You are on page 1of 107

ANOREXIA NERVOSA (AN) E

BULIMIA NERVOSA (BN)


Elaboração

Luciana Raposo dos Santos Fernandes

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................................. 5

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 7

UNIDADE I
TRANSTORNOS ALIMENTARES...................................................................................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E DIMENSÃO MULTIFATORIAL NA ETIOLOGIA DOS TRANSTORNOS
ALIMENTARES......................................................................................................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
ABORDAGENS TERAPÊUTICAS PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DOS TA.......................................................................... 18

CAPÍTULO 3
A IMPORTÂNCIA DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR NO ÂMBITO DO TA.......................................................................................... 27

UNIDADE II
ANOREXIA NERVOSA........................................................................................................................................................................................................ 33

CAPÍTULO 1
CONCEITUAÇÃO DE AN..................................................................................................................................................................................... 33

CAPÍTULO 2
COMO A ANOREXIA AFETA O CORPO........................................................................................................................................................ 39

CAPÍTULO 3
ANOREXIA: CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E DIAGNÓSTICO............................................................................................................... 42

UNIDADE III
BULIMIA NERVOSA............................................................................................................................................................................................................. 49

CAPÍTULO 1
CONCEITUAÇÃO DE BN..................................................................................................................................................................................... 49

CAPÍTULO 2
COMO A BULIMIA AFETA O CORPO............................................................................................................................................................. 52

CAPÍTULO 3
BULIMIA: CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E DIAGNÓSTICO.................................................................................................................... 56

UNIDADE IV
A INCIDÊNCIA DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES........................................................................................................................................... 64

CAPÍTULO 1
TRANSTORNOS ALIMENTARES TANTO EM HOMENS QUANTO EM MULHERES .................................................................. 64

CAPÍTULO 2
TRANSTORNOS ALIMENTARES EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES............................................................................................ 76

CAPÍTULO 3
A IMPORTÂNCIA DE UMA BOA ALIMENTAÇÃO, A BUSCA PELA SUPOSTA PERFEIÇÃO E OS NOVOS
COMPORTAMENTOS ALIMENTARES LIGADOS À ANOREXIA E BULIMIA.................................................................................. 87

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................................................................... 99

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................................................... 100
APRESENTAÇÃO

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos
da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional
que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-
tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de


modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal
quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas


em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio
de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que
visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes
de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente
para o autor conteudista.

Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida
para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar


Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do
estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o
caso.

Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.

Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo,
facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar


Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar
a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o
módulo estudado.

6
INTRODUÇÃO

Nesta disciplina, serão abordados os transtornos alimentares (TA), mas com


maior destaque para os dois de maior incidência: a anorexia nervosa (AN) e a
bulimia nervosa (BN). Apesar disso, vale observar que todos os TA necessitam
de prevenção e tratamento por todos os meios possíveis, pois eles matam, seja
por problemas de saúde em geral causados pela desnutrição, seja por suicídio.
Portanto, na primeira unidade, serão tratados os conceitos e as classificações dos
transtornos alimentares; passaremos pela dimensão multifatorial da etiologia
de tais transtornos, pelas principais abordagens terapêuticas e pela importância
da equipe multidisciplinar no tratamento, com referência à recuperação, à
mortalidade e a exemplos de casos.

Já as Unidades II e III serão destinadas à anorexia nervosa e à bulimia nervosa,


respectivamente. Além dos conceitos de cada transtorno, abordaremos as causas,
as consequências, o processo diagnóstico e as características físicas e mentais
dos indivíduos afetados. Por sua vez, a Unidade IV evidenciará a incidência
dos transtornos alimentares em homens, mulheres, crianças e adolescentes;
a importância de boa alimentação; a busca pela suposta perfeição; e os novos
comportamentos alimentares inadequados que trazem prejuízos à saúde.

Objetivos
» Analisar as causas, as consequências e o processo diagnóstico tanto da
anorexia nervosa quanto da bulimia nervosa, bem como os impactos
desses transtornos na saúde dos indivíduos afetados.

» Reconhecer a importância da equipe multidisciplinar em ambos os


casos.

