores do periódico surpreso, quando depararam-se com o crescimento da cidade,
percebendo que ela não deixava a desejar em nada, quando comparada a outros municípios do
estado do Piauí.
O Almanaque da Parnaíba, em sua edição de 1941, também destacou o crescimento de
Campo Maior, enfatizando que: “O município de Campo Maior é, sem favor, um dos mais
ricos e prósperos do Estado do Piauí”171. Este periódico, também apresentou estas ações do
prefeito Francisco Cavalcante, tendo em vista, a comemoração dos dez anos da sua
administração na cidade.
A edição de 1952 do Almanaque do Cariri, também discorreu sobre o progresso de
Campo Maior: “De 1930, em diante, [...], a cidade de Campo Maior, tornara inegavelmente,
outro aspecto urbanístico, apresentando uma notável transformação do seu condenável
traçado, com jardins públicos, modernos prédios particulares e públicos, [...]”172.

169
CAMPO Maior, cidade do progresso. Resistência. 31 jan. 1949.
170
CAMPO Maior Progride: Um município Histórico, a administração de Francisco Cavalcante. Jornal O
Norte, 25 fev. 1941.
171
FURTADO, Helvécio. Campo Maior. Almanaque da Parnaíba. 1941, p. 281.
172
DIOCESE de Campo Maior. Almanaque do Cariri. 1952, p. 595.
90

O jornal O Dia de 1969, também traz uma matéria intitulada, “Campo Maior na era do
progresso”, que destaca a administração do progressista Raimundinho Andrade, na área da
urbanização. O jornal destacou que, o então prefeito, “Realizou a construção de 18.000 m² de
calçamento e mais de 6.000 m² de meio fio, nas principais ruas da cidade, abriu as ruas
Alberto Bona e 07 de Setembro, realizou arborização das Praças ‘Bona Primo’, Rui Barbosa,
[...]”173.
Entretanto, esse progresso apresentado pelos periódicos como algo que, atinge a todos
os habitantes da cidade, é confrontado por historiadores como, Celson Chaves que afirma
veementemente:

Assim como a pecuária favoreceu a má distribuição de terras (latifúndios)


entre os séculos XVI e XIX, a cera de carnaúba contribuiu para a péssima
distribuição de renda, gerando riqueza para poucos e miséria para muitos no
século XX. [...] Acesso a bens de consumo como eletrodomésticos
(televisão, rádio, geladeira, fogão, telefone ...) eram restritos a fazendeiros e
comerciantes endinheirados. O fornecimento de água e luz, conquistas
modernas, era privilégio de poucas residências dado o alto custo desses
serviços. [...] O casebre constitui a moradia predominante na paisagem
urbana.174

Diante desse destaque na imprensa escrita que a cidade em estudo, recebeu no período
em questão, esta pesquisa se deterá a analisar o seu entorno imediato e abrangente,
enfatizando a relação existente entre a igreja de Santo Antônio e a cidade, abordando as
influências de um espaço no outro, percebendo esse fato a partir de como seus moradores
vivenciavam esse diálogo.

3.1 A IGREJA E O SEU ENTORNO IMEDIATO

Para iniciar as discussões acerca deste entorno, é necessário analisar as duas praças
(Figura 23) que estão próximas ao objeto de estudo desta pesquisa, a Praça Rui Barbosa e a
Praça Bona Primo, percebendo como elas dialogam com o templo, representantes e fieis.

173
CAMPO Maior na era do progresso. Jornal O Dia. 19 ago. 1969.
174
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 39-40.
91

Figura 23 – Núcleo Central de Campo Maior


Fonte: Silva Filho (2007).

Inicialmente, se fará destaque à Praça Rui Barbosa, pois ela é um espaço, que através
das transformações que sofreu, colabora a descrever uma das histórias da cidade de Campo
Maior. O primeiro fato a ser apresentado sobre esta praça, é que, no ano de 1933, na
administração do prefeito de Campo Maior, Francisco Alves Cavalcante, a antiga praça foi
remodelada, recebendo um novo mobiliário e vários equipamentos (bancos, coreto), tornando-
se um espaço de lazer e convivência social.
Antes da reforma realizada na praça, a população não possuía um lugar para lazer e
convivência social. Todavia, após o melhoramento que foi efetivado, o espaço passou a ser o
coração da cidade. Lugar privilegiado, porque, diariamente, recebia seus moradores para
momentos de descontração e trocas culturais.
Dentre os equipamentos que a praça recebeu, o coreto assumiu uma grande
importância, pois se tornou um “lócus” privilegiado, tendo em vista que recebia a banda
Honório Bona para animar as noites de quinta-feira e de domingo e propiciar uma trilha
sonora para os casais de namorados que ali se encontravam.

[...] Ali, num sentido, giravam os homens e noutro, as mulheres, cruzando


olhares e iniciando grandes namoros [...] À noite, toda iluminada, com banda
de música no coreto, a retreta ia até 21 horas, quando a debandada era geral,
pois a moça que se prezava não ficava na praça após a retrata.175

O senhor João Alves, também destaca esse encontro semanal dos campo-maiorenses
na Praça Rui Barbosa, “a Praça Rui Barbosa foi por muito tempo uma verdadeira academia do

175
VASCONCELOS, Marcos. Raízes de pedra. Fortaleza: Editora livro Técnico Premius, 2006. p. 73.
92

amor[...].”176 Pois, segundo o autor, as moças e rapazes aproveitando o espaço de lazer,


dividiam-se em duas camadas, circulando, para poderem firmarem relacionamentos. No
entanto, é interessante que nesses espaços todas as classes sociais se faziam presentes, porém
os menos abastados sofriam certa discriminação. Segundo Alves Filho177, os rapazes que
flertassem com as meninas tidas como “motoristas de fogão”, era logo chamado de
“coriqueiro”, pela sociedade conservadora que frequentava a praça.

Figura 24 – Vista da Praça Rui Barbosa, por volta de 1940 .


Fonte: Autor desconhecido [1940?]

Outra afirmação a respeito desse período, é feita pelo memorialista Joaquim Pereira,
que afirma que às quintas-feiras e os fins de semana eram considerados dia de “praça”, dia de
principalmente os jovens comparecerem, para a Praça Rui Barbosa (Figura 24), na maioria da
vezes a procura de olhares que encontrassem, e que após ser correspondido, desse início a um
flerte. Ele assegura que, “algumas voltas depois, o homem mudava de direção,
“acompanhando” aquela que lhe confirmara o flerte. Era o começo do namoro”.178
No entorno desta praça, havia pensões, lugares de venda de passagens e alguns bares,
dentre eles, o “Bar do Farias”, o “Bar do Neves”, o “Bar Eldorado” e o “Bar Santo Antônio”.
Ela também abrigou, por muitos anos, o festejo de Santo Antônio, que só seria transferido
para a Praça Bona Primo após a demolição da igreja, em 1944.
Enquanto os festejos ocorreram na Praça Rui Barbosa, havia muita animação e
movimentação. Eram instaladas barracas e realizadas apresentações musicais, bem como a
prática de leilões e prendas doadas pelos fiéis e devotos. Havia também, a queima de fogos de
artifício, produzidos pelos próprios moradores da cidade de forma artesanal.
176
ALVES FILHO, João. Mateus Rumo ao céu. Campo Maior. 1994. p. 78.
177
ALVES FILHO, op cit.
178
PEREIRA, Joaquim Oliveira. Estrelas no chão: memórias. Brasília: André Quicé Editor, 1997. p. 69.
93

Nessa época, as barracas para os festejos de Santo Antônio eram armadas


por trás da velha igreja, ocupando todo um lado da praça Rui Barbosa,
estendendo-se até perto da residência do Zeca Mendes, virando até a frente
do Cine -Teatro- Glória, e por toda a área dos tamarindeiros.179

O festejo possuía ainda, a prática de jogos variados, como bingos, dados, tiro ao alvo,
dentre outros. Essas barracas, que eram montadas ou para jogos ou para venda de alimentos,
pertenciam a populares que procuravam, naquele período, adquirir uma renda extra.
Durante muitos anos, ela foi sofrendo alterações que acabaram ocasionando a perda de
suas características originais. No entanto, ainda está viva na memória de seus antigos
moradores a sua forma e o seu antigo uso.

Desativada há muito tempo resta pouco ou quase nada do que foi [...] só o
nome foi preservado. [...] nada mais resta da praça de gerações. [...] não tem
mais coreto, nem tanques d’água, nem jardins, nem árvores, nem bancos
com caramanchão para namorar, não tem nada [...] o certo é que a reforma
que fizeram tentando revitalizá-la foi um desastre. Puseram uns bancos feios,
de péssimo mau gosto, sem ninguém sentado. Hoje a praça, como diria
Nelson Rodrigues, tem a aridez de três desertos.180

Após a transferência dos festejos de Santo Antônio para a frente da igreja, a praça Rui
Barbosa acabou por sofrer alguns problemas, como o descaso com a sua arborização, que foi
destaque no jornal O Estímulo: “Cerca-a, abeirando um passeio muito alto, algumas figueiras,
quatro carnaubeiras e duas moitas de bambu. Nos canteiros que, há três anos não tem sossego,
vicejam muito bem; jacinto, capim e beliroegas.”181. O jornal ainda fazia fortes críticas a
outras problemáticas desse espaço de sociabilidade.

Tem bonitos bancos. De dia cama dos vagabundos. A noitinha, sob a luz das
estrelas são “divans” para colóquios e carícias dos casaizinhos e, alta noite
são testemunhas mudas do trabalho, construtor dos bizerros, jumentos e
porcos! É assim a Praça Rui Barbosa. As famílias tem deixado de frequentar.
Tem razão ali nada as diverte o muito há que as perverter.

Quanto à análise da morfologia, pode-se dizer que a Praça Rui Barbosa possui grande
importância para o desenho da cidade e o seu traçado é fundamental para a qualidade do
espaço urbano.

179
VASCONCELOS, Marcos. Raízes de pedra. Fortaleza: Editora livro Técnico Premius, 2006. p. 91.
180
VASCONCELOS, op cit., p. 76-77.
181
URBANISMO. O Estimulo, Maio 1946.
94

A praça é limitada pelas ruas: Bocaiúva, Capitão Manoel Oliveira, Coronel Antônio
Maria e Senador José Eusébio; possui um formato retangular, e tem um desenho de piso
formado por várias placas em cimento e, além disso, é composta por cerca de quarenta e cinco
canteiros circulares menores, por quatro canteiros quadrados maiores, e por um canteiro
central circular maior. Possui uma vegetação bem característica da região, composta por
carnaúbas, oitizeiros e coqueiros.
Sua iluminação é precária, visto que possui apenas um poste fixado no canteiro
central. A luminosidade fica por conta dos postes situados nas ruas que a limitam. A praça é
composta, ainda, por oito bancos de cimento.
Outro espaço que remete análises é a Praça Bona Primo, que inicialmente, recebeu o
nome de Praça Marechal Pires Ferreira, mas que Francisco Alves Cavalcante pelo decreto nº 1
de 05/10/1930, alterou o nome para Praça João Pessoa. Somente no governo de Valdeck
Bona, pela lei nº 4, de 09/07/1948, passa a ser denominada de Praça Bona Primo, uma
homenagem a sua família.
Quando a Igreja de Santo Antônio é analisada a Praça Bona Primo, que a contempla de
frente, passa a receber atenção especial, pois como foi explicitado anteriormente, a Praça Rui
Barbosa, até a década de quarenta, é que detinha as atenções da população.
No entanto, a Praça Bona Primo (Figura 25) possuía relevância para esta urbe, tendo
em vista que abrigava a Prefeitura Municipal, a casa paroquial, casas comerciais e vários
domicílios centenários.

Figura 25 – Quadras em torno da Praça da Matriz


Fonte: Silva Filho(2007).
95

Até a década de quarenta, o que mais tarde viria a ser a praça, era apenas um grande
largo182de terra batida, com poucas árvores e sem iluminação. Para Soares 183, o largo
representava um espaço amplo e descampado que o tempo se encarregava de envolver com
prédios. Isso é bem marcante na cidade em estudo, pois, em torno daquele largo, foram
erguidas inúmeras construções residenciais e institucionais.
No entanto, também é preciso perceber o largo como um espaço criado para valorizar
a construção da igreja, sendo isso uma estratégia construtiva urbana, desenvolvida desde à
Idade Média, como intenção de valorizar a contemplação da igreja.
Este espaço, inicialmente, era muito utilizado para armação de circos que visitavam a
cidade, como escreveu o memorialista Marcos Vasconcelos:

Com a construção da Igreja Matriz, as atenções se voltaram para a Praça


Bona Primo. Projetada cuidadosamente, foi toda calçada, arborizada,
feericamente iluminada, servindo de local para os grandes eventos campo-
maiorenses, tais como: os festejos de Santo Antônio, festa de São João-São
Pedro, comícios e outras datas comemorativas, agora sem os circos que
foram armados noutro local [...].184

Contudo, após fazer parte de um novo contexto de modernização, o prefeito Valdeck


Bona, além de alterar o nome da praça, também se dignou a transformá-la em um espaço
digno de seus habitantes. O jornal a Resistência destacou a atitude do prefeito e o trabalho do
técnico, Godofredo Freire, responsável pela execução da planta de arborização da praça, sem
esquecer de fazer referência à nova igreja de Santo Antônio: “a grande PRAÇA BONA
PRIMO em frente a nova e imponente- Igreja de Santo Antônio produto da indormida
atividade religiosa do padre Mateus e da dedicação dos campo-maiorenses.”185
Segundo este jornal, a planta da Praça Bona Primo foi feita em 1937 pelo Sr.
Mesquita, o Dr. Godofredo Freire pela parte técnica. O Sr. Manoel Soares Cavalcante fez a
locação.

