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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 4
2 CULTURA E MULTICULTURALISMO ................................................................ 5
2.1 CULTURA E TRADIÇÃO .................................................................................... 7
3 MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE ........................................ 9
3.1 SER HUMANO: PRODUTO E PRODUTOR DE CULTURA ............................. 11
3.2 PLURALISMO CULTURAL ............................................................................... 12
3.3 O DIÁLOGO E O RESPEITO ÀS DIFERENTES CULTURAS .......................... 13
4 A CULTURA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE ............................................... 15
4.1 MANIFESTAÇÕES CULTURAIS NO DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DA
HUMANIDADE 17
4.2 A RELAÇÃO ENTRE AS CULTURAS .............................................................. 19
4.3 UNIVERSALISMO, RELATIVISMO E MULTICULTURALISMO ....................... 20
4.3.1 UNIVERSALISMO ............................................................................................ 20
4.3.2 RELATIVISMO... ............................................................................................... 21
4.3.3 MULTICULTURALISMO ................................................................................... 22
4.4 AS MANIFESTAÇÕES CONCRETAS E OS ASPECTOS PRINCIPAIS DA
CULTURA 22
5 O QUE É IDENTIDADE DE UMA CULTURA? ................................................. 24
5.1 CONCEITUANDO A IDEIA DE IDENTIDADE NACIONAL ............................... 26
5.2 REFLETINDO SOBRE A IDENTIDADE BRASILEIRA ...................................... 28
5.3 DIVERSIDADE CULTURAL .............................................................................. 30
5.4 CULTURA, MONOCULTURA, POLICULTURA E MULTICULTURALISMO NO
BRASIL 33
5.5 O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL ............... 35
6 DESIGUALDADE, DIVERSIDADE E DIREITOS NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO ................................................................................................. 38
6.1 A DESIGUALDADE NO ACESSO AOS DIREITOS NO BRASIL DO PONTO DE
VISTA HISTÓRICO ................................................................................................... 38
6.2 A CONQUISTA DE DIREITOS NO BRASIL ..................................................... 41
6.3 CONQUISTAS E RETROCESSOS NOS DIREITOS ........................................ 44
7 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 47
7.1 A CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.............................................. 47

2
7.2 DIREITOS HUMANOS ...................................................................................... 50
7.3 DIREITOS HUMANOS E SENSO COMUM ...................................................... 52
8 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS .............................. 55
8.1 PRINCIPAIS GARANTIAS ................................................................................ 55
8.2 A IMPORTÂNCIA DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ................ 57
8.3 A DECLARAÇÃO E A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA ............... 59
9 DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA ...................................................................... 62
9.1 DIREITOS CULTURAIS .................................................................................... 63
9.2 A TOLERÂNCIA EM UM MUNDO CADA VEZ MAIS CONECTADO ................ 65
10 CIDADANIA ...................................................................................................... 66
10.1 DIMENSÕES DA CIDADANIA .......................................................................... 66
11 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ......................................................................... 70
11.1 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE ............................................. 73
11.2 DIVERSIDADE NAS LEIS E SECRETARIAS ................................................... 76
11.3 PRÁTICAS DE DIVERSIDADES: ESCOLA, SOCIEDADE E CULTURA .......... 77
11.4 POLÍTICAS DE INCLUSÃO .............................................................................. 78
12 COMO PROMOVER UMA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL? .......................... 81
12.1 PRÁTICAS POSSÍVEIS PARA A SALA DE AULA ........................................... 81
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 CULTURA E MULTICULTURALISMO

O estudo sobre a cultura e o multiculturalismo é fundamental para


compreendermos o ser humano, as suas interações e o seu desenvolvimento nas
diferentes sociedades. Como cultura, podemos identificar tudo aquilo que é produzido
pelo ser humano, entendido como ser cultural; já o multiculturalismo remete à
existência de diferentes culturas.
O que caracteriza o homem — o ser humano — e o diferencia dos demais
animais? Como podemos defini-lo? O aspecto cultural, a partir das interações e
manifestações humanas, é, sem dúvida, a sua principal característica. Mas o que é
cultura?
Segundo o autor François Laplantine, antropólogo francês, na obra Aprender
antropologia (1989), a cultura pode ser compreendida como o próprio social
considerado a partir das diferenças:

O social é a totalidade das relações (relações de produção, de exploração,


de dominação [...]) que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo
conjunto (etnia, região, nação [...]) e para com outros conjuntos, também
hierarquizados. A cultura, por sua vez, não é nada mais que o próprio social,
mas considerado dessa vez sob o ângulo dos caracteres distintivos que
apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem
como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas [...])
(LAPLANTINE, 1989, p. 120)

Nesse sentido, o autor afirma que a cultura distingue o ser humano dos demais
seres, como, por exemplo, os animais. Enquanto sociedade, os animais também
podem conviver e ter sociabilidade, mas a produção cultural, a comunicação, a troca
e o trabalho são especificamente humanos, como citado a seguir:

[...] o que distingue a sociedade humana da sociedade animal, e até da


sociedade celular, não é de forma alguma a transmissão das informações, a
divisão do trabalho, a especialização hierárquica das tarefas (tudo isso existe
não apenas entre os animais, mas dentro de uma única célula!), e sim essa
forma de comunicação propriamente cultural que se dá através da troca
não mais de signos e sim de símbolos, e por elaboração das atividades rituais
aferentes a estes. Pois, pelo que se sabe, se os animais são capazes de
muitas coisas, nunca se viu algum soprar as velas de seu bolo de aniversário
(LAPLANTINE, 1989, p. 121).

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O ser humano é cultural, pois há uma comunicação que é cultural, isto é,
produzida pelos homens e entre eles, que transforma a natureza, o seu meio,
aperfeiçoa meios de sobrevivência, desenvolve técnicas, como o direito, a arquitetura,
a tecnologia, a música, a ciência, a arte, entre outros, por meio do uso da razão, do
trabalho e da lógica. O desenvolvimento da cultura e do homem como ser cultural se
dá, eminentemente, por meio da interação, das manifestações culturais, da
linguagem, do processo de ensino e das tradições, que são passados entre gerações
e grupos em um determinado contexto social.

Várias formas de diferença e desigualdade convivem na sociedade


contemporânea. Ao longo de suas trajetórias de vida, os indivíduos se
identificam e se diferenciam dos outros das mais diversas maneiras. [...]. Os
marcadores sociais da diferença são sistemas de classificação que
organizam a experiência ao identificar certos indivíduos com determinadas
categorias sociais (ZAMBONI, 2015, p. 13).

Diversas ciências se ocupam do estudo do homem enquanto ser cultural, das


suas manifestações, distinções, interações e dos seus comportamentos, como é o
caso da antropologia, da sociologia e da psicologia. Outras áreas — como arquitetura,
letras, pedagogia e Direito — têm como objeto manifestações próprias do ser humano,
como a linguagem escrita e falada, o processo de ensino e aprendizagem, o
desenvolvimento de técnicas, estruturas e ocupação, bem como o universo jurídico,
tomando o Direito como manifestação de uma cultura e sociedade, que se modifica
ao longo do tempo. No campo de estudo da antropologia, que é uma ciência que
considera o homem em todas as suas dimensões, há uma área, ou ramo específico,
que se ocupa de estudar as manifestações culturais dos seres humanos. Trata-se da
antropologia cultural, que estuda as características que distinguem as condutas dos
seres humanos e os faz identificar ou pertencer a uma mesma cultura, considerando
os diferentes tempos e espaços de presença humana.

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Fonte: http://www.justificando.com/
2.1 Cultura e tradição

A partir da compreensão do ser humano como ser cultural, verificamos que o


conceito de cultura é de fundamental importância, assim como o de tradição. Isso
porque ambos se relacionam no que diz respeito à transmissão de conhecimento,
práticas e comportamentos entre gerações. No entanto, há diferenças conceituais
importantes na forma como se compreende cada categoria e as suas manifestações.
(Barroso, 2018).
O Quadro a seguir elucida a distinção entre cultura e tradição.

CULTURA TRADIÇÃO
Do latim cultura, culturae, que A palavra tradição é mais dinâmica
significa “ação de tratar”, “cultivar” ou do que parece à primeira vista.
“cultivar a mente e os Traditio, em latim, é a ação de
conhecimentos”. A palavra culturae entregar, de transmitir algo a alguém,
se originou a partir de outro termo de confiar algo valioso a outra
O QUE É
latino: colere, que quer dizer “cultivar pessoa. Uma pessoa tradicional é
as plantas” ou “ato de plantar e aquela que recebeu (e precisar
desenvolver atividades agrícolas”. transmitir depois) um conhecimento,
uma herança ou uma
responsabilidade do passado.
Com o passar do tempo, a palavra A tradição revela um conjunto de
cultura foi colocada de modo análogo costumes, crenças, práticas,
COMO PODE SE
entre o cuidado na construção e doutrinas, leis, que são transmitidos
MANIFESTAR
tratamento do plantio, com o de geração em geração, em dado
desenvolvimento das capacidades grupo social, e que permite a

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intelectuais e educacionais das continuidade de uma cultura ou de
pessoas. Cultura popular, cultura um sistema social. No direito, a
organizacional e antropologia tradição consiste na entrega real de
cultural. uma coisa para efeitos da
transmissão contratual da sua
propriedade ou da sua posse entre
pessoas vivas. A situação jurídica
resulta de uma situação de fato: a
entrega. Entretanto, a tradição
poderá não ser material, mas apenas
simbólica. Tradição religiosa.
Fonte: Carolina Bessa Ferreira de Oliveira, SAGAH – Soluções Educacionais Integradas, 2018.
A relação entre cultura e tradição coloca-se a partir de uma visão de
manifestação humana e comportamento tipicamente do homem, como as lendas, as
crenças e os costumes. Os elementos da tradição — como formas de se vestir, ritos
de passagem, organização de trabalhos, cerimônias e religiões — podem passar a
fazer parte de uma dada cultura. Por isso, a cultura se refere, de modo geral, aos
modos de vida de uma sociedade ou grupo, pois inclui tanto os aspectos materiais e
tangíveis (como símbolos, objetos e tecnologias) quanto imateriais ou intangíveis
(como crenças, valores e ideias).
Além disso, o costume é considerado uma fonte do Direito, ao lado de outras,
como a lei e a jurisprudência, lembrando que o Direito se modifica à medida que a
sociedade e o homem também são modificados. Assim, no campo do Direito, os
fatores culturais e da tradição estão relacionados à evolução do Direito e às suas
fontes.
De acordo com Sergio Cavalieri Filho (2015), ao considerar a concepção
sociológica do Direito como produto de múltiplas influências sociais, vivenciamos
regras sujeitas a constantes modificações, porque se originam dos grupos sociais, que
também se transformam ao longo do tempo. Assim, entre os principais fatores que
concorrem para a evolução do direito, o autor elenca:
 fatores econômicos;
 fatores políticos;
 fatores culturais;
 fatores religiosos.

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Em relação aos fatores culturais, o autor afirma que:

Cada povo tem sua peculiaridade, sua tendência ou dom natural. A Grécia,
por exemplo, notabilizou-se pela arte, pela cultura; os hebreus pela religião;
os fenícios pela navegação; Roma pelo direito. Pois o direito de cada um
desses povos reflete o aspecto cultural em que mais se desenvolveram, e
quando a cultura de um é colocada em contato com a do outro, há influências
recíprocas sobre o direito de cada um. A conquista da Grécia, como é sabido
por todos, exerceu influência decisiva, não apenas nas artes e na literatura
romanas, mas também nas suas instituições jurídicas. [...] A maior evidência
de ser o Direito uma manifestação de cultura social, um fenômeno cultural,
está no fato de surgirem novos ramos do Direito à medida que se expande o
mundo cultural do povo. Falamos hoje em Direito Espacial, Nuclear, das
Telecomunicações etc. [...] (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 56-57).

3 MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE

A sociabilidade e a socialização são dois temas clássicos da Sociologia, mas


que são muito importantes para compreender como o ser humano se relaciona com a
sociedade na qual está inserido e com a cultura dessa sociedade. Logo, também é
uma preocupação da Antropologia compreender como o ser humano estabelece
relações sociais. A sociabilidade é uma característica intrínseca ao ser humano, sendo
quase uma necessidade para se viver em sociedade. É graças à sociabilidade que
temos essa ânsia pela vida em grupo, já que o ser humano não é dado ao isolamento.
No entanto, é a socialização que nos integra à cultura em que nascemos, inculcando-
nos os valores e hábitos dela, que adotamos como nossos, por meio dos diversos
agentes de socialização. São esses agentes de socialização que nos transmitem as
normas que regem a nossa vida.
A sociabilidade e a socialização são responsáveis pela característica dos
seres humanos enquanto seres sociais e pela necessidade da vida em grupo. Nesse
sentido, considerando a nossa vida social, é importante destacar que, embora outros
animais (como os lobos, os macacos, as formigas e as abelhas) também sejam
considerados animais sociais, pois vivem em grupos, “[...] somente os seres humanos
têm culturas completamente elaboradas — tradições e costumes específicos
transmitidos pela aprendizagem e pela linguagem ao longo de gerações”, conforme
leciona Kottak (2013, p. 43).

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Nesse sentido, o conceito de cultura se torna fundamental tanto para a
Antropologia quanto para a Filosofia, pois nos possibilita compreender melhor os
seres humanos e a sua vida social. Você, provavelmente, está se perguntando: afinal,
qual é o conceito de cultura? Bem, o antropólogo, escritor e ex-ministro da educação,
Darcy Ribeiro (1999), com muita simplicidade, afirma que a cultura é tudo o que resulta
do trabalho humano, tudo o que é feito pelos homens ou resulta do trabalho deles e
dos seus pensamentos.
Temos também a definição amplamente citada de cultura enquanto objeto da
Antropologia, elaborada por Tylor (2000, p. 1, grifo nosso): “A cultura [...] é o todo
complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, regras morais, leis, costumes e
quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da
sociedade”. Ou seja, para Tylor (2000), a cultura trata daquilo a que o ser humano
está exposto por crescer em determinada sociedade, ficando exposto a uma tradição
cultural específica. Por exemplo, os indivíduos que nascem no Rio Grande do Sul são
apresentados aos elementos de sua cultura, aquilo que é da tradição gaúcha.
Portanto, o indivíduo poderá ou não aprender a tomar chimarrão, falar “bah” ou “tchê”,
etc. Ao ser exposto a determinada cultura, ao nascer, o ser humano adquire seus
hábitos e costumes, e, portanto, estes passam a ser seus hábitos e suas culturas.
De acordo com Kottak (2013, p. 44): “Enculturação é o processo pelo qual
uma criança aprende sua cultura”. O processo de enculturação é possibilitado pela
facilidade de aprendizagem das crianças. Acerca disso, Kottak (2013, p. 44) afirma:
“A facilidade com que as crianças absorvem qualquer tradição cultural reside na
capacidade humana singularmente sofisticada de aprender”
Outra definição de cultura bastante conhecida e referenciada é a do
antropólogo Clifford Geertz. Para Geertz (1981), as culturas se caracterizam como um
conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções, aquilo
que os engenheiros de informática chamam de programas para comandar o
comportamento. Logo, a cultura é por ele definida como ideias baseadas na
aprendizagem e nos símbolos culturais. Essas ideias são passadas não apenas às
crianças, embora elas assimilem e aprendam de forma mais fácil; mas nós, adultos,
podemos também receber novos hábitos e costumes — isso se dá a partir dos fatos
sociais. A cultura também é aprendida por meio da observação, segundo Kottak. As

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crianças observam os adultos e acabam repetindo os seus hábitos. Cabe ressaltar
que essa aprendizagem nem sempre se dá de forma consciente.

Fonte: CRStudio/Shutterstock.com.

3.1 Ser humano: produto e produtor de cultura

Como vimos anteriormente, a cultura pode ser definida como tudo aquilo que o
ser humano produz ou que sofre a sua intervenção, de forma que, segundo Ribeiro
(1999), até uma galinha pode ser considerada cultura. Portanto, tudo o que vemos ao
olhar ao nosso redor é cultural e foi produzido pelo ser humano, pois a realidade, como
afirmou Freire, é a realidade humana, produzida pelo ser humano.
Você deve concordar que o trabalho é muito importante para o ser humano,
pois lhe dignifica, o torna útil e capaz de modificar a realidade, desde que não seja um
trabalho em que seja explorado. Logo, não há exagero nenhum em dizer que o ser
humano é produtor de cultura. Além disso, somos seres sociais que vivem em grupo,
dotados de sociabilidade, ou seja, uma necessidade intrínseca de viver em grupo e/ou
comunidades, pois não somos dados ao isolamento. Ainda, nossa educação, ou seja,
as nossas aprendizagens, desenvolvidas ao longo da vida, são fruto dos processos
de socialização que estabelecemos nos diferentes grupos sociais que integramos ao
longo da nossa vida. Há também a enculturação, como vimos, por meio da qual
aprendemos os hábitos da nossa cultura e tradição.
Segundo a professora Aranha (2010), o processo de socialização tem início
pela influência da comunidade sobre os indivíduos. É conhecida a história das
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meninas-lobo encontradas na Índia, em 1920, vivendo em uma matilha. O
comportamento delas em tudo se assemelhava ao dos lobos: andavam de quatro,
comiam carne crua ou podre, uivavam à noite, não sabiam rir nem chorar. Só iniciaram
o processo de humanização quando foram encontradas e passaram a conviver com
pessoas. O mundo cultural é, dessa forma, um sistema de significados já
estabelecidos por outros, de modo que, ao nascer, a criança encontra um mundo de
valores dados, onde ela se situa. A língua que aprende, a maneira de se alimentar, o
jeito de sentar, andar, correr, brincar, o tom de voz nas conversas, as relações sociais,
tudo, enfim, se acha estabelecido em convenções. Até a emoção, que é uma
manifestação espontânea, sujeita-se a regras que dirigem de certa maneira a sua
expressão. A condição humana resulta, pois, da assimilação de modelos sociais: a
humanização se realiza mediada pela cultura.
Se, como afirma Aranha (2010) no excerto acima, a humanização se realiza
mediada pela cultura, não é possível dissociar a sociabilidade e a socialização da
cultura e dos processos de enculturação, pois é por meio delas que nos tornamos
quem somos. É claro que não cabe exclusivamente ao processo de enculturação nos
definir; somos constituídos pelos grupos sociais dos quais fazemos parte, pelas
experiências que vivenciamos e por aquelas culturas com as quais temos contato.

3.2 Pluralismo Cultural

O multiculturalismo, ou pluralismo cultural, dá-se por meio da convivência com


diferentes grupos sociais de diferentes culturas em um mesmo território. Por meio do
contato com outros grupos culturais, ocorre o processo de aculturação. A aculturação
é o processo pelo qual os sujeitos adquirem traços ou se adaptam às outras culturas
com as quais têm contato. O processo de aculturação permite o sincretismo cultural e
religioso, uma vez que, a partir do contato com outras culturas e religiões, o sujeito
acaba adquirindo os hábitos e costumes daquela sociedade ou grupo social, dando
origem, muitas vezes, a novos hábitos e novas práticas culturais.
No Brasil, a aculturação permitiu às culturas indígenas e africanas adquirirem
traços das outras culturas. Houve também a aculturação religiosa, por meio da qual
as religiões de matriz indígena e africana adquiriram traços das outras religiões. Essa
troca entre as culturas é conhecida também como interculturalidade, que nada mais

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é do que o intercâmbio cultural entre as sociedades — é quando sociedades com
culturas diferentes interagem, e uma acaba assimilando os hábitos da outra, sem
perder os seus hábitos culturais. Alguns autores trabalham o conceito de
interculturalidade como sinônimo de multiculturalismo. (ARANHA, 2018).
Em uma sociedade globalizada como esta em que vivemos, é comum que
exista o que os antropólogos chamam de assimilação, que nada mais é do que o
processo de mudança que um grupo étnico pode experimentar quando se muda para
um país no qual uma outra cultura é dominante. Porém, essa mudança não é inevitável
e nem necessária, desde que o grupo não se sinta ameaçado ou constrangido por agir
conforme a sua cultura. (ARANHA, 2018).
Em situações em que as pessoas são pressionadas ou questionadas acerca
dos seus hábitos e culturas, é mais comum que exista a assimilação cultural, até como
uma forma de autodefesa. Uma sociedade multicultural não só socializa os indivíduos
na cultura dominante (nacional), mas também cria uma cultura étnica e permite, assim,
a compreensão das semelhanças e diferenças entre as culturas, sem fazer qualquer
julgamento. Contudo, em uma sociedade tão plural culturalmente, é necessário
aumentar a vigilância contra os preconceitos e as intolerâncias. E, para isso, o diálogo
e o respeito são imprescindíveis.