» Compreender os fatores envolvidos na incidência dos TA em homens,


mulheres, crianças e adolescentes.

» Ampliar o conhecimento a partir de estudos de casos.

7
TRANSTORNOS
ALIMENTARES UNIDADE I

É bem provável que os TA surgiram com o homem e evoluíram com ele, tanto
que receberam conceitos e classificações variadas ao longo do tempo. Dessa
forma, eles passaram de simples doenças corpóreas a distúrbios complexos e
multifatoriais, de modo que chegarem ao atual patamar de transtorno físico e
mental. Ao mesmo tempo, os TA também despertaram muitas especulações,
a ponto de serem atribuídos somente às mulheres, mas, na verdade, afetam
homens, crianças e adolescentes em proporções diversas. Isso ocorre devido a
fatores de risco internos e externos, aos quais todos estão sujeitos.

CAPÍTULO 1
Conceito, classificação e dimensão
multifatorial na etiologia dos
transtornos alimentares

Os transtornos alimentares (TA), relatados desde o Egito Antigo, caracterizam-se


por alterações no comportamento alimentar, as quais acabam por acarretar
problemas físicos, entre os quais emagrecimento ou obesidade. Ultimamente,
eles vêm ganhando destaque entre os pesquisadores, pois afetam em torno de
1% da população mundial, principalmente mulheres adolescentes e jovens; a
prevalência média homem-mulher é, aproximadamente, de 1 para 10.

Corroborando essa informação, a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia


(SBNp) emitiu boletim, em outubro de 2019, no qual deixa explícito que os
TA podem ser caracterizados por perturbações comportamentais relacionadas
aos hábitos alimentares. Normalmente, eles envolvem preocupação excessiva
com a imagem corporal, que gera comportamentos como a ingestão reduzida de
alimentos, o uso de laxantes e diuréticos ou a provocação de vômitos logo após o
consumo de alimentos.

9
Unidade i | Transtornos alimentares

Já o “Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM-V”, de


forma mais ampla, salienta que os TA formam um grupo de problemas, o qual
pode ser subdividido em:

Figura 1. Os TA afetam em torno de 1% da população mundial, com prevalência média homem-mulher, aproximadamente, de
1 para 10.

Fonte: https://healthinnovationnetwork.com/projects/national-programme-early-intervention-eating-disorders/.

» Anorexia nervosa (AN) – Caracteriza-se por restrição de ingestão


calórica necessária ao esperado desenvolvimento. Há medo intenso de
ganhar peso ou engordar, mesmo quando o peso já está baixo. Também
há perturbação no que se refere à experiência com o próprio peso, à
autoavaliação do corpo e à imagem corporal.

» Bulimia nervosa (BN) – Apresenta três características principais:


episódios recorrentes de compulsão alimentar; comportamentos
compensatórios inapropriados recorrentes para impedir o ganho de
peso; e autoavaliação corporal inadequada e influenciada pela forma e
pelo peso.

» Pica – caracterizada pela ingestão de substâncias diversas e sem


valor nutricional de forma persistente por, pelo menos, um mês.
Tais substâncias variam com a idade e a disponibilidade, mas o
comportamento do indivíduo que as ingere não pode ser explicado por
nenhuma prática culturalmente aceita ou pela exploração de objetos
com a boca, que acidentalmente são ingeridos. Além disso, quem
apresenta pica não tem aversão aos alimentos em geral, porém seu
comportamento tende a estar relacionado a outros transtornos mentais.

10
Transtornos alimentares | Unidade i

» Transtorno alimentar restritivo/evitativo – Refere-se à fuga ou


à restrição da ingestão alimentar, o que gera deficiência em relação às
demandas nutricionais do indivíduo. Este apresenta peso inadequado,
deficiência nutricional, dependência de alimentação enteral e/ou
alterações no funcionamento psicossocial, sem que tenha transtorno
mental, condição médica correlacionada, prática cultural aceita ou
aspecto desenvolvimental que explique tal comportamento.

