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Revista CECEN - 100 Anos Paulo Freire - Compressed 1
Revista CECEN - 100 Anos Paulo Freire - Compressed 1
em homenagem
ao Centenário
de Paulo Freire
Revista produzida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA
Sumário
Tecnologias, Educação nas Paulo Freire e a Tecnologias, ferramentas
ferramentas a serviço prisões: reflexões e Educação a Distância:
da transformação
social
transformação
Página 20
uma prática educativa
que se aproxima dos
a serviço da transformação
Página 07
Reflexões sobre a
sujeitos
Página 44 social
Ensinar exige Paulo formação continuada
Freire dos Coordenadores Gestão com Autonomia Pesquisadora Sannya Fernanda Nunes Rodrigues explica de que maneira as reflexões trazidas por Paulo Freire sobre os
avanços tecnológicos e suas aplicações em sala de aula podem ajudar os educadores a utilizar corretamente essas inovações, na
Página 10 Pedagógicos da EJA e Empatia
construção de seres mais conscientes de seus direitos e seu papel na sociedade
em São Luís Página 46
Ensino da leitura e da Página 24
escrita traz reflexões O uso das tecnologias Paulo Freire não viveu para progresso da ciência, da tecnologia e da cer e reivindicar direitos. Isso
ver tudo o que as tecnologias inovação na escola e na educação, pois se aplica, por exemplo, às redes
sobre a formação Um legado vivo e digitais na Educação
se tornaram em nossos dias. O ele se considerava um homem de seu sociais e às outras tecnologias de
docente enriquecedor durante o ensino educador, que morreu em 1997, tempo, e não um exilado dele. Paulo natureza social, que dão voz e vez
Página 12 Página 28 remoto, sob a ótica de observou o início da utilização Freire nos convida ao debate sobre o ao sujeito.
Paulo Freire dos computadores, mas não que representa a entrada de aparelhos “Para Freire, a tecnologia preci-
teve de lidar com questões mais no cenário educacional, num posicio- sa servir ao homem, como uma filosofia
Novos olhares sobre Paulo Freire e a Página 48
profundas, como as contradições namento que nos afasta da simples que ajuda a refletir como as máquinas
os saberes e práticas Educação Ambiental: da internet, das redes sociais, os aceitação da tecnologia, e nos convida a e os serviços nos ajudam a pensar nossa
docentes um exercício nos Diálogo pedagógico: benefícios dos meios multimídia conhecê-la para entendê-la, se apropriar realidade, assim como intervir nela,
Página 14 quintais uma mudança associados às disciplinas presen- dela para criticá-la, questioná-la e usá- transformá-la, para melhorá-la, para
ciais e muitas outras aplicações -la para transformar o real, na direção torná-la mais justa. A tecnologia, em
Página 33 educativa, a partir da
dos avanços tecnológicos em sala de uma transformação social”, explica sua concepção, seria uma das grandes
Os ensinamentos promoção de reflexões de aula. No entanto, em algumas a pesquisadora Sannya Fernanda expressões da criatividade humana,
de Pedagogia do Um reencontro com Página 50 de suas obras, Freire colocou seu Nunes Rodrigues. exercendo principalmente funções como
Oprimido Paulo Freire pensamento crítico-reflexivo a da politicidade. Portanto, deve ser
serviço do necessário pensar e Reivindicar direitos compreendida como tal e percebida como
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agir sobre a educação – inclusive Paulo Freire ainda hoje re- ela pode servir aos interesses de deter-
relacionados à tecnologia. presenta o que sobressaía de seus minados grupos, pois está permeada de
Uma obra que inspira a A práxis de Paulo Em seu pensamento e nas escritos: esperança, um espírito da uma concepção de mundo, de homem, de
práxis comprometida Freire na formação de suas bandeiras de lutas pela cons- mudança, a conscientização de ser sociedade, de informação, de conhecimen-
cientização, ele propôs sempre oprimido e as possibilidades da to”, ressalta a pesquisadora Sannya
Página 18 docentes
o questionamento das coisas, e transformação com base na cons- Fernanda Nunes Rodrigues.
Página 40 não poderia deixar de abordar o ciência de classe, da realidade, das As reflexões trazidas por
propósito da entrada das “má- nossas condições de existência, Paulo Freire demonstram que é
Decolonialidade do quinas na escola”, uma vez que do entendimento dos discur- necessário saber quais as razões
sua “pedagogia”, se baseava numa sos, que ajudam na construção de ser dos artefatos tecnológicos
pensamento de Paulo
pedagogia do cotidiano imediato como também na manutenção de e seus usos na sociedade contem-
Freire é uma das do sujeito cognoscente, revelando identidades e papeis, ao defender porânea, em tempos de robôs
marcas de “Pedagogia suas condições que deviam ser uma pedagogia como prática da digitais, Google Analytics, web
do Oprimido” desdobradas e apreciadas, espe- liberdade. Por isso, fica mais claro semântica etc. Dessa maneira,
cialmente politicamente. hoje, como as tecnologias podem especialmente aos educadores é
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“Esse posicionamento reflexivo ser usadas, pela perspectiva de recomendado ir além do simples
e crítico não o coloca como contrário ao Freire: como forma de reconhe-
6 100 anos de Paulo Freire | set 2021 Professor|Formador de Profissões 7
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Universidade Estadual do Maranhão|UEMA
Nunes Rodrigues. dos esfarrapados do mundo, da
inclusão digital, num processo
Alfabetismo científico humano e inclusivo. “A leitura e
Paulo Freire defendia que a escrita contam hoje com tecnologias e
os docentes usassem as ferramen- suas linguagens, que precisam explo-
tas à disposição para o enten- rar todo o seu potencial educativo e
dimento e o enfrentamento do comunicacional, dentro dos processos
cotidiano, em uma perspectiva de de multiletramentos, tão necessários ao
alfabetismo científico, mas espe- viver no século XXI, considerando as
cialmente político, reforçado pela deficiências de uma parte da população
urgente relação dialógica. Com que não lê, que não interpreta o que lê
isso, podem ser identificadas algu- e que possui inúmeras deficiências em
mas das competências que deve compreender gráficos, mapas e ilustra-
ter o professor para preparar seus ções”, analisa. “Os dispositivos com os
alunos para um cenário cada vez quais convivemos hoje precisam estar a
mais complexo. serviço do ser humano crítico e reflexivo
De acordo com a pesqui- e do seu necessário desenvolvimento,
sadora Sannya Fernanda Nunes enquanto ser que se apropria do cenário
Rodrigues, se Paulo Freire aqui em que está embrenhado e se percebe
estivesse, converteria as tecno- como ser inacabado em constante reno-
logias a serviço da alfabetização, vação/reconstrução”, conclui.