3.3 O diálogo e o respeito às diferentes culturas

Nos cenários atuais, temos várias culturas convivendo em um mesmo território,


graças à globalização, e as pessoas interagem via redes sociais com pessoas de
diferentes culturas, tanto do seu próprio país como dos demais. Alertar para a
necessidade do diálogo e do respeito às diferentes culturas se torna ainda mais
necessário. Segundo Kottak (2013, p. 62):

O termo globalização abarca uma série de processos que operam em nível


transnacional para promover transformações, em um mundo no qual as
nações e as pessoas são cada vez mais interligadas e mutuamente
dependentes. Promovendo a globalização estão as forças econômicas e
políticas, juntamente com modernos sistemas de transporte e comunicação.

Como já vislumbrava o Papa João Paulo II, em sua Encíclica Redemptoris


Missio (JOÃO PAULO II, 1990, documento on-line):

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Encontramo-nos hoje diante de uma situação religiosa bastante diversificada
e mutável: os povos estão em movimento; certas realidades sociais e
religiosas, que, tempos atrás, eram claras e definidas, hoje evoluem em
situações complexas. Basta pensar em fenômenos tais como o urbanismo,
as migrações em massa, a movimentação de refugiados, a descristianização
de países com antiga tradição cristã, a influência crescente do Evangelho e
dos seus valores em países de elevada maioria não cristã, o pulular de
messianismos e de seitas religiosas. É uma alteração tal de situações
religiosas e sociais, que se torna difícil aplicar em concreto certas distinções
e categorias eclesiais, a que estávamos habituados.

As redes sociais, ao mesmo tempo que aproximam as pessoas das diferentes


culturas, familiarizando-as com as práticas culturais dos diferentes povos que estão
presentes nessa grande aldeia global ou casa comum que é a Terra, acaba
distanciando-as também, devido à incompreensão e à falta de diálogo e respeito. A
cada dia, vemos as pessoas se sentindo autorizadas a escreverem e dizerem o que
querem, como se as redes sociais fossem uma “terra de ninguém”. Talvez, aqui, o
ponto nevrálgico seja que as pessoas escrevem e dizem o que pensam. Portanto,
cabe questionar: como mudar esse pensamento? Como diminuir ou mesmo erradicar
a intolerância, a falta de respeito, a falta de empatia e de alteridade com relação ao
outro? Esse outro que é estranho a mim, mas que, ao mesmo tempo, é meu irmão e
criado por Deus também.
A atitude de julgar a cultura e os hábitos do outro a partir da minha própria
cultura é o que os antropólogos chamam de etnocentrismo. O etnocentrismo pode
ser compreendido como uma visão do mundo na qual a própria cultura é tomada como
superior e se aplicam os próprios valores culturais no julgamento dos comportamentos
e das crenças de pessoas de outras culturas. No plano intelectual, pode ser visto como
a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, ocorre na forma de
sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. Como alternativa aos
comportamentos etnocêntricos, há quem defenda a perspectiva do relativismo
cultural, que é a visão de que o comportamento de uma cultura não pode ser julgado
pelos padrões culturais de outra, conforme aponta Kottak (2013).
O problema com o relativismo cultural é que ele pode nos conduzir ao
relativismo moral, fazendo com que tenhamos de abrir mão de alguns valores e
princípios fundamentais porque não podemos julgar as práticas culturais e religiosas
das outras sociedades. Nesse sentido, para evitar esse relativismo moral, se existe
alguma atitude a ser tomada, ela envolve sempre o diálogo e o respeito, pois se tratam
de questões complexas e polêmicas, como o caso do infanticídio em tribos indígenas,
14
a mutilação de mulheres na África, a proibição ou não do aborto e tantas outras
questões.
De acordo com Dupré (2015, p. 210), “O relativismo em ética ou relativismo
moral é a perspectiva de que o acerto ou o erro das ações é determinado pela cultura
e pelas tradições (ou relativo a elas) de comunidades ou grupos sociais específicos”.
Assim, como recomendou o Papa João Paulo II (1990, documento on-line), é
importante que a Igreja atue como missionária e que tenha uma missão ad gentes.

Torna-se necessário, porém, precaver-se contra o risco de nivelar situações


muito diferentes, e reduzir ou até fazer desaparecer a missão e os
missionários ad gentes. A afirmação de que toda a Igreja é missionária não
exclui a existência de uma específica missão ad gentes, assim como dizer
que todos os católicos devem ser missionários não impede — pelo contrário,
exige- -o — que haja missionários ad gentes, dedicados por vocação
específica à missão por toda a vida.

Nesse sentido, talvez seja importante, em vez de “relativizar”, dialogar sobre


essas práticas culturais e religiosas que são distintas das nossas. Deve-se buscar
encontrar uma forma de manter não apenas a memória e a história dos povos, mas
seus adeptos, com uma visão mais atual e compreensiva acerca da humanidade e,
também, não ferindo os direitos humanos. Isso, de fato, é bem difícil.

4 A CULTURA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Desde os primórdios da história, o homem e a mulher se confrontam com a


necessidade de conhecer, a fim de explicar os fatos e fenômenos, dominar a natureza
ou facilitar sua existência. A humanidade construiu conhecimentos a partir dos
desafios necessários à sua sobrevivência. O conhecimento surgiu e foi acumulado em
decorrência das experiências vividas (FREIRE, 1984).
A dimensão histórica e social do tempo permite a compreensão da história
como produção do ser humano, na dinâmica das relações sociais e de diferentes
conjunturas, em épocas diferentes. Trabalhar a noção de tempo nessa dimensão
possibilita analisar o contexto de diferentes épocas e localizar, no tempo, o modelo de
sociedade no qual está inserido; permite ao indivíduo o esclarecimento da sociedade
atual como uma evolução histórica de um processo político, social, cultural e

15
econômico que se originou no passado e que continua a ser construído no seu dia a
dia, por meio da ação dos sujeitos na história.
De acordo com Freire (1999), o homem cria a cultura na medida em que,
integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre ela e dá respostas
aos desafios que encontra pelo caminho. A construção da Cultura é todo resultado da
atividade humana, do esforço criador e recriador do homem e da mulher, de seu
trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens e
mulheres.
Nessa expectativa, cultura é tudo que resulta da criação humana, o sujeito cria,
transforma e é afetado por essas transformações. O sujeito, ao produzir cultura,
produz-se a si mesmo, ou seja, ele se autoproduz. Logo, não há cultura sem o sujeito,
como não há sujeito sem cultura. A cultura, pois, não somente envolve o sujeito, mas
penetra-o, modelando sua identidade, personalidade, maneira de ver, pensar e sentir
o mundo.
Para Brandão (2002), a cultura existe nas diversas maneiras por meio das quais
criamos e recriamos os tecidos sociais de símbolos e de significados que atribuímos
a nós próprios, às nossas vidas e aos nossos mundos. Criamos os mundos sociais
em que vivemos e só sabemos viver nos mundos sociais que criamos ou onde
reaprendemos a viver, para sabermos criarmos com os outros os seus outros mundos
sociais – e isso é a cultura que criamos para viver e conviver.
A cultura não é, pois, algo que existe fora do sujeito; ela faz parte do seu íntimo.
Se somos o que somos é porque temos contato com outros seres humanos, dentro
de uma realidade específica que se torna nossa verdade, mas que se desenvolve
apenas na interação entre os indivíduos. O ser humano não nasce “ser social”, ele se
torna um “ser social” em contato com outras pessoas (DALLARI, 1984).
O grande desafio da escola, hoje, é contribuir para a formação de cidadãos
críticos, conscientes e atuantes (TRINDADE, 2000). Trata-se de uma tarefa complexa
que exige da escola um movimento que ultrapasse temas, conteúdos e programas.
Nessa realização, percebemos o verdadeiro sentido da palavra cidadania.

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Fonte: https://factrem2s.com.br/

4.1 Manifestações culturais no desenvolvimento educacional da humanidade

A cultura é histórica; pensar em cultura é pensar em conhecimento, significado


e formas de interpretar o mundo e nosso cotidiano. A construção de uma cultura é
baseada no que fomos agregando ao longo da história para transformar e transmitir
nosso pensamento, nossas formas de ser e sentir. Conhecer, aprender, ver as
diferenças, como somos e como nos relacionamos é se apropriar do conhecimento.
Para entender o conhecimento, tem-se que refletir sobre os inúmeros fatores
pelos quais somos influenciados, tais como: o que assistimos na TV, o que temos
como hábito de leitura, de saberes adquiridos, de técnicas corporais incorporadas,
entre outros.
As manifestações culturais se apresentam de diversas formas. De uma forma
clara e objetiva, a cultura pode se manifestar de diferentes maneiras, ela é complexa
e dinâmica e pode ser compreendida de acordo com a origem de quem a produz.
Podemos conhecê-la como, conforme Coelho (1986):
 Cultura erudita: é produto da leitura, do estudo e da pesquisa. É a cultura
aprendida nos ambientes formais de educação. Para que se produza cultura erudita,
é necessário que se tenha vasto conhecimento sobre um determinado assunto.

17
 Cultura de massa: é a cultura produzida e /ou transmitida pelos meios de
comunicação a um grande número de pessoas, por meio de intermédios impressos
ou eletrônicos, como jornais, revistas, televisão e internet.
 Cultura popular: pode ser compreendida como a soma dos valores
tradicionais de um povo, expressos em forma artística, como danças, ou em crendices
e costumes gerais. A cultura popular é coletiva, marcada pelo anonimato.
O conceito de cultura é amplo, de maneira que é interessante estabelecer
conhecimento entre os conceitos de cultura erudita, de massa e popular. Essa
diferenciação tem objetivos apenas didáticos, até mesmo porque existem articulações
e relações entre os “tipos culturais”, e estabelecemos contato com elas o tempo todo,
pois são mutáveis e dinâmicas, ou seja, as manifestações acompanham as
sociedades onde se expressam, transformando-se, permanecendo ou adaptando-se
a cada realidade.
Outro aspecto importante a destacar é que convivemos com as diferentes
manifestações culturais, pois a cultura é variável no tempo e vai transformando-se na
vivência e no processo de comunicação e transmissão de sua existência. Elementos
como modo de agir, vestir, caminhar, comer se alteram diante das novas
necessidades constituídas entre as gerações, localizadas em um tempo e espaço de
vivência, produzindo bem-estar para alguns e, para outros, uma metamorfose imposta
e, portanto, de grande violência simbólica.
Ribeiro (1987) insiste na ideia de que, embora a cultura seja um produto da
ação humana, ela é regulada pelas instituições de modo que se lapida a ideia a ser
manifestada segundo os interesses ou valores de crenças de determinado grupo
social. A cultura, para Ribeiro (1987), também é uma herança que se resume a um
conjunto de saberes que são passados a partir das gerações, saberes manifestados
e experimentados pelo ancestral.
Quando se trata de cultura e educação, podemos dizer que são esses
fenômenos intrinsecamente ligados, a cultura e a educação, que, juntos, tornam-se
elementos socializadores, capazes de modificar a forma de pensar dos educandos e
dos educadores; quando adotamos a cultura como uma aliada no processo de ensino-
aprendizagem, estamos permitindo que cada indivíduo que frequenta o ambiente
escolar se sinta participante do processo educacional, pois ele nota que seu modo de
ser e vestir não é mais visto como “antiético” ou “imoral”, mas sim como uma forma

18
de ele socializar com os demais colegas. Alguns autores defendem a ideia de que a
educação não pode sobreviver sem a cultura e nem a cultura sem a educação.
Candau (2003, p. 160) afirma que: “A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural
[...]”

4.2 A relação entre as culturas

O avanço das tecnologias permite ultrapassar fronteiras de modo mais rápido


e em maior frequência. Se você for de São Paulo a Porto Alegre de ônibus, o percurso
levará por volta de 24 horas, mas se você for de avião, a duração da viagem é menor
do que duas horas, o que facilita e oportuniza o deslocamento. Ainda que diferentes
lugares do mundo estejam mais acessíveis, em grandes metrópoles, você pode
escolher conhecer culturas que estão mais próximas, e isso não significa que elas
sejam tão semelhantes às suas.
Esse contato pode evidenciar elementos culturais que você considere
estranhos, causando certo estranhamento sobre o modo de vida do outro. Às vezes,
pode até mesmo achar engraçado o modo como as pessoas de outras sociedades
falam, se vestem ou mesmo dançam. Estranhar, em um primeiro momento, é como
não entender direito o porquê a pessoa age de determinada forma, fala diferente ou
mesmo come algum tipo de prato típico da região.

A diferença entre as culturas acarreta em diferenças conceituais.


Fonte: Ruas (2012).

Isso acontece por que somos etnocêntricos, ou seja, entendemos que o nosso
modo de vida é o certo, correto, adequado, já que, para nós, é a nossa cultura e o que
19
faz sentido nela é o que está no centro do nosso entendimento. Assim, a referência
do que é certo e errado é dada pela cultura na qual nascemos. Então, podemos dizer
que nascemos etnocêntricos e, com o passar do tempo, podemos aprender a
relativizar o que temos como referência. Nesse sentido, o comportamento etnocêntrico
pode até ser depreciativo em relação aos padrões culturais diferentes dos seus,
julgando-os como imorais, aberrações ou equívocos. (BARROSO, 2018).
Deste modo, temos de cuidar para que não apreendamos atitudes
discriminatórias de diferentes ordens com a cultura do outro. Entendemos que, em um
mundo que possibilita cada vez mais encontros, temos de saber conviver, relativizar
e entender os diferentes modos de vida. Nem todos vão ter o mesmo certo e o mesmo
errado, e, então, para que sejamos respeitados nos nossos pensamentos é preciso
que respeitemos o certo e o errado do outro. Com o tempo e com o convívio cultural,
o que era diferente pode se tornar compreensível quando analisado a partir de outros
modos de vida. O meu certo e meu errado podem ser diferentes do certo e do errado
do outro. Por isso, o nosso contato pode permitir uma negociação de sentidos,
entendimentos e leituras sobre a sociedade que nos possibilite ampliar a formas de
ver o mundo. (BARROSO, 2018).

4.3 Universalismo, relativismo e multiculturalismo

Temos algumas correntes de pensamento que elucidam possibilidades de


encontrar acordos universais, e outras que entendem que esses acordos devem
considerar as diferenças culturais. Vamos tentar entender o que propaga cada uma
delas e como podemos nos apropriar de suas discussões, para pensarmos a relação
entre as culturas.

4.3.1 Universalismo

Em um cenário pós-segunda guerra, depois das crueldades cometidas pelo


nazismo, o Movimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos se organizou
para instituir alguns parâmetros éticos da ordem internacional. Coube, assim,
evidenciar alguns direitos considerados universais que perpassassem a condição
geral da pessoa humana, independente de especificidades culturais. Desse modo, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi o documento adotado pela
20
Organização das Nações Unidas (ONU) e que reconheceu a dignidade humana de
todos os seres humanos, sem levar em consideração as diferenças entre as culturas.
A partir deste contexto histórico, o universalismo ganhou adeptos,
principalmente, através de um discurso de proteção do homem, como diz Silva e
Pereira (2013, p. 500):

Com a universalização, portanto, buscou-se proteger o indivíduo


simplesmente por ser um ser humano, independe de seu país, de sua cultura.
Apenas a condição de ser humano é que interessa ao universalismo cultural,
já que tais direitos decorrem inescusavelmente da própria dignidade humana,
entendida como valor indissociável da condição de ser humano.

É delicado o tema de adoção de princípios universalistas para que não seja


tomada de forma radical, impondo que alguns países possam decidir pelos outros o
que é considerado universal ou não. Ainda mais em um contexto de imperialismo, de
globalização e de disputa por hegemonia econômica o argumento universalista pode
ser utilizado como um pretexto para interferência nas práticas culturais diversas
visando a dominação e até a aculturação dos povos.

4.3.2 Relativismo

O relativismo cultural aposta na manutenção das diferenças culturais,


preservando as identidades e a diversidade das inúmeras sociedades existentes.
Neste pensamento, cabe considerar como parâmetro o respeito à autonomia de cada
nação ou povo para definir sua forma de vida, conforme seus valores e crenças. E
assim, opõe-se à criação de um parâmetro do universalismo, porque entendem que,
se defini-lo como tal, pode buscar se sobrepor aos princípios e fundamentos de
sociedades que não consideram esse parâmetro como legítimo. A intepretação de
Silva e Pereira (2013, p. 506) sobre os relativistas é que, para eles:

[...] assim como há diversas culturas, há diversos sistemas morais, pelo que
restaria impossível o estabelecimento de princípios morais de validade
universal que comprometam todas as pessoas de uma mesma forma
(PIOVESAN, 2006, p. 45). Ou seja, os que aderem a esta posição, a cultura
é a única fonte válida do direito e da moral, capaz de produzir seu próprio e
particular entendimento sobre os direitos fundamentais.

21
Logo, não haveria como propor um princípio universal entre os povos e
sociedades existentes. A cultura torna-se preponderante para acessar, conhecer e até
questionar práticas culturais consideradas absurdas.

4.3.3 Multiculturalismo

Para sair dessas correntes de pensamentos dicotômicos, uma nova proposta


se apresenta: o multiculturalismo. Esse conceito entende que deve haver harmonia na
convivência da pluralidade cultural. Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 19) propõe
uma definição mais aprofundada:

O multiculturalismo, tal como eu entendo, é pré-condição de uma relação


equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a
legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-
hegemônica de direitos humanos no nosso tempo.

Deste modo, deve-se levar em consideração os princípios de igualdade e o


reconhecimento das diferenças, para pensar em uma concepção de direitos humanos
aglutinadora, híbrida e agregadora. Assim, não se deseja opor universalismo e
relativismo, mas compor um diálogo entre essas teorias para defesa dos direitos
humanos, sem descaracterizar as particularidades das diversas culturas.

4.4 As manifestações concretas e os aspectos principais da cultura

O antropólogo Mércio Pereira Gomes (2008, p. 36) nos ensina que:

[...] cultura é o modo próprio de ser do homem em coletividade, que se realiza


em parte consciente, em parte inconsciente, constituindo um sistema mais ou
menos coerente de pensar, agir, fazer, relacionar-se, posicionar-se perante o
absoluto, e, enfim, reproduzir-se.

Durante muito tempo, lidou-se com a ideia de que era a capacidade de


desenvolver trabalho que distinguia o ser humano como produtor de cultura; no
entanto, animais desenvolvem essa atividade e alguns grupos realizam trabalhos de
alta complexidade. Por outro lado, as sociedades humanas desenvolveram uma
capacidade sofisticada de linguagem — que não se repete nas demais espécies
animais — marcada por reprodução instintiva no decurso de sua existência.

22
A linguagem constitui um sistema simbólico, sendo o ser humano o único
animal capaz de produzir símbolos e, por isso, cultura. Desse modo, devido ao amplo
universo da linguagem, o aparato cultural é formado tanto por elementos tangíveis,
que são materiais (caso das máquinas, galpões, automóveis, geladeiras, entre tantos
outros que fazem parte da vida material de uma sociedade), quanto intangíveis, ou
seja, imateriais e abstratos (como o próprio sistema simbólico de uma sociedade, a
arte e os sistemas de valores, entre outros).
Diante de uma gigantesca profusão de aspectos e práticas culturais, elencá-los
seria deveras extensivo, de modo que se optou aqui por reproduzir uma lista enxuta e
muito eficaz elaborada por Reinaldo Dias (2004), em um texto didático e fluente: a
cultura é transmitida pela herança social e compreende a totalidade das criações
humanas; é exclusiva das sociedades humanas e interfere no modo de ver o mundo;
trata-se, portanto, como já dito, de um mecanismo de adaptação.
Dentro de um gigantesco e incontável número de manifestações concretas da
cultura, destacamos alguns, tendo como eixo o mundo da estética, tal qual a arte, a
arquitetura e a moda. A moradia constitui uma manifestação subordinada à
organização da vida material de uma sociedade. Tomemos como exemplo a cozinha
da casa brasileira: se no início do período colonial, em São Paulo, a cozinha
bandeirante em geral se localizava apartada do corpo da casa, no Brasil
contemporâneo, esse cômodo ganhou centralidade, funcionando como lócus de
convívio e integração socioespacial.
A estética, ou seja, os conceitos do belo, corresponde a uma das manifestações
mais fundamentais da cultura. Assim, a fachada de uma edificação, por exemplo, é
diferenciada ao longo do tempo e do espaço, estando associada a variáveis como
economia, natureza e praticidade. O conteúdo estético, porém, que é intangível, faz-
se sempre presente. (DIAS, 2004).
Hábitos alimentares são traços culturais constitutivos e distintivos das
sociedades humanas. Em tempos de globalização, com o aumento e a diversificação
da produção do alimento, em virtude de recursos tecnológicos, surgem cozinhas high-
tech, ocorrendo uma “gourmetização” da prática social de se produzir o alimento.
Além de se tratar de um traço cultural fundamental, a arte é uma manifestação
que, de algum modo, permeia todas as sociedades. Trata-se de uma prática
complexa, carregada de materialidade e imaterialidade, a qual, ao mesmo tempo,

23
sofre modulações no tempo e no espaço, sendo uma manifestação estética por
excelência — a despeito de seu conteúdo técnico e tecnológico, a própria arquitetura
contempla a arte em sua constituição.
Outra manifestação cultural muitíssimo significativa é a vestimenta, um hábito
social recorrente na esmagadora maioria das sociedades. A prática é embasada por
diversos fatores, como os julgamentos morais, no caso do sentimento de pudor (no
Brasil, o “atentado ao pudor” é uma atitude desviante socialmente); o fator estético-
mercadológico, no caso da moda, e o psicossocial, no caso de tratar-se de uma forma
de ser externada a individualidade — vale a pena lembrar que, no caso da moda, o
corte de cabelo ou a maquiagem são desdobramentos práticos da manifestação
estética da cultura.