182
Segundo Elizabeth Soares, largo era a nomenclatura utilizada para as grandes aberturas, clareiras, realizadas
na densa vegetação, realizada pelos índios e posteriormente pelos colonizadores, para a delimitação do
território das aldeias e das primeiras vilas.
183
SOARES, Elizabeth (Org.). Largos, coretos e Praças de Belém. Brasília: Programa Monumenta, 2009.
184
VASCONCELOS, Marcos. Raízes de pedra. Fortaleza: Editora livro Técnico Premius, 2006. p. 102.
185
RESISTÊNCIA. 1949.
96

Quando se analisa a composição dessa praça, percebe-se que ela contém um painel
artístico, em forma de mural, em cada lado, que retrata dois fatores da cultura deste espaço
citadino: a Batalha do Jenipapo186e a pecuária.
A construção desses painéis foi noticiada pelo jornal A Luta, na edição de 1969: “Na
Praça Bona Primo, mais um canteiro foi concluído e cremos que muito em breve o último
deles será feito, faltando a chave de ouro do término da obra: a confecção do monumento em
pastilhas de azulejo, com motivação histórica.”187
Estes painéis artísticos possuem como técnica o mosaico de cerâmico. A informação
quanto à sua autoria é que ele foi criado por uma senhora, chamada Ducila, e que foi
executado por Luiz Domingues, no Bairro de Campo Grande, em Recife, no estado de
Pernambuco. Quanto à data da sua criação e implantação, não há informações.
Um dos lados do painel (Figura 26) retrata a Batalha do Jenipapo, que ocorreu no
século XIX, e ajudou a tornar o Brasil independente.

Figura 26 – Painel de arte da Praça Bona Primo


Fonte: O autor (2014).

Este fato é tido como elemento histórico muito importante para os campo-maiorenses
que, todos os anos, no dia 13 de março, se reúnem para celebrar a memória daqueles que eles
consideram os “Heróis do Jenipapo”.

186
Movimento pela independência do Piauí que ocorreu no dia 13 de março de 1823, recebeu esta denominação
devido ao Rio Jenipapo, local em que ocorreu a batalha sangrenta, entre os portugueses e os piauienses desejosos
pela independência.
187
DÍDIMO, Tomé. Urbanização de Campo Maior. Jornal A luta- 27 abr. 1969.
97

Figura 27 – Painel de Arte da Praça Bona Primo


Fonte: O autor (2014).

O outro tema no painel (Figura 27) é uma das características mais marcantes dos
campo-maiorenses, a criação do gado bovino. A composição apresenta seu principal
personagem: o vaqueiro188. Este, assim, como em todo o estado do Piauí, possui grande
importância por ter contribuído de forma ativa para a gênese desta cidade, tendo em vista que
este espaço urbano contém inúmeras fazendas. Além disso, durante os festejos de Santo
Antônio, a figura que recebe um grande respaldo é o vaqueiro. Para ele, é dedicada a principal
noite da festividade, de modo que, durante o dia, são realizadas inúmeras atividades que
demonstram a importância desta função para toda a região.
Além disso, a praça possui dois memoriais, um no lado direito e o outro no lado
esquerdo. O primeiro (Figura 28) é composto por placas de concreto armado arrematado por
uma placa de bronze, com letras em chapas lisas que se encontram em um platô e contam um
pouco da gênese da história da cidade de Campo Maior.

Figura 28 – Memorial da Praça Bona Primo


Fonte: O autor (2014).

188
Existem para os vaqueiros, um destaque, no Museu do Monumento do Jenipapo dedicado a cultura que, rodeia
o mundo deles, como vestimentas, utensílios e etc.
98

O outro memorial, que homenageia Monsenhor Mateus Cortez Rufino, também é


composto por placas de concreto armado arrematadas por uma peça em bronze com letras em
alto-relevo, situadas em um platô. Além das placas, existe uma escultura em bronze do
Monsenhor Mateus.
As placas possuem informações que fazem, um resumo das ações sociais, missionárias
e pastorais realizadas em trinta anos pelo padre homenageado. Formou-se uma comissão para
a consolidação deste espaço, composta por Domingos José de Carvalho, Joaquina Cardoso,
José Francisco Rufino, José Raimundo Miranda e Raimundinho Andrade.

Figura 29 – Memorial da Praça Bona Primo


Fonte: O autor (2014).

A obra (Figura 29) foi realizada sob a supervisão do arquiteto Alberto José Bona
Andrade e do engenheiro José Francisco dos Santos Rufino. A escultura é de autoria de
Clauberto Santos. Este memorial foi inaugurado no dia 23 de maio de 1992.
A Praça Bona Primo está limitada pelas ruas Honório Bona Neto, Sete de Setembro e
Senador José Eusébio, e pela PI 115, que liga Campo Maior à cidade de Cabeceiras do Piauí.
A praça da Matriz possui um traçado composto por caminhos retos que convergem
para um ponto focal de forma circular, formado por bancos de cimento e por canteiros com
carnaubeiras.
Possui um desenho com formato retangular, e piso em placas de cimento, composta
por postes de iluminação e bancos em concreto. Além disso, contém canteiros circulares
menores e outros, que formam pequenos jardins gramados.
99

Igreja de Santo
Antônio

Figura 30 – Mapa da Praça Bona Primo


Fonte: Google Maps (2014)

Para Lamas189, as árvores caracterizam a imagem da cidade, assumem uma


individualidade própria e desempenham funções precisas, como a composição, a organização
e a contenção dos espaços.
A vegetação local é de grande e de médio porte. Dentre as plantas que a compõem,
estão a Acácia Amarela, a Faveira, as Oiticicas, a Boa-Noite e as Carnaúbas. As árvores e
canteiros que compõem a praça constituem elementos identificáveis da estrutura urbana.
Este espaço público (Figura 30) revela muitos aspectos da história de Campo Maior,
como a importância da carnaúba, pois esta árvore é uma das composições do traçado da praça,
demonstrando a importância desta planta que foi e ainda é utilizada como fonte de renda para
os moradores desta cidade.
Além das praças já citadas, existem outros espaços que dialogam com o objeto desta
pesquisa. Outro lugar de sociabilidade que deve ser apresentado é o prédio que fica ao lado
direito da igreja de Santo Antônio, a Câmara de Vereadores, “Casa do Povo Zé Olímpio da
Paz”. Este espaço, inicialmente, abrigou a Intendência da cidade, até 1930.
Essa edificação pode ser classificada como um prédio eclético, composta por cobertura
à mostra em telha cerâmica, com pequenos beirais. O jogo de esquadrias se compõe com
arcos ogivais em suas bandeiras, executadas em madeira com vidro.

189
LAMAS, José. Morfologia Urbana e Paisagem da Cidade. Lisboa: Fergáfrica, 2000.
100

Figura 31 – Câmara de Vereadores


Fonte: Natália Oliveira (2014)

Posteriormente, o poder municipal entregou o edifício (Figura 31) para os funcionários


do Banco do Brasil, que fundaram o Satélite Clube (Associação cultural, esportiva e
recreativa), no ano de 1941. Eles poderiam ficar com o prédio até quando o clube existisse.
O Jornal O Piauí ressaltou a festa de inauguração, e a presença de convidados ilustres,
como o prefeito Waldeck Bona, vereadores, o contador da Agência, e vários funcionários do
Banco em Campo Maior e de outras cidades. Além disso, destacou a diretoria do Clube que
foi apresentada aos convidados, como Presidente, o senhor Walmário Moreira de Oliveira, e
como Vice- presidente o senhor José Luiz de Castelo Branco: “Como se vê, a finalidade do
Satélite, não é apenas dançar. Visa sobretudo, promover cada vez mais o congraçamento e a
harmonia da nobre sociedade campo-maiorense”.190
O jornal, ainda narrou alguns elementos decorativos da festa de inauguração, tecendo
elogios, “É assim feericamente iluminado e ornamentado com bom gosto, se encontrava o
vasto salão do antigo “Cassino”, onde alegremente dançavam encantadoras jovens [...]”191
Todavia, no ano de 1950, foi instalado o Campo Maior Clube, substituindo o antigo
clube dos funcionários do Banco do Brasil, que haviam encerrado suas atividades naquele
espaço.

Recordo-me com saudades, das tertúlias nas manhãs de domingo, no Campo


Maior Clube, ao som da radiola, dos bailes com a orquestra local, [...]. Que
saudades dos corsos na rua, dos blocos de fantasia nos bailes de carnaval,

190
INAUGURADO em Campo Maior, o “Satélite Clube”. O Piauí. 1950.
191
INAUGURADO, op cit.
101

[...] E o pessoal do sereno, do lado de fora do clube, nas janelas? Levava até
cadeiras para marcar os lugares e no outro dia dava notícias de tudo.

Como para a entrada nestes clubes era necessária a cobrança de uma taxa, existiam
outras formas de diversão e uma delas eram as tertúlias que ocorriam nas residências das
famílias campo-maiorenses, principalmente, durante as férias escolares.
Além do Campo Maior Clube, havia outro local de divertimento para a sociedade
campo-maiorense, era o Centro Operário Campo-maiorense, fundado pela classe operária. No
entanto, este clube social não ficava na Praça Bona Primo.
Segundo a senhora Iracema, as festas de maiores destaques no Campo Maior Clube,
eram as comemorações: de fim de ano, da festa de Santo Antônio, e de aniversário, de pessoas
de destaque na cidade. Para ela, o clube era “de primeira”.
Quanto a sua participação, nas festas promovidas pelo clube, ele afirmou que: “Eu ia
para o sereno. O sereno era o seguinte: as pessoas curiosas que, não iam para a festa levavam
cadeiras, levavam escadinha, ai ficavam nas janelas pra ver o movimento, os vestidos
novos”192.
Interessante, perceber a presença da Igreja nessas práticas de lazer, através de seu
representante. Segundo Alves Filho, “Padre Mateus gostava dos movimentos sociais, pois,
sentia que afastava os chefes de famílias dos cabarés, que eram muitos na década de
quarenta.”193
Celson Chaves, também enfatiza que, as diversões que ocorriam na cidade de Campo
Maior restringiam-se às festas religiosas da Igreja Católica, às tertúlias realizadas nos casarões
das famílias tradicionais e aos clubes da cidade. Sobre isso, ele ainda apresenta as diferenças
nas formas de diversão, quando tratava-se de homens ou de mulheres, “o itinerário casa-
igreja-casa foi o mais percorrido por elas; para os homens o percurso era casa-trabalho-Rua
Santo Antônio”194.
O clube funcionou ativamente até meados da década de oitenta, quando,
posteriormente, foi devolvido para o poder municipal, que resolveu utilizá-lo para o
funcionamento da Câmara de vereadores.
Outro espaço de sociabilidade que deve ser apresentado é o Cine Nazaré, que ficava na
lateral esquerda da Igreja de Santo Antônio. Ele era conhecido, também, como cinema do

192
SANTOS, Iracema Lima Costa. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
193
ALVES FILHO, João. Mateus Rumo ao céu. Campo Maior. 1994. p. 64.
194
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 44.
102

Zacarias. Este era o único cinema na cidade (Figura 32), o seu arrendatário era o funcionário
do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra Secas), Zacarias Gondim Lins.
Originalmente, o edifício foi construído no Estado Novo, tal como alguns outros
cinemas no Piauí, como por exemplo, o Cine Teatro de Oeiras e Esperantina, os quais
adotaram o Arte Decó195 como estilo.

Figura 32 – Cinema
Fonte: O autor (2014).

Anteriormente, era o Cine Teatro Glória. Neste espaço, acontecia uma mistura de
cinema e teatro, pois bastava retirar a tela para que ocorresse a montagem das peças teatrais.
O cineteatro era cedido também para formaturas, palestras, conferências, espetáculos, recitais
e outros eventos.
Inicialmente, o prédio era de propriedade da prefeitura municipal, e muitos foram os
arrendatários, mas o cinema já não agradava mais a população da cidade: “Assim é que a
prefeitura pôs em concorrência o antigo Cine Teatro Municipal, a fim de poder oferecer ao
município oportunidade de ter um bom cinema à altura do progresso de Campo Maior”.196
O Jornal O Dia do ano de 1961, com a matéria intitulada “Moderno Cinema em
Campo Maior” destacou que a partir do dia quatorze daquele ano, a cidade teria um moderno
195
Segundo Silva Filho (2007), é um movimento de design inspirado na indústria mecanizada, em oposição às
artes decorativas anteriores. Surgiu nos anos 20 e se manteve até a década de 40. A designação arte-decó tem
origem na Exposição de Artes Decorativas e Industriais, que teve lugar em Paris em 1925. Desenvolvido no
período entre as duas grandes guerras, teve por fundamento básico a simplicidade de linhas limpas e puras, o
geometrismo ordenador e abstracionismo, se manifestando não apenas em criações artesanais, como em todo
tipo de engenho das caldeias movidas a vapor e dos motores a explosão. Com gravidade e elegância de um
design aberto e prático, projetava o desenvolvimento d e produtos industriais selando informações
tecnológicas e refletindo uma mudança de comportamento. Apoiado em novas formas de comunicação,
chegou entre nós concomitantemente com o que se fazia na Europa e na América do Norte.
196
MODERNO cinema em Campo Maior. Jornal O Dia. 1961.
103

cinema de propriedade da senhora Maria Nazaré Castelo Branco Lins, que venceu a
concorrência para assumi-lo, tendo esta recebido uma isenção de dezoito anos de impostos.
“Desta maneira, Campo Maior será inaugurado, dia 14 do corrente, o moderno Cine Nazaré,
que será sem nenhum exagero, o melhor cinema do Piauí.”197.Essa notícia foi transcrita do
jornal O Povo de Fortaleza. Isso demonstra o destaque que possuía a cidade de Campo Maior
e os seus habitantes.
O cinema, que possuía luz própria, só tinha, inicialmente, uma sessão, às 20h30. Essa
era anunciada com três toques por uma sirene montada em cima do cinema. As moças
entravam, reservavam sua cadeira e, às vezes, a do namorado. Antes do filme iniciar, havia
muitas conversas, pois todos se viravam para ver quem entrava e observar o desfile dos
espectadores.
Segundo Vasconcelos198, quando a sirene avisava que era o último sinal, as pessoas
que estavam na Praça Rui Barbosa se apressavam e compravam seus ingressos. Dentro do
cinema, os namoros eram comedidos, pois, se ocorressem de forma exagerada, provocariam
comentários no dia seguinte.
Posteriormente, Zacarias criou sessões de filmes à tarde, aos sábados e domingos e a
sessão das dezoito horas. Para isso, ele teve que fazer algumas alterações, uma delas foi
colocar ventiladores nas paredes.

