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Revista Literal Final7337uejr
Revista Literal Final7337uejr
LITERAL E D I Ç Ã O E S P E C I A L - A M O R E N I N H A
NOVEMBRO 2017 | R$15.00
"O amor é um anzol que,
quando se engole, agadanha-
se logo no coração da gente,
donde, se não é com jeito
destravado, por mais força que
se faça mais o maldito rasga,
esburaca e aprofunda."
Joaquim Manuel de Macedo
EDITORIAL
Fomos traumatizados
no Ensino Médio
...E NEM NOS DEMOS CONTA DISSO
Quantas vezes já não fomos “obrigados”, até mesmo sob o seu valor (algo que eu tentei fazer com o aluno que
ameaças, a ler alguma obra durante o nosso Ensino Médio defendeu o discurso acima). Ela pode ser incrível e pode
que não gostaríamos? Quantos livros a professora de ser tão boa quanto qualquer literatura estrangeira, basta
português pediu, de uma forma bastante enfática, que sabermos o melhor viés para abordá-la, sem repetir o
lêssemos sem mesmo explicar a importância daquela leitura mesmo discurso que vem sendo abordado desde muito
nas nossas vidas, na nossa história literária ou, pelo menos, tempo e que tem traumatizado cada vez mais pessoas
Pois bem, acredito que, assim como eu sofri, muitos alunos Uma forma que encontramos de desvincular esses
ainda passam pelo mesmo problema durante vários anos adjetivos ruins das obras maravilhosas que temos ao nosso
letivos. O comportamento que os nossos professores têm ou dispor foi criando a publicação que você tem em mãos.
tiveram leva os alunos a construírem uma opinião Nela, apresentaremos diversos pontos de vista sobre uma
generalizada sobre literatura brasileira, e isso gera mesma obra. Esta edição especial traz discussões sobre o
pensamentos externalizados mais ou menos nestas palavras: livro “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. Uma
“eu gosto bastante de ler, mas não me venha com autores destas discussões é uma entrevista feita com um ator que
brasileiros que eu não vou nem abrir o livro”. Essa foi uma interpretou o personagem principal da obra, contando as
frase dita por um dos meus alunos em um curso de inglês no suas impressões e opiniões quanto ao seu trabalho
qual eu dou aulas. Ele ainda complementou depois de eu teatral. Temos também uma resenha crítica feita por quem
tê-lo contestado: “é tudo chato, difícil, confuso, eu entende do assunto (mais um incentivo à leitura do livro).
prefiro…” e aí citou alguns títulos de literatura estrangeira. E, finalmente, um artigo de opinião que nos mostrará o
O problema é que eu não pude falar nada, muito menos que os estudiosos tem a nos dizer sobre esse romance de
Entretanto, precisamos desconstruir essa ideia que foi injustos sobre a literatura brasileira.
desenvolve) através de uma aposta? Pois é exatamente o grupo de estudantes de medicina que moram juntos:
que acontece no primogênito de Joaquim Manuel de Leopoldo, Fabrício, Augusto e Felipe. Este convida os outros
Macedo, ou Macedinho para os mais íntimos. Uma aposta, três a uma breve estadia em uma ilha, na casa de sua avó,
uma promessa e uma boa dose de amor romântico vão onde também vive sua irmã (Carolina), por ocasião do
norteando a obra de estréia do autor. A Moreninha foi o feriado de Sant’Ana. Sendo Augusto extremamente volátil,
primeiro em vários sentidos, pois é considerado também o usando aqui de eufemismos, os amigos decidem apostar: se
precursor de seu gênero no Brasil, portanto, o primeiro o jovem se apaixonar por uma das moças que irão à ilha e
romance oficialmente brasileiro. manter-se assim por quinze dias, deverá escrever um
romance.
febre na sociedade e, principalmente, na corte brasileira Nossos protagonistas então se conhecem (será mesmo?).