Fonte: https://www.netmundi.org/

5 O QUE É IDENTIDADE DE UMA CULTURA?

No planeta em que vivemos, somos todos diferentes. Porque cada um de nós


ocupa um espaço no mundo, tanto geograficamente como socialmente. E isso nos
permite acessar certos elementos culturais que, se estivéssemos em outro lugar de
outra forma, não acessaríamos. Assim, vamos construindo a nossa identidade na
sociedade, e nos percebendo como parte da cultura, ao mesmo tempo em que
alimentamos essa própria cultura.
Para o sociólogo Manuel Castells (2008), a identidade é fonte de significados
e experiências de um povo, de uma nação, de uma etnia, de um grupo social que se
arquitetam por meio de atributos culturais partilhados, como, por exemplo: língua,
24
dança, música, alimentação, crenças, valores, entre outros. Todos esses elementos
configuram o modo de um grupo social ser e se apresentar para o mundo, podendo
ter algumas características específicas os quais caracterizam ou ainda mesmo
dividem alguns desses elementos com outras sociedades.
Portanto, a identidade se refere à como você é identificado em uma
determinada cultura, ou seja, ela apresenta suas características em termos do seu
reconhecimento no mundo. Deste modo, você é percebido pelos outros a partir dos
elementos culturais que manifesta ao mundo, e, por isso, você é reconhecido.
Assim, não é sempre que temos o controle sobre como as pessoas nos rotulam.
Podemos dizer que esses rótulos são dados a partir de características as quais os
outros reconhecem em nós. Em relação a um time, a um gosto musical ou mesmo a
estilo de vestimenta, podemos tomar decisões conscientemente de como gostaríamos
de ser reconhecidos, entretanto, em relação a outras características nossas, como a
altura, a cor da pele ou mesmo condição social, talvez não tenhamos o mesmo
controle. Muitas vezes, não vamos simpatizar com os rótulos que são identificados em
nós.
Ao mesmo tempo, a identidade pode ser partilhada com quem vive da mesma
forma que você, seja quando assuma certas posições, seja por conviver em uma
mesma situação de faixa etária, de gênero, ou mesmo vivenciando a mesma
enfermidade. Essa partilha se realiza por meio dos elementos culturais que o indivíduo
divide, conscientemente ou não, com a sociedade a qual ele pertence. Assim, a
identidade individual se constrói em meio a identidade coletiva e vice-versa.
Conceituando cada termo, podemos dizer que a identidade individual alude aos
aspectos culturais aos quais cada pessoa se reconhece como tal, seja por gosto
musical, religioso, profissional, entre outros. Esses aspectos podem ser definidos
pelas próprias pessoas ou serem percebidos pelos outros como algo que a diferencia
do restante da sociedade. Portanto, um conjunto de pessoas pode constituir uma
identidade coletiva, uma vez que se reconheçam com algo em comum, seja por ter
nascido no mesmo estado, por partilhar a mesma língua ou por gostar do mesmo time.
De qualquer modo, compreende-se que identidade de uma etnia, de um povo,
de um grupo social é sempre relacional, como nos lembra Barth (1998). Pois o que é
construído em uma nação se dá a partir de elementos culturais aceitos ou negados

25
em relação a identificação de outros grupos, podendo modificar-se com o tempo ou
até mesmo como é percebido em relação a outros indivíduos ou grupos.
Assim, podemos dizer que a identidade de uma sociedade se dá justamente na
relação que ela tem com outros grupos sociais a sua volta. Pois, dependendo de quem
está por perto, são escolhidas características culturais para evidenciar como essa
sociedade pode ser localizada, percebida e analisada. Pode-se destacar um prato
típico, uma culinária específica, uma dança tradicional, componentes linguísticos
próprios, as formas de se vestir, entre outros.
Logo, os elementos que definem a identidade podem ser variados e complexos,
de modo que o conjunto deles é que modelam e identificam os grupos e os indivíduos,
como reforça Castells (2008, p. 23):

A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história,


geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória
coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de
cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos
indivíduos, grupos sociais e sociedades, que organizam seu significado em
função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura
social, bem como em sua visão tempo/espaço.

Assim, mostra-se que a identificação por meio da identidade se dá por um


composto de elementos que, conjuntamente, definem aspectos culturais dos
indivíduos ou grupos sociais. Ao mesmo tempo, alguns aspectos culturais que
conformam a identidade podem ser modificados com o passar dos tempos pela
dinamicidade em questão, como povos indígenas originários de determinado lugar e
que mudam de local de moradia devido à escassez de alimento.

5.1 Conceituando a ideia de identidade nacional

Falando mais especificamente das nações e da construção de identidade


nacional, podemos dizer que o sentimento de um povo é construído com base em
suas lutas sócio-históricas, evidenciando suas conquistas e os melhores feitos diante
de disputa com outras nações como produto de uma memória coletiva e seletiva de
fatos vividos que orgulhem seu povo. Esse sentimento de identidade de um povo une
os membros de um mesmo grupo social, reproduzindo e reforçando suas práticas
sociais, que os identificam entre outras partes do mundo.
26
Assim, a língua, o local e a história podem consolidar a imagem que se tem de
uma nação, fazendo com que os indivíduos que lá estão se sintam parte integrante de
uma sociedade ou nação. Como nos lembra Reinheimer (2007, p. 166), “[...] a
identidade nacional precisa ser observada a partir das situações específicas nas quais
ela foi acionada como forma de escapar à naturalização e à reificação que o conceito
pode acarretar.”. Ou seja, para pensar em identidade nacional, temos de pensar em
que sentido ela foi acionada e como podemos elucidar os componentes que
identificam a nação, de modo que os membros da sociedade em questão se
reconheçam através desses elementos.
Também podemos dizer que a identidade também pode ser disputada, já que
o modo como as indivíduos e grupos são reconhecidos no mundo permitem diferentes
acessos ao que está disponível no mundo. Ou seja, ser percebido como uma nação
rica, segura e poderosa pode facilitar relações comerciais com outros países,
enquanto que, ser considerada uma nação violenta e pobre, pode não ter a mesma
facilidade. Todavia, como a identidade não é estática, a nação rica tem que continuar
se esforçando para manter o modo como é vista, e a nação desfavorecida vai tentar
transformar a forma como é percebida pelas outras sociedades.
Interessa para Barth (1998) pensar essas “fronteiras étnicas” de um grupo
social com o objetivo de compreender as dinâmicas do grupo que estão,
constantemente, em interação com outros grupos, pois é por meio desse contato que
a sua identidade é definida. Nesse sentido, cada grupo evidencia o que é diferente
entre eles a fim de caracterizar e explicitar a especificidade que compartilha entre seus
membros. Assim, essas características são como uma marca que rotulam o indivíduo
ou grupo social.
Para além da questão econômica, há um conjunto de sentimentos que fazem
com que seus membros se identifiquem com o seu país, favorecendo a integração
nacional enquanto território reconhecido pela nação como tal. Nesse sentido, a união
das partes territoriais integradas favorece que seus habitantes tenham consciência de
unidade. Esse amálgama decorrente da convivência no mesmo território evidencia a
nação. Como diz Moreno (2014, p. 18), a nação seria:

[...] uma “comunidade imaginada” – como o são todas as sociedades,


necessariamente, uma estrutura social e um artifício de imaginação
(Balakrishnan, 2000, p. 216) – e alicerçada sobre as transformações geradas
por novas relações sociais de produção que despontam com a modernidade.
27
Nesse sentido, o que se entende por nação não é algo homogêneo e pronto,
mas perpassa conquistas, disputas e contestações que o próprio povo vivenciou a
favor da constituição e da construção de uma identidade comum. Também não quer
dizer que todos os membros tenham uma identidade única. Eles partilham sobre o que
é seu patrimônio cultural, os seus hábitos e modos de vida, o território em que estão
aglutinados, entretanto, podem ter diferenças claras no que refere à gênero, raça e
classe. Desse modo, vemos que um povo destaca sua semelhança quando é preciso
lutar pelo bem comum, mas que os seus membros podem ser diferentes e ocupar
posições sociais desiguais.
Importa como falam de sua nação e como constroem a sua identidade nacional
a partir do que tem em comum. Dependendo do que viverem juntos, esse discurso
pode ser modificado, alterado e até mesmo corrompido. Logo, para refletir sobre
identidade nacional, devemos analisar como diz Moreno (2014, p. 27-28):

Na atualidade, há, portanto, que se considerar uma longa trajetória de


discursos de identidade nacional, veiculados no decorrer do tempo, que
funcionam como uma história incorporada a qual não se pode desprezar. [...]
A eficácia discursiva, simbólica e política de novas representações
identitárias dependerá do diálogo estabelecido com elementos de
permanência de longo prazo, dentro das condições e limites dados por
conjunturas específicas.

5.2 Refletindo sobre a identidade brasileira

No Brasil, a identidade nacional vem acompanhada de um sentimento comum


entre os brasileiros. São aproximadamente 200 milhões de pessoas habitando um dos
25 estados ou o Distrito Federal. Apesar das especificidades regionais, esses
habitantes dividem a mesma língua, a mesma história e alguns aspectos culturais,
como vamos caracterizar adiante.
A identidade brasileira é compartilhada entre quem habita, ou possui laços, com
a cultura vivenciada no Brasil. Também aqueles nascidos no país e que imigram para
outras partes do mundo se reconhecem como brasileiros, ou ainda estrangeiros que
vieram para cá e compartilham da identidade dos brasileiros, por estarem aculturados.
O território brasileiro foi ocupado pela colonização portuguesa a partir de 1500,
em meio a disputas do espaço com povos indígenas e outros países que tentaram
colonizar o local, como a Espanha, Holanda e França. Diante do poderio de armas de
28
fogo dos portugueses e da organização político-econômica, escravizou-se os povos
indígenas e ainda trouxeram negros escravizados do Continente Africano. Assim, a
formação do povo brasileiro foi constituída por povos dessas três origens: indígenas,
europeus e africanos.
Entre disputas e conquistas, cada povo que firmou morada no Brasil colaborou
na conformação do que hoje é entendido como o povo brasileiro, contribuindo, assim,
com diversos elementos culturais que, atualmente, identificam a nossa cultura e a
nossa identidade. Seja através da língua que falamos, da comida que comemos, do
modo como nos vestimos, das religiões que temos, das músicas que escutamos, dos
esportes que praticamos, partilhamos e dividimos aspectos comuns da cultura.
Inúmeros exemplos podem definir o que faz o brasileiro um brasileiro,
entretanto, podemos evidenciar alguns aspectos que Roberto Da Matta (1986, p. 14)
elucida em um dos seus textos iniciais sobre o tema:

Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer
feijoada e não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros
países, sobretudo costumes e ideias; porque tenho um agudo sentido de
ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro
e não em Nova York; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo
música popular, sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque
futebol para mim é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos;
porque vou à praia para ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e
tomar sol, jamais para praticar um esporte; porque sei que no carnaval trago
à tona minhas fantasias sociais e sexuais; porque sei que não existe jamais
um “não” diante de situações formais e que todas admitem um “jeitinho” pela
relação pessoal e pela amizade; porque entendo que ficar malandramente
“em cima do muro” é algo honesto, necessário e prático no caso do meu
sistema; porque acredito em santos católicos e também nos orixás africanos;
porque sei que existe destino e, no entanto, tenho fé no estudo, na instrução
e no futuro do Brasil; porque sou leal a meus amigos e nada posso negar a
minha família; porque, finalmente, sei que tenho relações pessoais que não
me deixam caminhar sozinho neste mundo, como fazem os meus amigos
americanos, que sempre se veem e existem como indivíduos!

Logo, é preciso dizer que não precisamos partilhar de todos elementos da


cultura nacional para termos uma identidade brasileira. Não é por que somos
brasileiros que gostamos de carnaval ou mesmo de futebol, mas ao compartilharmos
nossa história, nossa língua e aspectos da cultura partilhamos de um sentimento
nacional, de um discurso específico, de uma sensação comum que nos torna
pertencentes a identidade brasileira. (BARROSO, 2018).
A identificação e a valorização dessa identidade estabelecem uma integração
nacional pela qual seus membros lutam e defendem suas fronteiras. Na escola, somos

29
estimulados a cantar o hino nacional e a ter respeito pela bandeira que nos representa.
Então, de forma consciente e inconsciente, vamos aderindo e adorando a pátria.
A identidade individual é perpassada pela identidade nacional, de modo que,
enquanto construímos a nossa identidade, estamos construindo essa identidade
coletiva também. Assim, quando vamos para outros países, carregamos conosco a
identidade nacional, e mesmo que não sejamos iguais a todos os brasileiros,
reconhecemos elementos culturais comuns entre aqueles que tenham habitado
qualquer parte do Brasil. (BARROSO, 2018).

Fonte: https://baurutv.com/

5.3 Diversidade Cultural

O Brasil é um país extremamente marcado por diversidades culturais. Tais


diversidades são observadas não apenas na população como um todo, mas também
nas várias regiões do território nacional. Ao lado das diversidades culturais, há
situações de desigualdade social, também muito evidentes no País.
A diversidade cultural tem sido considerada uma marca da sociedade brasileira.
Desde os tempos mais remotos até hoje, estudiosos se deparam com questões como
esta: é possível ser igual em uma sociedade em que as pessoas são tão diferentes?
A definição de diversidade está associada aos conceitos de pluralidade e
heterogeneidade. Em síntese, a diversidade remete à multiplicidade de fatores.

30
A diversidade tem sua origem na colonização do Brasil, com a chegada dos
portugueses, associada à presença do índio e do negro nas terras brasileiras. Holanda
(1995, p. 43) aponta que os portugueses foram os pioneiros na missão de colonizar o
Brasil, sendo os “[...] portadores naturais dessa missão”. Os portugueses que aqui
vieram tentaram impor aos habitantes desta terra seus costumes, sua religião e suas
tradições. No entanto, o autor aponta ainda que “pouca coisa se conservou entre nós
que não tivesse sido modificada ou relaxada pelas condições adversas do meio”.
Contudo, manteve-se “[...] a obrigação de irem os ofícios embandeirados, com suas
insígnias, às procissões reais, o que se explica simplesmente pelo gosto do aparato e
dos espetáculos coloridos, tão peculiar à sociedade colonial” (HOLANDA, 1995, p.
43).
Destaca-se, portanto, o fato de que não apenas os portugueses, como também
os holandeses e outros povos deixaram suas marcas no País, fornecendo elementos
constituintes da cultura brasileira. Ainda é necessário considerar que também
permaneceram características próprias, religiões, festividades e costumes específicos
de cada povo. Portanto, essa mistura de raças, etnias e todos os valores e tradições
deram origem à diversidade cultural da sociedade brasileira, que o passar do tempo
só fez intensificar.
A Declaração Universal da Diversidade Cultural, de 2001, em seu art. 1º, aponta
que a cultura “[...] adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa
diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que
caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade” (UNESCO,
2002, p. 2). A referida Declaração foi aprovada por 185 Estados-membros e é o
primeiro documento que busca promover a diversidade cultural dos povos e a
comunicação entre eles. A elaboração do documento deve-se principalmente à
necessidade de se preservarem riquezas culturais, ainda que no contexto da
globalização, que, dadas as suas características, acaba distanciando as culturas ao
aproximar os povos exageradamente.
Alves (2010) aponta que o crescimento dos mercados mundiais trouxe a ampla
sensação de que o mundo estaria vivendo um processo de homogeneização cultural.
Nessa perspectiva, foram feitos apelos no sentido de promover a diversidade e as
identidades locais, marcadas por grande variedade de línguas, crenças, costumes,
tradições. Segundo o autor, na América Latina, o receio de uma unificação de culturas

31
fez com que profissionais se organizassem, juntamente a movimentos sociais, a fim
de pressionar os governos locais para a defesa e a promoção da identidade regional.
Ortiz (1999, p. 83) aponta que “[...] afirmar o sentido histórico da diversidade
cultural é submergi-la na materialidade dos interesses e conflitos sociais (capitalismo,
socialismo, colonialismo, globalização). A diversidade cultural se manifesta em
situações concretas”.
Assim, você pode considerar que a diversidade cultural são os diferentes
aspectos que compõem uma cultura: tradições, costumes, linguagens, formas de
organização familiar, política, religião, culinária, entre outras características próprias
de determinado grupo em determinada época. No entanto, de acordo com Ortiz (1999,
p. 82), é preciso ir além das diferenças:

[...] a diversidade cultural não pode ser vista apenas como uma diferença, isto
é, algo que se define em relação a, que remete a alguma outra coisa. Toda
“diferença” é produzida socialmente, ela é portadora de sentido simbólico e
de sentido histórico. Uma análise tipo hermenêutica que considere
unicamente o sentido corre o risco de isolar-se num relativismo pouco
consequente.

Ortiz (1999) aponta ainda que, em alguns casos, a diversidade esconde


também relações de poder. É importante reconhecer os momentos em que ela oculta
questões como a desigualdade. Para o autor, “[...] se as diferenças são produzidas
socialmente isso significa que à revelia de seus sentidos simbólicos elas serão
marcadas pelos interesses e pelos conflitos definidos fora do âmbito do seu círculo
interno” (ORTIZ, 1999, p. 85). Nesse sentido, complementa que a diversidade cultural
é ao mesmo tempo desigual e diferente, pois ela é permeada por relações de poder e
legitimidade — países fortes versus fracos; governo nacional versus internacional,
entre outros. Dessa forma, não é possível falar em “unidade na diversidade”,
especialmente quando se tratar de problemas para os quais ainda não há respostas.
A expressão “diversidade cultural” busca compreender as diferenças entre as várias
culturas existentes, que fazem parte do que se chama “identidade cultural” (ORTIZ,
1999).
Nesse aspecto, o Brasil é extremamente rico. É um país marcado, desde suas
origens, por diversidade em vários aspectos. Cada civilização que aqui chegou trouxe
um pouco de sua cultura, suas formas de viver, se organizar e ver o mundo, o que
contribui para a heterogeneidade presente na atualidade. Entretanto, Ortiz (1999)

32
aponta que a diversidade presente no mundo antes do século XV era maior do que a
existente hoje. Muitas culturas, línguas, economias e costumes foram desaparecendo
com a expansão do colonialismo, do imperialismo e da industrialização. Não se pode
deixar de mencionar que a diversidade cultural no Brasil é bastante evidente também
entre as diferentes regiões do País. Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste:
cada Estado tem características próprias, que envolvem valores, costumes,
linguagens, diferenças climáticas e nível de desenvolvimento.
Machado (2011, p. 149) afirma que a diversidade deve ser vista “[...] como um
fenômeno dinâmico e multidimensional. O que deve ser preservado, portanto, não é
um dado estado dessa diversidade, mas a possibilidade de direito a ela”. O autor
aponta também que a diversidade deve ser fonte de criatividade e base para
transformações cabíveis. Ainda menciona que não se devem “relativizar direitos
humanos sobre o pretexto do respeito à diversidade”. O autor cita como exemplo que
não se devem “[...] violar direitos das mulheres sob o pretexto de convicções religiosas
ou práticas enraizadas culturalmente” (MACHADO, 2011, p. 149).
Todos esses apontamentos direcionam para um conceito equilibrado de
diversidade, que a define como algo positivo, desde que as atitudes colaborem com o
desenvolvimento de competências e habilidades abertas às diferenças (MACHADO,
2011). Para o autor, não é o caso de reconhecer as pessoas apenas em suas
diferenças, mas de valorizar trocas, reconhecimento, curiosidade e interesse em
conhecer o outro.