Além do cartaz na porta do cinema, contendo fotos dos artistas e cenas do


filme que seria exibido, recordo-me do Zacarias em sua velha Rural, com um
alto falante em cima, anunciando, pelas ruas da cidade, o filme daquele dia:
atenção, hoje no Cine Nazaré, às 20 horas, o Homem que Matou o Facinora
(Zezinho, filho de uma égua, tu não puseste o acento, dizia ele) ou Duelo ao
Pôr do Sol e muitos outros.199

Dona Iracema, em sua entrevista colocou que “o cinema do Zacarias era muito bem
frequentado, naquele tempo só tinha essa diversão. Tinha também drama religiosos que a
dona Zelinda fazia em benefício da igreja”200. Com base nisso, percebe-se como a Igreja
influenciava este espaço de lazer e de sociabilidade.
Com o advento da televisão, as pessoas começaram a diminuir suas idas ao Cine
Nazaré. Com pouca frequência, ficou oneroso para o arrendatário, resultando em prejuízo. A
morte de Zacarias também ajudou para que o cinema fosse fechado, pois seus filhos trilharam
197
MODERNO op. cit.
198
VASCONCELOS, Marcos. Raízes de pedra. Fortaleza: Editora livro Técnico Premius, 2006. p. 87.
199
VASCONCELOS, op. cit.
200
SANTOS, Iracema Lima Costa. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
104

outros caminhos profissionais. Atualmente, neste espaço, funciona uma escola pública
municipal.
Outro grupo de construções que merecem destaque no diálogo com a igreja de Santo
Antônio, é o casario colonial, existente no entorno do templo religioso. O quarteirão que dá
continuidade à Rua Senador José Eusébio possui um casario (Figura 33) com resquícios da
arquitetura colonial.

Figura 33 – Casario Colonial


Fonte: O autor (2014)

Na esquina das ruas Honório Bona Neto e Senador José Eusébio, há um belo sobrado,
que dialoga verticalmente com o volume da Igreja de Santo Antônio e se impõe na
composição arquitetônica do casario que o apoia plasticamente. Por meio de sua altura e
soluções de esquadrias nos dois pavimentos, foi criada uma obra sutil e bela, que tem sido
preservada através do tempo.
105

Figura 34 – Sobrado
Fonte: Silva Filho (2007).

Este sobrado (Figura 34), era de propriedade do Major Honório Bona, trata-se de uma
construção do início do século XX. Este era um prédio comercial, com a morte do proprietário
a família desfez-se do bem. O prédio, abrigou o colégio Santa Úrsula, o museu do couro,
lanchonetes, e pontos comerciais.

Figura 35 – Perfil lateral preservado


Fonte: Rômulo Marques (2015)

O casario (Figura 35), que apoia visualmente este sobrado, possui características da
arquitetura colonial piauiense, reportando-se ao partido das moradas habitacionais de cidades
históricas como Oeiras e Amarante.
A horizontalidade predomina nesse conjunto, onde se pode observar que os telhados
eram, originalmente, finalizados com pequenos beirais, em beira e bica, formando as
conhecidas “beiras saveiras” ou beiras sobre beiras, tipicamente coloniais. Apenas um dos
imóveis do casario foi descaracterizado ao receber platibandas, mudando a composição acima
descrita.
Observa-se que as esquadrias (portas e janelas) mantiveram suas características
originais ao preservar as janelas compostas de folhas duplas em veneziana de madeira,
arrematadas por bandeiras em arco ogival, trabalhadas em madeira. Para finalizar, estas
106

esquadrias são arrematadas por vergas em alto-relevo em massa, que seguem o mesmo
detalhamento da esquadria.
As casas que se encontram preservadas pertenciam à famílias tradicionais e ainda hoje,
pertencem a pessoas que anseiam por preservar a memória da história campo-maiorense. Ao
se fazer uma análise do casario que compõe a Praça Bona Primo, constata-se que apenas
algumas casas estão preservadas. A descaracterização é mais perceptível nas residências
localizadas no lado direito e na parte frontal da igreja (Figura 36).

Figura 36 – Perfil frontal descaracterizado.


Fonte: Rômulo Marques (2015)

Para uma possível explicação, pode-se supor que as casas mais descaracterizadas
(Figura 37), pertenciam às pessoas menos abastadas da cidade, isso fica visível na
proximidade das residências e nas poucas permanências que ainda resistem ao tempo.

Figura 37 – Perfil lateral descaracterizado


Fonte: Rômulo Marques (2015)

No entanto, com esses prédios (Figura 37) pode ter ocorrido o que foi citado por Choay:
“Aos monumentos são, de modo permanente expostas às afrontas do tempo vivido. O
esquecimento, o desapego, a falta de uso faz que sejam deixados de lado e abandonados.”201
Segundo Aldo Rossi202, cada geração acrescenta novos elementos ao patrimônio que
se recebe do passado. Porém, apesar das realidades mudarem de uma época para outra,
existem as realidades permanentes que conseguem se sobrepor à ação do tempo.
Outras residências que devem ser apresentados são as religiosas. A Praça Bona Primo
abriga três residências de propriedade da Igreja Católica, duas pertencentes à Paróquia e uma
à Diocese de Campo Maior.
Em uma das casas da Paróquia, encontra-se instalada a casa paroquial, lugar onde o
padre habita e atende aos seus paroquianos. A outra residência é o Palácio Episcopal, onde

201
CHOAY, Françoise. A alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade. UNESP, 2001. p. 26.
202
ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 3.
107

reside o Bispo da Diocese. Todavia, esta casa só passará a ser da Igreja no ano de 1976, pois,
somente no dia 12 de junho deste ano, a cidade de Campo Maior tornou-se sede da Igreja
Particular de Campo Maior.
Outro prédio que deve ser citado é o da Prefeitura Municipal (Figura 38) que,
posteriormente, foi transferida para a Praça Luiz Miranda, construída no ano de 1976 e
inaugurada no dia primeiro de maio do mesmo ano.

Figura 38 – Prefeitura Municipal


Fonte: Acervo do Bar Santo Antônio

A sede do poder municipal era localizada na Praça Bona Primo e, após ser transferida
para outro local, foi demolida, dando lugar à construção do Espaço Cultural Dom Abel
Alonso Nuñez, onde passou a serem promovidas festas públicas durante o festejo de Santo
Antônio.

3.2 ÁREA DE ABRANGÊNCIA EM TORNO DA IGREJA

Para se fazer uma análise da Igreja de Santo Antônio, na cidade de Campo Maior, não
é possível observar e dialogar somente com o seu entorno imediato, mas é necessário fazer
uma análise um pouco mais ampla, levando em consideração alguns espaços que compõem a
área de abrangência do objeto em estudo.
Aquilo que é vivenciado na cidade não ocorre em si mesmo, pois, para compreendê-la,
é indispensável observar os seus arredores, os elementos que fazem parte no espaço citadino e
as lembranças de experiências passadas que acabam sendo relacionadas aos ambientes, haja
108

vista que cada cidadão campo-maiorense tem vastas associações com alguma parte de sua
cidade e a imagem de cada espaço está marcada por lembranças e significados.

Figura 39 – Mapa do entorno da Igreja de Santo Antônio


Fonte: Google Maps (2014).

Neste espaço (Figura 39), encontram-se lugares que possuem uma grande relação com
a igreja e sua história, dentre eles, a Rua Santo Antônio, a Igreja de Nossa Senhora do
Rosário, a antiga delegacia e o antigo Hospital São Vicente de Paula.
Quanto à Rua Santo Antônio, interessante perceber a nomenclatura do logradouro,
tendo em vista que, recebeu esse nome devido à proximidade geográfica com o perímetro
urbano da igreja. Segundo Celso Chaves203, a via recebeu essa denominação foi decretada na
administração do intendente Major Luiz Rodrigues de Miranda, por força da lei municipal nº
141 de 08 de maio de 1925.
Essa proximidade do templo católico da cidade Campo Maior com a zona de
prostituição, fugiu ao que era comum na maioria das cidades, assim como foi citado por
Margareth Rago: “Além de confinar as prostitutas dentro de espaços especiais, vigiados e
marginalizados, os regulamentaristas defendiam que estes estivessem localizados em bairros
distantes das escolas, das igrejas, dos internatos e dos bairros residenciais”204.

203
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 25.
204
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar- Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985. p.92.
109

Figura 40 – Antiga Zona de Prostituição


Fonte: Natália Oliveira (2014)

Interessante destacar que a existência de uma zona de prostituição (Figura 40) tão
próxima da igreja matriz da cidade, se devia ao fato de que, em volta deste templo, estavam
concentrados os comércios, a prefeitura, pontos de ônibus, dentre outros lugares que
favoreciam o fluxo de clientes para a zona de prostituição.

Campo Maior da Rua Santo Antonio


Frequentada pela alta sociedade
Das ‘muiê’ pra homem nenhum botar defeito
Do lugar mais atrativo da cidade
Da proximidade da igreja Matriz
Das controvérsias quanto a sua localidade.205

A Rua Santo Antônio, no período em estudo, também era conhecida como Zona
Planetária e Zona das Virtudes. Ela era formada por um quarteirão de casas de propriedade do
Major Honório Bona.
As casas de prostituição possuíam, no alto da porta, o nome de um planeta ou de uma
virtude. Um dos motivos que talvez possam tê-las levado a utilizar a fachada como convite
para a entrada no meretrício tenha sido o fato de que, na cidade tradicional, a comunicação do
edifício com o espaço urbano dava-se por meio de sua fachada. Porém, nesta rua, também
havia bares, restaurantes e algumas residências familiares.

Cada prostíbulo era representado por um dos planetas. Sim, senhores, a Zona
Planetária é hoje ferida de morte meretrício da rua Santo Antônio. Pouco

205
ARAÚJO, José Wagner Brazil. CAMPO MAIOR: sua história sua gente: prosas e versos. Campo Maior:
Gráfica Piauipel, 2008. p. 60.
110

custaria ao poder público gastar umas latas de tintas e recuperar a poesia e o


encantamento de um tempo que insiste em não morrer, porquanto ainda hoje,
em algumas partes, se vislumbra, sepultos por novas camadas de tinta,
vestígios do velho meretrício.206

Todavia, acredita-se que a escolha dos letreiros com nomes de planetas e virtudes se
deve as imposições contidas no Código de Postura do Munícipio, no capítulo 5- conforme
artigo 134- citado por Celso Chaves: “os anúncios, se atentatórios (ofensa) à moral (como
denominação em cabarés) poderão ser suspenso pelo prefeito, sem ficar eximindo o
anunciante da multa de duzentos cruzeiros”207.

Figura 41 – Rua Santo Antônio


Fonte: Silva Filho (2007)

Segundo este autor, a zona de prostituição (Figura 41) atraía prostitutas de vários
municípios piauienses e até de outros Estados (Maranhão e Ceará), que vinham em busca de
sobrevivência e/ ou amasiar-se com um fazendeiro rico da região.

Em caso de amasiamento, a amante era tirada da rua e levada para uma


cidade vizinha; às vezes ela saía do Estado quando se tratava de um
poderoso local, ou então ficava na zona do meretrício, reservada para o
amante que pagava as despesas da sua concubina208.

Esta zona de prostituição era um espaço que abrigava, especialmente, os homens que
possuíam melhores condições financeiras, chamado de alto meretrício. Isto porque, no final

206
CARVALHO, Helmar. Bernardo de Carvalho: o fundador de Bitorocara. Teresina: Gráfica do Povo. 2012. p.
43-44.
207
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 91.
208
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 45.
111

desta rua, existiam outras casas de prostituição, dois cabarés de propriedade da Babilônia e da
Zabelona, as madames que gerenciavam a prostituição na zona menos abastada da cidade,
chamada de baixo meretrício. Estas foram destruídas por completo e, em seu lugar,
construídas duas escolas públicas.
As vivências no baixo meretrício é presente na memória de seus moradores, mesmo
daqueles que não habitam mais a cidade. Isso é observado na prosa de Wagner Brasil:

Campo Maior da Zabelona, cai n’água


Do baixo meretrício, zona de cabaré
O preço ficava por conta da cara do freguês
Não tinha madame para controlar as ‘muiê’
Não tinha cobrança da chave pela madame
É a vista, é a prazo, é do jeito que tu quiser209.

