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4 A exclusdo como processo social Em 2002 assisti, na USP a uma palestra da saudosa e querida Dra. Lygia Amaral que, baseada em José de Souza Martins, me levou a refletir e a concor- dar que exclusio nao é 0 avesso de inclusao, pois o avesso desta pode ser uma incluséo marginal,‘na medida em que a sociedade capitalista desenraiza, exclui, para incluir de outro modo, segundo suas préprias regras, segundo sua propria ldgica. O problema esta justamente nessa inclusao” (Martins, 1997, p.32). A magnitude da questao, em decorréncia da quantidade de grupos e individuos vitimas da excluséo ou da inclusdo marginal, justificaria a produ- ao de um livro dedicado exclusivamente a esse grave problema. No entanto quero apresentar, apenas, algumas idéias a respeito, o que me levou, para nado tornar este texto muito extenso, a aborda-lo, desdobrando o tema nos seguintes topicos: | — Andlise da exclusao social. 2—A construgao do imaginario social sobre as pessoas com deficiéncias. 3 — Mecanismos excludentes no processo educacional escolar. 4—-E entio... Anilise da exclusdo social Fala-se muito, hoje, da exclusdo social embora, historicamente para muitos, a condigdo de exilio, de separaco, de ficar 4 parte, segregados e experimentando sentimentos de rejeicao, tenha sido uma caracteristica de suas vidas.Parafraseando Julien Freund (citado por Xiberras,1993) po- demos constatar que a maior parte das sociedades histdricas estabeleceram uma distingdo entre os membros de pleno direito e os membros com um estatuto a parte.A exclusio fazia entao parte da normalidade das sociedades sem levantar casos de consci- &ncia moral ou politica,a nao ser quando suscitasse a misericérdia sob 0 signo da virtude da caridade (p.7)'°. Se a exclusio fazia parte da “normalidade das sociedades”, nao mais desejamos que continue assim, tanto sob o aspecto fisico, espacial no qual se segregam grupos Ou pessoas, quanto nas formas simbdlicas de exclusio, objetc do segundo item deste capitulo. '° Extraido do prefacio do livro de Xiberras e que consta da bibliografia. Editora Mediagao 46 Rosita Edler Carvalho 47 Mas, e curiosamente, constata-se, na histérica odisséia do sujeito som deficiéncia, que uma das formas de enfrentamento de sua diferenca, ‘seme fator de exclusao social, tem sido a busca da “normalidade”, em vez = defesa de seus direitos de ser “autorizado”, socialmente, como diferen- = s=m preconceitos e discriminagées! Com propriedade, nos fembra Weteles (1999), que 2 esforgo ea luta institucional ao longo de décadas para produzir finalmente esse efeito de incorpora-lo a um padrao de normalidade segundo o qual sua diferenca teria diminuido, pois os sistemas de reabilitacao teriam incorporado neles aquelas habilidades que os inseriria na condi¢ao de normalidade (p.91). Certamente essa e outras providéncias normalizadoras, objetivavam — come até hoje ocorre — evitar a exclusdo, embora sem alcangar 0 éxito Geseizdo... Talvez uma das possibilidades de reverter, definitivamente, os pro- s=ss0s excludentes seja a de ressignificar de fato e em nds, a idéia que s=>os da nossa propria “normalidade” e, dentre seus corolarios, o que ees leva a supor que, por sermos “normais”, somos seres completos, j4 == nZo nos faltam os sentidos, a inteligéncia, a capacidade motora, ‘scomotora... agora e para sempre. Trata-se de tarefa muito complexa, pois vivemos numa época na 2! 2 comunidade deu lugar a sociedade anénima...e em que sao pratica- Ses valores impessoais.A confirmagao disso é a constatacao de que mui- === dends sequer conhecemos os préprios vizinhos! Mas essas constatagdes ever estimular-nos a remover tais barreiras, em vez da desisténcia, pois =s2 produz acomodacio! Acredito que a questao da exclusao social tem ocupado, atualmen- <=. importante espago nas reflexdes de todos nés, particularmente por- que OS autores que escrevem sobre a dinamica das sociedades'' tém de- senciado as desigualdades sociais e as praticas excludentes, defendendo os ideais democraticos calcados nos direitos humanos, em especial no da xaidade de oportunidades, para todos. Esse tem sido o texto do discurso que, nem sempre, corresponde as praticas sociais em curso, principalmente em paises subdesenvolvidos. Atualmente, discutir a exclusao apresenta-se, de um lado, como uma vesposta da sociologia para combater intelectualmente o problema e, de conceito de sociedade adotado foi extraido do texto de Francisca Nobrega:"O processo vo de imaginar” (1992). Segundo esta autora sociedade é ‘institui¢o ou conjunto de 22s organizadas conforme um esquemia de prescrigdes e de interdig6es normatizadoras do snpenho convivencial das pessoas. Toda sociedade é um sistema de normas”. Editora Mediacéo 48 Educacao inclusiva outro lado, uma saudavel manifestagao dos grupos de excluidos que tém lutado por efetivas agdes em respeito aos seus direitos de, sem discrimi- nagées, serem integrados na sociedade. A cada dia, eles e muitos de nés, vamos tomando consciéncia de que os mecanismos excludentes decorrem dos estigmas e preconceitos relativos as caracteristicas biopsicossociais dos individuos e, também, de determinados fatores constitutivos da sociedade, geradores de tantas de- sigualdades. Para Castel (1996), citado por Demo (1998) como um dos tedricos mais conhecidos da exclusao social: A marginalidade — dever-se-ia, antes, dizer marginalizacao — é assim uma producao social que encontra sua origem nas estruturas de base da sociedade, na organizacao do trabalho e nos sistemas de valores dominantes, a partir dos quais se repartem