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TEXTO 01- Leitura do trecho de Menino de engenho,

de José Lins do Rego

“A minha tia Siazinha era uma velha de uns sessenta anos. Irmã de minha avó, ela
morava há longo tempo com seu cunhado. Casada com um dos homens mais ricos daqueles
arredores, o doutor Quintas, do Salgadinho, vivia separada do marido desde os começos do
matrimônio. Era tudo isso, como um tirano. Meu avô, que não se casara em segundas
núpcias, tinha, no entanto, esta madrasta dentro de casa.
Logo que a vi pela primeira vez, com aquele rosto enrugado e aquela voz áspera, senti
que qualquer coisa de ruim se aproximava de mim. Essa velha seria o tormento da minha
meninice. Minha tia Maria, um anjo junto daquele demônio, não tinha poderes para resistir às
suas forças e aos seus caprichos. As pobres negras e os moleques sofriam dessa criatura uma
servidão dura e cruel. Ela criava sempre uma negrinha, que dormia aos pés de sua cama, para
judiar, para satisfazer seus prazeres brutais. Vivia a resmungar, a encontrar malfeitos, poeiras
nos móveis, furtos em coisas da despensa, para pretexto de suas pancadas nas crias da casa.
As negras odiavam-na. Os meus primos corriam dela como de um castigo. E quando
saía para a casa de uma filha, na cidade, era como se um povo tivesse perdido o seu verdugo.
Minha tia Maria assumia a direção da casa — e todos iam conhecer a mansidão e a
paz de uma regência de fada. Depois que vim a saber as histórias de rainha cruéis, as intrigas
perversas de Anas Bolenas, acreditava em tudo, porque me lembrava da tia Sinhazinha”.

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