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Seminário escrito - Nathalia Ekert Pegoraro - Vesp. 135.

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Origem:

O candomblé é uma religião brasileira que ressignificou costumes e crenças de diversas


religiões africanas, santos católicos e entidades indígenas na sua construção do culto às
divindades. Os terreiros não possuem um modelo arquitetônico padrão, pois sua arquitetura é
definida a partir de seu uso, sem uma preocupação estética rígida.
As religiões de matriz africana surgiram como uma forma de resistência. Historicamente, elas
foram condenadas pela Igreja Católica e só em 1824 que foi permitida a liberdade de culto.
Porém, muitos terreiros eram combatidos pelas autoridades por dar abrigo aos escravos
fugitivos.
Com o fim da escravidão os terreiros se tornam espaços de sociabilidade e busca de ajuda,
sendo não apenas um local religioso mas uma família que possui estruturas similares às
hierarquias familiares, também trazendo à tona o protagonismo da mulher negra desde o
período colonial onde a mulher comprava a alforria de seu companheiro, na Lei do Ventre
Livre que reconhecia como família somente a mulher e seus filhos, na mãe de santo que
detém o conhecimento e tradição e as repassa através da oralidade para seus filhos de santo.
O Terreiro de Santa Bárbara tem sua história intrínseca à história do candomblé em São
Paulo, ele foi o primeiro a ser registrado em cartório, da modalidade rito angola de tradição
bantu em 1962.
Normalmente, os terreiros se encontravam nas periferias da cidade devido a história de
segregação racial e suas continuidades. O terreiro Santa Bárbara, localizado em Vila
Brasilândia, não possuía infraestrutura ou saneamento básico. Muitos dos terreiros eram
doações, fundos de casas residenciais ou eram em alguma instalação improvisada ou
provisória. Mas com os anos, o candomblé ganha espaço e passa a ocupar outras regiões da
cidade e atingir outras classes sociais.
A mãe de santo do Terreiro era Mãe Manodê, nascida em Propriá, divisa entre Bahia e
Sergipe, em 26 de fevereiro de 1924. Filha de santo de Nanã de Aracaju, uma das mais
antigas difusoras da modalidade de culto de nação angola. Se muda para São Paulo em 1958
e abre o terreiro em 1962 com o nome de Tenda espírita de Umbanda Oya Dilê, e em 1965
registra o nome de Terreiro de Santa Bárbara. O termo terreiro indica sua filiação ao
candomblé e o Santa Bárbara indica o sincretismo da umbanda, uma santa associada ao orixá
feminino Iansã. Ela teve 21 filhos e criou diversos outros adotivos. Muitos de seus iniciados
deram continuidade ao rito e abriram suas próprias casas, assim expandindo a religião e
continuando a tradição.
Sua sucessora foi Maria Pulquéria, nascida em 1955 e sua mãe biológica era mãe de santo de
Manodê. Ela casou-se com o filho de Manodê, e mesmo depois da separação mantiveram-se
próximas, sendo indicada como sua sucessora em 1976.