do século XIX. Um dos motivos do rebuliço e que logo me Augusto e Carolina se caçoam, se rejeitam, se aproximam,
chamou a atenção (173 anos depois e o motivo perdura) se apaixonam e, finalmente, adoecem de amor. Seu trajeto
foi a nossa excepcional protagonista, D. Carolina, a titular amoroso, como usual, enfrentará reveses e será permeado
Moreninha. Do alto de seus tenros quinze anos, não só por percalços e surpresas, além de vívidas descrições de
destrona qualquer um em um piscar de olhos, como o faz locais, costumes e hábitos de uma sociedade brasileira
com uma classe zombeteira que deixa todos recém-independente, em busca da construção de uma
embasbacados. Veja bem, moreníssima e não loura como identidade própria. Uma das faces identitárias era
o padrão das produções do período romântico. justamente a literária, e o Macedinho sabia bem disso.
do cotidiano.
Usado pela primeira
vez por
Sua estrutura e temática, inéditas no Brasil em seu lançamento, que
André Gide.
arrebatou os leitores novecentistas, ainda se fazem presentes não só na
produções a ela posteriores. Não é difícil perceber os inúmeros motivos possuem outras dentro
pelos quais a obra não deixa de ser um clássico, querido e lido, com os de si.
adolescente.
LENDO A
MORENINHA
'
EM SUAS
'
ENTRELINHAS
ENTREVISTA COM O
ATOR IVAM RODRIGUES
O
ator é quem transforma palavras escritas em
dramaturgo.
Você leu a obra original também? deixá-la fluente e natural. Aí, no meio da peça,
Sim. Primeiro, li a peça e depois o romance. Na verdade, todos contemporânea [risos]. Outra coisa foi a
nós fizemos isso como forma de aprofundamento, porque quantidade de cenas e de acontecimentos que
quando se vai montar um texto teatral é preciso também ocorrem paralelamente. Essa parte foi difícil pra
investigar todo o contexto histórico e literário que cerca a montar, pra entender qual era a linha narrativa,
obra, assim como a vida do autor. Então, nesse momento, que porque ela vai se passando em ambientes
chamamos de estudo de mesa, estudamos o livro e o usamos diferentes. Tem muitas personagens e muito
Em certo momento, tanto da obra, quanto da peça, ser visto, as relações que temos. E a outra camada é
D. Ana conta uma lenda indígena para os jovens. como somos de verdade, como sentimos, como as
Qual a importância desse fato pra história? coisas são: o ser humano além do social. Vejo que há
Esse fato é fundamental pra história. Na verdade, a tinha, como os rapazes na obra também tinham.
história em si se baseia nela, porque toda a narrativa Percebo também o imaginário popular sobre a relação
da Moreninha e do Augusto é uma imagem do que da mulher com o amor, que é “Ah, você vai se casar.”,
aconteceu com os personagens da lenda, e você fica “Você deve se relacionar desse jeito.”, “Deve se
na dúvida se a história deles é um paralelo com o que comportar assim!” em contraposição com o que ela
aconteceu com os indígenas. Então isso é central, gera sente de verdade. Essa tensão dialoga bastante.
ou não, se são eles mesmos ou não… Mas você acha que o Augusto tinha medo de se
entregar ao amor ou que ele realmente estava
Qual personagem você encenou? guardando o amor dele para aquela menina que
conheceu quando era criança?
Eu encenei o Augusto. Curti muito encená-lo porque ele
tem um conflito interno bastante grande: a natureza Por mais que ele guardasse o relicário, havia
boemia e a fé no amor por conta do que aconteceu momentos de incerteza, já que ele mostrou interesse
com ele quando criança. grande pela Carolina justamente porque ela o ignorou
Quais partes da obra foram mais significativas? fragilizado, e sim de esperto, de garanhão. Em
Acho que quando ele desconfia que a Moreninha é a dela e, em alguns momentos, com a D. Ana. Então eu
Carolina, porque aí você consegue ver a curva acho que ele tinha medo em alguns pontos.