5.4 Cultura, monocultura, policultura e multiculturalismo no Brasil

A cultura ocupa lugar de destaque na atualidade, embora não se possa deixar


de considerar também sua relevância em outros momentos históricos. Entre suas
múltiplas conceituações, a cultura pode ser pensada a partir de um conhecimento
complexo que envolve arte, moral, crenças, costumes e leis adquiridas pelo ser
humano ao longo do tempo. Miguez (2011, p. 18) aponta que:

Esta afirmação ganha sentido, contudo, quando voltamos o olhar para a


constituição da sociedade moderna, tendo em conta o papel que a cultura
desempenhou nesse processo. Ou seja, se à modernidade correspondeu,
como uma de suas mais importantes características, a emergência de um
campo da cultura (relativamente) autônomo em relação a outros campos,
como o da religião, na circunstância contemporânea, a cultura transbordou
33
seu campo específico, alcançando outros campos da vida social, a exemplo
dos campos político e econômico.

O autor reforça essa análise afirmando que a cultura “invadiu” outros setores
da vida em sociedade, o que não representa o fim da cultura como uma área
específica, mas sua definição como uma área transversal, que atravessa muitos
outros campos. Miguez (2011) aponta que a cultura deixou de ser algo específico de
ciências como a sociologia ou a antropologia e passou a fazer parte de pesquisas de
várias áreas do conhecimento. Também comenta que a cultura passou a servir como
um recurso a ser utilizado no desenvolvimento de programas assistenciais que têm
como focos a inclusão social, a transferência de renda, a geração de empregos, etc.
Dessa forma, você pode inferir que “cultura” é um termo que pode assumir
várias definições, sendo a mais conhecida àquela ligada à antropologia e à sociologia,
que envolve conhecimentos, crenças, costumes e hábitos adquiridos ao longo do
tempo. Contudo, esse termo pode assumir significados diversos conforme a área de
interesse. Assim, as palavras “monocultura”, “policultura” e “multiculturalismo” também
assumem significados diversos dependendo da área à qual estão vinculados.
O termo monocultura, por exemplo, está associado à produção de um único
produto. Assim, uma monocultura pode ser considerada como uma unicultura.
Transpondo essa noção para a área das ciências sociais, não se pode afirmar que no
Brasil exista a monocultura, uma vez que o País é bastante rico em diversidade
cultural. Nele, há grande variedade de costumes, hábitos, crenças, enfim,
características que apontam para a existência da diversidade. Países como Japão e
China, por exemplo, adotam o monoculturalismo como forma de preservar a sua
cultura, excluindo influências externas. A adoção dessa estratégia se torna um pouco
mais fácil em sociedades mais homogêneas e com tendências nacionalistas, o que
não é o caso do Brasil.
O termo policultura, por sua vez, relaciona-se ao cultivo de vários tipos de
produtos em um mesmo terreno, técnica muito aceita entre os povos indígenas, que
a utilizavam para diversificar a sua produção. Além dos indígenas, há registros de que
os quilombolas utilizavam essa técnica. Outro conceito que se destaca nesse contexto
é o de multiculturalismo, contrário ao monoculturalismo. Ele pode ser entendido
como a existência de várias culturas em determinada região ou país, no entanto com
uma cultura predominante entre elas. Países como Canadá e Austrália adotam o

34
multiculturalismo. A crítica é que o multiculturalismo pode provocar desprezo e
indiferença por pessoas que não possuem as mesmas características e cultura e que
porventura residam em países que adotam esse sistema. Isso ocorre porque a
diversidade cultural passa a ser considerada uma ameaça para a identidade nacional.
Nas palavras de Santos e Nunes (2003, p. 26), o multiculturalismo representa
a “[...] coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas
diferentes no seio de sociedades modernas” e está associado a processos
emancipatórios e lutas pela afirmação das diferenças. Taylor (1997), por sua vez,
aponta que as sociedades estão se tornando cada vez mais multiculturais e
permeáveis, o que conduz à imposição de uma cultura sobre as outras. Falar em
multiculturalismo e no predomínio de uma cultura sobre outras implica pensar também
no papel do Estado perante essa questão. Ainda é preciso considerar que o
multiculturalismo exige tolerância, no que se refere a aceitar as diferenças e a aceitar
o outro de forma empática e com respeito. Quanto ao Estado, ele deve considerar a
diversidade cultural existente e lidar com ela a partir dos direitos humanos, do
reconhecimento da dignidade dos indivíduos e do respeito às diferenças.

Fonte: https://www.gestordesi.com.br/

5.5 O alargamento das desigualdades sociais no Brasil

Como você viu, o Brasil é um país de grande diversidade cultural. E o mesmo


vale para as desigualdades sociais. Há uma relação entre ambas, conforme destaca
Machado (2011, p. 147):

35
No Brasil, onde muito do que se identifica como riqueza da diversidade
cultural são tradições e saberes das populações mais pobres e, em grande
parte, apartadas do processo de crescimento econômico, tal realidade produz
uma dúvida incômoda. O preço da preservação desses bens imateriais seria
perpetuar os desníveis entre ricos e pobres, mantendo as populações
tradicionais protegidas da contaminação da informação ou do acesso ao
mercado de bens e serviços culturais? Além dessa, outra indagação
permanece como alerta para aqueles que formulam políticas de
reconhecimento ou de promoção da diversidade: se, no limite, a menor
unidade da diversidade é o próprio indivíduo, não estariam, assim, sendo
colocadas em risco conquistas históricas, objeto das lutas sociais que
serviram para consolidar o respeito ao interesse comum e ao espaço público
da cidadania? A defesa intransigente da diversidade cultural não estaria
levando mais à separação do que à aproximação entre as pessoas?

Você deve considerar que a maior parte das sociedades vivencia


desigualdades, que se apresentam de diversas formas: poder, renda, prestígio, entre
outras. Além disso, as origens dessas desigualdades são várias, assim como as suas
manifestações. As desigualdades sociais são construções sociais e não simples fatos
naturais; elas dependem em grande parte de escolhas políticas feitas ao longo do
tempo (SCALON, 2011). Segundo a autora, o Brasil é um exemplo de país em que as
desigualdades históricas permanecem em meio ao desenvolvimento acelerado,
especialmente pela elevada diferença de renda entre a população.
Na atualidade, muitos são os exemplos que caracterizam a desigualdade social
na sociedade brasileira. Por exemplo: a questão habitacional, com muitas pessoas
morando em condições precárias de habitabilidade, vivendo em áreas compostas por
favelas; e o saneamento básico, que resiste e atinge muitos lugares do País, o que
coloca até a saúde dos moradores em risco. Além disso, são desigualdades sociais:
alimentação inadequada (alguns desperdiçam e outros sequer têm o que comer),
educação e saúde precárias, assim como dificuldades de acesso a outros serviços
públicos essenciais.
As desigualdades sociais foram se intensificando ao longo do tempo. Para
compreender esse processo, é preciso considerar a época da colonização. Esse
período foi marcado pelas tentativas portuguesas de transformar os índios e negros
em escravos e vassalos, ou, em momentos distintos, fazer com que assimilassem
costumes europeus em detrimento de suas próprias tradições. Houve um momento,
por volta de 1700, em que portugueses tentaram homogeneizar a população por meio
de casamentos entre índios e portugueses, criando formas de valorização dos filhos
originários dessas relações. A questão portuguesa e indígena é apenas um exemplo

36
de como a desigualdade, em sua relação com a diversidade, afeta a vida dos
indivíduos.
Em um primeiro momento, pode-se supor que o contato entre os povos, a
tentativa de homogeneização e tantos outros aspectos favoreceram a diversidade
cultural do Brasil, especialmente no que diz respeito a práticas, costumes e valores.
Entretanto, é necessário lembrar que a escravidão vivenciada por negros e índios
trouxe consequências importantes para a formação da sociedade. Ela ampliou
distâncias entre as pessoas, divididas por classes sociais, e afastou os negros (em
alguns casos, pobres e marginalizados) do acesso aos bens e serviços, situação de
preconceito e discriminação presente até hoje. Não menos importante, houve o
avanço das desigualdades na sociedade capitalista, em que predominam os
interesses ligados ao capital e aos lucros, diminuindo o acesso da classe trabalhadora
aos bens e serviços produzidos, o que a coloca em situação de desvantagem.
Refletindo sobre a questão das desigualdades e diversidades, você deve notar
que a diferença entre as pessoas é uma das principais responsáveis por gerar
desigualdades (SCOTT; LEWIS; QUADROS, 2009). Se antes a diversidade indicava
apenas uma pluralidade de culturas humanas, hoje tem implicações políticas. Tais
implicações podem ser percebidas nas relações entre grupos cujas desigualdades são
evidentes, especialmente no que se refere a poder e resistência.
Silva, Guimarães e Moretti (2017) apontam que as desigualdades geradas pela
diversidade muitas vezes resultam em atitudes discriminatórias, no geral aparecendo
de forma sutil e velada, tendo como pano de fundo o discurso sobre tratamento
igualitário. Para os autores, quando determinadas características são identificadas e
pessoas ou grupos são rotulados, surgem os comportamentos segregadores. Se
estão em jogo pessoas ou grupos que já vivem em situação de desvantagem social,
é comum que eles também se sintam em condições de inferioridade, assumindo esse
papel. Assim, em vez de reagir a essa situação, acabam se sentindo em situação de
desvantagem.
Hobsbawm (2007, p. 11), por sua vez, considera a desigualdade como
resultado do mundo globalizado:

A globalização, acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga,


trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e
sociais, no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa
polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma
37
diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de desigualdade,
especialmente em condições de extrema instabilidade econômica, como as
que se criaram com os mercados livres globais desde a década de 1990, está
na base das importantes tensões sociais e políticas do novo século. O
impacto dessa globalização é mais sensível para os que menos se beneficiam
dela.

Existe uma relação intrínseca entre a diversidade e as desigualdades sociais,


o que fica evidente no Brasil, país tão grande quanto suas discrepâncias e
contradições. Ao longo do tempo, as desigualdades e diversidades foram se
acentuando. Na atualidade, romper com esse ciclo não é algo tão simples e requer
motivação individual, tolerância e conhecimento, além do apoio do Estado no
enfrentamento dessas questões.

6 DESIGUALDADE, DIVERSIDADE E DIREITOS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

A desigualdade sempre existiu na sociedade brasileira. Na atualidade, ela ainda


se mantém muito presente e expressiva. Além disso, se configura como algo
multidimensional, transversal e durável. Como você sabe, a desigualdade se
manifesta de diversas formas. Uma delas é no acesso aos direitos. Nos últimos anos,
muito se evoluiu em termos de garantias asseguradas constitucionalmente. No
entanto, considerando a baixa aplicabilidade dos direitos, legislações complementares
foram criadas a fim de preencher a lacuna entre o que está no papel e o que acontece
na prática.

6.1 A desigualdade no acesso aos direitos no Brasil do ponto de vista histórico

Do ponto de vista histórico, a desigualdade está intimamente relacionada ao


desenvolvimento da humanidade e às relações de poder. Inicialmente, os homens
utilizavam a força e a inteligência para se sobressair por meio de atitudes de liderança,
começando a estabelecer situações de desigualdade. Com o passar do tempo e a
evolução da humanidade, as relações também foram sofrendo alterações. As
desigualdades existentes passaram a refletir a forma como as sociedades se
organizam.
O tema ganhou mais complexidade com o advento do capitalismo e a
consolidação da industrialização. Você deve notar que até então a desigualdade
38
presente nas sociedades pautava-se, basicamente, nas relações entre os que
detinham o poder e aqueles que estavam em uma condição de subalternidade. Com
a industrialização (século XVIII), alteram-se essas relações, pois amplia-se o comércio
em nível mundial. Assim, se define uma condição bastante solidificada no mercado de
trabalho, que é a relação entre patrão e empregado.
Nessa perspectiva de industrialização, expandem-se o capitalismo e a
necessidade de acumular lucro e capital a todo custo. Então, se estabelecem
diferenças importantes entre os detentores do capital e os vendedores da força de
trabalho. Os trabalhadores possuem apenas a força de trabalho e pouco acesso à
renda, ficando na parte inferior da relação com os empregadores. A desigualdade
social fica evidente nesse contexto marcado pela diferença econômica, uma vez que
os trabalhadores não acessam o capital. Marx (1988) considera a desigualdade como
fruto da sociedade capitalista e da relação de classes. Nesse contexto, a classe
empregadora utiliza a condição gerada pelas desigualdades para estabelecer ainda
mais poder sobre a classe trabalhadora.
Como você viu, a desigualdade basicamente sempre existiu. Na atualidade, ela
é bastante expressiva, além de multidimensional, transversal e durável. Segundo
Scalon (2011), é por essas razões que discutir a desigualdade na sociedade atual é
essencial, considerando suas inúmeras dimensões e consequências. Ainda de acordo
com Scalon (2011, p. 50):

[...] sabemos que a desigualdade não é um fato natural, mas sim uma
construção social. Ela depende de circunstâncias e é, em grande parte, o
resultado das escolhas políticas feitas ao longo da história de cada
sociedade. Mas também sabemos que todas as sociedades experimentam
desigualdades e que estas se apresentam de diversas formas: como
prestígio, poder, renda, entre outras — e suas origens são tão variadas
quanto suas manifestações. O desafio não é apenas descrever os fatores e
componentes das desigualdades sociais, mas também explicar sua
permanência, e em alguns casos seu aprofundamento, apesar dos valores
igualitários modernos.

Scalon (2011) também diz que, no caso do Brasil, chama a atenção o fato de a
desigualdade resistir ao tempo e ao processo de modernização da sociedade. A
autora ainda esclarece que é preciso considerar a desigualdade como um problema
político que mantém relação direta com a democracia, a justiça social e a igualdade
de oportunidades. Nesse sentido, não haverá democracia se não houver uma atenção
mais focalizada para o problema das desigualdades sociais. Afinal, “[...] a igualdade

39
pode ser considerada um dos atributos básicos da cidadania, considerada em seu
sentido mais amplo como acesso a direitos” (SCALON, 2011, p. 51).
A igualdade está assegurada na Constituição Federal de 1988, entretanto “[...]
a lei só pode ser garantida de maneira eficiente quando sustentada pela igualdade
nas chances de vida, que assegura tanto a possibilidade como a liberdade de escolha
e a utilização plena das capacidades dos atores sociais” (SCALON, 2011). A grande
questão é que isso não acontece de fato, dada a dimensão que as desigualdades
sociais assumem no Brasil, impactando questões essenciais, como a efetivação da
democracia e da justiça social, e transitando por aspectos relacionados à ética e à
moral.
Faleiros (2014) destaca que, na sociedade capitalista, as demandas por
serviços sociais demonstram as desigualdades econômicas, as situações de
inclusões ou exclusões. Para o autor, essas:

[...] são demandas complexas tanto pela efetivação de direitos como por
cuidados específicos que exigem dos profissionais a análise das relações
gerais e particulares dessas condições e do poder de enfrentá-las, o que
implica trabalhar a correlação de forças (FALEIROS, 2014, p. 708)

Netto (2007) aponta que as desigualdades sociais se expressam basicamente


nas variadas manifestações da Questão Social, área da qual surgem as principais
atuações do Serviço Social. Do ponto de vista histórico, Netto (2007) registra que há
poucos países na América Latina e no mundo tão desiguais como o Brasil. O autor
afirma que, no Brasil, “[...] em 1999 os 10% mais ricos se apropriam de 47,4% da
renda nacional, cabendo aos 50% mais pobres apenas 12,6% dela e, particularmente,
que o 1% mais rico se apropria de mais que os 50% mais pobres” (NETTO, 2007, p.
140).
Ele ainda acrescenta outra informação:

[...] o panorama da propriedade fundiária é emblemático dos suportes da


desigualdade brasileira: há 10 anos, e este quadro não mudou em nada, 75
propriedades rurais detinham 7,3% [...] das terras totais do país, enquanto
75% das propriedades rurais permaneciam com somente 11% das terras
agricultáveis (NETTO, 2007, p. 140).

40
O autor destaca ainda que a desigualdade é um problema recorrente na maior
parte das sociedades. No entanto, ela apresenta características diferenciadas no
conjunto das sociedades capitalistas.
As desigualdades sociais há tempos estão presentes na sociedade brasileira.
Scalon (2011, p. 52) destaca a relação entre a desigualdade e a pobreza. Embora
tenham conceituações distintas, elas são fortemente relacionadas, “[...] na medida em
que as disparidades nas chances da vida acabam por determinar as possibilidades de
escapar de situações de privação e vulnerabilidade”. Scalon (2011) aponta ainda que
é ingenuidade acreditar que pobreza e desigualdade podem ser eliminadas apenas
com “interesse político” ou mediante redistribuição de recursos entre ricos e pobres.
A melhor alternativa, segundo a autora, para enfrentar tais questões, é a educação,
pois somente ela permitiria o acesso a melhores condições de trabalho e melhor
remuneração.

6.2 A conquista de direitos no Brasil

O Brasil possui um aparato legal que busca assegurar os direitos de todos os


indivíduos residentes no território nacional. No entanto, o tema direitos é ainda
bastante controverso, especialmente na sociedade neoliberal, marcada pela
diversidade e pela desigualdade. Analisando o contexto histórico, se pode inferir que
os direitos, mais especificamente os direitos humanos, têm sua origem nas lutas
burguesas, com a Revolução Francesa, considerada o marco cronológico desses
direitos.
A Revolução Francesa é um marco para o advento do capitalismo. Ela
representa a luta da burguesia pela liberdade, no sentido exclusivo de comprar e
vender produtos com mais liberdade. Assim, os direitos que surgem estão vinculados
à ideia de liberdade e de propriedade, em consonância com o sistema neoliberal. A
liberdade defendida pelos burgueses não era para toda a sociedade, e sim limitada
aos considerados cidadãos. Os direitos dessa época fazem parte da primeira
geração de direitos e ficaram conhecidos como direitos individuais.
No percurso histórico, mudanças foram ocorrendo no sistema capitalista. Com
a Revolução Industrial, os trabalhadores também começaram a lutar pelos seus
direitos, contrapondo-se à restrição dos direitos a uma classe. Nessa perspectiva,

41
surge a segunda geração dos direitos humanos, os chamados direitos sociais e
políticos. É o caso de direito à moradia, ao voto, à participação na vida pública, entre
outros.
Mediante o acirramento da luta de classes, os trabalhadores começaram a lutar
por direitos mais específicos, aqueles das chamadas “minorias sociais”, ou seja,
grupos considerados em situação mais desfavorecida. Como exemplos de minorias,
você pode considerar: mulheres, pessoas com deficiências, grupos LGBT e outros.
Tais grupos necessitavam que suas necessidades fossem, de fato, asseguradas. Os
direitos das minorias são os mais discutidos na atualidade, recebendo uma atenção
mais específica.
Os direitos não são pensados e construídos de uma única vez. Eles ganham
forma conforme a sociedade humana vai se desenvolvendo e suas necessidades,
surgindo. Assim, para compreender o significado que os direitos têm na atualidade, é
essencial verificar como foram observados em épocas passadas.
Isso posto, considere agora a evolução da legislação brasileira, tomando como
ponto de partida a Constituição Federal de 1988, que apresenta os direitos e deveres
dos cidadãos e pauta-se em valores de equidade e direitos universais. Além disso, a
Constituição reafirma conquistas transformadas em direitos sociais nas áreas de
saúde, assistência social, educação, previdência, trabalho, entre outras (PIANA,
2009). Conhecida como Constituição Cidadã, recebeu essa denominação:

[...] em virtude da inclusão, como direitos fundamentais, de uma série de


direitos sociais que a colocaram em contemporaneidade com os anseios da
sociedade brasileira, após 42 anos de vigência da Constituição Federal de
setembro de 1946, última promulgada sob regime democrático (OLIVEIRA,
2011, p. 6).