do engajamento social e político
Banco de Imagens
consumo de tais tecnolo- as, para que saibam lidar com as infor- esses aspectos. O educador se
gias. Cada vez mais a formação mações e não se coloquem como vítimas posicionava sobre o necessário
de leitores e eleitores críticos se da comunicação. É preciso ter novos rigor metodológico que precisa
torna urgente e emergente em posicionamentos, que remetam a uma acompanhar cada recurso tecno-
nosso tempo, marcado pela cultu- postura crítica sobre seu entorno, seu lógico na sala de aula. E se ainda
ra do digital. mundo, suas relações e as informações se debruçasse sobre a temática da
que chegam às suas mãos, bem como educação envolvendo as tecno-
Sociedade entender de que maneira se posicionar logias, se reportaria a uma práxis
Interessante notar que o sobre elas e como elas nos moldam como tecnológica que se junta a uma
debate em torno das tecnologias sujeitos”, afirma a pesquisadora práxis axiológica, ontológica, ge-
não se restringe à discussão sobre Sannya Fernanda Nunes Rodri- rando novos modos de viver em
o aparelhamento dos espaços gues. sociedade. “Essa experiência deve
educativos e à formação de pro- Da mesma forma, Paulo estar em constante debate, servindo à
fessores. Há elementos da vida Freire se dedicou muito à discus- construção da cidadania do digital, ple-
em sociedade que interferem nas são sobre mudanças na prática na de autoria, co-construções, reflexões,
nossas relações e nas questões pedagógica, na discussão do cur- no pensar e fazer a cultura. A bipo-
de identidade e comportamen- rículo, da formação de professo- larização presente nas comunicações,
tos sociais, políticos, culturais e res, da relação professor e aluno, especialmente nas redes sociais, seria um
educacionais, como o papel da ideologia e linguagem. Ainda que tema de debate para Freire, uma vez
linguagem, a comunicação e os por pouco tempo, Paulo viu as que uma de suas bandeiras era apren-
elemento comunicacionais. “Esses tecnologias entrarem na escola der a ouvir e respeitar o pensamento do
aspectos devem estar a serviço das pesso- e modificar ou contribuir com outro”, ressalta Sannya Fernanda
Banco de Imagens
Esperança
problemas não se resolviam. As Foi uma mudança de-
Professora Livia Pereira da Silva conta sua experiência transformadora e mostra que os ensinamentos do educador podem
semanas se sucederam e nada de cisiva. Desse dia em diante, a
ajudar a superar a falta de estrutura e os desafios cotidianos da sala de aula
livros nem materiais didáticos. professora Livia afirma que seu
Outros desafios se sobrepunham, fazer docente se tornou afetivo,
O contato e as leituras dos formação acadêmica, advindos da são não foi positiva “Fiquei chocada como a falta de água na escola, alegre, esperançoso. “Foi assim
textos de Paulo Freire influen- formação continuada”, conta a com a estrutura física da escola. A sala que inviabilizava um dia completo que consegui ensinar na escassez,
ciaram e até hoje influenciam a professora. era muito pequena, sem ventiladores, de aula. “Em um mês de trabalho, sabendo que gestos possuem uma
formação de muitos professores Nos dez anos seguintes, pouco ventilada e parte do forro do teto o desânimo me abateu. Uma outra força socializadora, que supera
no Brasil. Não são raros os casos Livia Pereira da Silva trabalhou na lutava contra a gravidade para não professora me consolou, dizendo que qualquer espaço físico. Que lápis
em que as obras do educador mesma escola, com a certeza de cair”, relata a professora. era uma questão de tempo para eu me e papel, por mais simples que
acabam se tornando referência que estava na profissão certa, no Apesar desses desafios, adaptar à nova realidade. Cheguei a me sejam, ainda fazem mágica, mas
para docentes que buscam trazer lugar certo. “Fiz o meu melhor as aulas iniciaram em um clima perguntar se estava na profissão certa, o melhor recurso de uma sala de
para a sua prática os saberes ne- e testemunhei que Paulo Freire alegre e de acolhimento às crian- no lugar certo, fazendo o correto. Eu aula, é o recurso humano. Que
cessários à prática educativa. Uma estava certo: ensinar exige segu- ças. No entanto, algo incomodava sabia dos problemas da escola pública, falta de água não nos impede de
dessas professoras é Livia Pereira rança, competência profissional e a professora Livia: o forro da sala mas diferente de saber, é conhecer, sentir exercer o que é nosso por direito,
da Silva, que ao longo dos anos generosidade. Essa tríade resulta de aula e o risco que ele trazia. e viver”, compara a professora o ato de aprender, de ensinar, de
experimentou a aplicação dos na formação de um espaço pe- “Ao final da primeira semana, resolvi Livia. se formar, de ser mais”, conta.
pensamentos de Freire em sala de dagógico cuja palavra geradora é conversar com a diretora sobre o risco Diante das injustiças, das “Ensinar na escassez ensinou-me
aula. “Na minha formação inicial, respeito”, atesta. para as crianças e para mim, afinal, en- ausências e do descaso, a docente a riqueza da força formadora da
como pedagoga, na disciplina de sinar exige, também, integridade física se voltou para a sua formação ini- educação”, reforça.
didática, a professora pediu para Novas experiências dos estudantes e professores. A diretora cial. Logo ela se deu conta do que Paulo Freire ensinou que
ler o livro Pedagogia da Auto- Mas outras práticas peda- reconheceu os problemas apresentados era necessário: as ideias de Paulo é responsabilidade de profes-
nomia e apresentar uma aula de gógicas surgiram no caminho e garantiu que logo a sala passaria por Freire. “Os primeiros impulsos sores e professoras primar pela
acordo com as ideias do livro. da professora Livia. Após uma uma reforma”, relembra. de mudança tinham que vir de ética no exercício da docência. A
Esta foi a minha primeira experi- década, ela decidiu ampliar sua Do forro da sala de aula, mim. Retomar a consciência do referência maior é a ética univer-
ência teórico-prática com Paulo, atuação e, em 2012, foi aprovada o olhar da professora Livia meu inacabamento foi o primeiro sal do ser humano, que Freire
e certamente não foi a única”, em um concurso público munici- percebeu outros problemas no passo para ir além e me reinven- descreve como libertadora, que
conta a educadora. pal, para trabalhar como profes- seu entorno. “Verifiquei que as tar.Retomei o meu lugar na escola rompe com o determinismo das
Livia começou a carreira sora de séries iniciais. A felicidade crianças iam para a escola de com outra disposição, marcando injustiças sociais. É por essa ética,
docente nas séries inicias, em uma pela aprovação se misturou com mochila vazia, sem nem um lápis a minha presença como um ato inseparável da prática educativa,
escola particular de excelência. a apreensão pelas novas experi- dentro. Quando perguntava a de intervenção e reconhecendo que devemos lutar. “Dez anos
Ali, esteve à frente, pela primeira ências. “Antes do primeiro dia eles se tinham uma agenda, um a presença dos educandos com na escola particular e 12 anos na
vez, de uma turma de aproxima- de trabalho, eu estava um pouco caderno, um lápis, praticamente, responsabilização”, relata a pro- escola pública me ensinaram que
damente 30 alunos na faixa etária apreensiva, pois iria ficar com todos respondiam que não e jus- fessora Livia. ensinar exige Paulo”, resume a
de 9 anos de idade. “Foi um ver- uma turma do primeiro ano, na tificavam, timidamente, que ainda Ela conta que a partir dessa professora Livia Pereira da Silva,
dadeiro desafio, que com o tempo faixa de 6 a 7 anos, com o qual iriam comprar, ou que tinham mudança de postura, lembrou que que, felizmente, não teve mais o
aprendi a gerenciar, buscando tinha pouca vivência de práti- esquecido em casa, ou que não Paulo Freire escreveu: ensinar exi- trabalho prejudicado pelo forro
sempre a maneira mais ética de cas educativas alfabetizadoras”, tinham dinheiro para comprar”, ge a convicção de que a mudança da sala de aula. “Após quatro
constituir relações justas, respei- conta. conta. “Recorri, mais uma vez, à é possível. “Não basta se adaptar, meses, uma parte dele desabou.