» Transtorno de compulsão alimentar periódico – Atualmente,


é o transtorno alimentar de maior incidência, que se caracteriza por
episódios de ingestão de alimentos em quantidades maiores do que o
esperado em espaço curto de tempo, acompanhados de sensação de
falta de controle e certa angústia. Embora seja preciso considerar o
contexto para avaliar se a ingestão excessiva se dá por transtorno ou
por ocasião aceitável (no caso das festas, por exemplo), tal transtorno
é bem comum em pessoas com sobrepeso e obesidade, mas estas não
fazem tentativas de provocar a purgação, nem praticam exercícios
físicos ou realizam jejum. O diagnóstico se dá com base no modo
pelo qual a pessoa descreve seu comportamento, e o tratamento que
visa ajudar a pessoa a controlar a compulsão alimentar inclui TCC,
inibidores seletivos de recaptação de serotonina (como o ISRS, um
tipo de antidepressivo), medicamentos estimulantes, programas
de perda de peso, alguns medicamentos para redução de peso ou
estimulantes. Aqui vale notar que aproximadamente 3,5% das
mulheres e 2% dos homens têm transtorno da compulsão alimentar
periódica. Contudo o problema em si se torna mais comum com
o aumento do peso corporal; em alguns programas de redução de
peso, 30% das pessoas obesas ou até mais têm compulsão alimentar
periódica, transtorno que contribui para o consumo excessivo de
calorias.

Características que indicam transtorno de


compulsão alimentar periódico
As pessoas com transtorno da compulsão alimentar normalmente são mais velhas
que as que sofrem de anorexia ou bulimia. Além disso, elas tendem a:

» Comer bem mais rápido que o normal.

11
Unidade i | Transtornos alimentares

» Comer até se sentir desconfortável.

» Comer grandes quantidades de alimentos, mesmo quando estão sem


fome.

» Comer sozinhas para não ficarem constrangidas.

» Apresentar propensão tanto à depressão ou ansiedade quanto à


preocupação com a forma física, com o peso ou com ambos, quando
comparadas com indivíduos obesos que não apresentam o transtorno.

» Transtorno de ruminação – Distingue-se pela regurgitação repetida


do alimento já ingerido repetidamente. Mesmo quando esse alimento
está parcialmente digerido, ao voltar à boca, ele não causa náusea, nojo
ou ânsia de vômito aparentes. Apesar disso, tal comportamento não
pode ser explicado por condições gastrointestinais.

Já para a Organização Mundial da Saúde (OMS), os TA formam um conjunto de


doenças psiquiátricas de origem genética, hereditária, psicológicas e/ou sociais,
caracterizados por perturbação persistente na alimentação. Além disso, eles são
descritos como transtornos, não como doenças, justamente por ainda serem
cercados de controvérsias.

Note que, na maioria das vezes, tais transtornos transparecem fisicamente, mas
a natureza deles é psicológica. Nos casos da anorexia e bulimia, por exemplo,
ambos estão relacionados, principalmente, à adequação aos padrões estéticos
preestabelecidos pela sociedade. Embora sejam transtornos diferentes, por
vezes, passam despercebidos por um longo tempo e, quando diagnosticados,
comumente são negados por quem sofre com eles. Contudo ambos podem ser
tratados; quanto antes a terapêutica for iniciada, maiores serão as chances de
sucesso. Observe a diferença entre eles:

» Anorexia (AN) – O indivíduo tem visão distorcida da sua própria


imagem a ponto de se ver gordo, mesmo sem sê-lo. Em consequência,
come menos que o necessário por medo de engordar e, assim, adquire
controle sobre a comida. Desse modo, vai ficando muito abaixo do peso
considerado normal.

12
Transtornos alimentares | Unidade i

» Bulimia (BN) – Ocorre a mesma distorção da imagem corporal, mas


ela ainda vem imbuída de culpa, pois as pessoas querem emagrecer,
gostam de comer e, às vezes, fazem-no de forma excessiva, mesmo
quando conscientes da falta de controle. Então, elas comem e, em
seguida, autoinduzem o vômito ou usam laxantes e diuréticos.
Consequentemente, elas mantêm um peso corporal igual ou acima da
faixa mínima normal.