os lugares e se fundam as hierarquias, atribuindo a cada um sua dignidade ou sua indignidade social (p.2!). _ _ Sao excluidos, portanto, todos aqueles que sao rejeitados ¢ levados para fora de nossos espa¢os, do mercado de trabalho, dos nossos valores, vitimas de representacao estigmatizante. Hoje, gracas aos avangos nos processos de socializagdo da informa- 40, as desigualdades sociais tém sido denunciadas publicamente, tornan- do-se mais conhecidas e combatidas. Felizmente, as quest6es sobre exclu- s&o/marginalizagdo constam das mesas de debates onde sao analisadas, buscando-se acabar com as praticas que as produzem e mantém, discrimi- nado e segregando pessoas e populagées. Segundo Xiberras (op.cit.), sob o olhar da cultura ocidental, fundada sobre © paradigma individualista, a excluséo social deve ser considerada em termos das relagées interpessoais que se manifestam como praticas sociais de hostilidade, de rejei¢ao que: ou colocam os grupos a parte, de fora, ou os excluem por dentro, provocando a formagao de guetos, por reclusao. Aprofundando as reflexdes em torno das relacdes dos seres huma- nos entre si, ocorre-me citar Paugan (1996) para quem as hostilidades interpessoais ou grupais geram rupturas, destruigao dos liames sociais e crise identitaria. A questao do vinculo, do liame social, parece-me clara- mente examinada por Demo (1998) quando afirma, que a destrui¢do dos liames coesivos na sociedade apresenta-se como um dos nu- cleos mas decisivos da exclusio.A pobreza material é sempre marcante, mas esta condi¢&o nova passaria também pela perda do senso de pertencer, dando a entender que tais populagdes experimentariam o sentimento de abandono por parte de todos, acompanhado da incapacidade de reagir (p.18-19). Editora Mediagao Rosita Edler Carvalho 49 Ayangando mais nesta linha de reflexdes, dela extraindo subsidios === 2bordar a questao do grupo das pessoas com deficiéncias, preciso -=somar, ainda no eixo epistemoldgico de analise, a contribuigao de Dersheim (1978, apud Xiberras, op.cit.) relativa a distingdo entre solidarie- ‘See mecinica e solidariedade organica. Foram seus estudos sobre a natureza do laco social que o levarama srelis=r as forcas que permitem ligar os individuos entre si, ao mesmo “=>50 em que os liga a coletividade. Dai ele deduziu as duas formas prin- See de ligacdo, ou solidariedade: a mecanica e a organica. No primeiro caso, a solidariedade exprime-se de forma natural ou >=<2rica, simplesmente por contato ou proximidade entre os homens. Deere 2 solidariedade organica, quando os individuos tém consciéncia de ‘@e= precisa participar para fazer funcionar a coletividade como um todo. J==-s2, portanto, de uma consciéncia coletiva que, segundo o Durkheim sse=trdi-se pelos sentimentos e crengas comuns a média dos membros da =ss02s entre si e com a coletividade, todos os esfor¢os de combate a =ectuszo social devem ser, necessariamente, analisados em termos das seecicdes de acolhimento dos excluidos, pois nao € desprezivel a hipdte- == d= que prevalega a solidariedade mec&nica para as pessoas ou os grupos =cutdos, percebidos como “estrangeiros”, caso nao se estabeleca sua =2272¢20, levando as formas de solidariedade organica. Recorro novamente a Xiberras (op.cit.) porque concordo plena- ==c= com sua afirmativa, inspirada em outros pensadores, que a insergao === 0 um dos contrapontos da exclusdo) tem um percurso duplo: o dos dos e 0 dos integrantes da sociedade que devem desenvolver atitu- Ss de acolhimento para com aqueles A acolhida implica em uma série de ressignificagdes na percepcio utro, bem como num conjunto de providéncias que envolvem, desde pacos fisicos até os espacos simbdlicos, ambos propulsores das for- == que qualificam a natureza dos lagos sociais. Estes se manifestam por melo de interagdes, com trocas mutuas entre os dois grupos de atores: 0 Ses excluidos e que se inserem na coletividade e os socius, dela partici- <=s como membros ativos. Segundo a importante contribui¢io de Costa-Lascoux (1989), so- r= niveis de acolhimento e a natureza dos lacos sociais, devemos exami- =rés conceitos vizinhos: inser¢ao, integracado e assimilagao, segundo os (apud Xiberras,op. cit., p.26): z= os Editora Mediagao 50 Educagéo inclusiva (a) insercao indica as condi¢ées de acolhimento dos excluidos, coma manutengio dos particularismos de origem. Na inser¢ao prevale- ce a solidariedade mecAnica; (b) integragao indica a participagao dos excluidos, nao mais como simples ocupantes de um espago fisico ao lado dos outros, mas dispondo de reciprocidade nas interagGes, em coeréncia com o grupo como um todo, de acordo com a nogio de solidariedade organica durkheiminiana; (c) assimilagao indica a unidade do grupo, como espaco Ultimo de refe- réncia a preservar e no qual, igualmente prevalece a solidariedade organica. Com base nesses conceitos, vizinhos, mas desiguais, no caso das pessoas com deficiéncia, cabe perguntar,:- inserir, integrar ou assimilar? Onde? e/ou — Excluido(s) de qué? De onde? Por qué? . Tais indagagées se justificam pelas reflexes que suscitam. Uma, pelo menos, relacionada aos espacos fisicos e as outras referentes as relagdes interpessoais ou as instncias sociais, bem como aos lagos simbdlicos que os trés processos sociais citados por Costa-Lascoux propiciam. Em cada um desses processos, o acolhimento manifesta-se com ca- racteristicas proprias, enquanto resgate dos vinculos sociais e simbdlicos que ligam cada individuo a seus semelhantes e a sociedade. A excluséo nem sempre é visivel, como o é a que se manifesta por comportamentos de evitagao