tosas, democráticas, entre profes- Nos primeiros dias de diretora, para tratar sobre o as- é necessário intervir, mudar, por Por sorte ou alguma intervenção
sora e aluno. Foi neste espaço que trabalho, ela conheceu os colegas sunto. Prontamente ela forneceu mais difícil que as circunstâncias divina, isso ocorreu em um do-
tive a oportunidade de adquirir de trabalho e o espaço da escola. lápis e folhas de papel sulfite para pareçam. Não relegar a minha mingo e ninguém se feriu”, conta,
saberes, que estavam além da Infelizmente, a primeira impres- contemplar todos os educandos e prática docente ao desprezo e ao bem-humorada.
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Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Universidade Estadual do Maranhão|UEMA
possuem conexões metodológicas mecanicista do ensino circunscri- pela educação como bem público.
que contribuem com os exercí- ta à repetição de letras e sílabas “Eu me (re)escrevo e (re)invento
inspira a práxis
professores e professoras, impac- no qual concluiu o Mestrado em e a adoção reflexiva permanente sobre de contribuir com algumas proposições
tados pela presença cativante do Educação, ela ampliou os estu- teoria e prática”, detalhe. as quais acredito possam fomentar
educador e ver e ouvir de perto dos freireanos na Cátedra Paulo a construção de práticas formativas
comprometida
as suas palavras. Uma dessas pes- Freire. “Nesse espaço, ao desenvolver EJA inspiradas no pensamento de Paulo
soas foi a mestre em Educação pesquisas e estudos sobre o pensamento Quem são os educandos da Freire. E assim, como eterna aprendiz,
Tatiana Rocha Cruz, que esteve de Paulo Freire, aprendi que é necessá- Educação de Jovens e Adultos? curiosa e atenta ao novo, aventuro-me
junto de Paulo Freire em 1994, rio ir além do dizer, ou seja, sentir e, Que sonhos e histórias carregam? na busca do diálogo com os educa-
Tatiana Rocha Cruz, Mestre em Educação, relata zsua experiência
durante um encontro em São principalmente fazer freireanamente”, Quais saberes que trazem? Estas dores, para que juntos atribuamos
de ter conhecido Paulo Freire e de que maneira seus ensinamentos
Luís, sobre a Pedagogia da Espe- testemunha a educadora. e outras indagações possibilitam novos sentidos do pensar e do fazer em
influenciaram sua produção pedagógica
rança. “Tive a ventura de conhecer o aos professores e coordenadores educação”, descreve Tatiana Rocha
educador Paulo Freire, homenageá-lo Compromisso refletirem sobre suas posturas e Cruz. “O objetivo é possibilitar a
e sentir seu afetuoso abraço. Momento Ao expressar o compro- práticas cotidianas, na lida com germinação de concepções e práticas
que, até hoje, não acredito tê-lo vivido. misso com a educação demo- esse público, que possui diversi- inovadoras e responsáveis fundadas
Uma frase, entre tantas outras sábias, crática, as ideias de Paulo Freire dade e características peculiares. no respeito ao potencial de todo ser
foi impactante: ‘Quem não sonha, têm como intencionalidade a Em uma dimensão mais am- humano e no reconhecimento integral
dificilmente faz a história”, relata. libertação dos seres humanos e pliada, a tessitura da formação e irrestrito como pessoa e cidadão”,
Na época, Tatiana era a transformação da sociedade continuada no interior da escola completa a mestre em Educação.
estudante do curso de Pedagogia, por meio da solidariedade e da necessita ser ressignificada, assim “Somos todos aprendizes, responsáveis
do segundo período, na Uni- justiça social. De acordo com como os que com ela lidam. pela construção de novos espaços, novos
versidade Federal do Maranhão. Tatiana Rocha Cruz, por esse “Um dos profissionais é o coordenador tempos e, por decorrência, de novos
Naquela oportunidade, ela se fato, ela acredita que a educação pedagógico que, imperiosamente, de- horizontes. Este é o legado do querido
deparou com um trabalho desa- e a formação docente têm como manda assumir o seu papel de gestor da educador Paulo Freire a todos educa-
fiador: apresentar em um seminá- substrato a condição humana, formação dos professores, com o desen- dores, uma vez que o conjunto de sua
rio as concepções das pedagogias com base no tripé ação, reflexão volvimento de práticas mais reflexivas, obra tem como ponto central a condição
progressistas e, em particular, a e ação. “Torna-se imperiosa a com- humanizadoras, inovadoras, críticas inequívoca do respeito, da amorosidade
Concepção Libertadora de Edu- preensão da importância da Formação e que traduzam as reais necessidades e da promoção da dignidade da pessoa
cação, proposta por Paulo Freire. numa perspectiva de Formação Per- da escola”, defende Tatiana Rocha humana”, conclui.
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identidade, o diálogo, a recons- desenvolve dois conceitos impor- zação e buscar novas formas de
trução da sua história e valoriza tantes: o de revolução e de con- agir, levando o indivíduo a se re-
Condição opressora
gerando novos opressores e oprimidos.