Ainda segundo o autor:

Criticada por uns, pelo detalhismo de suas disposições, justifica-se essa sua
característica pela tradição de alto grau de descumprimento da legislação
ordinária no país, a exemplo do que ocorre com a legislação trabalhista criada
nas décadas de 1930 e 1940 e inscrita na Consolidação das Leis do Trabalho
— CLT —, cujo cumprimento ainda é motivo de frequentes demandas
judiciais por parte dos trabalhadores (OLIVEIRA, 2011, p. 6)

Isso evidencia que o País possui um aparato legal muito completo e detalhado.
No entanto, boa parte das leis ainda não são aplicadas como deveriam e como está
expresso na Carta Magna. Por isso, tem-se verificado, nos últimos tempos, a
42
necessidade de estabelecer leis complementares para garantir direitos já previstos na
Constituição. Os avanços na legislação somente foram possíveis graças à
organização e à mobilização de vários segmentos da sociedade, desde a década de
1970 (OLIVEIRA, 2011).
Vários grupos mereceram atenção na legislação posterior à Constituição
Federal de 1988, mas destaca-se aqui a situação dos trabalhadores. Para esse
grupo, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1988) e outros direitos
sociais assegurados constitucionalmente. É o caso do direito contra a dispensa
injustificada (partindo do princípio de que o empregador possui superioridade em
relação ao trabalhador), do seguro-desemprego, do fundo de garantia por tempo de
serviço e outros. Recentemente, algumas mudanças foram realizadas na legislação
trabalhista, nem todas favoráveis ao trabalhador.
Ao longo do tempo, outros grupos foram tendo seus direitos esmiuçados em
leis complementares, mediante luta e mobilização dos grupos sociais. A Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990, é um exemplo de lei complementar, que detalha o art. 227 da
Constituição Federal. Essa lei define os direitos das crianças e adolescentes,
indicando quem deve aplicá-los e como são efetivados na prática. Assim, trata-se de
um conjunto de normas que busca assegurar a proteção integral da criança e do
adolescente. Entende-se como criança a pessoa com até 12 anos de idade
incompletos, e adolescente, aquela que tem entre 12 e 18 anos de idade. Em seu art.
3º, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que a criança e o adolescente
gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (assegurados
na Constituição Federal), mas sem os prejuízos da proteção integral de que trata essa
lei. Isso implica dizer que crianças e adolescentes devem ser protegidos pelo Estado,
pela família e pela sociedade com absoluta prioridade (BRASIL, 1990).
Ao segmento idoso também foi assegurada atenção especial e houve evolução
dos direitos ao longo do tempo. O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro
de 2003) foi criado para regular os direitos das pessoas com 60 anos ou mais. Além
de estabelecer os direitos e as responsabilidades na efetivação da proteção dos
direitos dos idosos, o Estatuto assegura a prioridade do atendimento em órgãos
públicos e privados, estabelecendo prioridade especial aos maiores de 80 anos. De
forma geral, o Estatuto estabelece que o idoso goze de todos os direitos fundamentais

43
da pessoa humana, sem prejuízo dos demais direitos previstos na lei (BRASIL,
2003a).
O Brasil também avançou na promoção dos direitos das pessoas com
deficiência, por meio de políticas que as valorizam enquanto cidadãs, respeitando
suas características e sua condição. Um desses avanços está materializado no
Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146, de 6
de julho de 2015). Essa lei se destina “[...] a assegurar e promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015, documento on-
line). Para tanto, se considera pessoa com deficiência:

[...] aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015, documento on-line).

6.3 Conquistas e retrocessos nos direitos

No que se refere aos direitos relacionados às diferentes etnias, você pode


considerar que houve um avanço importante na legislação, especialmente no que se
refere aos direitos dos negros e índios. Quanto aos negros, é preciso considerar as
situações vivenciadas pelos seus antepassados na época da escravidão, bem como
todo o sofrimento e as situações de precariedade enfrentadas. Somente séculos
depois algo de efetivo começou a ser feito para essa população. Nesse sentido, Vieira
(2013, p. 1) aponta:

A situação da população negra na sociedade brasileira, vitimada em especial


pela violência do preconceito histórico-cultural, pela discriminação sócio-
racial e pela exclusão econômica na sua interação com os outros segmentos
da população brasileira, se baseia na hipótese de que as posturas racistas
ainda existentes em nossa sociedade foram e ainda são reforçadas pelo
desconhecimento da formação e das origens históricas, sociais e culturais
que fundaram o Estado brasileiro e, sobretudo, do esquecimento por parte do
Estado em relação à população negra brasileira.

Nessa perspectiva, pequenos passos começaram a ser dados com a


Constituição Federal de 1988, que assegura o direito à igualdade de condições de
vida e de cidadania. Além disso, ela garante igual direito às histórias e culturas que
compõem a nação brasileira, bem como o direito de acesso às diferentes fontes da

44
cultura nacional a todos os brasileiros (BRASIL, 1988). Algumas legislações
posteriores, especialmente na área da educação, buscam oferecer uma resposta à
demanda da população afrodescendente por meio do desenvolvimento de ações
afirmativas para reparar possíveis prejuízos sofridos ao longo do tempo, reconhecer
e valorizar a sua história, a sua cultura e a sua identidade.
Nessa perspectiva, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabelece a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afrodescendente na educação básica
(BRASIL, 2003b). Tal iniciativa se faz necessária para que o Estado e a sociedade
adotem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros dos danos
psicológicos, sociais, materiais, políticos e educacionais vivenciados no regime
escravista. Sem a intervenção do Estado, dificilmente as desigualdades e injustiças
seriam rompidas. Elas permaneceriam fundadas em preconceitos e na manutenção
de privilégios para poucos.
Situação semelhante à vivenciada pela população negra é a da população
indígena, que sofreu com o processo de colonização e até hoje se encontra muito à
margem da sociedade e do acesso aos direitos. A Constituição Federal de 1988
reconhece o respeito às formas de organização próprias dos povos indígenas, além
de suas crenças, costumes, usos e tradições. Além disso, reconhece os direitos
originários dos povos indígenas sobre suas terras. Além da Constituição Federal de
1988, o Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, da Organização Internacional do
Trabalho, assegura o direito à autonomia dos povos indígenas no sentido de garantir
o respeito às formas diferenciadas de vida, de gestão e de desenvolvimento de seus
territórios (BRASIL, 2004).
Entre homens e mulheres, as diferenças no acesso aos direitos também
existem. Embora o texto constitucional assegure a igualdade entre eles, na prática
não é isso o que acontece. O trabalho é um dos setores em que homens e mulheres
ainda hoje são tratados com diferença. Culturalmente, o trabalho é associado à
identidade do homem, na sua função de garantir o sustento da casa, proteger e cuidar
da família. Assim, muitas vezes, ainda que a mulher exerça a mesma função que o
homem e tenha a mesma qualificação, ela recebe remuneração inferior e ambos nem
sempre possuem a mesma valorização.
Esse cenário trata-se, na verdade, de um dos grandes retrocessos, ou de uma
dificuldade em avançar na conquista do direito das mulheres de serem respeitadas

45
em sua condição, sua dignidade e suas possibilidades de trabalho, em situação de
igualdade com os homens. Você pode considerar ainda que homens e mulheres têm
direito à inviolabilidade da sua integridade e nem sempre mulheres são respeitadas,
sendo alvo de comportamentos inadequados. Haveria muitas situações a serem
descritas em que direitos de homens e mulheres não são igualmente respeitados, mas
o que você deve considerar é que essa condição ainda requer muita luta para que
ambos estejam em condição de igualdade.
Você deve ter em mente também que existem muitas discussões e
mobilizações populares a favor de outros grupos em situação de vulnerabilidade e/ou
desigualdade. Exemplos são as mobilizações a favor da população LGBT, que ainda
luta e discute questões como casamento, adoção e tantos outros assuntos que ainda
aguardam regulamentação legal. Esse ponto é importante, uma vez que há uma série
de projetos a serem votados no Congresso que continuam parados, como
criminalização da LGBTfobia, casamento homoafetivo, alteração de nome, entre
outros. A maioria dos direitos dessa população não possui legislação específica.
Assim, as pessoas interessadas precisam recorrer ao Poder Judiciário para que as
solicitações sejam avaliadas caso a caso. (OLIVEIRA, 2018).

Fonte: https://jornalggn.com.br/

46
7 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos evoluíram ao longo do tempo conforme os contextos


históricos. Eles se adequaram e foram construídos com base nas necessidades de
cada momento. Em linhas gerais, os direitos humanos são direitos inerentes a todos
os indivíduos, independentemente de cor, raça, sexo, classe social ou qualquer outra
forma de distinção. O que se tem observado na atualidade é um movimento contrário
à atuação dos defensores dos direitos humanos. Tal movimento é propagado pela
mídia e por líderes políticos e governantes que possuem interesse em que a
população desconheça ou desvalorize a importância de direitos dessa natureza.

7.1 A constituição dos direitos humanos

Para começar, considere o Brasil Colônia. O povo daquela época não possuía
autonomia enquanto nação e sofria uma intensa exploração (VINAGRE; PEREIRA,
2008). Já na época do Império (1822–1889), se registraram violações importantes aos
direitos humanos, especialmente no que se refere ao genocídio a que foram
submetidos os índios e negros. Nesse aspecto, uma primeira conquista ocorreu em
1888, com a abolição da escravatura. Para Vinagre e Pereira (2008, p. 35), “[...] a
escravidão é uma das maiores violações dos direitos humanos, posto que se refere à
apropriação total do produto do trabalho da pessoa a esse regime, sendo, também,
apropriação do seu corpo, da sua vida e do seu destino”. Com o fim da escravidão, os
negros adquiriram direitos civis, pois teoricamente deixaram de ser propriedade do
senhor e de ser considerados mercadorias.
Ao longo da história de violação de direitos, sempre houve resistência e
enfrentamento. Um exemplo de movimento organizado e desenvolvido pela
resistência negra foi a experiência bem-sucedida do Quilombo de Palmares. No
entanto, apesar da resistência, essas vivências não eram favoráveis à efetivação de
direitos, uma vez que muitas pessoas ainda eram forçadas a realizar trabalhos em
grandes propriedades rurais, em que os proprietários determinavam limites ao próprio
Estado. Vinagre e Pereira (2008, p. 36) complementam:

[...] no que se refere aos direitos políticos, estes eram restritos a uma elite; e
dos direitos sociais, ainda não se falava, uma vez que a garantia dos mínimos
sociais ficava a cargo da filantropia privada e da Igreja Católica,
prevalecendo, pois, o caldo cultural clientelista e patrimonialista.
47
No período destacado, além dos negros, outros setores também
desfavorecidos se mobilizaram na busca por direitos. Datam desse período a Revolta
dos Alfaiates, a Revolução Farroupilha, a Guerra de Canudos e outros movimentos.
Na luta por direitos, merece destaque o movimento pelo voto das mulheres, após a
Revolução de 1930. Destaque também para o movimento operário e a sua luta por
direitos civis e políticos, reivindicando o direito ao trabalho, à organização sindical e
aos direitos trabalhistas (VINAGRE; PEREIRA, 2008).
Na Primeira República, Vinagre e Pereira (2008) destacam que os primeiros
avanços em termos de direitos ocorreram após a entrada do Brasil na Organização
Internacional do Trabalho (OIT), em 1919. Então, houve avanços na área de direitos
relacionados ao trabalho, como previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
de 1943. Os direitos políticos foram sendo efetivados de acordo com cada período
histórico. No período da ditadura, por exemplo, direitos como a liberdade de expressão
e de organização política ficaram bastante restritos. Sobre isso, Vinagre e Pereira
(2008, p. 37) consideram:

No contexto ditatorial pós-golpe militar de 1964, os direitos civis e políticos


foram brutalmente subtraídos pelas medidas de repressão mais sombrias da
história do país. Com amparo em “instrumentos legais” — os atos
institucionais —, foram cassados os direitos políticos de lideranças sindicais
e partidárias, de artistas e intelectuais; foram fechadas as sedes das
organizações estudantis e dos trabalhadores. O direito de opinião e
organização foi restringido e adotada a censura nos meios de comunicação.
Práticas de prisões arbitrárias, torturas e execuções sumárias de opositores
do regime eram frequentes. Direitos tais como a inviolabilidade do lar e da
correspondência eram sistematicamente desrespeitados, assim como o
direito à vida e à integridade física, em nome da ideologia da “segurança
nacional”, que legitimava a autonomização do aparato policial, inclusive frente
ao Estado.

Para contrabalancear essa intensa repressão aos direitos, o governo trabalhou


para a unificação e a universalização da Previdência. A década de 1970, por sua vez,
foi marcada por movimentos da sociedade na luta por direitos. Grupos de mulheres,
operários, negros, homossexuais e organizações da sociedade civil passaram a lutar
pelos direitos humanos. Embora tenham conseguido avançar na luta por direitos,
alguns considerados essenciais ainda não estavam assegurados, como os direitos à
vida, à integridade física, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e tantos
outros. Em 1988, houve a promulgação da Constituição Federal, que ratifica os
direitos e acrescenta outros até então inexistentes (VINAGRE; PEREIRA, 2008).

48
O Brasil passou a adotar ainda determinações internacionais (declarações,
tratados, cartas) na área de defesa dos direitos humanos, comprometendo-se com o
Sistema Internacional de Direitos Humanos (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Em termos
mundiais, os direitos humanos têm como marco a Segunda Guerra Mundial, momento
em que essa questão atinge níveis internacionais. Destaca-se, nesse período, a
criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Esse documento reuniu valores éticos
universais, mas com sinais dos projetos societários em disputa naquela época
(VINAGRE; PEREIRA, 2008). Veja:

Ainda que sob a égide da moral liberal, a Declaração de 1948 avança em


relação a textos dos séculos XVIII e XIX, posto que lança a inovação dos
princípios da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos,
acrescentando direitos civis e políticos, da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (da Revolução Francesa de 1789), a defesa dos
direitos econômicos, sociais e culturais (como os direitos à educação, à
saúde, a justas condições de trabalho e ao acesso à cultura), reivindicados
desde as lutas operárias dos séculos XIX e XX e, em especial, após a
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de Janeiro de
1918, advinda da Revolução Russa (VINAGRE; PEREIRA, 2008, p. 41).

Para Barroco (2008, p. 2):

[...] a origem da noção moderna dos DH é inseparável da ideia de que a


sociedade é capaz de garantir a justiça — através das leis e do Estado — e
dos princípios que lhes servem de sustentação filosófica e política: a
universalidade e o direito natural à vida, à liberdade e ao pensamento.

O autor ainda afirma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma
forma de confirmar, na prática, algo que até então não era reconhecido por toda a
sociedade.

Fonte: https://nnadiamarinho87.jusbrasil.com.br/
49
7.2 Direitos humanos

Após alguns acontecimentos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, foi


elaborada e aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela representa
uma tentativa de contribuir com a luta da sociedade contra situações de discriminação,
preconceito e opressão, valorizando a noção de igualdade entre todos os indivíduos
e a dignidade humana. É dessas questões que tratam os chamados “direitos
humanos”. Eles garantem a vida, a liberdade, o trabalho, a saúde, a educação, a
dignidade, o respeito, entre outros direitos que buscam assegurar ao cidadão uma
vida digna. Destaca-se o fato de que a Declaração foi proposta por meio de acordos
internacionais, ratificada por meio de cartas, convenções e pactos. Isso assegura o
seu caráter universal e representa o consentimento de toda a comunidade
internacional envolvida. A proposta de que os direitos humanos sejam resguardados
é feita por meio do Conselho de Segurança da ONU, que colabora com os países
tanto na implantação desses direitos quanto no controle da sua violação.
Os direitos humanos foram evoluindo ao longo do tempo conforme os contextos
históricos, adequando-se e sendo construídos com base nas necessidades surgidas
em cada momento. Para melhor representar essa evolução, utiliza-se uma
classificação dos direitos humanos por meio de “gerações”, que, na verdade, situam
as categorias propostas no momento histórico de sua construção. A primeira
classificação, conhecida como primeira geração, está associada ao século XVIII, à
independência dos Estados Unidos, em 1787, e à Revolução Francesa, dois anos
depois. Essa geração traz ideias de liberdade relacionadas especialmente aos direitos
civis e políticos. Você deve considerar que nessa época se registrava uma luta da
burguesia por melhores condições de comércio (liberdade). Portanto, os direitos
conquistados restringiam-se a determinados indivíduos e não eram aplicados a toda
a sociedade. Nessa geração, o Estado deveria limitar sua intervenção na ação
humana, considerando o direito à liberdade de todos. São exemplos de direitos
assegurados a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, o direito à privacidade,
entre outros. (ONU, 2009).
Já os direitos humanos considerados de segunda geração têm como marco
oficial a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), crescendo paralelamente à ideologia
do estado de bem-estar social. Nesse percurso histórico, os trabalhadores também
começam a lutar pelos seus direitos, contrapondo-se à restrição dos direitos a uma
50
classe. Nessa lógica, a proposta é que os direitos até então limitados a uma classe
sejam expandidos para todos os indivíduos por meio de políticas públicas que
garantam saúde, trabalho, moradia, direito ao voto e a participar da vida pública, entre
outros. Nessa geração, fica evidente a necessidade de se exigirem do Estado
condições iguais para todos, com a finalidade de que tenham uma vida mais digna.
A terceira geração de direitos surge na década de 1960 e tem como foco
principal os ideais de solidariedade e fraternidade. Mediante o acirramento da luta de
classes, os trabalhadores começam a lutar por direitos mais específicos, aqueles das
chamadas “minorias sociais”, ou seja, grupos considerados em situação mais
desfavorecida. É o caso de mulheres, pessoas com deficiências e outras que
precisavam que seus direitos fossem mais detalhados, a fim de que suas
necessidades fossem de fato asseguradas. Além da proteção aos grupos mais
vulneráveis, inclui-se nessa proposta a proteção ao meio ambiente. Na atualidade, há
discussões entre os intelectuais sobre a inclusão de uma quarta geração de direitos,
que envolve informática e bioética, mas eles ainda divergem opiniões e tal geração
não está de fato estabelecida.
Marco (2006, p. 47) destaca que “[...] os avanços tecnológicos e as descobertas
científicas colocam o mundo em perplexidade com os valores sociais e éticos das três
gerações de direitos até aqui delineadas”, trazendo à tona a necessidade de
considerar outra geração de direitos. Assim, ainda que esta não esteja de fato
consolidada entre os intelectuais, considerando a intensidade de discussões a
respeito do tema e sua viabilidade, falam-se hoje nos “direitos de quarta geração”.
Trata-se de uma geração que surgiu para acompanhar o desenvolvimento da
humanidade e ajudar o direito a encontrar soluções e impor limites para responder a
eventuais questionamentos decorrentes das inovações tecnológicas e do
aprimoramento genérico. Fazem parte dessa geração os direitos à democracia, à
informação e ao pluralismo (BONAVIDES, 1996 apud MARCO, 2006).
Isso posto, é importante você conhecer um pouco do conteúdo da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Inicialmente, esse documento elenca alguns dos
objetivos que levaram à sua elaboração. O primeiro deles refere-se ao
reconhecimento de que a dignidade e a igualdade de direitos entre todos os indivíduos
constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Assim, o
desconhecimento sobre os direitos origina responsáveis por atos de barbárie, que

51
revoltam por seu elevado grau de crueldade. A Declaração possui 30 artigos. Entre
eles:

Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo II Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição. [...]
Artigo III Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal.
Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e
o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano ou degradante.
Artigo XVIII Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
Artigo XIX Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão;
este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar,
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
2009, documento on-line)

Como você pode observar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos


envolve a proteção do indivíduo e o respeito à sua dignidade, de forma bastante
ampla. Diante disso, você pode considerar que se trata de um marco na história dos
direitos na sociedade. No entanto, é necessário o conhecimento da sociedade acerca
desses direitos e de sua importância para que eles sejam de fato assegurados e para
que se possam evitar violações.

7.3 Direitos humanos e senso comum

Na atualidade, têm ocorrido importantes distorções no que se refere aos direitos


humanos, especialmente vindas de setores sociais mais conservadores. Vários
fatores contribuem para essa situação. Entre eles, destaca-se a mídia, que se
encontra a serviço da classe dominante e, em razão disso, deixa de lado a sua função
de informar com responsabilidade para disseminar notícias de forma sensacionalista.
Nessa perspectiva, a relação entre os defensores dos direitos humanos e a mídia
nunca seguiu um caminho tranquilo e sem embates. Sempre houve tensões. Em
muitos casos, a mídia tem a função de servir à classe dominante, visando ao lucro.
52
Isso, como você deve imaginar, acaba impactando negativamente a sociedade
(COSTA, 2017).
Por outro lado, as distorções sobre os direitos humanos também acontecem.
Nem todos os indivíduos possuem acesso às informações e aos direitos de forma
correta. Isso gera críticas infundadas e que trazem como consequência prejuízos à
coletividade.
Costa (2017) aponta que a mídia atua com um discurso diferente a cada
momento histórico. Ela ora se posiciona a favor dos defensores dos direitos humanos,
ora se coloca contra eles, tratando-os como se fossem defensores de bandidos. O
autor acrescenta que a tentativa de construir um senso comum a respeito de direitos
humanos intensificou-se a partir dos anos 1980, quando o Brasil buscava se adequar
aos tratados e convenções que firmavam a necessidade de que esses direitos fossem
assegurados em todo o País (OLIVEIRA, 2009 apud COSTA, 2017).
Considere ainda o seguinte:

A mídia em geral, e em particular a imprensa, gosta de investir no senso


comum para manter a audiência e assegurar a manutenção do status quo,
poucas vezes se preocupando em buscar novo enfoque diante de situação
recorrente, mesmo quando os fatos apontam em outra direção e a conjuntura
sugere a necessidade de se buscar nova abordagem. Muitos estereótipos e
preconceitos arraigados na sociedade são decorrência dessa perseverança
de atuar em sintonia com o senso comum, como ocorre com os movimentos
sociais e, particularmente, os de defesa dos Direitos Humanos, sempre
associados à defesa “de bandidos” quando atuam em prol de vítimas de maus
tratos ou arbitrariedades das autoridades policiais ou judiciárias (FREITAS,
2010 apud COSTA, 2017, p. 27).