Histórico do processo de tombamento 51.114/95


Em 1993, Walmir Damasceno, presidente FENATRAB e Diretor do Jornal Correio-Afro, fez
solicitação de tombamento do Terreiro de Santa Bárbara ao CONDEPHAAT, com a
justificativa de tratar-se do primeiro baluarte da cultura afro oficializado no Estado de SP,
mas por falta de informações o processo fica parado. E em 2003, Wellington Viana Barbosa
solicitou providências devido ao risco de destruição para a construção da Av. Almir Dehar,
porém as informações necessárias para dar continuidade não foram rapidamente adquiridas.
Somente em 2005, a Assessoria de Cultura para Gênero e Raça/Etnias da Secretaria de
Estado da Cultura apresentou os documentos necessários a CNSA/IPHAN que atesta o
terreiro como Sítio Histórico Religioso através do processo 01506.001225/2004-97, e o laudo
do Vagner Gonçalves da Silva sobre o estudo e a relevância do Terreiro de Candomblé Santa
Bárbara. Inicia-se o processo de estudo pela historiografa Marly Rodrigues, mas em 2006 o
processo foi arquivado pelo Conselho pois entende que o bem não reunia condições jurídicas
e culturais necessárias para a proteção pelo instituto do tombamento devido: ao recesso de um
ano, por tradição, com a morte da Mãe Manodê em 2004 (qual seria o objeto de tombamento
se a casa de culto estava desativada?); Disputa pelo direito à herança da propriedade entre a
primeira e a segunda esposa do filho da Mãe Manodê; A propriedade foi uma doação então
também não existia nenhum documento que comprovasse posse; Péssimo estado de
conservação pois parte da propriedade foi demolida por causa da construção da via, e seus
moradores iniciaram reformas e modificações sem a consulta prévia do Condephaat.
Em 2014 o terreiro pode ser reaberto a comunidade, com a posse oficial de Mãe Pulquéria e
no mesmo ano, José Pedro da Silva Neto encaminhou uma carta ao presidente do Condephaat
solicitando a abertura do processo de tombamento como cultura imaterial.
Em 22 de janeiro de 2018 a documentação foi recebida e encaminhada para a historiadora
Elisabete Mitiko Watanabe que iniciou os estudos em março do mesmo ano. Também foi feita
Declaração de Registro do local como “Sítio Religioso”.
É criado um grupo de trabalho "Territórios Tradicionais de Matriz Africana Tombados de São
Paulo" no âmbito do ETGC (Escritório Técnico de Gestão Compartilhada) para a discussão
sobre patrimônio imaterial, que realizou reuniões periódicas ao longo de 2018. E o fórum de
discussão sobre o tema de patrimonialização dos terreiros com a participação técnica do
UPPH e IPHAN. O parecer técnico UPPH n GEI 3172-2018 do grupo de trabalho foi
favorável ao tombamento.
Em 19 de março de 2018 ainda há o Parecer Técnico que sugere a abertura do Processo de
Estudo de Tombamento, e no processo deveria ser aprofundada a discussão sobre o melhor
instrumento para proteção e valorização do bem (Tombamento ou Registro); também deveria
constar na Resolução de Tombamento: em caso de adaptação da edificação, as intervenções
devem ser analisadas conforme as interpretações do grupo religioso.
Em 2019 foi tido como favorável o tombamento pelo colegiado do Condephaat, que notificou
a decisão em março do mesmo ano dando início ao processo burocrático dos registros.

Agentes importantes:
Dos envolvidos nos processos de tombamento do Terreiro Santa Bárbara, alguns se destacam
como:
● Vagner Gonçalves da Silva: Prof. do Dpto. de Antropologia da USP e autor do laudo
sobre a relevância do Terreiro de Candomblé Santa Bárbara para a preservação da
história e memória do candomblé de rito angola do Estado de SP, no final de 2004. O
professor esteve presente nos dois processos de tombamento e seu laudo foi utilizado
no segundo. Também foi membro do Grupo de Trabalho que atuou ativamente com
reuniões para discussão de tombamento de terreiros e que também se manifestou
como agente no segundo processo.
● José Pedro da Silva Neto: Cientista Social da PUC de SP, solicitou a abertura do 2°
processo de tombamento em 2014. Responsável pela junta de documentos diversos ao
processo, como caras de indicações de diversas instituições relacionadas com a
pesquisa e valorização da Cultura Afro-Brasileira.
● Elisabete Mitiko Watanabe: Historiadora do Setor Técnico do UPPH/CONDEPHAAT.
Elaborou o Estudo “O Candomblé em São Paulo: Estudo de Patrimonialização de
Terreiros” em 2018, que consta no processo. Também elaborou pareceres importantes
pelo tombamento do terreiro junto de outros terreiros de candomblé de SP.
● GT “Territórios tradicionais de Matriz Africana Tombados” de São Paulo: discute a
Patrimonialização de terreiros, reune representantes de terreiros, Professor Vagner
Gonçalves do Dpto. de Antropologia da US, fórum para culturas populares e
tradicionais com José Pedro Neto, técnicos do UPPH como a historiadora Elisabete
Mitiko Watanabe, e do IPHAN.

Justificativas:
Participação das religiões de matriz africana na formação da cultura brasileira; Locais de
resistência contra o sistema escravagista; Conquista de espaço no contexto urbano; Primeiro
Terreiro de Candomblé registado em cartório em São Paulo (Mãe Manaundê); Pratica o Rito
Angola.