Já na contradição, o opressor se reco-
nhece como o tal e o oprimido consegue
determinismos, que o futuro, per-
mita-se reiterar, é problemático
e inexorável. “Desta forma, perce-
É sabido que os sujeitos vê-se subjugado por outro. Evidencia-se be-se que a educação, para as pessoas
Pesquisadoras Natarsia Camila Luso Amaral e Néria Cristina Melo Moura Silva explicam em situação de prisão vivem sob a importância da educação na busca de privadas de liberdade, se caracteriza
zde que forma a obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, ajuda a compreender a importân- opressão diária, acabam perden- discutir, junto às instituições responsá- como um processo dinâmico, no qual
cia da educação no contexto de prisonização do ou nunca tiveram a consci- veis, aos professores e gestores, o proces- o/a aluno/a consiga reformular novas
ência dos seus direitos, pois a so ensino e aprendizagem, a busca de formas de agir e de interagir, de pensar
No ano de 1968, o educa- e aos opressores. cernimento para analisar melhor condição de submissão e “ades- alternativas de atendimento mediante o e de se reconhecer como sujeito de sua
dor Paulo Freire estava exilado De acordo com as pesqui- o mundo do outro e, consequen- tramento’’ naquele lugar é muito desafio de educar neste cenário, propor- própria história”, afirmam Natar-
no Chile, pois o Brasil passava sadoras Natarsia Camila Luso temente, seu próprio mundo. “A forte. ‘Baixa a cabeça!, mãos cionando referências que lhes permitam sia Camila Luso Amaral e Néria
por um golpe miliar. Naquela Amaral e Néria Cristina Melo sociedade, em seu caráter desumaniza- para trás!, o que foi, ladrão?’ São refletir o fazer pedagógico frente ao Cristina Melo Moura Silva.
mesma época, muitos artistas, Moura Silva, a viabilidade para dor, comete um erro terrível, passando formas que chefes de plantão, fenômeno da prisonização”, ressaltam
políticos e pensadores estavam na superar a contradição opressor- a tratar os homens, em muitos casos, agentes e auxiliares se dirigem as pesquisadoras Natarsia Camila Estrutura prisional
mesma situação, longe do país de -oprimido tem como uma saída como tratam seus animais, predomi- aos internos e eles, na condição Luso Amaral e Néria Cristina Considerando que a maio-
origem, porque eram considera- sugerida a práxis, “que é a reflexão nando o desprezo pelos seus direitos subalterna, respondem: ‘Sim Melo Moura Silva. ria dos presídios brasileiros – e
dos subversivos à ordem política sobre a ação, de modo que, ao refletir, básicos, omitindo a voz daqueles que senhor (a)!’ É comum os internos De acordo com o pensa- os do Maranhão não estão fora
vigente. Naquele contexto de a humanidade tende a transformar o se sentem abandonados pelo mundo de chamarem aqueles que ali estão mento de Paulo Freire, o indiví- desse contexto –, não foi cons-
reflexões, Freire escreveu o livro mundo em que vive, e consequentemente que fazem parte”, observam as pes- para lhes prestarem qualquer tipo duo pode ser pensado como um truída para que se pudesse ofertar
Pedagogia do Oprimido, uma de reflete de forma crítica essa contradição quisadoras Natarsia Camila Luso de atendimento de ‘doutor’, ma- ser histórico e inacabado, que se educação para as pessoas que
suas principais obras. A exemplo a fim de superá-la. Ou seja, a supera- Amaral e Néria Cristina Melo neira hierarquizada de se referir encontra numa relação perma- se encontram em privação de
de outras, de sua autoria, ela dia- ção dessa contradição precisa, acima Moura Silva. aos que pretensamente sejam nente com o outro, transforman- liberdade, há dificuldades de ade-
loga sobre educação e a possibi- de tudo, da consciência oprimida e da Elas analisam que o opri- superiores a eles. do o mundo e a si mesmo. Dessa quação da própria estrutura, com
lidade de uma nova perspectiva consciência opressora pelas reflexões”, mido, no ambiente do cárcere, Para ajudar a entender essa forma, as ações pedagógicas no celas desativadas para se transfor-
de vida, a partir da transformação afirmam. pode ser encarado como apena- relação, A Pedagogia do Opri- sistema penitenciário precisam marem em salas, sem ventilação
de mundo pelo testemunho de do, ser oprimido socialmente, que mido, em seu primeiro capítulo, reconhecer os efeitos da prisoni- e sem condição de trabalho e
nossas histórias. Apesar de sua Reintegração social foi colocado à margem da socie-
importância, só foi publicada em A Pedagogia do Opri- dade com vistas à sua completa
meados dos anos de 1970. mido tem como uma das suas reintegração. “Colocar sujeitos fora
Nesta obra emblemática, características trazer reflexões de seu espaço social de constituição foi
Paulo Freire defende que as re- importantes em diversas moda- a maneira mais fácil que os organismos
lações que envolvem o processo lidades da educação formal e até sociais encontraram para remodelá-los,
de educação precisam superar da educação informal. Por essa reagrupá-los, torná-los iguais a todos os
as contradições de opressores e abrangência, pode ser aplicada, outros”, constatam.
oprimidos que compreendemos, por exemplo, ao contexto das Dessa maneira, a educação
sendo uma relação de poder en- pessoas que se encontram em escolar no interior das prisões
raizada na educação. A superação privação de liberdade e a impor- pode e deve estar comprometida
dessa relação de poder contribui tância da educação nas prisões, com as condições de vida dos
para que os oprimidos recuperem como processo de ressocialização internos e contribuir para melho-
sua humanidade – mas não ape- e de reintegração social. rá-las – afastando-se, no entanto,
nas as suas, a dos opressores tam- Isso porque Freire acredita- de qualquer postura ingênua em
bém, sabendo que estes correm o va na constituição do sujeito pelo relação ao papel da escola nesse
risco de se tornarem opressores conjunto das relações que o cer- ambiente. Porém, não há como
de opressores. O grande desafio é cam, e o entendimento maior de negar que o homem aprisiona-
que os oprimidos se libertem a si tais relações sociais lhe daria dis- do, muitas vezes, busca a sua
permanência dos alunos, como re, procura conscientizar o docen- as práticas escolares a serviço das
descreve Foucault (1987). te do seu papel problematizador prerrogativas carcerárias? A quem
No entanto, como escreve da realidade do educando. “Nessa a escola serve?
Paulo Freire (2002), contradições perspectiva, a educação nas prisões deve Para Paulo Freire (2002),
como essa geram a consciência. ser usada como possibilidade de instru- ensinar a pensar e problemati-
Mas a autor adverte que o proces- mentalização para a ressocialização, zar sobre a realidade é a forma
so de desintoxicação da opressão pois a impressão que se tem é que as correta de se reproduzir conheci-
deve acontecer de maneira cuida- prisões são apenas depósitos de pessoas mento. A partir desse movimento,
dosa, evitando que os opressores cumprindo punição por crimes cometidos. o educando terá a capacidade de
não venham a ser novos oprimi- O que se verifica é uma incompatibili- compreender-se como um ser
dos. O processo de liberdade deve dade muito grande entre os objetivos da social.