explicitados na separacio fisica isto é, espacial. A exclusao pode-se apresentar, também, com formas dissimuladas porque simbdlicas, mas presentes nas representagGes sociais acerca dos excluidos. Embora com baixa visibilidade, os processos de exclusdo simbdlica igualmente geram rupturas nos vinculos que ligam os atores sociais entre si € com os valores compartilhados. Talvez tais processos simbdlicos se- jam os mais perversos, até porque podem ser considerados como os res- ponsaveis, an6nimos e ocultos, das formas visiveis da exclusdo. As correntes sociolégicas contemporaneas apontam para a necessi- dade da mudanga de referencial, abandonando-se o individualismo que é excludente por definicao, para examinarmos a tematica da exclusao e a do desvio, sob outra ética na qual o Homo Economicus nao seja o modelo dominante, como ocorre atualmente. A construgao do imaginario social sobre as pessoas com deficiéncias Como acabei de mencionar e agora reforco, uma das formas de Editora Mediagao Rosita Edler Carvalho 51 =eclusao social, talvez a mais perversa porque “invisivel” e mitica é a sim- Boaea"”, Na sociedade contemporanea, em busca da produc&o de sentido, os @scursos sobre os outros ganham novos significados, fugindo da =2conalidade instrumental, propria do Iluminismo. Uma das caracteristicas da época atual, chamada por muitos de pés- =odernidade'’, reside no novo entendimento que se tem do papel da lin- =-=em e sua importancia, a ponto de ter resultado num movimento que se == ominou de virada lingiiistica.No dizer de Veiga Neto(s/d), de uma maneira um tanto simplificada, podemos dizer que hoje se compreen- de a linguagem nao mais como um meio de representagao que fazemos da realidade, mas como um instrumento que institui a realidade. Costuma-se di- zer que sao os nossos discursos sobre © mundo que constituem o mundo (pelo menos aquele que interessa), Ou seja,a questio nao é perguntar se fora de nés existe mesmo um mundo real, uma realidade, (seja ela metafisica ou pao); a questio é perguntarmos se o mundo faz sentido para nés ou, melhor dizendo, sobre o sentido que colocamos no mundo. E essa colocasio se faz pela linguagem (p.4). Na medida em que o discurso tem o poder de instituir a realidade ‘=mando em nés representagdes a seu respeito, podemos dizer que as =rsticas discursivas sao significativas na construgado de nosso imaginério. Penso que a cita¢ao de Foucault (2002) contribui para esta hipdtese. Beecle: As “palavras e as coisas” é 0 titulo — sério — de um problema; é o titulo ~irénico — do trabalho que lhe modifica a forma, Ihe desloca os dados e revela, afinal de contas, uma tarefa inteiramente diferente, que consiste em nao mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos significantes) que re- metem a contetidos ou a representagdes, mas como praticas que formam sis- tematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos sao feitos de © Seaindo Malrieu (1996:125), o imaginario se assenta no simbolo que é, simultaneamente, serz ¢ instrumento. Sua aco pode ser fugidia, como nos sonhos, ou de longa duracdo como sce com as religides e com os mitos sendo que, nestes, as origens afetivas do simbolismo == >wito evidentes. “Mins debates atuais em torno de idéias, talvez um dos mais complicados gire em torno da pés- =ecemidade, pois o proprio termo modernidade tem significados diversos segundo as diferen- = fguas € segundo a area do conhecimento humano em que seja empregado (historia, artes, Sescha, etc.) Alguns pensadores preferem usar a denominacdo ultra-moderno, neo-moderno == =aderno avangado. Ndo é minha intengdo entrar nessa discussio e, ao adotar a expressio ee=-modernidade, compartilho das idéias de Lyotard (1979) apud Xiberras, segundo as quais “==n0s uma época em que perdemos a credibilidade nas formas de pensar construtdas pelo S=sicmo, ou seja, em sua metanarrativa. Editora Mediagao 52. Educacio inclusiva signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas| E esse mais que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever (p.56). Os grifos sio meus e justificam-se na medida em que: (a)reforcam a citagao de Veiga Neto referente a linguagem e aos discursos que colocam sentido no mundo, por serem praticas que formam os objetos de que falam; e (b) “esse mais” que os discursos produzem, no meu entendimen- to, pode ser considerado como a constru¢ao do imaginario individual e coletivo. Mas 0 que é 0 imaginario e como ele se expressa? O imaginario € composto por um conjunto de relagdes imagéticas produzidas em nossos contatos cotidianos. Estou me referindo a produ- ao de imagens a partir das experiéncias perceptivas que temos do mundo que nos cerca. Cabe, desde ja, diferenciar imaginacao de percep¢ao, na medida em que esta é reconhecimento e identificagao de contetidos sensiveis, en- quanto a imaginagao consiste na simbolizacdo, ora completamente involuntaria, como no sonho, ora organizada e integrada num sistema de crengas coletivas. A imaginacao é, ainda, ““o meio que o sujeito encontra para compor uma representacao...integrando uns nos outros, aspectos do real e de si mesmo, que nao podiam ser apreendidos pela percepcao” (Malrieu, 1996, p.138). O imaginario, mais do que copia do real, é uma forma de ligar as coisas ao eu, ou de plasmar visoes de mundo, modelando condutas e esti- los de vida.A construcao do imaginario social tem um percurso simbdlico © que o“torna dependente do fluxo comunicacional entre o emissor (que irradia uma concepcao de mundo integrada a seus objetivos estratégicos) € o receptor (que a decodifica ou nao)” (Moraes, s/d). Com base