Costa (2017) afirma também que a mídia muitas vezes coloca seus interesses
ligados à audiência e ao capital em primeiro lugar, em detrimento dos interesses
coletivos. Assim, ela deixa de atender à sua responsabilidade com o que é repassado
para a sociedade. São condutas dessa natureza que contribuem para a criação de
estereótipos e preconceitos que acabam sendo disseminados e aceitos na sociedade.
A tentativa da grande mídia ou até mesmo de personalidades ligadas à política
de desqualificar os direitos humanos, assim como aqueles que os defendem,
apresenta como pano de fundo os interesses de determinados grupos. Viola (2008
apud COSTA, 2017) aponta são opositores aos direitos humanos: os governos
militares ditatoriais; o grande capital; os setores dos meios de comunicação de massa
e jornalistas que combatem direitos humanos. Essa perspectiva de análise remonta

53
inicialmente aos anos da ditadura, em que os militares exerciam forte poder na
sociedade. Contudo, atualmente, o que mais tem influenciado é a questão dos
interesses do grande capital, que “[...] proporciona uma verdadeira violência nas
relações sociais, contribuindo para a concentração de renda e para o aumento das
desigualdades na sociedade brasileira” (COSTA, 2017, p. 30).
Você deve considerar, então, que no contexto do capitalismo não é possível
conciliar a lógica da acumulação de riquezas, de capital e da exploração do
trabalhador com as lutas a favor da garantia dos direitos humanos. Isso acontece pois,
de acordo com essa lógica, os interesses pelo capital são individuais ou referem-se a
uma classe específica, o que não ocorre com os direitos humanos, que buscam
atender indistintamente a todos os indivíduos, sem discriminação de nenhum tipo.
Assim, como você viu, a sociedade brasileira vive situações que requerem a
defesa dos direitos humanos há muitos séculos. Sua história é marcada por
exploração, discriminação e violência contra muitos grupos. Nesse sentido, os direitos
humanos surgem para proteger e garantir a igualdade entre todos os indivíduos. No
entanto, a defesa desses direitos nem sempre é vista como algo favorável. É por isso
que a população deve conhecer o verdadeiro valor desses direitos, para que possa
lutar por eles e valoriza-los. A mídia, enquanto importante instrumento de
comunicação de massa, pode contribuir para que isso ocorra. No entanto, são
necessárias instituições de fato comprometidas com a disseminação de informações
corretas e com a sociedade.

Fonte: http://www.unama.br/
54
8 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos principais documentos


que discorrem sobre as condições mínimas de dignidade humana. Ela foi criada após
a Segunda Guerra Mundial, o que a torna ainda mais profunda e permeada de
significados humanos, já que decorre das atrocidades vividas durante a guerra.
Na atualidade, como você sabe, o tema dos direitos humanos está retornando
com potência. Afinal, mesmo que o mundo se modernize e fique mais tecnológico,
ainda é preciso lutar pela dignidade e pelas liberdades fundamentais. (OLIVEIRA,
2018).

8.1 Principais garantias

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um dos principais


documentos acordados e assinados por vários países e é traduzido em mais de 500
línguas. No entanto, para estudar e compreender a profundidade e a magnitude desse
documento, você deve considerar algumas premissas, tais como seu contexto
histórico de criação, a sua relevância e as suas garantias.
O mundo contemporâneo presenciou as duas grandes guerras mundiais, que
abalaram toda a humanidade. A Primeira Guerra Mundial, que parecia um conflito
rápido, desestabilizou a Europa e massacrou muitos povos, gerando pobreza,
sentimento de vingança e revanche em outras nações. A Segunda Guerra Mundial foi
ainda mais avassaladora, com destruições de cidades inteiras, armas químicas,
envolvimento de vários países, combates por terra e pelos ares, mortes por todos os
lados. Ao final da Segunda Guerra, o que se encontrava em quase toda a Europa era
morte, destruição e muita pobreza. Além disso, todas as formas de direitos humanos
foram desrespeitadas.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é uma resposta às
atrocidades que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial. Mas sua origem
não é marcada apenas por esse grande fato. Sua primeira premissa é associada a
questões religiosas e culturais. Conforme essa premissa antiga, existe uma moral
entre os povos, em seus acordos internos e externos. De forma sistêmica, as
diferentes nações buscam viver e garantir os direitos e deveres dos indivíduos para o
convívio em sociedade. A segunda premissa provável tem origem na Revolução
55
Francesa, que, com base no progresso e no debate filosófico, resultou na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 26 de agosto de 1789, na
França. Se você comparar o primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789, com o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, vai perceber uma semelhança significativa.

Declaração dos Direitos do Homem e do Declaração Universal dos Direitos


Cidadão (1789) Humanos (1948)
“Os homens nascem e permanecem livres e “Todos os homens nascem livres e iguais em
iguais em direitos. As distinções sociais só dignidade e direitos. São dotados de razão e
podem fundar-se na utilidade comum”. consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade”.
Fonte: Adaptado de Organização das Nações Unidas no Brasil (2018).

O primeiro texto se refere principalmente a direitos e igualdades políticas; não


fala das questões sociais. O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, também garante que todos os homens nascem livres e iguais em
direitos. Além disso, acrescenta a dignidade. No decorrer do documento, são
mencionados outros direitos, que abrangem a política, a educação, as questões
sociais, entre outras.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento essencial na
história dos direitos humanos. Foi elaborado por representantes de diferentes origens
jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo. A Declaração foi proclamada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por
meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, como uma norma comum a ser
alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção
universal dos direitos humanos (DORNELLES, 2007).
Com 30 artigos, a Declaração descreve os direitos básicos de todo ser humano,
garantindo vida digna para todos, ou seja, liberdade, educação, saúde, cultura,
informação, alimentação, respeito e tudo que for preciso para uma vida com o mínimo
de dignidade (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2018). Na época
da criação da Declaração, alguns países não a assinaram e outros tratados foram
criados em conjunto, tais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e
seus dois protocolos opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte)

56
e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu protocolo
opcional, que formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos (ONU).
Os acordos internacionais e esses documentos apresentados foram criados
para garantir e ampliar a efetivação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Outra forma de se garantir o cumprimento da Declaração é por meio do poder público.
Esse documento serve como guia para muitos países organizarem as suas obrigações
frente a todos os humanos. Os artigos servem como amparo legal, assim como ocorre
com diversos tratados e acordos internacionais sobre essa temática. No Brasil, o dia
12 de agosto é o Dia Nacional dos Direitos Humanos.
Você sabia que a Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 4º, concede
a prevalência dos direitos humanos sobre os demais, num contexto de cooperação
entre os povos para o progresso da humanidade? A ideia é reconhecer e reproduzir
os princípios e direitos estipulados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Assim, na Constituição brasileira, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um
marco regulatório e priorizado.
Talvez no cotidiano brasileiro você observe que alguns artigos do documento
não são efetivados pelo governo. Isso transparece na situação de brasileiros que
vivem na miséria, abaixo da linha da pobreza, sem moradia, sem educação, alguns
em regime de trabalho escravo. Além disso, transparece na situação de pessoas
presas que não recebem o direito de defesa. Como você sabe, há diversos outros
exemplos que são noticiados, infelizmente, com frequência.
Diante dessa realidade, é muito importante refletir e discutir a importância da
Declaração dos Direitos Humanos para a humanidade e para o Brasil.

8.2 A importância da Declaração dos Direitos Humanos

Há muito tempo, o tema dos direitos humanos está sendo tratado


mundialmente, com intensidade e preocupação pela maioria dos governos. Isso é
notável porque alguns fatos de desrespeito aos direitos humanos abalam o mundo,
tanto que o próprio documento foi elaborado após a Segunda Guerra Mundial. Seu
intuito, portanto, é regulamentar e internacionalizar acordos para preservar e garantir
a dignidade humana. (REALE, 2002).
A temática da Declaração dos Direitos Humanos está em evidência social e tem
se tornado, cada vez mais, um estudo antropocêntrico de interesse, tanto de áreas
57
científicas e governamentais como da sociedade civil. É possível perceber um
interesse intenso pela valorização da existência humana no meio social, na busca da
garantia dos direitos mínimos e fundamentais.
Um dos diferenciais da Declaração dos Direitos Humanos é a ampliação dos
direitos políticos e a garantia dos direitos civis. Se você ler e analisar os 30 artigos da
Declaração dos Direitos Humanos, vai perceber que ela possui oito valores que
desafiam todos os povos.

Fonte: Adaptada da Organização das Nações Unidas do Brasil (2018).

Além dos valores que a Declaração dos Direitos Humanos propõe, ela é
sistematizada e caracterizada com base na noção de que os direitos humanos são
imprescindíveis e inalienáveis. A grande importância desse documento está no seu
caráter de coletividade. Além disso, ele estabelece as diferenças a partir do relativismo
cultural e universal. Assim, está em jogo uma perspectiva de alteridade, o que
influencia diretamente as relações sociais entre os povos de uma mesma cultura e,
universalmente, de forma intercultural (REALE, 2002).
O documento propõe que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo
sempre em mente a Declaração, se esforce, por meio do ensino e da educação, para

58
promover o respeito aos direitos e liberdades. Por meio da adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, a ideia é assegurar o reconhecimento
e a observância universais e efetivos dos direitos e liberdades, tanto entre os povos
dos próprios países-membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Dada a importância desse documento, você pode analisar seus fundamentos
no contexto da Constituição Federal de 1988. O artigo 5º possui um forte viés social e
determina a garantia de direitos individuais e coletivos, que teoricamente oportunizam
condições de vida digna a todos os brasileiros. Mas você percebe a efetivação de
todos os direitos humanos, inclusive das condições mínimas de dignidade humana?
Infelizmente, isso não é uma realidade no Brasil. Como você pode perceber, o Estado
tem feito pouco para efetivar a legislação.
Então, será que de nada serviram os esforços de todos os documentos
internacionais? O que restou dessa história? Qual é a importância da Declaração
Universal de Direitos Humanos de 1948? O documento apresenta a sua contribuição
histórica, mas, além disso, também contribui para a construção de um conceito de
“comunidade internacional”, na busca por minimizar ou erradicar situações intoleráveis
e inaceitáveis quanto à dignidade humana.
Na atualidade, há uma imensa campanha para que os direitos humanos sejam
respeitados, com base no processo histórico do Brasil, com um amplo acervo de
acertos e erros em diferentes lugares do País. Uma das principais contribuições da
Declaração dos Direitos Humanos foi delimitar direitos inalienáveis e determinar que
há alguns sofrimentos que podem ser diminuídos pela ação coletiva e pela efetivação
desse documento no dia a dia. (REALE, 2002).

8.3 A Declaração e a legislação educacional brasileira

Sem dúvida, um elemento fundamental para o respeito aos direitos humanos é


o investimento em educação formal e o desenvolvimento da cultura no meio social. É
por meio deles que se consegue desenvolver uma consciência crítica nas pessoas,
de modo a torná-las mais respeitosas diante de um mundo multicultural e com diversas
manifestações sociais. (REALE, 2002).
A educação é um instrumento que possibilita ao indivíduo reconhecer-se como
um sujeito ativo capaz de agir no mundo e sobre o mundo, podendo ser promotor dos

59
direitos humanos ou não. Para os direitos humanos, a educação é um fator a ser
desenvolvido a longo prazo; não se tem um retorno imediato, mas se contribui com
estratégias para as gerações futuras.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos revela que seus idealizadores
identificaram que a educação não é neutra — isso pode ser observado no preâmbulo
do documento. O art. 26 destaca que a educação tem objetivos políticos inevitáveis,
mas ignora conceitos ideologicamente rígidos, substituindo-os por diversas metas
positivas (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2018).
O texto do art. 26 determina que o direito à educação deve se vincular a três
objetivos específicos:
 pleno desenvolvimento da personalidade humana e fortalecimento do
respeito aos direitos do ser humano e às liberdades fundamentais;
 promoção da compreensão, da tolerância e da amizade entre todas as
nações e todos os grupos raciais e religiosos;
 incentivo às atividades da ONU para a manutenção da paz.
Veja o que afirma o art. 26 da Declaração:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como
a instrução superior, está baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus filhos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DO
BRASIL, 2009, documento on-line).

Inicialmente, é possível perceber a presença da Declaração em vários artigos


da Constituição de 1988, principalmente quando se trata dos direitos fundamentais,
sociais e humanos. É o caso da seção I do capítulo III, que trata da educação, da
cultura e do desporto. Entretanto, existem outros artigos da Constituição que
apresentam questões relacionadas à educação. Veja a seguir (BRASIL, 1988,
documento on-line).

Art. 22, inciso XXIV, que trata da competência privativa da União em legislar
sobre as diretrizes e bases da educação nacional.
60
Art. 23, inciso V, que coloca sob competência da União, estados, Distrito
Federal e municípios a tarefa de proporcionar os meios de acesso à cultura,
à educação e à ciência.
Art. 205, que assegura que a educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206, que trata da igualdade de condições para o acesso e a permanência
na escola; da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber; do pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; da
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; e da gestão
democrática do ensino público.
Art. 208, que determina que o dever do Estado com a educação será
efetivado mediante as seguintes garantias: educação básica obrigatória e
gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita
para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; progressiva
universalização do ensino médio gratuito; atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino; educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças de
até 5 anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa
e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando.
Art. 214, que trata de uma espécie de pacto nacional pela educação, dando
espaço para a criação do Plano Nacional de Educação e para a articulação
entre os sistemas de ensino, entre outras determinações, visando
especialmente: à erradicação do analfabetismo; à universalização do
atendimento escolar; à melhoria da qualidade do ensino; à formação para o
trabalho; à promoção humanística, científica e tecnológica do País.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, também é possível perceber a influência da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Veja o que diz o art. 1º da LDB (BRASIL, 2010, art. 1):

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na


vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino
e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social.

Outros artigos também são apoiados na Declaração Universal dos Direitos


Humanos, como os arts. 2º e 3º, que tratam dos princípios e fins da educação nacional.
Além das duas legislações citadas, ainda é possível elencar algumas
legislações educacionais que tiveram como base a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Veja a seguir:
 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente e dá outras providências.
61
 Parecer CNE/CP nº 8/2012, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos.
 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
 Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015, que institui o Programa de
Combate à Intimidação Sistemática (bullying).
 Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2005, que define normas gerais e
critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida.
 Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9.394, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “história e cultura afro-brasileira”.
 Base Nacional Comum Curricular.
Além de analisar o quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos
fundamenta a legislação educacional brasileira, você ainda pode refletir sobre a
importância de educar para os direitos humanos. (GOMES, 2014).

9 DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA

Os direitos culturais, incluídos na nova geração de direitos humanos, são a


garantia de que todos os povos têm o direito de expressar a sua forma de viver diante
do mundo, ou seja, a sua cultura. Nesse sentido, a manifestação cultural dos povos,
em uma sociedade cada vez mais conectada, desafia o convívio social sob a ótica da
diversidade. Nessa ótica, encaixa-se o respeito e a tolerância para com o diferente.

Fonte: https://www.ofm.org.br/
62
9.1 Direitos Culturais

O reconhecimento e a valorização de múltiplas práticas culturais são


disposições presentes em muitos estatutos de organismos internacionais, como a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A
Unesco apresenta os direitos culturais como um enquadramento propício para a
diversidade cultural, como pode ser analisado a seguir, na Declaração Universal sobre
a Diversidade Cultural:

Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são
universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma
diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como
os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os
artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas
obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda
pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que
respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder
participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas
culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais (UNESCO, 2002, documento on-line).

O Brasil é signatário de importantes atos normativos da Unesco, como é o caso


da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2002) e a
Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade e das Expressões
Culturais (2005). O país reconhece os direitos culturais na Constituição Federal de
1988, no art. 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988, documento on-line).
Os posicionamentos da Unesco e do Brasil evidenciam que os direitos culturais
são cada vez mais reconhecidos como parte da nova geração de direitos humanos,
bem como dos Estados democráticos. Assim, é importante conhecer o sentido de
cultura e diversidade como expressão de cidadania e respeito pelo diferente; esses
conceitos são associados e definem as relações sociais na contemporaneidade.
Para Sodré (2012), cultura pode ser definida como a totalidade das
manifestações e formas de vida que caracterizam um povo. A diversidade é o
reconhecimento do diferente, do diverso, do outro que não se assemelha a mim, ou
seja, o reconhecimento da cultura do outro. Segundo o referido autor, a interpretação
objetiva da cultura do outro requer alguns posicionamentos, como:
63
 rejeição do binarismo simplista das oposições radicais (direita/esquerda,
culpa/inocência, etc.) porque essas posições limitam as formas abrangentes de
compreensão do mundo;
 as posições divergentes são aspectos diferenciados da mesma razão, vistos
como contraditórios à primeira vista;
 reconhecimento da cultura de um povo na produção de conhecimento, seja
pela literatura, pela arte, pela música, entre outros aspectos.
Nesse sentido, a cultura deve ser entendida como algo dinâmico, com
constantes processos de mudanças. Para Barroso (2017), os processos culturais são
mudanças pelas quais as culturas passam, assimilando ou abandonando certos
costumes, hábitos ou valores que identificam determinado povo. Os processos
culturais também são resultados de interações diretas ou indiretas com outras
culturas. Segundo Barroso (2017, p. 60), por meio dessas interações, “[...]
aperfeiçoam-se elementos através de invenções e descobertas, copiam-se elementos
culturais de outras sociedades, abandonam-se aspectos culturais considerados
inadequados ao novo contexto e esquece-se de traços culturais aprendidos por meio
das gerações”.
É importante observar que as mudanças ou interações culturais não ocorrem
de forma neutra, mas são determinadas por relações de poder. Ou seja, uma cultura
dominante pode impor sua forma de organização a uma cultura dominada ou com
exercício de poder menor. Nesse sentido, a diversidade cultural é um conceito
característico das sociedades modernas, que influenciam diretamente nos processos
culturais, fazendo necessárias constantes reflexões sobre sua prática.
Para Gomes (2014), a partir daí, instaura-se o multiculturalismo, que se apoia
no apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade. Frente a isso, coloca-se
um desafio: como trabalhar com as identidades culturais e a diversidade,
incorporando-as, ao aceitar e conviver com as diferenças? Como lidar com
manifestações culturais que não se encaixam?
A diversidade cultural, em síntese, é a diversidade de formas de ser humano.
O único valor capaz de referenciar a diversidade cultural é a humanidade. Para Sodré
(2017), é lógico que os indivíduos são diferentes, o problema está em aceitar o diverso
no espaço de convivência e dar-se conta da percepção de valor que o outro traz como
ser humano.

64
9.2 A tolerância em um mundo cada vez mais conectado

O reconhecimento da diversidade cultural, em espaços temporais distintos, é


uma marca da sociedade contemporânea. O que se experimenta hoje é a
intensificação de se fazer visível a diversidade, por exemplo, nos diversos gostos e
costumes e nos diversos modos de pensar e propagar valores. Essa visibilidade do
diverso se apresenta no cotidiano e desafia a convivência no que tange à tolerância.
Tolerância é um termo originário do latim tolerare que significa suportar,
aceitar. No sentido moral, político e religioso, pressupõe a atitude de aceitar os
diferentes modos de pensar, de agir e de se manifestar do outro. Em síntese, é o
reconhecimento e o respeito pelo outro como um sujeito de direitos. Portanto, a ideia
da tolerância assume valor ético e político, e, com base nela, todas as pessoas
deveriam ser reconhecidas de forma igual e tratadas sem discriminação e violência,
conforme apontam Carvalho e Faustino (2015).
Para os referidos autores, organismos internacionais como a Organização das
Nações Unidas (ONU) e a Unesco tornaram-se responsáveis por políticas públicas,
com base nos direitos humanos, de tolerância e respeito às diferenças culturais. Esses
organismos internacionais recomendam em suas declarações métodos sistemáticos
e racionais de ensino da tolerância.
A tolerância é um dos temas que ocupa a mesa dos debates urgentes no
contexto do convívio social. Temos presenciado uma sociedade mais conectada e
com mais acesso a informações, se comparada a outros tempos; porém, os níveis de
informações falsas têm contribuído para aumentar os níveis de intolerância em
relação ao outro. Fontes (2015) afirma que, para enfrentar a intolerância no contexto
mundial, que chega ao seu ápice com as guerras, é necessário diálogo intercultural e
compromisso da ONU, para, assim, eliminar todas as formas de autodestruição da
humanidade.
Nesse sentido, as conexões em rede oferecem enormes possibilidades de
incrementar a participação cidadã e gerar maior diálogo entre a humanidade. Os
meios de comunicação, responsáveis por conectar as pessoas e difundir informações,
possuem o papel fundamental de favorecer o diálogo com debates livres e abertos.
Com o intuito de propagar valores como a tolerância, o diálogo e o respeito, os meios
de comunicação devem também ressaltar os riscos da indiferença e da expansão das
ideologias e dos grupos intolerantes.
65
A educação tem um papel importante no sentido de conduzir ao diálogo e a
tolerância. Ela é decisiva para aproveitar as imensas oportunidades que a conexão
permanente e o acesso à base de dados oferecem. Isso pode se aplicar a todos os
âmbitos da vida cotidiana. Trata-se de uma educação que forma pessoas com
capacidade mental e autonomia para processar informações e aplicá-las a cada tarefa
e projeto de vida, conforme leciona Fontes (2015).