Quanto às meretrizes da Rua Santo Antônio, em entrevista concedida a Celson Chaves,


uma delas afirmou que: “Quando eu cheguei aqui nesta zona, eu vim porque meus pais me
jogaram fora de casa, porque eu fiquei prostituta e não me quiseram mais, então tive todo o
apoio dessa madame, e para mim, ela foi uma mãe.”210
O depoimento dessa mulher remete a análise que Margareth Rago, apresenta sobre a
pessoa que se encontra nessas condições e necessita de abrigo e proteção:

Evidentemente, a mulher pobre que se prostitui é associada à imagem da


criança ou do selvagem que necessita dos cuidados do Estado e das classes
dominantes na condução de sua vida. Imatura, ela é uma pessoa desorientada
que se perdeu na vida e que precisa dos socorros dos especialistas para
reencontrar o bom caminho e reintegrar-se na sociedade.211

Outra questão interessante sobre a Rua Santo Antônio é a relação de suas moradoras
com a Igreja e os seus fiéis. Uma das entrevistadas por Celson Chaves neste nestes
meretrícios, abordou essa relação em um discurso repleto de mágoas escondidas, mas
perceptível nas entrelinhas de sua fala:

Olha, a gente não vai para a Igreja, porque quando a gente ia pra Igreja, os
moleques jogavam pedras na gente. ‘E olha, lá vai a rapariga’. Então todo
mundo tem medo de sair a rua. Na Igreja e no cinema não podiam sentar no

209
ARAÚJO, José Wagner Brazil. CAMPO MAIOR: Sua História Sua Gente: Prosas E Versos. Campo Maior:
Gráfica Piauipel, 2008. p. 60.
210
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 86.
211
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar- Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985. p.87.
112

mesmo banco junto com as senhoras da cidade. Além disso, deveriam ter um
vestido decente para sair à rua e ir até mesmo ao mercado público212.

No entanto, no período em estudo, apesar do profano se encontrar tão próximo ao


sagrado, as moças de família e as senhoras casadas jamais poderiam frequentar ou ao menos
passar, por esta zona. Este era um espaço dedicado aos homens que, além de satisfazerem
seus desejos sexuais, ainda aproveitavam o ambiente para conversarem sobre negócios. Esse
impedimento é confirmado na fala de dona Conceição, quando questionada sobre a sua
passagem por essa rua:

Passava não, o meu pai tinha um bar chamado Bar da Noite, era lá na Rua
Santo Antônio, mais tinha uma pessoa, um homem, que ficava lá com eles,
só para deixar nossa marmita de comida em casa, porque nós não podia ir lá.
Dia de domingo, meu pai deixava nós ir lá dimanhanzinha, entre oito e nove
horas, mas nós demorava vinte minuto, tomava um guaraná e vinha embora.
Ninguém ficava lá não. [sic.]213

Muitos atendimentos chegavam até as moradoras da Rua Santo Antônio. Dentre eles, o
auxílio dado as meretrizes que se encontrassem gestantes. Dona Iracema, parteira da cidade,
sempre quando requisitada, fazia-se presente nas zonas de prostituição. Interessante perceber
em sua fala, a lembrança do respeito que as proprietárias e meretrizes dedicavam a ela.

Eu partejava na Rua Santo Antônio, naqueles quartinhos, naquele dia


que eu estava lá, ficava o vigia na porta, os carros voltando e eu achei
interessante que um dia o doutor Fernando perguntou: Irá, você vai
partejar lá na Rua Santo Antônio? E eu disse: lá tem mulher doutor?
Ai ele sorriu, e eu disse: que onde tiver mulher pra parir eu vou.
Quando eu ia, eu imprimia respeito. Chegava um sujeito boatando lá
no outro quarto, diziam: oh! a dona Irá tá partejando aqui, fulano ia
embora, me respeitavam.

No entanto, segundo relatos orais, apesar das restrições existentes, Pe. Mateus com
pessoas de alguns grupos da Igreja, como a Ordem Franciscana, faziam um trabalho de visitas
missionárias junto às meretrizes. Esse trabalho pastoral se estendeu com a chegada de Dom
Abel, por ocasião da instalação da Diocese. Ele juntamente com os párocos, realizava um

212
CHAVES, Celson. Rua Santo Antônio. Campo Maior: EDUFPI, 2014. p. 87.
213
GONÇALVES, Maria da Conceição. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para a pesquisa de mestrado.
113

acompanhamento das meretrizes que, tinham a doença Hanseníase e direcionavam-nas a um


tratamento.
Outro espaço que deve ser destacado é a igreja de Nossa Senhora do Rosário (Figura
42), pois se trata do segundo templo construído na cidade de Campo Maior. Acredita-se que, a
princípio, era um templo rústico construído para que os negros pudessem realizar seus cultos a
Deus. Essa igreja, assim com as demais do Piauí, tinha como Padroeira Nossa Senhora do
Rosário, tida como igreja dos pretos.
Na cidade, fala-se de uma senhora de nome Virgilina Rosa de Miranda, que tinha
sérios problemas na saúde e, ao passar pelo templo de traços simples, fez uma promessa que,
se ficasse curada de suas enfermidades, construiria um belo templo para Nossa Senhora do
Rosário.
As fontes, em especial o Livro de Tombo da paróquia de Santo Antônio, que data do
ano de 1883, sendo o primeiro livro de registro da igreja, afirmam que Dom Antônio Cândido
de Alvarenga, bispo de São Luís do Maranhão, jurisdição religiosa a qual pertencia Campo
Maior, concedeu a permissão para que o senhor Rodrigues de Azevedo, em cumprimento de
um voto feito por sua mulher, Dona Virgilina Rosa de Miranda, reedificasse a Igreja de Nossa
Senhora do Rosário, filial da igreja de Santo Antônio, podendo, em seu auxílio, servir-se da
telha e material ainda existentes nas ruínas da mesma igreja e incumbindo-o, porém, de
cientificar a jurisdição religiosa da conclusão da obra, logo que a terminasse, para que ele ou
um delegado seu pudesse proceder à bênção do novo templo. Essa carta de permissão
encontra-se transcrita no livro de tombo e data de 13 de novembro de 1890.

Figura 42 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário


Fonte: O autor (2010).
114

Outra transcrição afirma que Dona Virgilina, agora viúva, em 24 de abril de 1893,
manda uma carta ao bispo do Maranhão, pedindo permissão para colocar uma lápide
comemorativa na parte interna e externa da igreja. Nessa carta, também garante que logo a
igreja estará aberta aos fiéis.
José Luís Pereira, representante da falecida cunhada, recebe a notícia de que Dom
Antônio Cândido de Alvarenga permitiu que o vigário de Campo Maior pudesse proceder sob
a forma do Ritual Romano a bênção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, erguida por
cumprimento de um voto da referida falecida, devendo o padre lavrar, no livro de tombo, um
termo e enviá-lo para a sede da Diocese.

Aos dez dias do mês de dezembro do ano do nascimento de Nosso Senhor


Jesus Cristo de 1893, nesta cidade de Santo Antônio de Campo Maior do
Estado do Piauhy, bispado do Maranhão, o reverendo vigário Manoel Félix
Cavalcante de Barros em virtude da faculdade concedida pelo excelentíssimo
e reverendíssimo Senhor Bispo Diocesano Dom Antônio Laudido de
Alvarenga, benzer solenemente a Capela de Nossa Senhora do Rosário, filial
desta Matriz erecta nesta mesma cidade, a cujo ato assistido e foram
testemunhas além do concurso do povo e de várias outras testemunhas que
assinaram este termo214.

Com a chegada do padre Mateus, que se empenhou na construção de uma nova Matriz,
utilizou-se a capela para guardar diversos objetos litúrgicos, bem como a imagem do
padroeiro e o Santíssimo Sacramento, enquanto as primeiras paredes e o teto da nova igreja
não ficavam prontos. Os relatos orais apontam para a realização de inúmeras celebrações
realizadas no templo; muitos foram os sacramentos oferecidos, várias pessoas foram, ali,
batizadas e casadas.
Quando a nova Matriz ficou pronta, todos os objetos retornaram de vez, certo que
muitos já estavam lá. No entanto, segundo relatos orais, nunca se deixou de celebrar no
templo, onde se realizava o animado festejo da Padroeira, festividade que reunia inúmeras
pessoas de toda a cidade e que hoje é um novenário de pequena dimensão no mês de outubro.
Esse templo religioso também sempre serviu de lugar para a realização de reuniões das
diversas associações religiosas, como Legião de Maria, Apostolado da Oração, Confraria,
entre outros. Conforme os relatos orais, a igreja nunca ficava abandonada, fazia-se sempre
algo no espaço religioso: reuniões, festejos, a reza de terço, adoração ao Santíssimo e
celebrações de missas e sacramentos, embora o lugar da missa dominical fosse a igreja
Matriz.

214
LIVRO DE TOMBO, 1893, [s.p.].
115

Isso se deve ao fato da proximidade, já que o que as separa é somente uma quadra de
casas. As duas igrejas apresentam-se na paisagem urbana de Campo Maior com formas
diversas, uma de forma mais imponente, a outra com traços mais simples, mas num espaço
muito próximo, sendo, portanto, atribuídas funções a cada uma delas.
Trata-se de um templo sediado no centro da cidade, pertencente à Diocese de Campo
Maior, que possui um grande valor cultural e se integra à paisagem urbana. É um edifício
utilizado para fins religiosos, atualmente para adoração perpétua do Santíssimo Sacramento,
além de continuar servindo de lugar de encontro para diversas associações e movimentos da
Igreja Católica.
De acordo com esse ponto de vista, percebe-se que a Igreja do Rosário passou por
várias reformas (Figura 43) com forte descaracterização na última, pois perdeu o coro e teve
acrescida outra torre, bem como a inserção de grades de ferro, substituição das portas e
janelas, inclusão de um forro e substituição do piso.

Figura 43 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário


Fonte: Arquivo da Diocese de Campo Maior [1990?]

Ainda nessa área de abrangência do objeto de estudo, encontra-se a antiga cadeia


pública de Campo Maior, localizada na Rua Sete de Setembro. Em 1984, encerraram-se as
funções carcerárias do prédio onde ela funcionou. Dois anos após as atividades terem sido
encerradas, o prédio já se encontrava em processo de demolição: o telhado tinha sido retirado,
o reboco caindo, a vegetação cobrindo os poucos caibros e ripas que ainda existiam.
116

Figura 44 – Antiga delegacia


Fonte: O autor (2014).

O prédio (Figura 44) foi restaurado no governo do então prefeito César Melo, em
1986, ação encabeçada por intelectuais, como Olavo Pereira da Silva Filho. Após ser
restaurado, o prédio abrigou o Museu do Couro e, mais à frente, a Escola Municipal Mariema
Paz. O imóvel, considerado um dos mais antigos da cidade, é datado de 1851.
Outro local de destaque neste entorno é o antigo Hospital São Vicente de Paula
(Figura 45), primeira casa de saúde da cidade que ficava sob os cuidados do grupo católico
dos vicentinos. O hospital encerrou suas atividades e foi instalado em outro espaço da cidade.
Atualmente, nele se encontra funcionando o Centro Diocesano de Pastoral, pertencente à
Diocese.

Figura 45 – Antigo Hospital São Vicente de Paula


Fonte: Rômulo Marques (2015).
117

O Almanaque do Cariri, em sua edição de 1952 destacou esse empreendimento


promovido a partir do incentivo da Igreja Católica. “O Hospital São Vicente de Paula surgiu
por iniciativa paroquial, patrocinado pelas confrarias Vicentinas contando ainda com verbas
especiais concedidas pelo governo da União”215.
Essa ação tinha como presidente o senhor Valdeck Bona. E o Almanaque do Cariri,
enfatiza a importância do seu idealizador: “É aqui por amor à justiça e a verdade cumpre
ressaltar o nome de Valdeck Bona presidente das mesmas pelo muito que fez e dispensou em
prol desse grande e humanitário empreendimento.”216
Dona Iracema, parteira da cidade e funcionária do hospital, também destacou o
incentivo do prefeito a esta casa de saúde, afirmando que: “O prefeito era o seu Valdeck
Bona, o vencimento dele, ele dava para o hospital, não passava pela mão dele, ele era
vicentino”.
Esse incentivo do prefeito, também é ressaltado por ele próprio, em uma matéria do
Jornal do Piauí, intitulada “A situação do Hospital Regional São Vicente de Paula em Campo
Maior”.

[...] sempre incentivei e tenho dado apoio honesto a tudo que possa trazer
progresso a Campo Maior e melhoria para seu povo. Justamente serve de
exemplo a construção deste hospital, de que meu agressor só se ocupa para
um derrame de despeito. Ninguém me obrigou a construí-lo, pois o fiz
espontaneamente e apenas com o desejo de beneficiar minha terra e seus
habitantes.217

Este assunto foi pauta do jornal impresso, porque o senhor Valdeck Bona quis
responder a uma publicação feita no Jornal do Comércio de Teresina, edição de 10 e 11 de
março de 1960, em que se criticou a sua gestão relativa ao Hospital São Vicente de Paula, de
Campo Maior.
Ele apresentou ao jornal um resumo das atividades do hospital de 1 de setembro de
1957 a 29 de fevereiro de 1960: “Internato: indigência 637/ pensionato 209; Operações:
indigência 207/ pensionato 111; Partos: indigência 38/ pensionato 21; Óbitos: indigência 13/
pensionato 9. Observando que, todos os partos foram operatórios e 8 óbitos foi por acidente
rodoviário”218.