em todas essas informagées, creio que ja dispomos de elementos suficientes para tecer algumas consideracées relativas 4 cons- trugao do imaginario social sobre as pessoas com deficiéncia. Procurarei abordar a questao a partir das narrativas que se tém construido a respeito dessas pessoas embora caiba enfatizar que elas nao devem ser considera- das como um grupo homogéneo, mesmo se tém deficiéncias comuns. Tal como afirma Skliar (2000) precisamos compreender o discurso em torno da deficiéncia para logo revelar que o obje- to desse discurso nao € a pessoa que esté numa cadeira de rodas, ou o que usa Editora Mediagao Rosita Edler Carvalho 53 um aparelho auditivo ou o que nao aprende segundo o ritmo e a forma como a norma espera... deficiéncia est relacionada com a propria idéia de norma- lidade e com sua historicidade (p.5). Calcados na concepgao de normalidade — mesmo sem termos na ponta da lingua a resposta para o que é ser normal — construimos o imagi- nario acerca dos deficientes, em torno da oposic4o bindria: normalidade & deficiéncia. Pensamos a contradi¢ao entre normalidade e deficiéncia, como pdlos opostos, em vez de pensar por contradi¢do (Saviani, 98, p.128). Sob a primeira matriz de pensamento — pensar a contradigao ~ cri- amos representagées, imagens em torno das pessoas com deficiéncia, pelo que {hes falta, o que as torna “diferentes” porque sao “incompletas”. Sao percebidas como diferentes, também, porque nao sao iguais aquelas ditas normais. Estas raciocinam com abstragao, enxergam, ouvem, andam sem nenhum equipamento de apoio, sem incoordenagées, comunicam-se de varias maneiras, comportando-se em conformidade com o que se consi- dera “normal”. Pensar a contradi¢ao representa, sem duvida, valorizar a hegemonia da normalidade que, se “desrespeitada”, gera imaginarios construidos em rorno do déficit dos sujeitos. Sob esse enfoque, a pergunta que aflora, imediatamente, diz respeito 4 natureza do agente mérbido (a causa) que thes provocou a deficiéncia, isto é, 0 defeito (seja sensorial, mental, fisico, motor...ou com outras manifestacdes). E, no caso das pessoas com altas habilidades, superdotadas, a hegemonia da normalidade também “atua” gerando indagagdes acerca da “superioridade” que apresentam, sejam intelectuais, artisticas ou de outra natureza. . Sob a segunda matriz de anilise e reflexao — pensar por contradigao — damo-nos conta de que fatos e fendmenos humanos nao podem ser enqua- drados na condi¢ao de serem “isso ou aquilo”, pois constata-se que eles vari- am segundo as condi¢des em que se manifestam e as expectativas dos grupos sociais em torno dos comportamentos das pessoas. A importancia que tem sido atribuida as causas da deficiéncia, com @nfase para os componentes organicos, gerou uma rede de significagdes que associa deficiéncia com doenca. Essa associacao obedece a esteredti- pos sociais muito estruturados em torno da normalidade como sinédnimo de satide e da deficiéncia como desvio, estigma, decorrente de patologias. E,no caso dos superdotados, sem tira-los da condi¢ao de desviantes, atribuem-se suas caracteristicas a fatores genéticos ou misticos, dentre outras causas. Tais percepgdes podem ser mais facilmente denunciadas e combatidas Editora Mediacao 54 Educagio inclusiva hoje, com a virada lingiiistica.O discurso fundante, calcado numa racionalidade objetiva em torno das deficiéncias e organizado como retéorica social, histé- rica e econdmica gerou, no imaginario sacial, um sujeito fundado como de- ficiente, incapaz e improdutivo, porque percebido apenas em suas limita- ¢Oes, qualquer que seja a manifestacao objetiva de sua deficiéncia. Como o mundo se globalizou priorizando-se as regras do mercado e exacerbando-se os processos competitivos — geradores de maior exclu- sao social ~, ficou mais objetiva a condi¢ao de vulnerabilidade de certas populagdes, como a das pessoas com deficiéncia. Segundo Castoriadis (1982), os movimentos sociais poem em questao as significagSes imagindrias da sociedade. E 0 que podemos constatar, dentre outros, nos movimentos dos negros, das mulheres ou de pessoas com defi- ciéncia. Neste caso, nao tém sido questionadas, apenas, suas especificidades como grupo, mas sim as formas de dominacao que, desde sempre, permearam as significagSes imaginarias, criando-se mitos como o de que deficiéncia é -sinénimo de ineficiéncia. Ou... que as altas habilidades fazem com que os superdotados acertem sempre e consigam, espontaneamente, resolver seus problemas com autonomia e independéncia...como super herdis. E, em sua odisséia histérica, 0 “sujeito deficiente” fundado no dis- curso da incapacidade tem sido etiquetado sob diversas denominacdes o que, em si mesmo, jd nos permite identificar as sutilezas com que se pro- cura mascarar a verdadeira imagem de sua alteridade', As varias etiquetas com que tém sido rotulados, como as atualmen- te mais usadas — pessoas portadoras de necessidades especiais'® ou com necessidades educacionais especiais — trazem, implicitas, referéncias aos seus comportamentos desviantes (mesmo para os de altas habilidades/ superdotados) e aos lugares institucionais que lhes cabem. Se na antigilidade, realizava-se o exterminio dos deficientes; mais modernamente sao considerados como merecedores de prote¢do, com a chancela de filantropia e de caridade, praticadas em espagos institucionais “4 Ocorre-me aqui lembrar dos estudos realizados por Foucault (op.cit,) em torno do dever ser do sujeito. Os diversos estatutos do dever ser foram determinados pelo discurso do poder, em exercicio. O sujeito do dever ser variou, segundo 0 conceito de normalidade, colocando os deficientes na condigao de anormais, “etiquetados” e institucionalizados como sujeitos para a reabilitagao, para a pedagogia terapéutica, ou para a educagdo compensatoria de suas incapaci- dades, excluidos das normas estabelecidas do dever ser normal. 