ser visto e sentido por ambas as educação e os objetivos da segurança, Natarsia Camila Luso Ama-
partes: enquanto ação social, não pois a primeira visa a emancipação ral e Néria Cristina Melo Moura
pode ocorrer isoladamente. dos indivíduos, enquanto a segunda, a Silva afirmam que, na educação
No livro, Freire (2002) anulação dos mesmos”, apontam as problematizadora, o professor
mostra como a educação no Brasil pesquisadoras Natarsia Camila aprende enquanto ensina pelo
reproduz a desigualdade, a mar- Luso Amaral e Néria Cristina diálogo de seus educandos, esti-
ginalização e a miséria. O autor Melo Moura Silva. mulando o ato cognoscente de
coloca que o ensinar a não pensar ambos, ou seja, ensina e aprende
é algo puramente planejado pelos Pensar e problematizar a refletir criticamente. “É preciso
que estão no poder, para que pos- Diversas questões surgem abrir espaços para reflexões, afinal vive-
sam ter em mãos a maior quanti- dessas reflexões sobre a educa- mos em uma sociedade acostumada com
dade possível de oprimidos; uma ção escolar dentro de espaços de uma ação antidialógica, que é a mani-
vez que se sintam fragilizados, privação de liberdade: como lidar pulação das massas oprimidas, enraiza-
necessitam dos que dominam para com a contradição da cultura pri- da em nossas vivências. Paulo Freire e
sobreviverem. Mas como poderá sional, caracterizada pela repres- suas obras nos possibilitam refletir sobre
o homem sair da opressão se os são, ordem e disciplina, com o fim nossa práxis como ser social e como
que nos “ensinam” são também de adaptar o indivíduo ao cárcere professor, nas diferentes modalidades da
aqueles que nos oprimem? e o princípio fundamental da edu- educação. Basta estarmos dispostos a
Um questionamento como cação que é, por essência, trans- novos diálogos e novos olhares”, ressal-
esse, na perspectiva de Paulo Frei- formador e libertador? Estariam tam as pesquisadoras.
22 100 anos de Paulo Freire | set 2021 Professor|Formador de Profissões 23
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Universidade Estadual do Maranhão|UEMA
Paulo Freire e a
Educação Ambiental: um
exercício nos quintais
Experiências práticas de interação com a comunidade são vivenciadas por meio da Pedagogia de Quintais, relatada
por pesquisadores Roberto Mauro Gurgel Rocha, Heloisa Cardoso Varão Santos e Eduardo Almeida, na busca pelo
compartilhamento de saberes
Um reencontro com
concretas foram discutidas em naturais e de um meio ambiente educadores e educandos dos Assenta-
seminários. saudável entre ricos e pobres, mentos estão balizadas nos pressupostos
Outro tema gerador foi o homens e mulheres e gerações freireanos voltados para a problema-
Paulo Freire
babaçu, desencadeado a partir presentes e futuras, internacio- tização da realidade a fundamentação
da leitura de imagem (pinturas, nalizando os custos ambientais teórica e o novo olhar sobre a realidade
fotografias e gravuras) e as letras sociais e econômicos. Ao final do buscando transformá-la”, observam.
de músicas sobre a cidadania no Curso, o Estágio foi desenvolvido “O resgate cultural visando a transfor- Participantes do XXXIII Encontro Estadual das Educadoras e Educadores
campo e obras de arte do pintor por meio de projetos desenvol- mação do lugar é uma ação que propicia da Reforma Agrária do Estado do Espírito Santo festejam, ainda que de forma virtual,
Avelar Morim e fotografias sobre vidos na comunidade com os a compreensão de coisas simples a serem o centenário de nascimento do educador
o trabalho das Quebradeiras de alunos assentados. desenvolvidos por meio de propostas eco
Coco. A problematização da pedagógicas que ultrapassam a Pedago-
realidade foi ampliada com os de- Despertar para o apren- gia de Quintais, não só como mais uma Garantir que a escola esteja safios e possibilidades da educação tam como horizonte um projeto
poimentos das agricultoras e das dizado pedagogia, mas como um projeto de vida, presente na vida das educandas e do MST/ES: dialogando com os de educação e de país com cen-
quebradeiras de coco. Partimos de Os pesquisadores Rober- que pensa o global e valoriza os quin- dos educandos e, ao mesmo tem- sujeitos Sem Terra. Pelo Setor de tralidade no ser humano e na sua
leitura de textos que destacavam o to Mauro Gurgel Rocha, He- tais”, reforçam os pesquisadores. po, manter a unidade e o acompa- Educação do MST. “Buscamos, por relação com a natureza. Essa foi
babaçu na vida dos maranhenses, loisa Cardoso Varão Santos e Dessa forma, a prática da nhamento das ações pedagógicas meio da carta, contar a ele nossas ações a mensagem geral transmitida aos
seguido de exposições de artes, Eduardo Almeida afirmam que pedagogia de quintais em conso- no interior das áreas de assenta- e os desafios prescritos às educadoras e participantes do Encontro virtual,
poemas e dramatizações denun- a solução para muitos dos pro- nância eco pedagógica propicia mentos. Esses foram os principais educadores do MST do Estado do Es- mantendo viva a chama da espe-
ciando a exploração do trabalho blemas urbanos de nossa cidade mudanças de atitudes dos sujeitos objetivos do XXXIII Encontro pírito Santo. Sendo uma carta datada, rança por uma Educação Pública e
das Quebradeiras de Coco. está diretamente relacionado às envolvidos, tornando uma prática Estadual das Educadoras e Edu- contextualizada e cheia de amorosidade, Popular, fortalecendo a Educação
A exposição dos produ- questões socioambientais, fazen- saudável, enquanto promoção cadores da Reforma Agrária do cada um que, ao ler, sentirá convocado a do Movimento como forma de
tos a partir do babaçu e os seus do-se necessário a implantação de aprendizagem e valorização Estado do Espírito Santo, rea- seguir adiante na construção da Refor- construção de um espaço de uni-
benefícios foram feitos na Feira de projetos que despertem nos da vida na Terra e valorizando o lizado no último dia 9 de julho, ma Agrária Popular”, observam os dade e afirmação das relações de
da Terra, destacando o azeite de professores/comunidade a busca ressignificar do lugar com carac- pelo segundo ano consecutivo de organizadores do Encontro. solidariedade e generosidade.
coco, o sabão de coco, a farofa de direitos, o prazer na reconstru- terísticas particulares em conexão forma virtual, devido ao período Ao longo de 35 anos de Na avaliação dos organiza-
de coco e o artesanato com coco. ção do espaço/lugar, rumo a um com a vida, em particular da vida de pandemia. história, o MST busca reafirmar dores, o Encontro foi muito boni-
A Carta da Terra traz um item aprendizado constante que pode sustentável. Apesar da impossibilidade em sua práxis educativa o papel to, em que foram reafirmados os
da presença física entre os par- das educadoras e educadores do valores pregados por Paulo Freire,
ticipantes, o evento atingiu suas Movimento nos processos de luta especialmente o compromisso
metas, conforme a organização. e construção da Reforma Agrá- de seguir adiante na luta por uma
“Mesmo neste formato, fomos tocadas ria Popular. Na compreensão do educação pública e socialmente re-
e tocados pela emoção das místicas, das MST enquanto sujeito educativo, o ferenciada, como direito de todos,
cantorias, das poesias e das reflexões da vigor da Pedagogia do Movimento na perspectiva de uma formação
práxis pedagógica suscitada nas narra- e sua relação com a Pedagogia do dialógica-crítica, humanista-liber-
tivas dos sujeitos Sem Terra, embalados Oprimido de Paulo Freire apon- tadora.
com o lema ‘Pedagogia do Movimento:
Resistir e Avançar’, momento em que
também celebramos o centenário Paulo
Freire”, informou o Setor de Edu-
cação do MST-ES, organizador do
Encontro, por meio de comunica-
do oficial.