é bem significativa também. Primeiro porque a obra Em sua opinião, qual é a mensagem que essa obra
está toda em cima dela e também porque há algo quer nos passar?
sobre o mito. É meio que uma mitologia aquilo, e não
um conto raso. Há o guerreiro e a figura feminina que Em minha opinião, a mensagem é: o amor não é
espera pelo amor, pela atitude... controlado, ele controla. Uma entidade que não se
Para você, A Moreninha faz diálogos com o com isso: “Ah, vou ficar com fulano, com ciclano, vou
momento que estamos vivendo em sociedade? ignorá-lo”, e, no final das contas, eles acabam sendo
Sim, diálogos de contraposição, mas não só isso. Acho que é uma relação de destino, de plano
Tem uma camada social que mostra como se comportar espiritual, independentemente das voltas que a vida
e os ideais que a gente tem na nossa sociedade, o que dê. É o que ficou forte para mim: o ser humano como
queremos mostrar para as pessoas, como a gente quer objeto do amor, e não o contrário.
“A MORENINHA”:
UM CLICHÊ OU UM MARCO?
Todos os dias costumamos utilizar, A realidade, como vimos pelos vários sejam os julgamentos mais profundos
julgamento, baseados em um pequeno deste possível senso comum. Ele previamente embasados, quer sejam
número de informações às quais somos inovou a maneira de se fazer sobre um livro, peça teatral, ou
expostos durante nossa vida. Mas será romances em nosso território, qualquer produção literária, quer
que podemos validar tal crítica aproximando a literatura, quase sejam sobre outros gêneros de
contando apenas com nosso senso idílica, à realidade do que podemos construção artística. O mundo seria
comum, sem ao menos realizar uma chamar de classe média brasileira, um lugar mais agradável se as
pesquisa, por menor que ela seja, para que se formava na época, pessoas procurassem saber mais
que possamos embasar nossa opinião? extasiando-a com a possibilidade de sobre o que costumam emitir
que é feita no título. Como você a Um exemplo da importância da conheça a história por trás da
responderia? Para alguns, esta resposta história desta travessa moreninha é publicação, para que os grandes
viria na ponta da língua, antes mesmo retratado em um artigo de José gênios da literatura Brasileira não
de refletir sobre o assunto: ‘A Moreninha’ Veríssimo, no Jornal do Commercio do sejam rotulados de maneira rasa,
é um romance clichê. Talvez a grande Rio de Janeiro, de 1907, intitulado “O como o foi e é constantemente
resposta que justifique essa opinião romancista de nossos avós”: “[...]a Joaquim Manuel de Macedo.
intrigados, imaginamos: o pensamento nos seus livros que (...) lhe Finalmente, a minha resposta não
comum da sociedade brasileira atual, de contentavam a ingênua vaidade. seria outra: não, 'A Moreninha' não é,
certa forma, dá pouca importância para Quem não gosta de um retrato que de modo algum, mais um tipo de
nossa história literária, atém-se ao sobre parecidos nos faz melhores do romance água com açúcar, com
Aliando essa constatação observatória mestra em Letras na Universidade de que nada tem a ver com o
ao fato de que, após anos de obras- Brasília: “A moreninha inaugura uma amadurecimento dos romances
primas tendo suas fórmulas copiadas à nova modalidade de romance no nacionais (dos quais a obra foi
exaustão, as pessoas imaginam que Brasil. Representa fielmente o estado fundadora). Existe o direito ao gosto
Joaquim Manuel de Macedo - jornalista, de espírito, se não nacional, pelo e ao desgosto de uma obra, mas isso
professor, romancista, poeta, teatrólogo menos o da corte fluminense”. não deveria interferir na creditação
número 20 da Academia Brasileira de Tendo em vista todas essas literária, principalmente quando se
Letras - é tão somente um mero copista disposições, creio que podemos enfim trata de uma tão basilar como ‘A
da fórmula a que ele mesmo deu vida. aconselhar a resposta à pergunta: Moreninha’.
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