5 Concordo inteiramente com o Prof. Marcos Mazzotta(2000) quando, enfaticamente, critica a expresso pessoa portadora de necessidades especiais. Necessidades nao se carregam como fardos, determinados para sempre. Necessidades se manifestam como exigéncias a serem su- pridas.A imagem de que alguém que porta uma necessidade, est a servico da crenga de que ela faz parte do seu “quadro” patolégico. Editora Mediagéo Rosita Edler Carvalho 55 que tém se organizado e funcionado como exclusivos e excludentes, Atualmente, sob o discurso da educagio inclusiva, pretende-se de- salojar o estatuido em torno da deficiéncia e romper a fronteira exclusdo/ incluso, inserindo todos os portadores de deficiéncia em turmas do ensi- po regular. Mas, se nao tivermos a coragem de enfrentar discuss6es assumindo udes mais criticas, poderemos ter, como resultado das propostas de incluséo educacional escolar, nada mais do que inserg¢ao fisica, com interagdes baseadas na solidariedade mecanica. Os sujeitos permanece- ro, operacionalmente, na marginalidade, excluidos e na incluséo marginal, como citado anteriormente. A rede de significagGes é muito mais complexa do que se pode imaginar para ser desmontada por providéncias includentes, baseadas em bulas legais, no forte e louvavel desejo de alguns, ou em decretos das instAncias que detém poder e autoridade. Retomando as idéias de Vidales (op.cit.) encerro este topico con- cordando com sua proposta: Se reconhecemos que vivemos num mundo construido pela linguagem estabelegamos agora uma verdadeira revolucao conceitual que nao perma- neca criando mecanismes artifici mas que possibilite um amplo reconheci- mento de que a diferenca 6 a normalidade (p.93). (O grifo é meu.) Sei que essa Mensagem, apesar do grifo que introduzi no texto, pode ser usada a servigo da inclusdo educacional em sua posi¢ao mais radical, Até por isso eu a escolhi... E que, valendo-me da tetralética anteriormente analisada, e assu- mindo posigées mais moderadas ou mais centrais, permito-me reconhe- cer na normalidade de ser diferente, a igualmente “normalidade” de se oferecerem diferentes mecanismos de suporte, como servi¢os de apoio ou substitutivos das modalidades de atendimento escolar existentes, com 2 qualidade que assegure e garanta 0 direito 4 aprendizagem e a participa- ¢4o de todos. Estou, com ousadia, propondo uma virada lingiiistica a servigo da construgdo do imagindrio individual e coletivo em torno das diferengas das pessoas com deficiéncia, sem negd-las ou banaliz-las, mas reconstru- indo-as numa nova rede de significagées na qual as narrativas dos préprios deficientes e de suas familias sejam constitutivas. Precisamos ouvi-los mais! Utopia? Talvez. Mas creio que vale a pena enveredar por esse caminho. Editora Mediagao 56 Educacio inclusiva Mecanismos excludentes no processo educacional escolar Por que as escolas podem ser produtoras de fracasso e gerar uma pedagogia da exclusao? O que acontece no interior das escolas (nao s6 as brasileiras) que leva os alunos e o sistema educacional ao insucesso espelhado em estatisticas, no minimo, alarmantes? Inumeros sao os estudiosos desse tema e nado menos numerosa e densa é a producao académica nesse sentido. Mas, apesar de tudo que se escreve e se fala a respeito e das medidas politico-administrativas implementadas, ainda convivemos com elevados indices de exclusao tra- duzidos, dentre outros indicadores por: alunos que nunca ingressaram na escola, defasagem idade-série, evasdo escolar, estratégias de aceleragao adotadas para compensar fracassos e evitar a repeténcia, baixa qualidade das respostas educativas das escolas, insatisfatorias condi¢ées de trabalho dos educadores, sua formago inicial e continuada, natureza da gestaéo escolar, dentre inimeros outros. Parece que ainda nao encontramos a resposta que explique o fra- casso escolar. Talvez ela nao deva ser procurada apenas na escola ou, como muitos ainda pensam, no aluno, como o responsavel solitario de um fra- casso que nao é sé dele, mas do qual é a maior vitima! Minhas reflexdes sobre o assunto tém sido refor¢adas pelas contri- buigdes tedrico-metodoldgicas de alguns autores que analisam a questao do fracasso escolar, tais como Fernandez (2001), Collares e Moysés(1996), Patto (1993), Pain (1982), Gentili, (1995). De Fernandez (200!) extrai a contribuicao referente a atividade de pensar, implicita no processo de aprendizagem e, muitas vezes, considera- da como uma das limitagdes do aluno, o que explicaria seu insucesso na escola. Afirma a autora que a fabrica de pensar nao se situa nem dentro nem fora da pessoa; localiza-se “entre”. A atividade de pensar nasce na intersubjetividade, promovida pelo desejo de fazer prdprio o que é alheio, mas também é nutrida pela necessidade de nos entender e de que nos entendam (p.21). Permito-me pontuar, a partir deste pequeno paragrafo, algumas ca- racteristicas dos processos reflexivos — e que fazem parte dos mecanis- mos cognitivos: * ocorrem na intersubjetividade; « dependem da motivacao e do desejo; e dependem da significagdo que o objeto tenha, para a atividade de pensar; Editora Mediagao Rosita Edler Carvalho 57 « ou dependem da constatacao de que o “objeto” do pensamento é um “bem” historicamente construido e que pode ser reconstruido; « dependem, ainda, da