Do Encontro também
resultou um documento, intitulado
“Carta do XXXIII Encontro Esta-
dual dos Educadores e das Educadoras
da Reforma Agrária do Estado do
Espírito Santo a Paulo Freire.” A
carta foi o resultado da mesa: De- Fonte: Setor de Educação MST-ES
na formação de docentes
dimensão humana.
“É preciso que o professor
compreenda a importância de estimular
o desenvolvimento participativo dos
Artigo das professoras Natarsia Camila Luso Amaral e Regina Célia de Castrl Pereira detalha
estudantes, pois cada sujeito tem uma
o Programa Ensinar, de Formação de Professores, da UEMA, que adota a perspectiva de Paulo Freire para a formação
história, e a práxis precisa ser autên-
permanente, no enfretamento crítico e reflexivo do cotidiano
tica e humana – o que só será possível
Um instrumento que pos- (INTERVALE) e Regina Célia de teórico-epistemológica do Pro- se os estudantes forem protagonistas”,
sibilite formar professores para o Castro Pereira, professora Adjun- grama Ensinar, na qual a práxis é defendem as professoras Natarsia
exercício da docência na educação to do Departamento de História ação e reflexão, e está, intrinsica- Camila Luso Amaral e Regina Cé-
básica, a partir de conhecimentos e Geografia (UEMA) e Doutora mente, vinculada com a formação lia de Castro Pereira. “O exercício
das práxis propagado pelo Programa As professoras descrevem la Luso Amaral e Regina Célia de
específicos, interdisciplinares e em Geografia (FCT/UNESP). permanente, no enfretamento
Ensinar não é transferir ou depositar que trabalhar uma educação para Castro Pereira.
pedagógicos, para a construção Com aulas ministradas aos crítico e reflexivo do cotidiano.
conhecimento, se dá em constante proces- a libertação da opressão precisa Transformações
de valores éticos, linguísticos, sábados e domingos, o Ensinar “Compreendemos que, para uma
so de atualização”, completam. ser tarefa conjunta de educares e O Programa de Formação
estéticos, políticos e profissionais, está presente em 28 polos e oferta educação e formação críticas, é preciso
educandos: a libertação é tarefa de Professores ensina que somen-
em um diálogo constante entre os cursos de Ciências Biológicas consolidar a práxis educativa com
O aluno e a práxis dos oprimidos, mas mediada para te uma educação libertadora ou
diferentes visões de mundo. Essa Licenciatura; Ciências Sociais consciência crítica da realidade vivida.
O Programa Ensinar consi- que se supere a opressão e não crítico-libertadora não transforma
amplitude de possibilidades é for- Licenciatura; Física Licenciatura; É de responsabilidade dos programas
dera que é fundamental respeitar a reproduza. “Ao mudar apenas os a sociedade: trata-se de um pro-
necida pelo Programa Ensinar, de Geografia Licenciatura; História de formação de professores, formar
o estudante, sua autonomia, suas sujeitos, o oprimido está tão acostumado cesso de humanização, como con-
Formação de Professores, da Uni- Licenciatura; Letras Licenciatura profissionais capazes de contribuir para
histórias, exigindo dos professores com a opressão que permite que o opres- sequência de ações emancipado-
versidade Estadual do Maranhão. em Língua Portuguesa, Língua o processo de reorientação curricular da
uma reflexão crítica permanente sor se instale em si e não percebe a in- ras, e estar presente em distintos
Também são objetivos fortalecer Inglesa e Literaturas; Matemática escola”, ressaltam as educadoras.
sobre sua prática, de modo a ava- versão de papeis, e ao invés de caminhar municípios do Maranhão, propor-
a política de formação docente Licenciatura; Pedagogia Licencia- “O compromisso precisa dar-se no
liar o fazer pedagógico. A práxis em direção à libertação, caminha para a cionando a formação de pessoas
para a educação básica no Estado tura, Química Licenciatura. exercício da transformação da realidade
educativa, na perspectiva de Freire, identificação e reprodução de opressão”, com potencial, mas sem oportuni-
do Maranhão, atendendo às de- Criado em 2016, com aulas opressiva, ou seja, da libertação dos
propõe um modelo educacional observam. dades, é uma ação emancipadora.
mandas municipais para a forma- iniciadas em setembro de 2017, o oprimidos, de modo que pela educação
com enfoque na qualidade do Os diálogos dos estudan- “Dentro de uma sala de aula temos uma
ção docente na educação básica. Programa Ensinar tem mantido a crítica, possamos chegar a uma emanci-
ensino, no diálogo e na reflexão tes são a primeira leitura de seus heterogeneidade, e muitos professores
“Pretende-se contribuir para a atualização do arcabouço teórico pação social”, reforçam.
crítica, e não em uma educação mundos, o que faz o ser humano acreditam que isso possa dificultar um
mudança dos indicadores sociais e edu- das disciplinas, com a busca de Dessa maneira, ao longo
individualista, competitiva e exclu- (re) conhecer-se capaz de dize-lo/ trabalho. É preciso considerar os objeti-
cacionais do Estado do Maranhão. Os oportunidades e experiências de do percurso formativo, o progra-
dente. dialoga-lo, pois no momento que vos pelo qual os estudantes lutam, tendo
alunos contam com um completo sistema trabalho aos acadêmicos, incenti- ma proporciona o diálogo com
Nessa concepção de Freire, o sujeito ler o mundo, ele (re) lê em vista que ‘a falta de unidade entre os
de apoio pedagógico e são estimulados vando-os a publicar os resultados a pedagogia freiriana, propondo
o Programa Ensinar tem como a sua própria existência, é a sua diferentes conciliáveis ajuda a hegemonia
constantemente a participar do am- dos projetos desenvolvidos em alternativas reais e humanas, que
principais categorias da práxis a condição que ganha projeção, per- do diferente antagônico”, explicam as
biente acadêmico, por meio de eventos, disciplinas. “São exemplos disso os possibilitem aos indivíduos a pro-
humanização, a dialogicidade, a mitindo avaliar sua história, (re) educadoras Natarsia Camila Luso
produzindo trabalhos e publicando em componentes curriculares Prática de dução da libertação, de modo que
problematização, a conscientização inventar sua existência e possibili- Amaral e Regina Célia de Castro
periódicos científicos. Da mesma forma, Vivência e de disciplinas específicas, o estudante seja formador de sua
e a emancipação. “Esses termos são tar novas leituras de mundo. “Não Pereira.