215
ALMANAQUE DO CARIRI. 1952, p. 60.
216
ALMANAQUE, op. cit.
217
A SITUAÇÃO do Hospital Regional “São Vicente de Paula em Campo Maior”. Jornal do Piauí. 31 mar.
1960.
218
A SITUAÇÃO, op. cit.
118

Segundo Dona Iracema, as dificuldades existentes no hospital por causa da falta de


recurso era muito grande: “O hospital era bem aciado, mas não tinha uma limpeza, assim no
prédio, coisa nenhuma, não tinha condição, acabava com um colchão, ficava sem colchão, era
muito difícil.”219
Outro problema citado por ela, era sobre a falta de um lugar adequado para que
ocorressem os nascimentos. Ao recordar-se dessa dificuldade, ela passou a narrar todo o seu
empenho para realizar uma campanha em prol de uma enfermaria obstetra, sobre isso ela
afirma: “fiz leilões, fiz bingo, fiz rifa, fiz drama, pedia no comércio, aqui e acolá, terminei
comprando cinco camas, mandei fazer cinco bercinhos, aí preparei a enfermaria obstetra”.
Ela fala ainda da festa de inauguração, pois convidou a todos e ainda pediu que
trouxessem donativos, dentre os que ela recebeu estava um “aladim” e um enxoval para
sortear entre as primeiras mães que estavam lá para terem seus filhos, ela disse: “ficou
chique”. Este foi um momento narrado por ela com grande sentimento de orgulho, por ter
contribuído com a história da saúde em Campo Maior.
Essas problemáticas e a constante busca por recursos junto ao governo estadual, é
notável em um dos temas abordados pelo Jornal A Luta em 1969:

Já está funcionando normalmente todos os departamentos médicos de nosso


Hospital Regional. O Exmo. Sr. Secretário de Saúde do Estado, veio
pessoalmente oferecer os recursos médicos que faltavam, dando humana e
justa solução aos problemas que impossibilitavam o funcionamento normal
do nosocômio que pertence a Conferência Vicentina de Campo Maior. Por
outro lado, Monsenhor Mateus Cortez colocado ao par de tosas as
ocorrências prometeu melhor ajuda administração do Hospital, por parte da
Conferência.220

Além, da participação na instalação do Hospital, a Igreja sempre fazia-se presente


neste espaço de saúde, isso é confirmado por dona Iracema: “O padre Mateus ia visitar os
doentes, às vezes pra confissão, pra essas coisas. Quando ele ganhava leite, biscoito, ele
mandava tudo para o hospital. Ele também ajudou muito o hospital.”221
Ao analisar esse conjunto arquitetônico que compõe o entorno da Igreja de Santo
Antônio, podem-se fazer algumas observações. A primeira delas é que os espaços que, no
princípio desta urbe, a movimentaram, hoje formam apenas o centro histórico da cidade,

219
SANTOS, Iracema Lima Costa. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
220
HOSPITAL São Vicente de Paula voltou a funcionar. Jornal A luta. 27 abr. 1969.
221
SANTOS, Iracema Lima. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da Conceição
Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
119

sendo que a cidade cresceu para trás da igreja e, com isso, muitos prédios comerciais e
públicos mudaram-se para outro lugar, retirando da parte frontal da igreja, o coração da
cidade.
A segunda observação é que os lugares citados ainda hoje demonstram a importância
da Igreja Católica para a cidade, pois, na Praça Rui Barbosa, está instalado um prédio
pertencente à Diocese de Campo Maior e, próximo a ele, também está o Salão Paroquial
Monsenhor Isaac Vilarinho, onde acontecem as reuniões paroquiais.
Na Praça Bona Primo, além da igreja, estão três residências pertencentes à Igreja. Na
Praça do Rosário, além da igreja, encontra-se o Centro Diocesano, a Cúria Diocesana e a casa
das religiosas da Congregação das Irmãs de Santa Elisabeth.
Diante disso, percebe-se o que cita Choay, a respeito da manutenção da memória
através dos monumentos edificados:

Para aqueles que edificam, assim como para os destinatários das lembranças
que vinculam, o monumento é uma defesa contra o traumatismo da
existência, um dispositivo de segurança. O monumento assegura, acalma,
tranquiliza, conjurando o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das
origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos começos. Desafio à
entropia, à ação dissolvente que o tempo exerce sobre todas as coisas
naturais e artificiais, ele tenta combater a angústia da morte e do
aniquilamento.222

Portanto, pode-se compreender estes espaços como algo que lembra o passado, dando
a impressão de que ainda é presente. Quando essas memórias são invocadas, traz um passado
localizado, que contribui para manter a identidade de uma cidade. Em Campo Maior, essa
identidade está intrinsecamente ligada a Religião Católica, pois todos esses espaços tiveram a
intervenção direta ou indireta desta Instituição.

222
CHOAY, Françoise. A alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade. UNESP, 2001. p. 18.
120

4 A IGREJA: SOCIABILIDADES NA PAISAGEM URBANA

No quarto capítulo, serão


estudados os festejos de Santo Antônio,
na cidade de Campo Maior- Piauí, como
resultado de um processo, que teve início
com a instalação da Freguesia de Santo
Antônio do Surubim, no século XVIII, e
se estende até o século XXI, resultando
em uma intrínseca relação entre o templo
que o abriga e a população da cidade, que
se beneficia com este evento religioso.

Figura 46 – Capa da Revista Maior Turismo,


Fonte: Biblioteca Municipal (2011).
121

4 A IGREJA: SOCIABILIDADES NA PAISAGEM URBANA

Ai, minhas festas de Santo Antônio...


As barracas na praça Bona Primo,
máquinas de descascar laranjas!
Que engenhos meu Deus, nunca os tinha visto antes!
Dias de junho, noites de junho, os leilões,
do primeiro ao dia treze, dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três,
o Bilé gritando e os homens arrematando...
(Joaquim Pereira de Oliveira)

A cidade de Campo Maior possui em seu calendário um período muito aguardado por
toda a sociedade campo-maiorense, pois são dias de grande movimentação sociocultural, que
acontecem anualmente, no período de 31 de maio a 13 de junho: É a celebração dos festejos
de Santo Antônio (Figura 47), padroeiro do município e desde 1976 da Diocese de Campo
Maior.

Figura 47 – Festejos de Santo Antônio


Fonte: Arquivo da Diocese de Campo Maior [1970?]

O entendimento desse contexto atual, só é possível a partir da compreensão do processo


que, esta pesquisa apresentou nos capítulos anteriores. Tendo em vista que, uma das grandes
fontes de renda, para a cidade em estudo, possivelmente, tem seus primórdios com a
122

instalação da Freguesia de Santo Antônio do Surubim, no século XVIII. E essa consciência


pode ser exemplificada com a matéria do Jornal O Dia, na década de sessenta.

Os campo-maiorenses sabem homenagear o seu grande padroeiro e, todos os


anos, no dia 13 de junho a população em peso, como se fosse uma só pessoa,
se concentra nas largas ruas da terra dos carnaubais para glorificar aquele
sob cujo signo nasceu a ex-freguesia de Santo Antônio do Surubim223.

É certo, que a dimensão atual surgiu gradualmente, à medida que, a cidade se


desenvolvia e a paróquia se renovava, especialmente nas décadas em estudo (1941-1971).
Sendo assim, este capítulo, ao analisar a maior festividade religiosa da cidade, destacando a
sua origem e evolução, bem como os seus personagens e rituais, associa a essa ampliação dos
festejos às mudanças ocorridas no seu primeiro templo católico, a igreja de Santo Antônio.
Partindo dessa perspectiva, percebe-se o que foi citado pelo jornal O Estímulo na
década de quarenta, no auge da construção do novo espaço religioso. “Quando a nossa igreja
matriz estiver pronta, atraindo os visitantes, não será a glória para este, nem para aquele, mas
convidando-nos para glorificar a Deus, será a glória de um povo”.224
Diante disso, pode-se supor que essa identidade religiosa, que faz parte da sociedade
campo-maiorense individualmente e coletivamente, fundamenta-se no que é citado por
Catroga, com relação à absorção de uma memória: “O sujeito mesmo antes de ser um eu, já
está, a um certo nível, imerso na placenta de uma memória que o socializa e à luz da qual ele
irá definir, quer a sua estratégia de vida, quer os seus sentimentos de pertença e adesão ao
colectivo”.225
Haja vista que, a nova matriz até os dias atuais atrai, inúmeros visitantes para este
espaço citadino, especialmente no período em que a paróquia de Santo Antônio festeja o seu
padroeiro. Isso tudo propicia à cidade uma, identificação de destaque, não somente religiosa,
mas também cultural.

4.1 OS FESTEJOS DE SANTO ANTÔNIO

A prática de realizar celebrações em honra aos santos católicos é muito antiga, pois as
devoções foram algo bastante difundidas desde a colonização do Brasil, e além disso, muitos

223
CAMPO Maior festeja hoje o padroeiro da cidade. Jornal O Dia. 13 jun. 1969.
224
O MARCO de uma geração. Jornal O Estímulo. jan. 1946.
225
CATROGA, Fernando. Os passos do homem como restolho do tempo: memória e fim da História. Coimbra:
Almedina, 2009. p. 13.
123

rituais eram promovidos nas capelas das grandes fazendas de gado que se encontravam não só
na região de Campo Maior, mas em todo o país.
Não há registros precisos sobre a origem dos festejos de Santo Antônio em Campo
Maior. No entanto, acredita-se que a data da festividade deve ser muito antiga, já que no dia
treze de junho, a Igreja comemora o dia de Santo Antônio.

Figura 48 – Imagem de Santo Antônio


Fonte: Arquivo da Diocese de Campo Maior (2012).

Além disso, a devoção a esse santo português, está associada a elementos mágicos,
como por exemplo, a lenda do aparecimento da imagem no tronco de uma jurumeira, que foi
encontrada por um vaqueiro. A crença nesse fato propiciou o surgimento de uma
nomenclatura peculiar, pois ele passou a ser reconhecido na cidade como “Santo Antônio
Aparecido” (Figura 48) ou “Santo Antônio Pequeninho”. No entanto essa prática de
descobertas, não é característica particular de Campo Maior, mas uma realidade comum em
vários lugares.

A maior parte desses cultos são justificados por histórias de ‘descobertas’:


estátua, objeto de culto, foi miraculosamente achada numa árvore [...], num
canto do solo, ou na água cristalina de uma fonte, ou numa poça também
cristalina. E a descoberta é feita a maior parte das vezes por um leigo, entre
os mais simples, pastor ou pequena camponesa guardiã de um rebanho, ou
mesmo por um dos animais do rebanho226.

226
DUPRONT, Alphonse. A Religião: antropologia religiosa. apud LE GOFF; NORRA, PIERRE. História:
novas abordagens. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. p. 89.
124

Contudo, dessa configuração composta por celebrações, barracas, procissões e com


maior número de participantes, há registros no início do século XX, mais precisamente na
década de trinta, quando o prefeito Francisco Cavalcante realizou uma reforma na Praça Rui
Barbosa, lugar onde ocorriam os momentos de sociabilidade da cidade e em que ficava a
estrutura social da festividade religiosa.
Pode-se, portanto, dividir a história dos festejos de Santo Antônio, em dois momentos,
considerando a demolição, e a construção da nova igreja, na década de quarenta. Além disso,
deve-se associar às reformas ocorridas nas praças Rui Barbosa e Bona Primo.
Sendo assim, a evolução dos festejos de Santo Antônio, pode ser associada à ampliação
dos espaços, pois, ocorreram em momentos diversos e acompanharam o crescimento do
evento católico. Uma vez que, a cada período as festividades foram ganhando uma magnitude,
que provocaram uma expansão dos ambientes em que ele acontecia.
No primeiro momento, antes da demolição, as celebrações ocorriam na antiga igreja e a
parte social, aconteciam na sua parte posterior, na Praça Rui Barbosa. Esta, era o lugar onde
estavam localizados os bares, restaurantes, hotéis e empresas de venda de passagens de
ônibus, ou seja, o lócus do movimento social da urbe.
Sobre esse período, dona Iracema, recorda-se dos leilões e das apresentações que
aconteciam na praça, quanto às celebrações ela afirma que, eram campais, ocorriam no adro
da igreja, isso porque ela era pequena. Dentre essas lembranças, ela faz memória a um
momento desta festividade, que lhe causou ao mesmo tempo, medo e encantamento:

Eu era menina, meu tio, ele fazia balões, preparava fogos de vista, com
Santo Antônio dentro do oratório, aí acendia tudo e queimava tudo, e o santo
lá dentro do oratório não se queimava, era fogo para um lado e pra outro, eu
tinha medo, mamãe dizia: num tenha medo minha filha, que não vem pra nós
não, é só dos lados. Era muitos foguetes e muitos balões nessa época.227