importancia de dispormos de conhecimen- tos que possam se organizar em nos e nos permitam dialogar e expressar nossas idéias, com a clareza suficiente para que sejam entendidas pelos nossos interlocutores. Penso que se tratam de argumentos suficientes para tirar alunos = professores do banco dos réus, nessa perversa busca por culpados. => outras palavras, quero me referir ao ensino/aprendizagem como =rocessos intimamente relacionados, como as duas faces da mesma oeda, sem que se’ possa considerd-los isoladamente. Sob a dtica bipolar'*, na “face” do ensino no espago educacional =scolar colocamos os professores que, em sala de aula, repassam conheci- mentos e experiéncias aos seus alunos. Na outra face da moeda costuma- es situar os alunos, esquecendo-nos de que, nesta perspectiva bipolar, verdemos a visdo do todo e, nela, as inter-relagGes que se estabelecem =>tre quem ensina e quem aprende, pois muito ensinam os que aprendem, < muito aprendem os que ensinam! Se concordamos que, para os docentes, ensinar deve ir além de transmitir formacées, pois 0 que se espera é promover a aprendizagem dos alunos, por eo de auxilio interpessoal,a tarefa torna-se intersubjetiva, dialégica, envolvendo mimeras modalidades as quais Fernandez denomina de “idiomas” (op.cit). Se professores e alunos por inumeros fatores (inclusive alheios 4 sua wontade) nao estiverem igualmente motivados, desejosos de aprender, de compartilhar idéias, conceitos, procedimentos e valores — estarao falando somas diferentes entre eles, ainda que se espere que o professor seja capaz de falar varios “idiomas”, para seu trabalho na diversidade. O reconhecimento, particularmente pelo professor, do idioma que utiliza cera ensinar levando o aluno a aprender, facilitara as relagGes intersubjetivas sermitindo-lhe torna-las mais criativas, diversificadas, objetivando atender aos weresses e necessidades dos diferentes aprendizes. O oposto, ou seja, 0 néo reconhecimento desses diferentes idio- ™2s, empobrece 0 processo, aprisionando os sujeitos. No caso do profes- or aprisiona-o, seja ao que tem que ensinar para cumprir com o progra- ™2 e repassar contetidos — como instrugdo — seja na falsa idéia de que o saber é monolitico e esta acabado. ‘e-me oportune relembrar a matriz de pensamento que opera pensando a contradi¢io, == vez de pensar por contradicéo, como jé comentei. Editora Mediagao 58 Educacao inclusiva No caso do aluno empobrece, porque lhe imp6e “aprisionar” seus interesses, sua inteligéncia e a autoria de seus prdprios textos, para ex- pressar-se num idioma que nao € 0 seu,“abandonando a tarefa de transfor- mar a si mesmo”. Por influéncia de um campo de forgas do qual nem sempre o professor tem consciéncia, ou sé pode controlar parcialmente (Netto, 1987) generaliza- se, lamentavelmente, a percep¢4o de que o sujeito que abandona a tarefa de aprender age assim porque é portador de uma deficiéncia.E se for superdotado e apresentar dificuldades pode-se, até, considerd-lo como preguigoso. O aluno “aprisionado” em dificuldades que a escola ainda nao sabe bem como resolver, passa a ser considerado deficiente. Uma pesquisa realizada por Colares e Moysés (1996) evidencia o quanto é marcante, no imaginario dos educadores atuais e dos profissio- nais das areas médicas,a correlacao que estabelecem entre o insucesso do aluno ea existéncia de uma possivel doenga que o bloqueia ou lhe impede a atividade de pensar e, conseqiientemente de aprender. As dificuldades dos alunos tém sido atribuidas a diversas causas como hiperatividade, disritmias, deficiéncia mental e a diferentes doengas que interfe- rem no “seu juizo”, segundo a fala de muitos de nossos professores. Em decor- réncia, costuma ser considerado como alguém que “nao-aprende”. Sara Pain (1989) tece importantes criticas a essa expressao, lem- brando-nos que a no¢ao de nao-aprendizagem nao é o reverso de apren- dizagem, pois esta “nao é uma estrutura, e sim um efeito e, neste sentido, é um lugar de articulagao de esquemas”’(p.15). Sob essa Otica, é importante entender a aprendizagem que, mesmo como processo individual, exige de nds conhecer e reconhecer 0 contexto em que se desenvolve. Esse aspecto é da maior relevancia para evitarmos os rétulos injustamente aplicados ao aluno, gerando lamentaveis conseqiiéncias. Percebido como incapaz cria uma imagem desvalorizada de si mesmo que, além de sofrimento psiquico,acaba produzindo mecanismos reativos de aco- modacao ou de agressividade manifesta. Do mesmo modo que transformar questdes sociais em biolégicas tem sido chamado de biologizac4o, entender que as dificuldades de apren- dizagem de intmeros alunos traduzem um seu “defeito”, chama-se patologizacao e a busca de solucées, fora do eixo de discussao de nature- za politico-pedagdgica, é denominada medicalizacdo do processo ensino- aprendizagem (Collares e Moysés, op.cit). A generalizacao do processo de patologizaco é duplamente per- verso: de um lado rotula de doentes criangas normais e, por outro lado, ocupa com tal intensidade os espacos de discursos e de propostas de atendimentos, Editora Mediagao Rosita Edler Carvalho 59 == desaloja desses espacos aquelas criancas que deveriam ser os seus legitimos ocupantes. Estes, expropriados de seu lugar, permanecem a margem das acdes comcretas das politicas publicas. Segundo essas autoras (op.cit.), 9 universo de criangas normais que séo transformadas em doentes, por uma viséo de mundo medicalizada, da sociedade em geral e da instituigao escola em particular, é tao grande que tem nos impedido de identificar e atender adequa- damente as