“O Mínimo para Viver” (no original: “To the Bone”): o filme da Netflix,
escrito e dirigido por Marti Noxon, aborda a anorexia a partir de Ellen, uma
jovem de 20 anos que lida com esse distúrbio alimentar que afeta milhares
de pessoas mundialmente. Entre idas e vindas às casas de reabilitação,
ela encontra o médico William Beckham, que lhe oferece um tratamento
nada convencional, que a desafia a enfrentar a sua condição. Embora
a trama seja dramática e mostre várias razões que podem ter servido
de gatilho para a jovem (problemas familiares, ausência do pai, baixa
autoestima etc.), a proposta não é procurar um motivo para entender o
porquê de ela estar doente, e, sim, dizer que os pretextos já não importam
mais, afinal o que realmente conta é se a jovem está apta a escolher um
caminho de força, esperança e recuperação ou, simplesmente, largar tudo
e se entregar ao transtorno.

Dimensão multifatorial na etiologia dos


transtornos alimentares
Os transtornos alimentares (TA) têm etiologia multifatorial que desencadeia
um modo complexo de funcionamento. Este deve ser entendido a partir de
agrupamento de fatores predisponentes, precipitantes e mantenedores, que
incluem aspectos biológicos, socioculturais, familiares e psicológicos:

» Fatores predisponentes – São aqueles que aumentam a chance de


aparecimento do TA. Normalmente, dietas (inclusive para emagrecer),
restrições alimentares e eventos estressores são considerados os
responsáveis pelo aparecimento dos sintomas. Além disso, os
fatores predisponentes são categorizados em três grupos: individual,
familiar/hereditário e sociocultural. Observe:

13
Unidade i | Transtornos alimentares

Tabela 1. Fatores predisponentes.

Individuais Familiares Socioculturais


» Traços de personalidade: » Agregação familiar. » Ideal cultural de
magreza.
› Baixa autoestima. » Hereditariedade.
› Traços obsessivos e perfeccionistas (AN). » Padrões de interação familiar:
› Impulsividade e instabilidade afetiva (BN). › Rigidez, intrusividade e evitação de
conflitos (AN).
» História de transtornos psiquiátricos:
› Desorganização e falta de cuidados
› Depressão.
(BN).
› Transtornos de ansiedade (AN).
› Dependência de substâncias (BN).
» Tendência à obesidade.
» Alterações da neurotransmissão:
› vias noradrenérgicas;
› vias serotoninérgicas.
» Eventos adversos:
› Abuso sexual.
Fonte: Morgan; Vecchiatti; Negrão, 2002, p. 19.

» Fatores mantenedores – São aqueles que determinam se o transtorno


será perpetuado ou não. Portanto, eles também podem ser diferentes
daqueles que os desencadearam. Observe:

Tabela 2. Fatores mantenedores.

Fisiológicos Psicológicos Culturais


» Privação alimentar favorece episódios de » Privação alimentar desencadeia » Magreza vista como
compulsão alimentar. pensamentos obsessivos sobre símbolo de sucesso.
comida e maior necessidade de
» Episódios de compulsão alimentar interferem
controle.
no metabolismo da glicose e insulina.
Fonte: Morgan; Vecchiatti; Negrão, 2002, p. 21.

Sobre os aspectos biológicos, socioculturais,


familiares e psicológicos
Com o objetivo de elucidar a pluralidade e a complexidade da origem de padrões
de comportamentos alimentares distorcidos, apontamos o que mais se destaca na
literatura atualmente:

» Aspectos biológicos – Trata-se de fator de risco ligado à hereditariedade


que, por sua vez, está relacionada à tendência à obesidade. Esta prediz
aumento das chacotas relacionadas ao peso, o que leva o indivíduo a se
sentir insatisfeito com o seu próprio corpo. Outro fator apontado pelas