O segundo momento do festejo de Santo Antônio teve início na década de quarenta,


após a chegada do Monsenhor Mateus Cortez Rufino, e do início da construção da nova igreja
de Santo Antônio, no ano de 1944. Na edição de junho de 1946, Pe. Mateus destacou a
relevância do festejo para a cidade e para seus moradores. “De um extremo a outro o
município, tudo se alvoroça ao aproximar-se o grande dia! [...] É o dia de Santo Antônio! E o

227
SANTOS, Iracema Lima Costa. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
125

bom campo-maiorense, distante de sua terra, não resiste. Quando não vem, ou chora, ou morre
de saudade! 13 de junho! Dia de Santo Antônio”228.
O jornal Resistência, na edição de 1949, também destacou o evento católico e a
importância do pároco da Matriz. A matéria com o título: “A fé cristã em Campo Maior”
dizia:

Ao padre Mateus Rufino Cortez, sacerdote dinâmico, verdadeiro abnegado


do seu sagrado ministério e pai espiritual de Campo Maior, nossos votos de
brilhante êxito nas festas de 1949 a Santo Antônio- que foi em vida e fiel
pregador da Doutrina do Mestre da Galileia.229

A partir desse período, os festejos começaram a envolver a Praça Bona Primo, que fica
defronte à igreja, mas que antes era utilizada somente para abrigar comícios políticos e os
circos que chegavam à cidade. É válido ressaltar que a Praça Rui Barbosa não deixou
completamente de ser um espaço envolvido nesta festividade, pois as pessoas continuavam
frequentando os bares que estavam no entorno dela, como por exemplo, o Bar Santo Antônio,
do senhor Antônio Bona.
Entretanto, com a mudança, as barracas que vendiam comidas ou brindes, ocuparam
lugar na praça Bona Primo. No entanto, é preciso compreender que os ambientes utilizados na
época não possuíam as dimensões atuais. Isso, só foi ocorrendo com o passar dos anos e o
aumento da população.
Dona Conceição, ao apontar as diferenças que surgiram com o tempo, enfatiza as
alterações nos locais de venda de alimentos, e nas práticas de diversão que animavam a
festividade religiosa:

Não tinha essas barracas bonitas que tem hoje, era uma mesinha com quatro
pé, que chamava tabuleiro, as mulheres vinham, botavam dois pedacinhos de
frito nos pires, três pedaços de manuê. Não era como é hoje não, que você se
senta e tem tudo, só faz pedir, não era não230.

A festividade era animada pela banda de música, Lyra Santo Antônio, responsabilidade
do músico Antônio Bona Neto, que além de realizarem as alvoradas no adro da igreja, à noite
animava os cidadãos campo-maiorenses. Segundo Irmão Turuka231, em seu texto intitulado

228
13 DE JUNHO. O Estímulo. 13 jun. 1946.
229
BRITO, Bugyja. A fé cristã em Campo Maior. RESISTÊNCIA, 12 jun. 1949.
230
GONÇALVES, Maria da Conceição. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para a pesquisa de mestrado.
231
Fundador do Centro Espírita em Campo Maior e cronista do Jornal campo-maiorense A Luta.
126

“Lyra de Santo Antônio”232, a banda ocupava o centro da praça Bona Primo, em um coreto
improvisado, e dali oferecia à população, um repertório antigo, formado por valsas, baiões e
marchinhas.
Nesse período do festejo, percebe-se como ele foi ampliando-se gradualmente. Devido a
isso, a festividade tinha destaque nos meios de comunicação da época. Exemplo disso, é a
edição do Jornal o Dia, de 1969, que destaca essa festa religiosa da cidade de Campo Maior
com a seguinte matéria: “Campo Maior festeja hoje o padroeiro da cidade”.

Hoje novamente, como nos anos anteriores, o templo católico ficará


superlotado dos devotos do querido padroeiro da terra dos carnaubais.
Crianças, gente adulta, pessoas importantes e modestas, enfim: a cidade em
peso comparece à Igreja de Santo Antônio e à procissão para homenagear o
seu padroeiro, neste 13 de junho de 1969, a maior data da ex freguesia de
Santo Antônio.233

O terceiro momento do festejo teve início no fim da década de oitenta, quando outro
espaço foi acoplado, a Praça do Rosário, nela já eram colocados os parques de diversões que
chegavam à cidade para divertir a criançada. No fim desta década, a praça foi também
ocupada por barracas de comida, bebida e diversões. Nesse período, o número de barracas era
muito superior, e a do leilão já ocupava o centro da Praça Bona Primo, e o número de pessoas
participando deste evento religioso só aumentava.
No entanto, é preciso destacar que no mês de maio, período anterior às festividades de
Santo Antônio ocorriam os festejos de Nossa Senhora do Rosário, este também possuía
novenas, barracas, leilões e o parque de diversões que chegava para animá-lo.
Em toda essa situação, é válido destacar dois espaços de sociabilidade que, nesse
período de festa, também serviam como formas de diversão para aqueles, que chegavam para
apreciar uma noite de festejo: o cinema do Zacarias e a zona de prostituição, que funcionava
na Rua Santo Antônio.
Na época da festa, após o encerramento da trezena, muitas pessoas se deslocavam para a
praça, para conversarem, namorarem e aproveitar o momento de confraternização e lazer. E
nessa situação, acabavam por frequentar o cinema, num prolongamento da diversão. Porém, a
medida que o evento crescia, essa prática diminuía.
Contudo, outros espaços que, animaram por muito tempo o festejo campo-maiorense
foram as zonas de prostituição, que funcionavam tanto na Rua Santo Antônio, como na área

232
LIMA, Reginaldo Gonçalves de Lima. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Teresina,
1995. p. 328.
233
CAMPO Maior festeja hoje o padroeiro da cidade. Jornal O Dia. 13 jun. 1969.
127

conhecida como baixo meretrício, local frequentado pelos menos abastados financeiramente,
os prostíbulos da Zabelona e Babilônia. Nesse período, a cidade recebia inúmeras meretrizes,
que vinham de várias cidades do Piauí, para animar os participantes desta festa que apesar de
ser sagrada acabava por ter que conviver com o profano.

Em certos períodos do ano, como Carnaval e sobretudo os festejos de Santo


Antônio, o movimento na zona de prostituição crescia acima da média dos
dias normais de agitação devido à grande quantidade de pessoas que vinham
para o festejo do padroeiro e davam uma escapadinha para se aconchegar
nos braços e coxas de belas meretrizes que migravam temporariamente feito
mariposas para atender uma grande clientela ávida por bebida, jogatina e
sexo.234

A zona também era um dos pontos de interesse dos profissionais e vendedores que
chagavam à cidade para lucrar com a festividade religiosa. Segundo Chaves 235, o fotógrafo
Messias Neco, obteve grandes lucros na Rua Santo Antônio, tirando “fotografias dos
participantes de bebedeiras”.

4.2 CAMPO MAIOR EM FESTA: O TURISMO EM ALTA

A maior festividade católica da cidade de Campo Maior, apresenta-se desde a década de


quarenta, como um tempo em que se aproximam da Igreja praticamente todos os seus
moradores. Tendo em vista, as inúmeras contribuições dela, seja religiosa, econômica ou
sociocultural. E uma das formas de atrair tantas pessoas, é a valorização daquelas que
participam, estabelecendo algumas categorias.
Essas categorias estabelecidas, não possuem um registro oficial quanto ao seu
surgimento. No entanto, foram figuras, que com o passar dos anos ganharam importância para
a festividade, e adquiriram certo prestígio social. São elas: “noitantes”, “mordomos”,
“padrinhos” e “bonecas”.
Os “noitantes” são as categorias de pessoas homenageadas, que abarcam toda a
sociedade campo-maiorense, pois cada noite do festejo é dedicada a um grupo específico, não
somente religioso, mas também, social. Por exemplo, existe um dia em que os “noitantes” são
todos os profissionais da educação, ali são contemplados os professores, as escolas municipais
e estaduais, as universidades, e as Gerências Regional e Municipal de Educação. Estes se

234
ALVES, FILHO. Matheus Rumo ao céu, 1993 apud CHAVES, Celson. Rua Santo Antonio. Campo Maior:
EDUFPI: 2014.
235
CHAVES, op. cit,. p. 48
128

articulam para arrecadarem dinheiro para ofertarem durante a trezena, e também convocam
todos os profissionais da categoria, para participarem da parte religiosa e social.
São muitos os “noitantes”: prefeitura e funcionários públicos, professores, estudantes,
comerciantes, motoristas, mecânicos, empresas de transporte, bancários, lavradores,
veterinários, agrônomos, carroceiros, lavadeiras, operários, pescadores, profissionais da
saúde, policiais civis, militares, federais e rodoviários e o último dia é dedicado a todas as
Antônia e Antônio. Porém, os noitantes que mais movimentam os festejos são os vaqueiros e
proprietários rurais.

O bem, entretanto, vai ser o dia do vaqueiro. O Vaqueiro e a Fazenda são a


alma da tradição de Campo Maior. O fazendeiro devoto de Santo Antônio
sempre oferece na festa o garrote do Santo, pedindo-lhe a proteção para o
seu criatório, e o Vaqueiro, todos anos com sua farda de couro e o seu cavalo
fogoso vai domar esses rebeldes e potros bravios.236

A prática descrita pelo jornal A Luta, persiste até os dias atuais. Este dia da festa é
comemorado com grande vigor e empenho, tanto pelos vaqueiros (Figura 49), quanto pelos
proprietários rurais. A imagem dessas pessoas vestidas com gibão de couro, montadas em
seus cavalos, é elemento presente na mente dos campo-maiorenses.

Figura 49 – Passeata no dia do vaqueiro


Fonte: Arquivo da Diocese (2012)

Essa grande movimentação econômica, social e cultural que acontece na noite em que, a
celebração religiosa homenageia o vaqueiro, possui sua base na história da cidade, pois apesar

236
A TRADICIONAL festa de Campo Maior. A LUTA, 16 jun. 1973.
129

de sua economia, possuir na carnaúba e no comércio outras fontes de renda, é no gado que se
encontra as raízes dos seus habitantes.

Figura 50 – Vaqueiro
Fonte: Arquivo da Diocese (2012)

Além disso, os proprietários de fazendas de gado, que moram na urbe, compreendem


esse momento, como um estado de preservação da memória daqueles que, deram base ao
surgimento deste espaço citadino. Diante disso, percebe-se a luta contra o esquecimento,
citada por Fontinelles, na perpetuação da imagem do vaqueiro (Figura 50), que é evocada
todos os anos por ocasião da Festa de Santo Antônio.

A principal façanha no combate à morte ou a seu correspondente- o


esquecimento- catástrofe simbolizada pelo desaparecimento definitivo, é
promovida pela associação da memória à retórica, uma vez que a citação e
recitação são instrumentos imprescindíveis na arte de fazer crer. [...] Por essa
concepção, as imagens assim armazenadas são fáceis de evocar no momento
oportuno, segundo o qual a ordem dos lugares preservaria a ordem das
coisas, sendo que as ‘coisas’ figuradas pelas imagens e pelos lugares tratam-
se de objetos, de personagens, de acontecimentos, de fatos relativos a uma
causa a defender.237

Outra figura desta festa são os “mordomos”: estes são pessoas que os noitantes e a
comissão organizadora do evento católico, escolhem para homenagearem em suas noites.
Quanto ao significado do nome mordomo, traz uma ideia daquele que serve e que oferece a
Deus, alguma coisa. No caso da festa religiosa, é uma oferta em dinheiro, sendo que, se ela

237
FONTINELLES, Cláudia Cristina da Silva. Estádio Albertão: entre a memória recitada e o apagamento dos
rastros. In: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. (Org.). Sentimentos e ressentimentos em cidades
brasileiras. Teresina: EDUFPI; Imperatriz, MA: Ética, 2010 p. 97-98.
130

não acontecer, isso não os impedirá de em outros anos, novamente serem homenageados.
Dentre os mordomos escolhidos, muitas vezes são colocados nomes de pessoas falecidas da
cidade, mas a família comparece à trezena para representar o seu parente ausente.
Outra personagem dos festejos são os “padrinhos”, estes são em número menor, e
refere-se às famílias convidadas para serem homenageadas em todo o festejo, e que devem
participar de todas as novenas. Ao final dos dias de festa, assim como os outros, também
fazem suas ofertas, principalmente em dinheiro.
Outra personalidade, que compõe o cenário desta festa, são as “bonecas” (Figura 51),
que são geralmente meninas de até dez anos de idade, convidadas juntamente com seus pais,
para participarem das trezenas, e cada celebração tem a sua “bonequinha”.

Figura 51: Bonecas dos festejos de 2012


Fonte: Arquivo da Diocese de Campo Maior (2012).