os professores do programa passam por inserção dos acadêmicos na pesquisa e própria ação, história e educação.
utilizados em suas obras afirmando seu podemos silenciar as vozes dos sujeitos As professoras concluem
treinamentos, reuniões de planejamento extensão universitária, como bolsistas Entendendo que a práxis
pensamento que a educação deve estar a desse processo, pois estaríamos negando- que educar não é apenas o profes-
e acompanhamento pelas respectivas e/ou voluntários, bem como em ações seja um compromisso do profes-
serviço de uma transformação social. O -lhes a práxis e refletindo uma sociedade sor saber utilizar diferentes méto-
direções de curso, visando manter a sociais”, observam as professoras sor, Paulo Freire afirmou, na obra
processo de humanização no pensamento opressora. A leitura de mundo do dos e técnicas, é preciso ensinar a
associação das suas atividades aos ob- Natarsia Camila Luso Amaral e Educação e Mudança, que “[...]
de Freire, está baseado na capacidade indivíduo possibilita o diálogo com sua pensar certo, pensar criticamente,
jetivos e metas do Programa Ensinar”, Regina Célia de Castro Pereira. o compromisso do profissional com a
que cada sujeito tem de ser protagonista realidade, ao refletir e fazer (re) leitura ser criativo, inquieto, investigador
descrevem as professoras Natar- sociedade nos apresenta o conceito do
e criador. O ato de fato humanizador de mundos. É importante reconhecer os e persistente. “Educar é compreen-
sia Camila Luso Amaral, Espe- Perspectivas compromisso definido pelo complemento
precisa ser consciente da superação e não saberes dos estudantes e criar possibi- der os sujeitos em seus contextos, suas
cialista em Educação Matemática Conforme as educadoras, do profissional ao qual segue o termo
da reprodução”, afirmam Natarsia lidades, para que os alunos construam vivências, suas experiências, contextuali-
(UNIASSELVI) e em Metodo- a perspectiva de Paulo Freire é a com a sociedade.” Dessa maneira, o
Camila Luso Amaral e Regina sua conscientização sobre sua realidade”, zando a educação enquanto processo de
logia do Ensino de Matemática que coaduna com as concepções docente com compromisso críti-
Célia de Castro Pereira. escrevem as professoras Natarsia Cami- humanização”, finalizam.
40 100 anos de Paulo Freire | set 2021 Professor|Formador de Profissões 41
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Universidade Estadual do Maranhão|UEMA
dos colonizados em um processo deno- de Jesus, podemos considerar que indico a necessidade de leitura incessante
minado ‘colonização do ser’ que provoca vivemos tempos de opressão, por de suas obras, que dão voz aos que se
A obra “Pedagogia do Opri- Programa Ensinar da UEMA. ao afirmar que: “estes que oprimem,
mido”, de Paulo Freire, possibilita Entender a consciência exploram e violentam, em razão de seu
uma série de análises amplas em oprimida, a consciência opressora poder, não podem ter, neste poder, a
diversos aspectos da socieda- e a dualidade gerada pela submis- força de libertação dos oprimidos nem de
de. Um deles é o pensamento são está entre os ensinamentos si mesmos”.
decolonial perpassado pela luta mais importantes de “Pedagogia do Por essas reflexões, Peda-
de libertação dos oprimidos, o Oprimido”. Humanista e liberta- gogia do Oprimido é um ins-
que contempla um olhar sobre a dor, o livro analisa a pedagogia do trumento de libertação de um
opressão exercida pelos homens ser humano que luta em um pro- processo de desumanização, num
sobre as mulheres. Além disso, o cesso permanente por sua liber- olhar decolonial sobre a opressão
livro questiona práticas pedagógi- tação, a partir da reflexão sobre a exercida pelos homens sobre as
cas pautadas nas relações opres- opressão e suas causas, o que gera mulheres e outros gêneros, raças
soras vivenciadas por estudantes, uma ação transformadora, deno- e etnias. “Freire nos ensina a esse
e que devem ser relações respeito- minada de práxis libertadora. respeito em ‘Pedagogia da Autonomia:
sas e positivas no convívio social. “A obra detalha a contradição saberes necessários à prática educativa”,
É interessante notar que Paulo opressores-oprimidos e sua superação; lembra Ilma Fátima de Jesus.
Freire expressa seu pensamento a situação concreta de opressão e os Para a Doutoranda em
relacionando-o com outros auto- opressores. Além disso, esclarece que Educação pela UFMA, o pen- Banco de Imagens
res que dialogam sobre a opres- ninguém liberta ninguém, ninguém se samento decolonial de Freire
são colonial, como Frantz Fanon, liberta sozinho: os seres humanos se abrange a liberdade da humanida-
Aimé Césaire, Albert Memmi e libertam em comunhão. Freire destaca de, homens e mulheres, de todas
Amilcar Cabral. a amplitude do tema ao afirmar a as idades, raças, etnias, condições
“Paulo Freire dialoga e critica pretensão de aprofundar alguns aspectos sociais etc. “Acompanhamos, neste sé-
a realidade na luta de libertação dos discutidos em ‘Educação como Prática culo, a luta das mulheres marcada pelas
oprimidos, explicando que o ser humano da Liberdade’, refletindo que os seres marchas de libertação. Sua obra, ‘Pe-
tem de transformar-se num sujeito da humanos descobrem que pouco sabem dagogia do Oprimido’, está empenhada
realidade histórica em que se insere, de si, e se inquietam por saber mais”, na luta de libertação do ser humano”,
humanizando-se, lutando pela liberda- reflete Ilma Fátima de Jesus. destaca a professora do Programa
de, pela desalienação e enfrentando uma Ensinar da UEMA.
classe dominadora que, pela violência, Reflexões libertadoras Em seu pensamento, Freire
opressão, exploração e injustiça, tenta Em um dos trechos mais questiona o eurocentrismo no
perpetuar-se”, explica Ilma Fátima significativos do livro, Freire conhecimento no campo das ci-
de Jesus, Doutoranda em Educa- reforça a necessidade conscienti- ências sociais. “O eurocentrismo teria
ção pela UFMA e professora do zação sobre a exploração sofrida, culminado na imersão das consciências
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Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Universidade Estadual do Maranhão|UEMA
Paulo Freire e a
mo resultado apresentado pelo distância como um redimensiona-
Instituto Nacional de Estudos e mento espaço-temporal e uma for-
Pesquisas Educacionais Anísio ma concreta de democratização do
Educação a Distância:
Teixeira (Inep) e pelo Ministério ensino, capaz de romper os limites
da Educação (MEC), 63,2% das dos programas presenciais, a Reso-
vagas ofertadas no ensino superior lução nº 73/1998 – CEPE/UEMA
da promoção de reflexões
todos os professores da escola, oferecendo- afirma. “É imprescindível olhar a
-lhes uma oportunidade de aprendizagem escola /sociedade com os próprios olhos,
no contexto de atuação profissional, notadamente em contextos de crise”,
sendo que todos os envolvidos poderão reforça.