criangas que realmente precisam de uma atengao especializada, seja em temos educacionais, seja em termos de satide. Elegi essa citacao, porque diz respeito a dois segmentos de exclui- gos: 0 dos alunos com deficiéncia — a maioria dos quais, sequer esta em uma escola ~—e o dos alunos que podemos considerar como deficientes ercunstanciais, isto é tornados deficientes em decorréncia de serem tra- sados como doentes e por nao receberem as respostas educativas de que secessitam Creio que cabe, também, uma referéncia aos de altas habilida- es/superdotados, sempre que lhes forem negadas as oportunidades dife- renciadas de aprofundamento ou aceleracao curricular. E, ao destacarem os aprendizes com deficiéncias no grupo dos ex- iuidos por apresentarem necessidades especificas, as autoras deixam cla- *2 a importancia de que Ihes seja oferecida uma atencao especializada, wdependentemente do lugar que estejam ocupando na escola. Negar a deficiéncia (sensorial, mental, fisica, motora, multipla ou aecorrente de transtornos invasivos do desenvolvimento) de inumeras pessoas é tdo perverso quanto lhes negar a possibilidade de acesso, in- =resso € permanéncia bem sucedida no processo educacional escolar, re- bendo a educa¢ao escolar que melhor lhes permita a remocao de bar- veiras para sua aprendizagem e participacao. E, certamente, uma forma de exclusio, talvez mais grave do que a Ssica — que segrega pessoas em espacos restritivos, pois revela sua exclu- sao dentro de nés, num movimento inconsciente de rejeigao as suas dife- rencas, porque significativas. E entao... A partir de todas essas consideragdes ocorrem-me as Seguintes perguntas: « Como esta ocorrendo a inclusao dos excluidos em nossas esco- las? Estara, realmente, sendo traduzida pela melhoria da qualida- de das respostas educativas que Ihes oferecemos? Qu estara como incluséo marginal? Qual a natureza dos niveis de acolhimento e dos lacgos sociais que se formam? « Alunos com deficiéncias estarao nas nossas escolas, em classes do ensino regular, como meros ocupantes de um espaco fisico ao Editora Mediacao 60 Educagao inclusiva lado dos outros, mas formando nticleos de reclusdo, ou estarao integrados, experienciando reciprocidade nas interagdes com colegas, professores e demais funciondrios da escola? E na aprendizagem estarao, de fato construindo conhecimentos tal como seus colegas? Reduziram-se os estigmas que os colocam em desvantagem e os fazem desenvolver sentimentos de baixa auto-estima? Que lugar ocupam no imaginario dos educadores e da sociedade em geral? Evoluiram as praticas narrativas a seu respeito? Ea respeito dos que apresentam altas habilidades/superdotacao? Existira, entre todos os alunos, a solidariedade organica ou pre- valece a solidariedade mecanica? Como podemos analisar os mo- vimentos dos alunos ditos normais em relagao aos alunos com deficiéncias? E em relagaéo aos superdotados? Estardo, deficientes e superdotadbos, respeitados em seus idiomas? Sei que essas e muitas outras perguntas que me tém me inquietado, levam muitos educadores que defendem a inclusao radical (entendendo-a, até, como processo natural...) a considerar-me contrdria 4 proposta da inclusio em seu verdadeiro sentido e no seu aspecto referente a presenca de alunos com deficiéncia nas turmas do ensino regular. Este é um equivo- co e também uma verdade, por mais paradoxal que possa parecer. Explico: é equivoco pensar que sou contra a inclusio porque defendo e luto: pela universalizacao da educagao, isto €, para que todas as escolas acolham todos os alunos oferecendo-Ihes educagao de qualidade (e isso € inclusao); pela matricula de alunos com deficiéncias nas turmas ditas regula- res, desde que lhes sejam asseguradas e garantidas praticas peda- gogicas e todas as modalidades de suporte que permitam a remo- ¢40 de barreiras para sua aprendizagem e para sua participagao; por uma rede de ajuda e apoio a alunos que apresentem necessi- dades educacionais especiais, seus pais e professores; para que possamos oferecer aos alunos de altas habilidades/ superdotados, as respostas educativas que atendam a seus inte- resses e necessidades; pela formagao inicial e continuada dos educadores, introduzindo e desenvolvendo o estudo das caracteristicas cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos € mo- Editora Mediagaéo Rosita Edler C: ho 67 dalidades, das disposi¢des tanto psiquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou a ilusao (Morin, 2001, p.14); * para que as classes especiais nao mais sejam criadas ou mantidas, como até ent&o, para atender ao fracasso escolar, mas receio que sejam abolidas como ofertas educativas para os que dela, realmente necessitam e temo que o fechamento das mesmas acarrete a distri- buigao aleatoria de seus alunos pelas turmas do ensino comum, sem que possam ser devidamente apoiados (eles e seus professores); pela ressignificagao do papel das classes e das escolas especiais, até entdo exclusivas e excludentes, levando-as a oferecer as res- postas educativas adequadas aos alunos que necessitam de apoio continuo e permanente e que, por direito de cidadania, fazem jus a matricula na escola, para aprender. Mas, é verdade que critico a incluso educacional escolar sempre que: « for irresponsavelmente implementada; « for interpretada, apenas, como insercAo de pessoas com deficién- cia nas classes comuns, sem os cuidados com sua integragao no grupo, gerando-se a incluséo marginal, ou sua reclusao em guetos; * representar o “desmonte” da educacao especial, desconsiderando- se todo o seu percurso é as historicas contribuigdes que