Estas, também fazem um trabalho para arrecadarem dinheiro, junto aos noitantes que
compõem sua noite. Aquela, que tiver a maior renda financeira e a que ficar em segundo
lugar, promovem as suas bonecas o direito de, na missa de encerramento do festejo, no dia 13
de junho, respectivamente, colocarem a coroa na cabeça da imagem de Santo Antônio,
chamada de resplendor, e a cruz na mão da imagem do santo.
Quanto à indumentária destas figuras, não há nenhuma exigência e nem um traje fixo
para ser utilizado no momento da celebração. Entretanto, é válido destacar que, as “bonecas”
geralmente são produzidas por seus familiares com uma vestimenta, que fazem jus ao título
dado a categoria.
Além dessas figuras, ainda compõem os festejos, os fiéis que chegam para participar das
procissões, trezenas e missas. Dentre eles há aqueles que participam da festa para pagarem
promessas, elevar a Deus e a Santo Antônio, louvores pela graça alcançada e isso ocorre de
várias formas: vão descalços para a procissão, se vestem de marrom, participam de todas as
131

trezenas, fazem uma doação em dinheiro, distribuem algum tipo de alimento para pessoas
carentes, que chegam à cidade nesse período, e que frequentam as calçadas da igreja durante
as treze noites de festividade.
Dona Conceição, ao falar dos festejos de Santo Antônio, apresenta inicialmente a sua
prática devocional, narrando os ritos particulares que ela realiza nesse período: “Eu sou
devota de Santo Antônio e acompanho a procissão dele de pé descalço e todo dia que festeja
ele, eu visto minha roupa marrom. Já faz, eu acho, uns vinte anos ou mais, que acompanho
com o pé descalço”238.
Além das figuras que são antecipadamente escolhidas, o festejo de Santo Antônio
possui uma programação com alguns rituais. Dentre eles, estão as missas, as novenas, as
procissões, alvoradas e algumas caminhadas. Interessante, que os rituais foram se
modificando ao longo dos anos com as mudanças litúrgicas que ocorreram na Igreja. Além
disso, deve-se compreender, que cada paróquia tem uma forma própria para esta celebração.
O primeiro ritual que ocorre, dando início a festividade é a procissão. Ela é uma
caminhada, em que é levado a imagem do santo, o mastro (tronco de carnaúba) e uma
bandeira pintada com a imagem do santo. O que se sabe destas procissões é que, inicialmente,
era chamada de procissão corrida, onde Monsenhor Mateus saía com a bandeira na mão,
caminhando de maneira rápida, chegando velozmente na igreja para dar início às festividades.
Posteriormente, essa procissão passou a sair de uma antiga fazenda, onde era levado o
mastro de Santo Antônio, e de lá saía no fim da tarde, juntamente, com o povo em direção à
igreja. Isso é confirmado por Dona Conceição: “teve uma época que saía de um lugar
chamado tombador, que era uma casa que tinha os escravos, perto da casa do seu Ovídio
Bona, e de lá saía.”239
Atualmente, a procissão sai da escola Patronato Nossa Senhora de Lourdes: o mastro
chega à escola alguns dias antes com uma pintura nova. A imagem chega no local dia 31 de
maio pela manhã, para que seu andor seja ornamentado. E de lá saem todos no final da tarde.
Para muitas pessoas, o mastro é um canal pelo qual podem se apegar e pedir uma graça,
ou um companheiro, para levar até o altar, em um casamento. Símbolo do poder mágico de
providenciar parceiros amorosos, com vistas à alianças matrimoniais, por sua ligação direta
com o Santo festejado, popularmente, conhecido como santo casamenteiro.

238
GONÇALVES, Maria da Conceição. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para a pesquisa de mestrado.
239
GONÇALVES, op. cit.
132

Figura 52: procissão de abertura dos festejos


Fonte: Arquivo da Diocese (2012)

Para garantir o matrimônio, as pessoas acreditam que é preciso tocar o mastro que
hasteia a bandeira do Santo, principalmente durante a procissão (Figura 52) e o hasteamento.
Quanto a essa crença, dona Iracema coloca: “Aquela procissão da bandeira era muito
interessante, todo mundo queria ir pra pegar no pau, pra poder casar.”240
Diante dessa prática devocional, percebe-se a necessidade que o ser humano possui, de
encontrar-se com o sobrenatural na busca de um encontro extraordinário, através do objeto
sacro.

O objeto sagrado cura lá onde os remédios caseiros e a medicina popular não


são suficientes, num encontro extraordinário em que intervêm a crença no
sobrenatural, algumas vezes a manifestação do sobrenatural, a exigência
humana de integridade, do normal e do não-sofrimento e o desenvolvimento
de uma energia vital sem medida.241

Segundo Lima242, além das moças em busca de um casamento, outro grupo de pessoas,
carregam o mastro de Santo Antônio, em vistas de alcançar uma graça. São eles os políticos.
Pois, para o autor os candidatos acreditam que carregá-lo em ano de eleição é a garantia da
vitória nas eleições.

240
SANTOS, Iracema Lima Costa. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
241
LE GOFF; NORRA, PIERRE. História: novas abordagens. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. p. 89.
242
LIMA, Reginaldo Gonçalves de Lima. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Teresina,
1995. p. 79.
133

Figura 53: Mastro de Santo Antônio


Fonte: Arquivo da Diocese (2012)

Devotos pagadores de promessa fazem questão de ajudar a carregar o mastro (Figura


53). Nem que seja só por um instante. Porém, o carregamento do mastro até a igreja, é
realizado por homens, devido ao seu peso e a tradição inicial, em que ficava confiado as
pessoas do sexo masculino o cuidado deste símbolo. O movimento da procissão pode-se ser
percebido na prosa de José Wagner Brasil:

Campo Maior da Festa do Padroeiro


Do maior acontecimento religioso da região
Dos devotos carregando o pau da bandeira
Dos fieis rezando acompanhando a procissão
Viva Santo Antonio! No final grita o Padre
Viva Santo Antonio! Responde a multidão.243

Ao chegar à frente da igreja, o tronco de carnaúba é erguido, com a bandeira de Santo


Antônio fixada em sua ponta: após esse momento o padre, o prefeito e o bispo fazem um
pronunciamento para dar início a festa. Posteriormente, acontece uma queima de fogos de
artifício.
Durante todo o festejo muitas pessoas vão até o mastro para tocá-lo, fazer preces,
escrever, nele, seus nomes e desenhar corações, abraçá-lo, beijá-lo, ajoelhar-se à sua frente,
convictos/as, na fé, do poder do símbolo sagrado. Essa relação direta com o símbolo é sempre
reafirmada, pois, no ano seguinte, o mastro é novamente pintado e começa tudo de novo.

243
ARAÚJO, José Wagner Brazil. Campo Maior: sua história sua gente: prosas e versos. Campo Maior: Gráfica
Piauipel, 2008. p. 32.
134

A procissão de encerramento sai da igreja, passa por algumas ruas da cidade e retorna
para o mesmo local. Ela é acompanhada pela banda de música. Ao retornar para a igreja os
vendedores de balões, os soltam no ar, colorindo o céu e dedicando-os a Santo Antônio.
A dimensão deste ato de fé, é destacado no Jornal O Dia, que o considera uma grande
e bela festividade religiosa. “Toda a população da cidade e das adjacências unida sob o
mesmo manto da fé, dirigida por Monsenhor Mateus, transforma a cidade num espetáculo
religioso de grande beleza.”244. Além disso, aqui também nota-se a relevância do padre, pois é
ele que impulsiona a organização do evento.
Ainda sobre esse ritual, é válido destacar que a procissão até onde se tem registros
sempre atravessou a Rua Santo Antônio, onde muitas vezes, segundo entrevista concedida, a
Celson Chaves245, as prostitutas a acompanhavam das janelas e aquelas mais ousadas a
observavam das calçadas, com velas nas mãos e pés descalços.
Dona Iracema, destacou o momento quando a procissão passava pelos meretrícios:
“Quando a procissão passava na Rua Santo Antônio era tudo fechado, eles fechavam tudinho,
o padre fazia questão de passar e ainda jogava água benta neles”. 246Dona Conceição, também
destacou o respeito que, as meretrizes detinham pelo ato sagrado que por alguns instantes, se
fazia tão próximo a elas:

Toda vida passou ali, na Rua Santo Antônio, a rua dos cabarés, tinha muita
mulher da vida ali. Mas mesmo assim, eu cansei de acompanhar, ninguém
nunca viu mulher despida, elas às vezes olhavam pela janela, abriam um
pouquinho da porta, mas sempre teve respeito pela procissão que passava
por ali247.

Entretanto, Ibiapina apud Chaves248 afirmou que: “A Igreja Católica mantinha certa
discriminação com as mulheres, [o padre Mateus] chegou a tirar uma mulher da procissão
alegando estar mal vestida”. Contudo, Dona Conceição quando indagada sobre esse fato,
afirmou que sobre este episódio não possuía lembranças:

Não, eu nunca vi isso não. Eu gosto de dizer o que vejo. Agora, vê ele tirar
muitas amigas minhas de dentro da igreja, sair levando elas, botando fora
por causa das roupas que elas iam para missa, com roupinha só as tirinhas,

244
CAMPO Maior festeja hoje o padroeiro da cidade. Jornal O Dia, 13 jun. 1946.
245
CHAVES, Celson. Rua Santo Antonio. Campo Maior: EDUFPI: 2014. p. 108.
246
SANTOS, Iracema Lima Costa. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para o Projeto Patrimônio Cultural Campo-maiorense.
247
GONÇALVES, Maria da Conceição. Campo Maior, 05 jan. 2015. Depoimento concedido a Natália Maria da
Conceição Oliveira para a pesquisa de mestrado.
248
CHAVES, Celson. Rua Santo Antonio. Campo Maior: EDUFPI: 2014. p. 120.
135

ombros cavados, não era pra ir pra igreja daquele jeito, ele tirava, mas assim
na procissão, nem essas prostitutas, nunca ouvi falar.

No entanto, padre Mateus agia motivado por sua formação e pelas orientações de seu
superior, Dom Severino Vieira de Melo: “As moças e senhoras que vestem roupas desonestas,
sejam afastadas da sagrada comunhão e do oficio de madrinhas nos sacramentos do batismo e
crisma; e se for o caso, seja-lhes vedado mesmo o ingresso nos templos.”249
Diante disso, percebe-se os inconvenientes das lembranças provocadas, pois foram
formadas depois do acontecimento, suscitando assim o afloramento de memórias
equivocadas, transformadas ou acrescentadas. Percebe-se também que, as lembranças surgem
motivadas por valores, formadas a partir de outros quadros de memória, que fundamentam
uma personalidade capaz de novas interpretações. Sobre isso, Catroga coloca:

A formação do eu será, assim, inseparável da maneira como cada um se


relaciona com os valores da(s) sociedade(s) e grupo(s) em que se situa e do
modo como, à luz do seu passado, organiza o seu percurso como projecto.
[...] Na linguagem de Halbwachs, significa isto que a personalidade se forma
dentro de ‘quadros sociais de memória’, pano de fundo que, todavia,
consente tanto a apropriação mais personalizada do herdado, como as suas
reinterpretações.250

Entretanto, essa pesquisa não afirmará nenhuma dessas memórias como verdades
absolutas. Apenas observa-se, a intrínseca relação do sagrado com o profano, quando a cidade
festejava o seu padroeiro.
Outro ritual que acontece durante a festa, são as missas diárias. Durante os dias da festa
ocorrem todas as manhãs, uma missa. No último dia encerrando o festejo e celebrando o dia
do padroeiro acontecem duas missas, uma às oito e trinta da manhã, e outra ao meio dia.
Além das procissões, missas ocorrem diariamente, as trezenas. Elas são celebrações em
que ocorre a exposição do Santíssimo Sacramento. Ela é composta por cantos, orações,
louvores, pregações e homenagens. Nela também são lidas histórias sobre a vida do Santo
padroeiro. Geralmente, todas as noites chegam padres de diversos lugares para juntamente
com o bispo e o padre, celebrarem a trezena, onde toda celebração tem um pregador diferente,
já previamente escolhido. Elas, assim como as missas diárias (Figura 54), também ocorrem no
templo, às 19 horas e 30 minutos.

249
LIVRO DE TOMBO. v. 2 Campo Maior: [s. n.], 1943.
250
CATROGA, Fernando. Os passos do homem como restolho do tempo: memória e fim da História. Coimbra:
Almedina, 2009. p. 15.
136

Figura 54: Fiéis de Santo Antônio


Fonte: Arquivo da Diocese (2012)

Ainda é interessante destacar outros momentos que acontecem durante essa festa.
Dentre eles, a alvorada que acontece de manhã cedo, ao meio dia e às seis horas da tarde.
Alvorada é o momento em que a banda de música em frente à igreja, toca uma música e
chama atenção para a hora. No período da manhã, a banda de música acompanha a imagem e
uma equipe, formada por membros dos grupos da paróquia, até a casa de uma família que
oferece um café da manhã para os que acompanham a imagem e para alguns convidados.
Para esse período vários setores da cidade se preparam pelo menos um mês antes. Os
preparativos anteriores se dão tanto na questão religiosa, que fica a cargo da Paróquia de
Santo Antônio, quanto na social, que fica a cargo da Prefeitura Municipal.
A paróquia se mobiliza já desde o começo do ano, preparando os convites, escolhendo
os padrinhos, noitantes, bonecas, mordomos, pregadores e organizando as pré-novenas
(celebrações que antecedem o festejo). Elas ocorrem em algumas cidades, sob a
responsabilidade dos campo-maiorenses que lá habitam. Atualmente, elas ocorrem nas casas
de famílias que moram em Teresina, Fortaleza e Brasília.
Já a prefeitura, se encarrega de reunir as pessoas interessadas em arrendar uma barraca
para venda de bebidas, comidas, lanches ou mesmo brindes. Para isso eles fazem reuniões e
estipulam taxas em dinheiro, pois a pessoa recebe a barraca pronta e apenas efetua o
pagamento. Atualmente, existem em média, 400 barracas espalhadas ao longo das três praças:
Rui Barbosa, Bona Primo e Nossa Senhora do Rosário.
Ela também é encarregada de providenciar a instalação elétrica e a encanação que levará
água para as barracas. Além disso, o poder municipal também é responsável, pela queima de
fogos e pela promoção dos números artísticos que animam a festa pública.
137