Pesquisadora Francisca Jandira Machado Neves relata experiência e observação da importância do diálogo como
aprender com seus pares, ampliando a
elemento essencial na construção de posicionamentos, na luta contra o autoritarismo e os conflitos
formação, tendo em vista o processo de Caminhada coletiva
fala e escuta, potencializado pelas tec- Francisca Jandira Machado
O diálogo é um dos elemen- incertezas, intensificadas pelo contexto partir da medida de isolamento social. A nologias de informação e comunicação”, Neves constata que não há prática
tos mais importantes da vida em da pandemia”, ressalta Francisca maioria dos governos fechou as escolas, descreve. educativa ausente de diálogos e
sociedade. Por este motivo, tem Jandira Machado Neves. com o propósito de conter a propaga- conflitos. Assim, lembra que existe
grande relevância para promover A pesquisadora baseia sua ção da pandemia. Além disso, alunos Construção uma linha tênue que separa esses
o entendimento e a resolução de análise em suas vivências de super- estão sendo impactados severamente no Do ponto de vista de Mo- dois elementos, o que significa que
conflitos que emergem no cotidia- visão e docência, tendo por refe- processo de ensino e de aprendizagem”, acir Gadotti e Sérgio Guimarães, essa linha desencadeia limitações,
no da escola, exigindo vivenciá-lo rência igualmente relevante o livro observa Francisca Jandira Macha- é evidente o poder que os profes- dúvidas e julgamentos. “De acordo
com dedicação e comprometimen- “Pedagogia: diálogo e conflito”, escrito do Neves. sores constroem intelectualmente com as concepções de Freire, o diálogo e o
to, a serviço da educação. Este é por Moacir Gadotti, Paulo Freire e No contexto da suspensão em sala de aula, quando assumem conflito fazem parte simultaneamente do
o pensamento da pesquisadora Sérgio Guimarães. De acordo com das aulas em todo o território o compromisso de promoverem processo pedagógico. Para Paulo Frei-
Francisca Jandira Machado Neves, Francisca Jandira Machado Neves, nacional, durante meses, as mudanças necessárias no am- re, o diálogo, a leitura, a compreensão
que afirma ser o diálogo um ato ao longo da leitura dos cin- Francisca Jandira Machado biente escolar. Nas vivências dos leitora e as relações sociais contribuem
pedagógico essencial na constru- co capítulos, percebe-se que a obra Neves viu a necessidade de organi- diálogos pedagógicos, a docência/ decisivamente para a promoção de uma
ção de posicionamentos, na luta contribui com discussões, no que zar e promover encontros forma- supervisão/gestão coletivamente ação educativa de caráter libertador para
constante contra o autoritarismo. tange aos processos prioritários tivos quinzenais de forma on-line. constroem saberes para materiali- todos os envolvidos no contexto educacio-
“A convivência entre os pares, sobretudo, de conquista de direitos políticos, “Os diálogos pedagógicos foram zar o ensino remoto, possibilitan- nal e social”, ressalta a pesquisadora.
no ambiente educacional, deve priori- notadamente os que dizem respei- concebidos numa perspectiva de do aos alunos a continuidade dos Ela completa que o diálogo
tariamente, perpassar pelo direito da to à educação. “O percurso dialógico formação continuada e permanen- estudos, como parte determinante pedagógico vivenciado autentica-
vivência do diálogo. Ele é primordial, foi desencadeado pelos questionamentos e te para a docência, considerando de valores primordiais a (re) cons- mente no ambiente escolar pacifi-
notadamente quando está a serviço da perguntas direcionadas para os autores prioritariamente, as demandas trução da escola. ca os possíveis conflitos, buscando
educação, gerando reflexão político-pe- durante as andanças pelo Brasil, fun- específicas dos docentes da “Vale sublinhar a capacidade na relação dialógica entre docência
dagógica; promovendo coletivamente o damentalmente, possibilitadas genui- instituição de ensino que atuo na humana de ressignificar a luta para e supervisão a superação dos con-
diálogo em prol da superação de confli- namente, por meio do diálogo”, reflete supervisão, no que concerne aos garantia do direito à educação, seja no flitos inerentes à prática educativa
tos, como parte determinante de valores Francisca Jandira Machado Neves. desafios do ensino remoto emer- ambiente presencial ou on-line. Foi isso por meio de uma conduta ética.
primordiais a (re) construção da escola gencial”, descreve a pesquisadora. que fizemos: juntos, construímos uma “Certamente, essas considerações
e, consequentemente, da sociedade”, Diálogo e conflitos “A materialização da prática educativa nova configuração de ensino por meio do colocam em evidência às experi-
analisa. De acordo com a pesquisa- parte de um novo contexto, que exige engajamento, mediado pelo diálogo peda- ências dos processos de ensinar e
Para ela, o diálogo se con- dora, ao tomar como referência dos professores um modelo de ensino no gógico, promovendo reflexões para uma aprender, dos processos de refletir,
trapõe ao silêncio ou à omissão, ao essa obra, fica evidente o debate qual não foi possibilitado na formação mudança educativa”, explica Francis- escrever, falar e escutar, estimu-
incentivar, valorizar e respeitar os sobre a importância do diálogo no inicial, saberes docentes/profissionais ca Jandira Machado Neves. lando a participação de alunos,
diversos posicionamentos, tendo cotidiano da escola, sem, no en- que os capacitassem a agir com mais A pesquisadora afirma que professores, gestão e supervisão
em vista que o diálogo proporcio- tanto, negar a existência dos con- desenvoltura/segurança nesse cenário de o conceito de diálogo em Freire é em favor das transformações de-
na perguntas, respostas, dúvidas flitos, especialmente nos tempos incertezas”, constata. muito forte, pois esclarece que só mocráticas da escola e, consequen-
e esperança. “O diálogo corresponde atuais. “O diálogo é práxis que pode Partindo dessa premissa, existe liberdade plena quando o temente, da sociedade, buscando
aos anseios e reivindicações educacionais transformar a escola. Todos os países en- com o coletivo da escola, Francis- indivíduo se liberta da consciência incessantemente a superação das
históricas de professores que precisam, frentam os desafios desencadeados desde ca Jandira Machado Neves ideali- ingênua, da ideologia dominante. injustiças educacionais e sociais”,
cotidianamente, comprometer-se com a o início da pandemia. Diversos setores zou os diálogos pedagógicos, com “O diálogo é uma expressão do pensa- finaliza Francisca Jandira Machado
mudança, sobretudo, em tempos de mais foram afetados, sobretudo a educação, a ênfase em estudos das metodolo- mento, que nos possibilita uma reflexão Neves.
50 100 anos de Paulo Freire | set 2021 Professor|Formador de Profissões 51
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Universidade Estadual do Maranhão|UEMA