10 CIDADANIA

O Brasil é um país que enfrenta grandes desafios sociais relacionados ao


aumento da pobreza e das desigualdades sociais, bem como da criminalidade e da
violência. O tráfico de drogas é o grande responsável pela superlotação dos
estabelecimentos prisionais e parece adquirir cada vez mais força, sobretudo por
recrutar crianças e jovens da periferia para executarem tarefas em troca de dinheiro
rápido e “fácil”. Embora a maioria dos brasileiros conheça o conceito de cidadania e
saiba que têm direitos e deveres, a preocupação com o social e as possibilidades de
intervenção ainda são muito pequenas e, em alguns casos, incipientes.

10.1 Dimensões da Cidadania

O conceito de cidadania no Brasil ganhou impulso a partir das discussões que


ocorreram no final do Regime Militar. Nesse período, buscava-se a redemocratização
do País, o que se consolidou com a escrita da Constituição Federal de 1988, chamada
de Constituição Cidadã. Como você pode imaginar, o conceito de cidadania é
complexo. Ele é definido historicamente a partir dos processos e interações que
ocorrem em sociedade.
O primeiro autor que definiu as múltiplas dimensões do conceito de cidadania
foi Marshall (1967), sociólogo britânico que dividiu o conceito em três direitos: civis,
políticos e sociais. Analisando como esses direitos surgiram na Inglaterra, o autor
destacou que seguiram esta sequência: começaram com os direitos civis, associados
à liberdade individual dos homens, seguidos pelos direitos políticos e pela
necessidade de os sujeitos participarem das decisões de ordem do governo da nação
e, posteriormente, pelos direitos sociais, entre eles o emprego e a educação popular
como prioridade.
66
Já no Brasil, o processo histórico não seguiu a mesma sequência. De acordo
com Carvalho (2008, p. 11), o País apresentou duas principais diferenças:

A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação


aos outros. A segunda refere-se à alteração na sequência em que os direitos
foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros. Como havia lógica
na sequência inglesa, uma alteração dessa lógica afeta a natureza da
cidadania. Quando falamos de um cidadão inglês, ou norte-americano, e de
um cidadão brasileiro, não estamos falando exatamente da mesma coisa.

É importante você notar que o conceito de cidadania está sempre atrelado ao


conceito de Estado-nação. Dessa forma, cabe ao Estado prover aos cidadãos tais
direitos a partir dos órgãos e instituições nacionais, entre elas a própria escola. Com
a crise atual do Estado-nação, há desconfiança em relação à sua capacidade de
prover esses direitos. Além disso, ocorre a hegemonia mundial do neoliberalismo.
Nesse contexto, a cidadania vai ampliar a sua dimensão novamente, uma vez que a
própria sociedade é convocada a participar da resolução de conflitos e problemas
sociais existentes.
Para analisar as relações do Estado com as dimensões da cidadania,
acompanhe o quadro a seguir:

Dimensões Características Ponto principal


São os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à
propriedade e à igualdade perante a lei. Incluem o
direito de ir e vir, escolher o trabalho, manifestar o
pensamento, organizar-se, ter respeitada a
Direitos civis Liberdade individual
inviolabilidade do lar e da correspondência, não ser
preso a não ser por autoridade competente e de
acordo com a lei e não ser condenado sem processo
regular.
Dizem respeito à participação do cidadão no governo
da sociedade. Normalmente, limitam-se a uma
Direitos políticos parcela da população e relacionam-se com a Direito ao voto
capacidade de fazer demonstrações políticas, de
organizar partidos, de votar e ser votado.
Enfatizam a participação de todos na riqueza
Direitos sociais coletiva. Incluem o direito à educação, ao trabalho, Justiça social
ao salário justo, à saúde, à aposentadoria.

67
Dependem do Poder Executivo e, em sociedades
politicamente organizadas, permitem a redução das
desigualdades produzidas pelo capitalismo e um
mínimo de bem-estar a todos.
Fonte: Adaptado em Carvalho (2008).

De acordo com Oliveira (2018, documento on-line), “[...] a cidadania


multicultural assinala uma preocupação geral com a reconciliação do universalismo
de direitos e da associação de membros em Estados-nações liberais com o desafio
da diversidade étnica e demais aspirações de identidade atribuídas [...]”. Nesse
sentido, é preciso considerar que os grupos étnicos diversos possuem suas histórias,
que podem apresentar favorecimentos e prejuízos a alguns deles, o que implica o
cidadão ali presente. Ser cidadão afrodescendente, por exemplo, é diferente de ser
cidadão “branco”. Afinal, existe todo um processo histórico e social que precisa ser
resgatado, positivado e corrigido no caso dos afrodescendentes, inclusive no
ambiente escolar. É o mesmo processo que ocorre quando os mais diversos
movimentos sociais buscam seus direitos específicos relacionados às suas
identidades culturais. Nesse caso, eles estão exercendo a sua cidadania multicultural.
Taylor (2004, p. 5), ao estudar o conceito de cidadania e as suas
reconfigurações, reforça a ideia de que ela não deve estar restrita ao Estado:

O que nós propomos é que não se insista mais sobre uma cidadania
abordada através da educação cívica ou da instrução cívica, mas que se
reinvente, como condição prévia à realização de uma cidadania multicultural,
uma educação popular (por outras palavras, uma educação autenticamente
do povo, pelo povo e para o povo) visando a coabitação cultural.

Outro aspecto interessante do conceito de cidadania é que hoje é possível, a


partir da revolução das comunicações e informações digitais, via internet, a cidadania
cosmopolita. Tal cidadania busca a construção de um sentido comum em relação aos
cidadãos globais. Esse conceito desloca os problemas sociais locais, de uma nação
específica, para reconhecer que eles ocorrem em todas as nações, buscando
alternativas para minimizar tais problemas de forma global.
Oliveira (2018, documento on-line) comenta que a cidadania cosmopolita
defende “[...] o forte senso do coletivo e responsabilidade individual para com o mundo
como um papel de suporte para desenvolver as efetivas instituições globais a fim de

68
aliviar a pobreza e a desigualdade, a degradação do meio ambiente e a violação aos
direitos humanos [...]”. Existem inúmeras iniciativas de organizações e voluntários
baseadas nesse conceito de cidadania cosmopolita. Tais iniciativas procuram assumir
ações que anteriormente eram vistas como obrigações estatais. Morin (2000), ao
formular os saberes necessários à educação do futuro, enfatiza um conceito que se
assemelha ao de cidadania cosmopolita. Veja:

A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O


planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões múltiplas. Dada a
importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos
e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da
reforma planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação do
futuro de cidadania planetária (MORIN, 2000, p. 104).

Dessa forma, o conceito de cidadania se refere à capacidade pessoal e coletiva


de comunicação, interação e análise das racionalidades e mentalidades existentes e
atuantes que envolvem a formação dos sujeitos sociais contemporâneos. Como você
pode imaginar, a educação é uma ferramenta primordial para o desenvolvimento
dessa capacidade. Ser um cidadão contemporâneo significa ser ativo, participante,
envolvido com as tramas sociais cotidianas.
Significa buscar uma sociedade melhor, não se aquietar diante de injustiças
sociais, da violência, da criminalidade, do desemprego e de outras mazelas sociais
que existem no Brasil (e no mundo) atual. Embora a maioria dos brasileiros conheça
o conceito de cidadania, saiba que têm direitos e deveres, a preocupação com o social
e sua possibilidade de intervenção ainda é muito pequena e, em alguns casos,
incipiente.

Fonte: https://pequenosmochileiros.com.br/
69
11 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO

Para começar a pensar sobre diversidade, precisamos compreender, antes de


qualquer coisa, o que esse conceito significa, para, posteriormente, aprofundarmo-
nos nos debates sobre educação, legislação, cultura e sociedade. Entende-se por
diversidade tudo aquilo que é abundante, mas não igual. A palavra remete a múltiplos
elementos, que formarão um conjunto de atributos, de aglomerados ou de
nomeações. Falar sobre diversidade, então, é falar sobre diversas coisas, contextos
e condições que interagem ou não entre si.
Para pensarmos mais densamente essa questão, nos fundamentamos em
Paula (2013), que faz uma retomada do percurso de globalização que homogeneíza,
ou seja, torna semelhante, as relações entre sujeitos, mesmo que não sejam iguais.
Ao mesmo tempo, acaba deixando evidente, nessa mesma tentativa de igualar, as
diferenças entre os sujeitos.
Globalização refere-se ao momento em que as fronteiras do mundo estão mais
flexíveis, em que capitais, ideias e mercadorias rodam os países de forma mais rápida
e mais direta, ou seja, é uma rede de conexões que envolve política, economia e
cultura. A globalização extrapola as relações comerciais e financeiras, e a tecnologia
é uma de suas marcas mais fortes, sobretudo quando pensamos sobre o acesso à
internet e aos computadores de forma cada vez mais massiva, caracterizando uma
forma rápida de se conectar com pessoas, conhecendo aspectos culturais e sociais
do mundo todo. Cada vez mais, as tecnologias se mostram como uma grande
potência, capaz de transpor as barreiras territoriais, ligando pessoas e ideias, tendo
essa função como parte das dinâmicas sociais.
Contudo, há alguns pontos da globalização que são complexos e críticos, como
um massivo domínio de algumas culturas como base para transpor as barreiras, o
predomínio da língua inglesa e também o avanço do capitalismo de forma desregrada
e descontrolada. Nesse sentido, pensando sobre diversidade, a autora afirma que:

Atualmente, podemos perceber que a diversidade está na ordem do dia, em


pauta. Por que isso acontece se uma das características da sociedade
globalizada são os paradigmas mais homogeneizantes? As diferenças
agregam múltiplos processos de pertencimento – étnico, de gênero,
geracional, geográfico, religioso, etc. – que têm sido hierarquizados e
convertidos inadvertidamente em desigualdades. A ruptura desse ciclo
implica em compreendermos a multiplicidade e a complexidade das relações.

70
Tal compreensão nos leva a incorporar a ideia de que somos uma rede de
subjetividade formada em inúmeros contextos cotidianos [...] (SANTOS, 1995
apud PAULA, 2013, p. 20.).

Vale ressaltar que, assim como aponta a autora, as questões de raça e etnia,
gênero, geração, religião, entre outros marcadores da diferença, são caras ao debate
sobre diversidade e serão aprofundadas posteriormente ao longo dos estudos. O
importante, aqui, é que sejamos capazes de perceber a necessidade dessa ruptura
com uma percepção homogeneizante da sociedade e de enxergar a complexidade e
a multiplicidade dessas relações em nosso contexto.
Paula (2013) também nos aponta um importante documento que marca o
advento da discussão de diversidade no mundo: a Conferência Geral da Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura na sua 31ª sessão, no dia 2
de novembro de 2001, de onde saiu a Declaração Universal sobre a Diversidade
Cultural. Esse documento trata os aspectos da diversidade a partir da cultura, e, nele,
o tema que aqui tratamos é colocado como fundamental, e não só central, em debates
sobre humanidades. Na referida declaração, a entidade afirma que “[...] a difusão da
cultura e a educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são
indispensáveis à dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas as
nações devem cumprir com espírito de assistência mútua [...]” (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 2001).
Já no relatório Investindo na diversidade cultural e no diálogo intercultural
(UNESCO, 2009), há uma série de propostas, dividida em capítulos que abordam a
diversidade cultural, como o documento acima, mas também educação, criatividade,
entre outros, trazendo, em especial, a proposta de compreensão de diálogo
intercultural.
Esses dois documentos apresentam uma série de preceitos para se pensar a
diversidade, como a educação justa, a conquista da paz, a diversidade cultural,
elementos fundamentais para a dignidade humana, isto é, para a atuação livre de
indivíduos com suas particularidades, dentro de seus contextos. A UNESCO também
convoca que todos os Estados devem cumprir com esses preceitos da dignidade
humana, ou seja, cada nação soberana deve contribuir para a diversidade dentro do
seu território (UNESCO, 2009).
Dentro dos Estados, além de declarações oficiais que falem sobre diversidade,
temos a atuação de outros grupos e instituições. Com as conquistas de diversos
71
movimentos sociais, antes pouco vistos ou contemplados, legal, discursiva e
institucionalmente, o tema da diversidade passa a ser fundamental para entender e
explicar a sociedade. Com o reforço e o advento dos diversos movimentos sociais,
como o movimento negro, o movimento feminista e os movimentos de direitos
humanos, além de atuações de organizações não- -governamentais, a diversidade
passa a ser uma pauta de combate à discriminação e à exclusão social de diversos
sujeitos.
Dessa forma, a escola, por exemplo, é um dos lugares das disputas simbólicas
de poder e de verdades, assim como espaços médicos, prisionais e religiosos,
espaços onde os temas referentes à diversidade e aos direitos humanos serão
pautados e normatizados, assim como em outros espaços e momentos serão
refletidos, ampliados e considerados. A escola é um espaço que nem sempre
promoveu a diversidade, pois, durante muito tempo, teve seus muros fechados para
uma pequena elite de iguais, produzindo um conteúdo que buscava homogeneizar os
sujeitos, acreditando, assim, que teria um resultado igual para todos. No entanto, essa
homogeneização se mostrava uma impossibilidade, pois, mesmo entre sujeitos
similares, ainda havia particularidades que a escola acabava por suprimir ou rejeitar,
causando uma defasagem nos saberes.
Para complementar essa introdução ao tema da diversidade, Paula (2013) nos
lembra por que são fundamentais uma educação e uma sociedade comprometidas
com a diversidade:

Somos, portanto, diferentes com características singulares. Essa


constatação, infelizmente, não impediu que proporções cada vez maiores de
tipos homofóbicos, racistas, fanáticos, machistas, xenófobos, fossem
produzidos pelo mundo. Todos esses tipos têm em comum a ideia de
superioridade, em nome da qual a humanidade sofre vítimas de guerras,
genocídios, holocaustos, ditaduras, apartheids. A história apresenta
exemplos de violências cometidas contra os diferentes: as “minorias”, como
negros, mulheres, crianças, idosos, etc. Essa diferença, ao ser traduzida
como desigualdade, tem propiciado e justificado práticas cada vez mais
violentas. (PAULA, 2013, p. 19-20).

A citação da autora nos traz questões fundamentais para esse ponto de partida,
falar em diversidade é, muitas vezes, complexo, pois precisamos compreender as
formas de exclusão, segregação e violência que grupos marginalizados vivem ou
viveram, ou seja, ao falarmos de diversidade também falamos de exclusão:

72
Sob o manto da diversidade, o reconhecimento das várias identidades e/ou
culturas é atravessado pela questão da tolerância, tão em voga, já que pedir
tolerância ainda significa manter intactas as hierarquias do que é considerado
hegemônico. Além disso, a diversidade é a palavra-chave da possibilidade de
ampliar o campo do capital, que penetra cada vez mais em subjetividades
antes intactas. Vendem-se produtos para as diferenças e, nesse sentido, é
preciso incentivá-las. Ou seja, a diversidade foi entendida como uma forma
de governamento exercido pela política pública no campo da cultura, como
uma estratégia de apaziguamento das desigualdades e de esvaziamento do
campo da diferença, tendo como função borrar as identidades e quebrar as
hegemonias. (RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013, p. 18).

Para trabalhar a diferença, existem dois grandes modelos:


1. a diferença pode ser vista como um subtema dentro da diversidade,
remetendo-se diretamente a ela como uma parte que a constitui, sendo a partir da
multiplicidade de diferenças que se debate diversidade (essa perspectiva é a mais
utilizada na educação);
2. abordar diretamente as diferenças como um tema próprio, uma perspectiva
que traz à tona os conflitos e a impossibilidade de apagamento das multiplicidades,
deixando claro que há diferenças e que estas devem ser debatidas e entendidas como
tal, diferenciando-se da primeira perspectiva, que trabalha de modo mais coletivo.
Os documentos anteriormente citados da UNESCO e da ONU trazem
importantes reflexões para seus contextos. Todavia, a manutenção das ordens
estabelecidas, das desigualdades, é claramente percebida, visto que, embora
convoquem os países a se mover pela diversidade, pouco trazem de iniciativas
efetivas de combate ao preconceito e de um debate direto sobre desigualdades e
violência.

11.1 Diversidade e educação de qualidade

Quando pensamos no contexto da diversidade, uma das instituições de maior


importância, mas também de maiores disputas discursivas, é a escola. Por ser um
espaço de formação e de debates, as diversas instituições de ensino, sejam as
escolas ou as universidades, sempre foram espaços de disputas entre diferentes
discursos, e, nas questões das diferenças, não é diferente. Justamente por ser o
espaço de formação por excelência, a educação se tornou uma área privilegiada para
falar em igualdade, diversidade e combate a preconceitos e desigualdades. Muitos
autores, autoras e intelectuais veem na educação a possibilidade de uma mudança
cultural e social. Nas palavras de Freire (1996, p. 14):
73
O educador tem que trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica
com que devem se aproximar dos objetos cognoscíveis (que se pode
conhecer). Ensinar não se esgota no tratamento do objeto ou do conteúdo,
mas se alonga à produção de condições em que aprender é possível,
exigindo a presença de educadores e educandos criativos, investigadores e
inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. Nas condições de
verdadeira aprendizagem, os educandos e educadores vão se transformando
em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber ensinado.

Assim, fica claro para o autor a importância de se considerar os diferentes


aspectos que envolvem as condições sociais dos indivíduos, identificados em
marcadores, como classe social, raça, gênero, etc., para que se possa pensar um
processo de ensino-aprendizagem realmente produtivo e criativo, capaz de
desenvolver no estudante a construção de um pensamento crítico e conectado com
sua realidade.
Ao falarmos das diferenças na perspectiva da escola, estamos falando em
possibilidades de acesso e de permanência de todos os grupos dentro do espaço de
formação e dentro das salas de aula, com segurança e direitos garantidos. Além disso,
estamos pensando em combater a evasão de grupos antes negligenciados e abordar
temas para além da chave universalizante caracterizada pelas narrativas: masculina,
branca, heterossexual, europeia, cristã. Os marcadores da diferença influenciarão as
narrativas históricas e as perspectivas culturais dentro da instituição educacional de
forma geral.
Pensando nisso, é justamente quando a educação se torna um projeto
universal e de acesso aos direitos de todos e todas que começam a aparecer as
principais dificuldades em lidar com turmas e culturas não mais homogêneas. Muitas
vezes, os docentes, profissionais da educação e a própria estrutura da escola não
estavam preparados para lidar com a diversidade, pois não havia uma boa
preparação, nem histórica, nem de docentes, nem dos livros didáticos, que falasse de
cultura e de sociedade para além dos marcos já mencionados.
É importante ressaltar que, por um longo período da história brasileira, a
educação não foi um direito de todos. Na verdade, foi uma das formas de distinção
social de classes, na qual só ricos tinham acesso à uma educação ampla e de
qualidade. É somente na história mais recente do nosso país que a educação torna-
se um direito universal de todos os cidadãos. Vale destacar, por exemplo, a
Constituição Federal de 1988, ao afirmar que: “A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
74
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho [...]” (BRASIL, 1988, art.
205º).
É a partir desse momento, de uma educação inclusiva e que faz parte dos
direitos básicos, que se toma uma nova ótica para entender e estender o ensino e as
instituições educacionais. Contudo, a diversidade, enquanto perspectiva da tolerância,
só aparecerá muitos anos depois, especialmente com a criação da LDB, em meados
de 1996 (BRASIL, 1996).
Assim, o debate que ascende e que vai tomando formato e força dentro da
educação é a ideia de que, por meio da diversidade, deve-se exercer a tolerância ao
diferente. A tolerância pautou e ainda pauta uma série de políticas públicas e
educacionais, porém traz diversos problemas de invisibilização e de não
enfrentamento, pois, como vimos anteriormente, a tolerância não exige respeito e
pode implicar em ignorar as diferenças ou simplesmente aguentar os limites da
diferença para cada sujeito.
Dessa forma, o tema da diversidade pela tolerância vai ficando cada vez mais
defasado, provando que, embora tenha um impacto na educação, torna- -se cada vez
menos eficiente. Diversos educadores e acadêmicos, ao pensar a diversidade,
aderem à ideia de diferença, uma vez que aqui está uma das possibilidades de saída
de um estado letárgico que a tolerância pode gerar. Nas palavras de Michaliszyn
(2012, p. 66-67):

[...] “a homogeneidade é uma utopia. Ela é um parente próximo da


unanimidade e a unanimidade é inibidora da dúvida, da crítica e, portanto, do
crescimento” (ROSA, 1998, p. 45). Por isso, consideramos que não cabe à
escola sustentar os princípios e as ideias que fundamentam a estrutura social
em vigor, da mesma forma como imaginamos e desejamos uma escola
comprometida com a mudança social e a transformação de estruturas sociais
injustas e desumanas em modelos em que igualdade e a justiça social se
façam presentes.