Além da Igreja e da Prefeitura, muitos setores da sociedade se preparam


antecipadamente, pois é um período de grandes vendas. O setor da moda prepara suas
coleções e lançamentos para esse período, tendo em vista que a cidade abriga um pólo de
jeans com várias fábricas, e as lojas também procuram abastecer-se nesse período, sejam elas
de calçados, roupas, perfumarias e acessórios.
O setor alimentício também se movimenta, pois são muitas as barracas que vendem
comidas típicas, então é necessário uma grande quantidade de carnes em geral. Também,
nesse período, chegam à cidade, muitos vendedores ambulantes que trazem desde terços, fitas
com nome de santos, medalhas, brinquedos para as crianças e inúmeros outros objetos
vendáveis. Estes chegam de diversas cidades e estados vizinhos.
No primeiro dia de festejo, alunos de colégios municipais e estaduais, assim como
servidores municipais, são liberados, respectivamente, das aulas e do trabalho, para
participarem da procissão do Santo. Muitos setores da cidade param, literalmente, seja para
participar, seja para ver a procissão passar.
Os devotos buscam acomodar-se perto do mastro de carnaúba, aumentando a disputa
pelo lugar privilegiado, entre empurrões e pedidos de desculpas. A multidão acompanha com
palmas, vivas e acenos das mãos. Acompanham, também, os cânticos de louvor, incentivadas
por um animador. A quantidade de pessoas é tão significativa que são necessários muitos
carros de som dispostos ao longo do percurso.
A multidão toma as ruas do centro da cidade, paralisam o trânsito e as pessoas param
para observar, nas janelas de suas casas ou às portas de seu trabalho para saudar o Santo.
Muitas também começam a acompanhá-la a partir de então. Esse é um momento de muita
emoção para os moradores da cidade. Participam desse cortejo também todos os padres da
cidade, que são párocos de outras igrejas locais. Muitas autoridades e políticos também
chegam para participar desse momento, tais como, governadores, senadores, deputados,
vereadores e muitos outros.
Posteriormente às novenas, as pessoas seguem para as barracas onde podem sentar-se,
conversar e apreciar uma comida típica da cidade. Além disso, ocorre os grandes leilões que
às vezes chegam a prolongar-se por toda a noite.
E ainda há as festas dançantes, que acontecem gratuitamente, no espaço Dom Abel,
onde anteriormente ficava a antiga prefeitura que foi demolida. Essa prática é destacada na
prosa de José Wagner Brasil:

Campo Maior da Festa do Padroeiro


138

Das treze novenas celebradas na catedral


Das várias barracas com suas comidas típicas
Das quermesses e das festas no espaço cultural
Da hospitalidade do campo-maiorense
É povo sem frescura acolhedor e especial.

Interessante ressaltar que as barracas seguem uma divisão social, pois geralmente
estão localizadas na Praça Bona Primo, aonde são mais belas e dispendiosas, e nelas,
geralmente, sentam-se as pessoas mais abastadas da cidade. Entretanto, nas barracas que
localizam-se na Praça do Rosário encontram-se as estruturas mais simples e as pessoas que as
frequentam, são geralmente populares com rendas menores.
O último dia do festejo é marcado pela despedida e tristeza, dos campo-maiorenses
que vivenciaram um período de fé e de interação social. Campo Maior por causa desta
festividade, é conhecida como capital da fé. E esta celebração, é considerada a maior festa
religiosa do Piauí, apesar de que, já existem algumas que se aproximam dela, como por
exemplo, alguns outros, festejos tais como: de São José, na cidade de Altos; de Nossa Senhora
da Conceição em Barras; de Nossa Senhora dos Remédios em Piripiri.
Para a cidade de Campo Maior esse é um período crucial, pois colabora para o
desenvolvimento econômico da cidade. É um momento em que o turismo religioso propicia
um dinamismo urbano, e para a Religião Católica é um tempo que favorece a evangelização.
Todavia, há alguns aspectos que precisam ser observados. O primeiro deles é que
apesar da grandiosidade do evento, a estrutura ainda é precária. Primeiramente, na questão da
rede de hotelaria, a cidade só possui dois hotéis de pequeno porte e três, de médio. Fora
destes, as pessoas que chegam têm, que procurar algum familiar ou amigos para abrigar-se em
sua casa.
Mas, este é um problema que se arrasta a muitos anos, em uma matéria presente no
jornal A Hora, no ano de 1971, intitulada “Campo Maior pediu ao governo o necessário para
desenvolver-se”, apresenta como uma das reivindicações do então prefeito Jaime da Paz, a
“Atuação junto a Embratur e outros órgãos competentes, no sentido de construir um Hotel.”251
Esse período é também um tempo de reencontros, pois os filhos da terra que estão
longe, morando em outros Estados, planejam suas férias e chegam à cidade para rever
parentes e amigos.

251
PAZ, Jaime da. Campo Maior pediu ao governo o necessário para desenvolver-se. A HORA, 23 set. 1971.
139

Outro aspecto que demonstra a falta de estrutura é que as praças só recebem um


verdadeiro cuidado quando se aproxima a festividade. Muitas vezes são mal iluminadas e
cuidadas.
Outro fator a ser destacado, é como essa festividade apesar de ser dos campo-
maiorenses, está aos poucos perdendo esse caráter, pois muitas vezes os que organizam a
festa, pensam mais nos turistas que na população local.
Atualmente, os festejos de Santo Antônio vêm competindo com outros eventos, que se
aproveitando do período associam sua atividade. Pode-se citar, por exemplo, as vaquejadas.
Para muitos campo-maiorenses esses eventos paralelos, tem prejudicado a parte social do
evento, haja vista que, acabam deslocando os participantes das praças, para outros locais. Eles
atraem as pessoas, devido as grandes atrações nacionais que chegam para animar o evento.
Interessante destacar, nesse momento de mudanças, que após a zona de prostituição da
Rua Santo Antônio perder sua força, outros espaços surgem, como por exemplo, os motéis da
cidade. Pois, nos tempos atuais, devido a uma mudança nas práticas sexuais, os espaços
também sofreram modificações. E em Campo Maior, as formas de prostituição também
sofreram alterações, se dissociando de um local fixo. Contudo, ainda há as resistências.
De acordo com uma pesquisa realizada pela PIEMTUR (Empresa de Turismo do
Piauí), no ano de 2011, e publicada na revista bimestral, Turismo maior252, o principal motivo
para as pessoas se deslocarem de suas cidades para o evento é a fé, pois cerca de 39% das
pessoas são devotos do santo. Outro motivo é a procura de lazer e diversão.
A pesquisa destacou que, atualmente os visitantes que mais se destacam, são os
oriundos de Teresina, pois eles representam cerca de 33% dos turistas. E ainda, se destacam
porque muitos permanecem por mais de um dia.
Quanto à questão, sobre a percepção do evento religioso como atrativo turístico, 77%
o consideraram como tal. Entretanto, 23% afirmaram que a festividade é apenas um fato que
vem ocorrendo na cidade a muito tempo, mas que não possui melhorias.
Todavia, a maioria da população local identifica os festejos de Santo Antônio como
fonte de renda extra para aqueles que possuem barracas localizadas nas três praças: Rui
Barbosa, Bona Primo e Nossa Senhora do Rosário. E ainda um incentivo as outras áreas
econômicas da urbe.
Diante de tudo isso surge um questionamento, será que a cidade realmente tem ideia
da importância deste grande evento? E como a igreja enquanto espaço físico e religioso se

252
OLIVEIRA, Tammy Teixeira da Silva; MENDES, Ramylla Frota. Turismo de Campo Maior.
TURISMOMAIOR. v. I, n. 02. Jun./jul. 2011.
140

configura nesse evento que é sacro e profano? Eis duas questões que necessitam de profunda
reflexão.
141

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O território de Campo Maior – PI vivenciou as décadas de quarenta a setenta


principalmente através de três fatos: a demolição da antiga igreja; a construção na nova e a
permanência do Padre Mateus na cidade, por trinta anos. E foi, a partir da percepção da
relevância destes fatores para o espaço citadino em estudo, que se visualizou a necessidade de
consolidá-los no recorte temporal e espacial das análises aqui apresentadas.
Entretanto, nesse período, a cidade também adquiriu um papel importante para a
economia do estado do Piauí, especialmente com o comércio de exportação do extrativismo
vegetal, principalmente da carnaúba.
Nesse sentido, a Igreja de Santo Antônio aparece como um ponto no qual se ramificam
as casas e as ruas, sendo tida como o núcleo responsável pelo povoamento da urbe e pela
elevação de seu território à categoria de freguesia, vila e, posteriormente, de cidade.
A igreja serviu como um local de trocas não apenas religiosas, mas também de ideias
influenciadas pelos novos ares que fomentavam desejos de ampliações dos espaços e
superação das características coloniais.
A cidade de Campo Maior, ainda que marcada por representações de atraso,
desenvolveu o desejo de encaixar-se em um cenário de modernização, o que acabou por
alterar não somente sua estrutura física, mas suas tradições e relações pessoais. Nessa direção,
a Igreja de Santo Antônio não ficou aquém desse momento de transformação.
Os sacerdotes envolvidos por essas ideias de renovação que circundavam as cidades
brasileiras e a Igreja Católica compreenderam que o antigo templo não correspondia aos
anseios daquela cidade. Sendo assim, a demolição do espaço católico demonstrou a vontade
de um desenvolvimento religioso, econômico e social.
Foi a partir desse período que a cidade deu novos significados a seus espaços,
especialmente aos que estão no entorno imediato da igreja, bem como a sua área de
abrangência. Ela era o lugar de sociabilidades que gerava situações de unidade, bem como de
confronto.
No entanto, pode-se concluir que a interferência da Igreja de Santo Antônio na cidade,
através de seu vigário, não se resumiu à questão religiosa, mas se estendeu ao cotidiano e a
suas subjetividades.
O empenho da população na construção no novo espaço sagrado, bem como a
felicidade da maioria, em ter concluído esse projeto, que os jornais da época chamaram de “o
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marco de uma geração”, refletiam o desejo dos campo-maiorenses de estar em consonância


com as novidades que os novos tempos traziam. Essa mudança que ocorria na cidade e em seu
templo católico pôde ser sentida nas matérias dos periódicos do momento.
Diante disso, percebe-se como marca que se estende no tempo o desenvolvimento dos
festejos de Santo Antônio, a partir da demolição da antiga igreja, assim como da sua
transferência para a parte frontal do templo. Esta festividade propiciou ao município uma
visibilidade, não somente religiosa, mas também cultural e turística.
Pensar essas questões é refletir sobre o modo pelo qual as transformações e
permanências sociais são compostas a partir de sonhos, desejos, esperanças e utopias. Diante
disso, esta pesquisa anseia contribuir para o conhecimento de uma face da história da cidade
de Campo Maior e, de igual modo, incitar os seus habitantes a preservarem a sua memória.
Neste estudo, ao analisar os espaços que formam o centro histórico de Campo Maior,
constatou-se o descaso com o patrimônio histórico da cidade, pois nenhum dos lugares citados
é tombado, sendo que o único bem tombado pelo IPHAN é o Monumento Heróis do Jenipapo.
O que foi realizado nesse sentido foi a organização de um inventário, de autoria da equipe
técnica do IPHAN. PI: "Sítios históricos de Campo Maior e Pedro II - Dossiê para proteção”,
datado de 24 de setembro de 2008.
Em nível local, verificou-se que existe uma Lei Municipal de nº 02/08, em Campo
Maior, que reza por seu patrimônio. Instituída no século XXI, ela legalizou a criação do
Conselho Consultivo Municipal do Patrimônio Cultural e Natural de Campo Maior. No
entanto, apesar de estar em vigor, não promove ações significativas, até mesmo porque ela é
desconhecida por grande parte da população.
A iniciativa da criação do Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico Cultural,
Material e Natural de Campo Maior partiu da Academia Campo-maiorense de Artes e Letras
(ACALE), encaminhando ao prefeito João Félix de Andrade Filho, que, por sua vez, enviou o
projeto à Câmara Municipal e transformou-o em lei.
Segundo esse conselho, a área de preservação da cidade é constituída pelo conjunto
formado pela Praça Bona Primo, Igreja de Santo Antônio, Praça Rui Barbosa, Avenida
Vicente Pacheco, Rua Pergentino Lobão, Igreja do Rosário, Centro Operário, Rua Santo
Antônio, dentre outros.
Sendo assim, esta pesquisa buscou apresentar a Igreja de Santo Antônio não como um
objeto isolado, mas que interagia com o espaço e com a população da cidade, através da ação
do Padre Mateus e de seus colaboradores.
143

Nesse sentido, a trajetória aqui apresentada desejou oferecer caminhos para novas
indagações, através das questões a serem mais bem exploradas e pelos pontos ainda não
suficientemente aprofundados. São inúmeros os temas abordados, tendo em vista a atuação da
Igreja em praticamente todos os setores da cidade de Campo Maior. Portanto, este estudo
visou, também, indicar temáticas, para que possam avançar os estudos sobre esta sociedade.
Apesar das variadas dimensões deste trabalho, almejou-se oferecer não conclusões
rígidas, mas suscitar críticas e dúvidas, que criem outros caminhos para essa história contada
a partir de um tempo e um lugar social.
144

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ANEXOS

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