Questões Candentes:

● Preservação da memória da comunidade negra em SP e da Memória dos Afro


descendentes.
● Ao final de 2005, complexidades identificadas por Marly Rodrigues: Terreiro
desarticulado pelas questões sucessórias de culto e propriedade; questões de
conservação, demolição e construções.
● Patrimonialização dos Terreiros e dificuldades encontradas no Processo de
Tombamento.

Relação com bibliografia do curso:

Um dos aspectos que a Patrimonialização do Terreiro de Santa Bárbara traz consigo é a


questão da memória e da identidade. Por ter sido o primeiro terreiro tombado no Estado de
São Paulo e isso ter acontecido a menos de cinco anos, a carga significativa é muito grande,
uma vez que a Cultura Afro-brasileira por muito tempo esteve de fora de narrativas oficiais.
Dessa forma, o tombamento do Terreiro se torna parte de uma redefinição identitária, de
acordo com Luciana Heymann em seu texto Dever de Memória, que acrescenta novas formas
de auto-identificação, valorização de uma história particular, a demanda por inclusão sem
homogeneização, a luta de reconhecimento público de sua existência e significado para a
nação – por representação política e por direitos.
Reconhecer a importância do Terreiro e torná-lo parte do Patrimônio do País emerge com o
Dever de Memória de reconhecer o sofrimento que foi imposto a certos grupos, neste caso,
reconhecer a história do candomblé e de outras religiões de matriz africana que, por muito
tempo foram marginalizadas, assim como o povo que a constituiu e a história da população
negra no Brasil.
Também podemos pensar nas mudanças das políticas de conservação a partir dos anos 70,
que, de acordo com Cecília Fonseca, os processos de descolonização e criação de novos
Estados-Nações africano) levou a novas equações de poder, O conceito de civilização
(construído sobre experiência histórica do Ocidente) perdeu seu caráter universal e foi
reinterpretado como instrumento de dominação da etnia europeia branca.Nessa época, a via
da cultura passou a constituir um caminho privilegiado para a elaboração de novas
identidades coletivas e um instrumento fundamental para os grupos sociais que as constroem
e que contestam a legitimidade dos patrimônios históricos e artísticos nacionais. No campo
do patrimônio, uma das primeiras mudanças que possibilitaram maior participação pública
nos processos de tombamentos foi principalmente a descentralização e criação de órgãos
locais, em cidades e em cada Estado.
Paulo Garcez Marins afirma que com a criação do CONDEPHAAT, novos parâmetros de
identificação patrimonial são criados também. Na década de 80 o condephaat refuta o padrão
ideológico federal e se recusou a aproximar-se de quaisquer afirmações que gerassem uma
“identidade paulista” e isso permitiu uma composição de rol tão irregular e múltiplo que é o
que corresponde realmente à formação cultural dos paulistas, englobando a cultura
Afro-Brasileira que muito foi excluída da memória e história paulista.
Por fim, uma última questão que o tombamento do Terreiro permite evidenciar é o debate
sobre a patrimonialização de bens imateriais e materiais, uma vez que houveram diversas
discussões acerca de qual seria a melhor forma de preservar o Terreiro. O texto de Ulpiano
Meneses também aborda essa discussão, trabalhando a ampliação do conceito e questão do
material e imaterial.

MENESES, Ulpiano Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas. Conferência
Magna. I Fórum Nacional de Patrimônio Cultural.Brasília: Iphan, 2010, p.25-39. ***
HEYMANN, Luciana Quillet. O devoir de mémoire na França contemporânea: entre memória, história,
legislação e direitos. IN: Angela de Castro Gomes (coord.). Direitos e cidadania: memória, política e
cultura. Rio de Janeiro, FGV, 2007, p. 15-43.

FONSECA, Maria Cecília Londres. A construção do patrimônio: perspectiva histórica. O patrimônio em


processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997, p.
51-78.
FONSECA, Maria Cecília Londres. A fase heroica. O patrimônio em processo: trajetória da política
federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997, p.81-130.

MARINS, Paulo César Garcez. Trajetórias de preservação do patrimônio cultural paulista. IN: SETÚBAL,
Maria Alice (coord. do projeto) Terra paulista: trajetórias contemporâneas. São Paulo: CENPEC/Imprensa
Oficial, 2008, p. 137-167.

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