A década de 90 é considerada um marco para esse debate, pois foi nesse


período que diversas perspectivas se afirmaram. Embora hoje já se tenha uma crítica
bem desenvolvida e bem pautada como essencial ao debate sobre diversidade e
diferença, por muito tempo tal ideia foi pioneira e conseguiu destacar a necessidade
de se falar sobre as diferenças. Contudo, o processo brasileiro para inclusão dessas
perspectivas deu-se também por uma pressão internacional para que o país
compreendesse em sua perspectiva educacional uma relação mais justa.
75
Assim, as dificuldades com a escolarização em massa, como a aprendizagem
pouco efetiva e o abandono da escola, entre outros problemas, passaram a ser
compreendidas dentro do debate da diversidade a partir de uma perspectiva social de
inclusão. Para conseguir contemplar esses debates, a década de 90 foi um marco
significativo, pois encontramos mudanças fundamentais, principalmente com a Lei de
Diretrizes e Bases, homologada em 1996 (BRASIL, 1996).

11.2 Diversidade nas leis e secretarias

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) é importantíssima para pensar as relações


da educação com o contexto social e os parâmetros da escola, e, dessa forma, nos
aprofundaremos em compreender um pouco mais de nosso tema dentro da lei e das
iniciativas do Estado. Como um marco na educação, assim como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), a LDB deve ser entendida como um avanço no debate
da educação, pois consegue, por meio de seu documento, pautar diretrizes modernas
para o exercício da docência, bem como para os programas escolares e educacionais
(BRASIL, 1996).
A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, é um documento outorgado para
âmbito nacional que prevê detalhadamente todos os aspectos da escolarização e da
educação no Brasil; foi uma reafirmação ao direto de educação universal e como
direito inalienável a todos e todas. É importante ressaltar que, dentro da
universalização do ensino, prevê-se a obrigatoriedade do ensino fundamental (até o
novo ano) por meio do acesso gratuito, inclusive para aqueles e aquelas que não
concluíram essa etapa em fase etária prevista. Já para o ensino médio, propõe-se
também a universalidade e o acesso gratuito, mas não mais obrigatório (BRASIL,
1996).
Para este capítulo, o Art. 3° da LDB merece ser destacado:

I — igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;


II — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III — pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV — respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V — coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI — gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII — valorização do profissional da educação escolar;
VIII — gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
76
IX — garantia de padrão de qualidade;
X — valorização da experiência extraescolar;
XI — vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII — consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei nº
12.796, de 2013). (BRASIL, 1996, documento on-line)

Previsto em lei, é imprescindível que, em cursos ligados à área da educação,


seja pela pedagogia, seja pelas licenciaturas, se trate dos assuntos acima citados e
se aborde as diferenças. Entretanto, descarta-se a perspectiva da tolerância, como já
apontado anteriormente, prevendo um melhor uso teórico do debate a partir dos
dissensos e da possibilidade de demonstrar os limites da inclusão por meio da
obrigatoriedade, sem contexto ou sem auxílio efetivo da instituição e dos profissionais
envolvidos:

O sistema escolar, assim como a nossa sociedade, vai avançando para esse
ideal democrático de justiça e igualdade, de garantia dos direitos sociais,
culturais, humanos para todos. Mas ainda há indagações que exigem
respostas e propostas mais firmes para superar tratos desiguais, lógicas e
culturas excludentes. (BRASIL, 2007, p. 14).

A citação do Ministério da Educação serve como base legal e institucional para


compreendermos ainda mais a importância dos temas que aqui estão sendo
trabalhados, pois entender como se estruturam as diferenças e como são
naturalizadas é uma parte fundamental desse processo, assim como entender as
iniciativas que buscam erradicar ou diminuir as desigualdades (BRASIL, 2007).

11.3 Práticas de diversidades: escola, sociedade e cultura

Tal perspectiva é aquela trabalhada na chave da diversidade para a tolerância,


que expõe no seu cerne que todos são iguais acima das diferenças e, assim, não
contempla os conflitos. Já a visão de cultura como parte significativa, fundamental e
problemática das diferenças, entende que todos somos diferentes em nossas
particularidades, por isso cada política ou conceituação precisa levar em conta os
conflitos, e não buscar captar todas as diferenças em grandes conceitos
universalizantes.
Nesse sentido, a visão de que a globalização nos aproxima não cabe dentro
desse conceito de cultura pelas diferenças, visto que, como abordado anteriormente,
a globalização nublou as fronteiras, mas tem como parte de si uma Homogeinização
77
a partir do apagamento das diferenças e do massivo aumento de uma cultura do norte
global, como Estados Unidos e Europa, como a cultura “certa” a ser seguida. Dessa
forma, a globalização se mostra como um grande fator de conflito quando traz consigo
um modo de aculturação.
Nesse sentido, a cultura não é o que nos une em um lugar comum, mas é aquilo
que pauta sentido, ora normatiza, ora particulariza, ora exclui, ora inclui, de um modo
que coloca os sujeitos dentro de uma esfera de inteligibilidade, ou os exclui desta. A
cultura nos ajuda, então, a compreender a realidade social. Dessa forma, a cultura
levada a cabo aqui, aparece como parte dos processos de normatização discursiva
das práticas de diferenciação, e não como o suporte que nos une em um lugar comum,
mas sim como parte dos processos que explicam o social. Assim, o conceito de cultura
passa a ser algo enraizado, sentido e trabalhado por nós:

[...] é o que significa dizer que devemos pensar as identidades sociais como
construídas no interior da representação, através da cultura, não fora dela.
Elas são o resultado de um processo de identificação que permite que nos
posicionemos no interior das definições que os discursos culturais (exteriores)
fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles). Nossas chamadas
subjetividades são, então, produzidas parcialmente de modo discursivo e
dialógico. Portanto, é fácil perceber porque nossa compreensão de todo este
processo teve que ser completamente reconstruída pelo nosso interesse na
cultura; e por que é cada vez mais difícil manter a tradicional distinção entre
“interior” e “exterior”, entre o social e o psíquico, quando a cultura intervém
(HALL, 1997, p. 9, tradução nossa).

Assim, é importantíssimo entendermos a nossa própria relação com o mundo


que nos cerca, mas também entender que cada pessoa terá diferentes relações com
sua realidade, a alteridade, assim como nossa cultura não deve ser um processo de
expectativa em cima de outros sujeitos e contextos, sendo, por isso, tão importante a
compreensão de que a diversidade é conflitiva, e não agregadora. Assim se formula
a diferença, dada a partir do outro e de nossas próprias limitações, que serão sempre
tensionadas.

11.4 Políticas de inclusão

As políticas de inclusão social e educacional não datam de hoje, são políticas


públicas reconhecidas como basilares na sociedade brasileira. Em 1961, a antiga
LDB, conhecida pela sigla LDBEN, já abordava a educação especial, mas de forma

78
altamente aquém ao que encontramos hoje. A LDB de 1961 afirmava que: “A
Educação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral
de Educação, a fim de integrá-los na comunidade [...]” (BRASIL, 1961, documento on-
line). É importante ressaltar alguns trechos desta já mencionada legislação, como o
uso de “excepcionais”, termo comum na época, mas que não é mais usado para
categorizar pessoas com deficiências. Também devemos ressaltar que a lei não
obrigava as escolas a tomarem medidas eficazes, deixando em aberto com “no que
for possível”.
É com a Constituição Federal de 1988 que as políticas de inclusão começam a
tomar novo formato, especialmente quando observamos o Art. 205º que rege, dizendo:
“[...] a Educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da
pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho [...]” (BRASIL, 1988).
A importância desse trecho se destaca com o relato anterior, de 1961, pois não mais
deixa espaços para a obrigação ou não da inclusão e inserção de alguns, passa a ser
imposta constitucionalmente essa condição.
Isso não quer dizer que o ano de 1988 mudou as relações sociais de diferença
há muito colocadas no Brasil, porém foi um primeiro passo para as políticas que se
seguiram, e ainda seguem, em processo de implantação. Pensar a educação para
todos e todas foi uma mudança impactante, sendo que a uma parte significativa da
população o acesso à educação não era garantido ou efetivamente pensado.
É só em 2001, contudo, que o Plano Nacional de Educação implanta uma letra
de lei mais eficaz e inclusiva, que aborda as deficiências como parte da educação
escolar, colocando “[...] a garantia de vagas no ensino regular para os diversos graus
e tipos de deficiência [...]” (BRASIL, 2001). O modelo mais próximo do que
encontramos hoje, em termos de políticas de inclusão. Em 2005, o Ministério da
Educação publicou um documento que pensava as políticas de inclusão, onde dizia:

Uma política efetivamente inclusiva deve ocupar-se com a


desinstitucionalização da exclusão, seja ela no espaço da escola ou em
outras estruturas sociais. Assim, a implementação de políticas inclusivas que
pretendam ser efetivas e duradouras deve incidir sobre a rede de relações
que se materializam através das instituições já que as práticas
discriminatórias que elas produzem extrapolam, em muito, os muros e
regulamentos dos territórios organizacionais que as evidenciam. (PAULON,
2005, p. 8).

79
O texto de Paulon (2005) nos deixa algumas pistas para compreender como a
inclusão era trabalhada na perspectiva institucional. A autora está pensando
justamente o papel das diferentes instituições em excluir os cidadãos de seus
processos sociais, como a escola, já relatada, um dos espaços de exclusão por
excelência. Para Paulon (2005), é necessário combater as próprias hierarquias
institucionais feitas para segregar os sujeitos.
As políticas públicas de inclusão visam a pensar o acesso de alunos e alunas,
mas também precisam (re)pensar as educadoras e educadores dentro das redes de
ensino. Trabalhar com as diferenças geracionais entre professoras e alunos e com as
diferenças de sujeitos portadores de deficiência exige compreender como incluí-los. É
necessário descolonizar o ideal de como tratar os sujeitos diferentes, assim como em
todas as outras categorias.
Contudo, embora se reconheça aqui os importantes avanços das políticas de
inclusão, é importante tecer algumas críticas, algumas já feitas em outros momentos
deste texto. As políticas de inclusão não conseguem fazer os embates que as
diferenças implicam e questionar os preconceitos, ficando estagnadas na mesma
perspectiva da tolerância colocada pela diversidade.
Assim, é importantíssimo entendermos a nossa própria relação com o mundo
que nos cerca, mas também entender que cada pessoa terá diferentes relações com
sua realidade. A alteridade, assim como nossa cultura, não deve ser um processo de
expectativa em cima de outros sujeitos e contextos, por isso é tão importante a
compreensão de que a diversidade é conflitiva, e não agregadora.

Fonte: https://www.promoview.com.br/

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12 COMO PROMOVER UMA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL?

Educação multicultural se refere à proposta educacional que prioriza a


diversidade étnico-racial e inclui regularmente as perspectivas de diversos grupos
culturais. Os defensores da implementação desse modelo de educação entendem que
crianças pertencentes a grupos étnicos não hegemônicos e marginalizados devem ser
habilitadas pelas instituições de ensino. A educação multicultural beneficiaria todos os
estudantes, promovendo, dessa forma, a eliminação das diferenças de desempenho
escolar entre os alunos de grupos étnico-raciais minoritários (SANTROCK, 2009;
CAMPOS; GRANDO; PASSOS, 2015).
O termo habilitar é entendido, no campo da educação, como sendo a proposta
de capacitar os estudantes em níveis intelectual e de competição (SANTROCK, 2009).
A habilitação desses estudantes tem como objetivo aumentar a possibilidade de
indivíduos de grupos étnicos não hegemônicos se inserirem no mercado de trabalho,
proporcionando oportunidades iguais a toda a sociedade.
O ensino multicultural, quanto disciplina a ser ensinada, deve levar em conta
questões como status socioeconômico, etnicidade e gênero, tendo como diretriz a
justiça social. Dessa forma, os objetivos a serem focados são redução de preconceitos
e pedagogia de equidade. A redução de preconceitos seria a supressão de visões
estereotipadas do outro, enquanto que a pedagogia de equidade se caracteriza pela
transformação do ensino, incorporando materiais e estratégias de aprendizagem mais
apropriadas para o manejo tanto de meninos quanto de meninas, nos diversos grupos
étnicos.
Existem diversas propostas educacionais que visam à diminuição da diferença
acadêmica entre os alunos. A seguir, listamos algumas dessas possibilidades que os
educadores podem tentar implementar em suas salas de aula.

12.1 Práticas possíveis para a sala de aula

O programa Quantum, desenvolvido pela Fundação Ford, nos Estados Unidos,


em 1995 (CARNEGIE CONCIL ON ADOLESCENT DEVELOPMENT, 1995) tratou-se
de uma experiência estadunidense na qual os estudantes eram assessorados por
mentores particulares e recebiam um benefício em dinheiro ao se aplicarem em
determinadas atividades. Para ter acesso ao programa, exigia-se que os estudantes
81
realizassem determinadas atividades fora do seu período de aula, as quais poderiam
ser:
 atividades acadêmicas fora do período escolar, podendo incluir leitura,
redação, matemática, ciências, estudos sociais, monitoria a colegas e informática;
 participação em serviços comunitários no território, incluindo monitoria de
alunos de primeiro a quarto ano, limpeza das redondezas e trabalho voluntário em
hospitais, casas de repouso e bibliotecas;
 atividades de conhecimento cultural e desenvolvimento pessoal, incluindo
testes de aptidão, conhecimento sobre os cursos de formação superior que melhor se
encaixam com seu perfil, habilidades para a vida, como cozinha e cálculo,
planejamento familiar e de carreira.
A avaliação final do programa Quantum constatou que 63% dos alunos que
contavam com mentores concluíram o ensino médio, contra apenas 42% dos
estudantes que não fizeram parte do programa; 42% dos estudantes que contavam
com mentores estavam matriculados num curso superior, contra apenas 16% dos
outros alunos; os estudantes que não participaram do programa Quantum também
dependiam duas vezes mais da assistência social do que o grupo acompanhado de
mentores; o índice de detenções também era maior entre os estudantes não
participantes. A educadora Nieto (2005), ao descrever práticas que auxiliam a
multiculturalizar a escola, deu as recomendações a seguir.
 A escola, sua equipe técnica e o currículo pedagógico devem ser claramente
contra qualquer tipo de discriminação sócio-racial e, também, devem propiciar um
espaço seguro para que os estudantes possam discutir sobre esses temas.
 A educação multicultural deve fazer parte intrínseca da escola, desde o
currículo, os quadros de avisos, nos refeitórios, as reuniões de pais e mestres, até
suas atitudes fora de sala de aula. Assim sendo, todo o estudante deve ser exposto à
multiculturalidade. Isso inclui fazer com que todos sejam bilíngues e estudem
diferentes perspectivas culturais.
 Os estudantes devem conseguir problematizar e ter conscientização acerca
de suas próprias culturas. Isso envolve torná-los mais capacitados para analisar
culturas e mais atentos aos fatores históricos, políticos e sociais que moldam sua visão
sobre cultura e etnicidade. A meta é de que, ao serem expostos a essas discussões,
os alunos se motivem a trabalhar por justiça econômica e política.

82
Conhecer a comunidade onde a escola está situada e de onde provêm os
alunos é muito importante para se criar um currículo pedagógico que faça sentido para
aqueles estudantes e melhore o entendimento da bagagem étnica e cultural deles.
Santrock (2009) também dá algumas dicas de como os professores podem
atuar de forma a promover uma educação multicultural em suas salas de aula. Ele cita
alguns tópicos relevantes, os quais são apresentados a seguir:
 O ensino culturalmente relevante é um aspecto importante da educação
multicultural — ou seja, deve buscar conexões entre os conteúdos de aula e os
cotidianos fora da escola da origem dos alunos.
 A abordagem de recursos do conhecimento fala que os professores e
educadores devem fazer visitas às residências dos alunos, no intuito de desenvolver
relacionamentos sociais com seus familiares e aprender mais sobre a origem cultural
e étnica deles — isso ajuda a melhor incorporar esse conhecimento em suas aulas.
 A educação centrada em análise de problemas é outra característica
essencial da educação multicultural, pois os alunos são estimulados a problematizar
sistematicamente questões que envolvem equidade e justiça social — isso implica em
maior contato dos estudantes com seus valores, assim como na possibilidade de
análise de alternativas e consequências de suas atitudes.
A sala de aula quebra-cabeça é uma prática educativa que envolve ter
estudantes de diversas origens culturais, socioeconômicas e étnicas, realizando
cooperativamente diferentes partes de determinada atividade acadêmica para
alcançar um objetivo comum.
Contato pessoal positivo com outros alunos de diferentes origens culturais,
projetos curriculares com enfoque em questões étnicas, grupos mistos de trabalho e
educadores e diretores incentivadores e aliados ajudaram a melhorar as relações
entre indivíduos (FOREHAND; RAGOSTA; ROCK, 1976). Ao conversar sobre
questões pessoais, preocupações, interesses, etc., os estudantes tendem a aumentar
o reconhecimento do outro como indivíduo, ao invés de pertencer a um grupo apenas.
Com essa aproximação, há uma descoberta importante para o relacionamento
interpessoal e o rompimento de barreiras étnicas — mesmo com diferentes origens,
as pessoas compartilham sentimentos, esperanças, preocupações.
Para o aumento da empatia com relação aos outros, os estudantes precisam
adquirir perspectiva. Proporcione práticas, exercícios e projetos que os façam entrar

83
em contato e colocar-se a partir da perspectiva de outras culturas — isso ajuda a
combater o preconceito e aumenta a flexibilidade cognitiva.
O pensamento crítico sobre as relações interétnicas e a inteligência emocional
refletem positivamente na redução do preconceito em relação aos outros. Em
contrapartida, aqueles estudantes que apresentam pensamento mais raso acerca
dessas questões, em geral, são também mais preconceituosos. Quando se aprende
a fazer perguntas e pensar nas questões de forma crítica, substituindo a resposta
automática que posterga o julgamento, os estudantes se tornam menos
preconceituosos e mais abertos. (FOREHAND; RAGOSTA; ROCK, 1976).
Algumas ferramentas que podem ajudar a reduzir, lidar ou, até mesmo, eliminar
seu preconceito são:
 trabalhar com imagens de crianças de diversos grupos culturais e étnicos —
por meio da seleção de textos e histórias para os alunos também refletiram essa
diversidade multicultural;
 priorizar materiais didáticos que valorizem e dissertem acerca do
entendimento cultural e étnico — por meio do uso de dramatização para ilustrar papéis
e famílias não estereotipados de diversas origens;
 ajudar os estudantes a desconstruir as ideias estereotipadas que têm de
determinadas culturas — por meio da criação de uma regra rígida e clara na qual não
serão toleradas nenhuma brincadeira de mau gosto ou exclusão de qualquer
estudante devido à sua etnia;
 conversar com os pais sobre a importância da educação multicultural na
sociedade — por meio da ajuda na compreensão das origens dos preconceitos e das
ideias estereotipadas para que eles também possam promover uma educação
multicultural em seus domicílios.
Para aumentar a tolerância, promova discussões seguras para todas as
opiniões e permita que seus alunos expressem as suas perspectivas culturais sobre
determinados temas, salientando que o consenso sempre é a melhor estratégia. A
escola e a comunidade devem ser vistas como uma equipe. A melhor maneira de se
ter acesso aos estudantes, à sua cultura e ao seu cotidiano é fazendo com que a
escola se torne parceira da comunidade. Dessa forma, os estudantes vão se sentir
mais motivados para aprender, pois conseguirão enxergar onde os conteúdos vistos
em sala de aula podem ser aplicados no seu dia a dia.

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REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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Masato Ninomiya. RJ: Record, 2000.

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raciais no Brasil: uma breve discussão. 2012. Disponível em: Acesso em: 31 jan.
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