seus espe- cialistas tem nos oferecido e que sempre serao necessarias, pois, dificilmente, alguém podera ser especialista em generalidades; « for criticada a existéncia de escolas especiais, desacompanhada de uma anilise critica de seu processo e das fungdes que deverd assu- mir para fazer face aos desafios que o sistema educacional ainda nao pode resolver como, por exemplo, a educagdo para o trabalho, particularmente dos aprendizes deficientes mentais severos e pro- fundos, dentre outros, mais comprometidos; « forem banalizados e/ou extintos os servi¢os de ajuda e apoio a professores, alunos e seus familiares; « nao se der ouvido as opinides das prdprias pessoas com deficién- cias, querendo silencid-las com nossas vozes que abafam suas falas; e as familias nado puderem opinar, fazer escolhas, como é desejavel na democracia (pois esta é plural); « desconsiderarmos os apelos de nossos professores, aprisionan- do-os num ideal do qual ainda nao se apropriaram, pois isso leva tempo e é um movimento de dentro para fora; Editora Mediagao 62 Educagao inclusiva * nao aceitarmos a possibilidade de que escolas e classes especiais até possam ser inclusivas, dependendo da filosofia que embasa o projeto politico da escola e as pratica pedagdégicas adotadas; « usarmos narrativas que falam de tolerancia, de solidariedade, sem as devidas analises e criticas quanto as praticas discursivas que atendem aos interesses das regras do mercado, como convém ao capitalismo... * inserirmos pessoas com deficiéncia nas turmas do ensino dito regular, para que elas sirvam de estimulo ao resgate de valores humanos, lamentavelmente em declinio; « desconhecermos as especificidades dos grupos de pessoas com deficiéncias, desconsiderando a multiplicidade de suas manifesta- ¢6es e as varias estratégias que permitem remover barreiras para a aprendizagem e para a participa¢do de qualquer aluno. Para promover a inclusao (de todos os alunos) no espa¢o escolar, “ precisamos enfrentar os mecanismos excludentes que ocorrem no seu dia-a-dia. Eles podem ser relacionados ao fracasso escolar que acontece no interior da escola e tem relacdo direta com sua estrutura e funcionamento; com suas praticas disciplinares e pedagdgicas; com a formasio e as condigdes de trabalho do corpo docente; com a relagdo preconceituosa que os educadores geralmente estabelecem com as criangas e as familias das classes populares (Pato apud Collares e Moysés, 1996, p.12). Parafraseando Fernandez (op.cit),““devemos intervir no contexto que priva o aluno de um espaco de autoria de pensamento. Ou seja, devemos intervir no “sistema ensinante”. Assim como para quem vive na miséria e esta desnutrido nao adian- tam exames do aparelho digestivo, em busca de explicar porque nao se alimenta, e sim intervir no contexto que o priva de alimentos...do mesmo modo, para enfrentar os mecanismos excludentes, precisamos intervir no sistema educacional, ampliando, diversificando suas ofertas, aprimorando sua cultura e pratica pedagdgica e, principalmente, articulando-o com to- das as politicas publicas. A grande questao é@ como transformar o cotidiano da escola, que defende o mito da igualdade de oportunidades e a traduz como 0 ofereci- mento de educa¢ao idéntica para todos, desconsiderando-lhes a diversi- dade e a complexidade ou, no dizer de Fernandez, desconhecendo-se os diferentes idiomas de ensino e de aprendizagem. Embora seja sofrido, precisamos admitir que a escola tem legitima- Editora Mediacgao et et Rosita Edler Carvalho 63 22 2 exclusio, principalmente dos grupos em desvantagem, mesmo quan- 2 procura inserir alunos nas classes regulares, mas sem os apoios neces- sarios. E entéo?Vamos desistir, fazer as malas, juntar nossos objetos, desejos esperangas e mudar de profissio? Honestamente penso que nao, apesar <2 nao serem poucos os desafios que temos que enfrentar, a partir dos smas do medo ou dos “génios de Aladim” que povoam nosso imagind- Para que tenhamos uma escola verdadeiramente democratica e que seia espa¢o de exercicio de cidadania, devemos lutar, principalmente: ¢ por melhores condi¢ées de trabalho e de salario de nossos pro- fessores; por maiores investimentos na sua forma¢ao permitindo-lhes apro- Priarem-se de novos saberes e das tecnologias que possam estar a servico da educacao escolar; pela realizaco sistematica de avaliagdes do processo ensino-aprendi- Zagem, muito mais titil aos educadores do que as infindaveis e muitas vezes indecifraveis estatisticas do desempenho dos sistemas educa- cionais; « pela capacitagao dos gestores com vistas 4 administracéo com- partilhada; « pela constante reflexdo de todos os educadores acerca do senti- do da educagao num mundo globalizado e em permanente mu- danga; « pela educaco na diversidade, ampliando-se e aprimorando-se as oportunidades de aprendizagem por toda a vida; * por constantes (semanais?) relagdes dialdgicas entre professores dentro das escolas e entre escolas (mensais?) * para que o direito a educag&o seja entendido como um bem essencial que deve ser extensivo a todos. . Esta na hora de terminar esse texto. Afinal, temos muito o que fazer para transformar palavras em efetivas agdes que beneficiem a todos. E, no caso das pessoas com deficiéncia que do “todos” nao sejam excluidos de nossas narrativas e de nossas praticas inclusivas, aqueles mais comprome- tidos — como os deficientes multiplos — garantindo-lhes os espacos de aprendizagem de que necessitam de fato e de direito. Que tenhamos to- dos muita sorte e muita determinagao! Editora Mediacao

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