14
Transtornos alimentares | Unidade i

pesquisas seria a puberdade precoce, na qual o aumento da gordura


corporal em meninas causa reorganização da imagem corporal, que
pode acarretar maior preocupação com o peso. Embora a maior parte
das pessoas acometidas por esses transtornos sejam jovens adolescentes
do sexo feminino, homens e mulheres mais velhos também podem ser
obesos e ter transtornos alimentares. Histórias de transtorno psiquiátrico
na família, como depressão, transtornos da ansiedade ou de dependência
de substâncias, também são apontadas como aspectos relevantes nessa
análise, pois as restrições alimentares e os estados de desnutrição
geram alterações neuroendócrinas. Portanto, os aspectos genéticos e
metabólicos exercem influência na etiologia da obesidade, de modo que
eles vêm merecendo atenção dos pesquisadores que tentam elucidar
os vários mecanismos referentes ao desenvolvimento dessa patologia.
Segundo Hebebrand (2012):
Na AN [por exemplo], o estado de desnutrição gera alterações
neuroendócrinas que podem contribuir para a manutenção de vários
sintomas da doença. Uma possível hiperatividade de hormônio
liberador de corticotropina (CRH) pode contribuir para manter o
baixo peso na AN, já que esse hormônio causa anorexia, aumenta a
atividade motora e inibe a atividade sexual. Os níveis plasmáticos
de leptina são alterados devido à desnutrição na AN e esses podem
normalizar-se prematuramente ao peso, dificultando a recuperação
e manutenção do peso normal (HEBEBRAND, 2012 apud CARMO
et al., 2014, p. 175).

» Aspectos socioculturais – De acordo com Cunha (2008), existem


registros de que a questão do corpo sempre foi interpretada e
influenciada pelo sistema social. Valores socioculturais relacionados
à obesidade sofrem variação de uma sociedade para outra, nos
diferentes momentos da história. Nas antigas sociedades gregas e
egípcias, eram valorizados os corpos esbeltos e os traços finos. Já na
sociedade colonial, a ideia de saúde estava relacionada à corpulência,
de modo que as mulheres mais gordas eram consideradas mais bonitas,
pois o perfil untuoso remetia a um corpo bem nutrido – o volume era
atribuído ao vigor e à beleza. A partir da Revolução Industrial, foi
resgatado o conceito de beleza ligada à boa forma. Nessa época, o uso
dos espartilhos cada vez mais apertados tornou-se constante entre
as mulheres. Por sua vez, na década de 1960, a ditadura da magreza

15
Unidade i | Transtornos alimentares

foi legitimada pela mídia, que passou a veicular um padrão estético


arduamente perseguido, o que tornou a obesidade um modelo que
destoa da normalidade cultural. No entanto, precisamos considerar
que o estilo de vida moderno também propôs mudança nos hábitos
dos indivíduos em função da oferta de alimentos mais calóricos e
da redução de atividades físicas, o que ocasionou maior dificuldade
na manutenção do corpo esbelto. Dessa forma, o sofrimento e as
distorções passaram a imperar diante daqueles que não entendem que
a beleza é uma contemplação subjetiva, ocasionando o surgimento de
transtornos alimentares.

» Aspectos familiares – Embora os indivíduos possam desenvolver


transtornos alimentares por diferentes razões, independentemente da
organização de sua família, alguns estudos apontam que os sintomas
apresentados podem ser usados e mantidos por razões da própria
estrutura familiar. Consequentemente, o papel dos pais na formação
dos filhos quanto ao valor da aparência é crucial para o entendimento
de como alguns comportamentos alimentares são reforçados ao longo
da vida, bem como para os resultados disso. Um estudo longitudinal,
que avaliou tanto recém-nascidos quanto seus pais em relação aos
fatores preditivos de problemas alimentares na infância, demonstrou
que a insatisfação corporal da mãe, a internalização do ideal de magreza,
as dietas constantes, os sintomas bulímicos e o maior índice de massa
corporal da mãe e do pai aumentam a chance de aparecimento de
problemas alimentares na infância, o que pode aumentar o risco para
TA no futuro (MORGAN et al., 2012, p. 20). Logo, o funcionamento
da família e seus padrões de interação podem agir como dispositivos
que desencadeiam os transtornos alimentares; famílias muito rígidas
em relação à alimentação dos filhos, ou mesmo em relação ao controle
do peso, tendem a ressaltar a atenção deles para a relação com a
comida. Isso ocorre não só em relação ao excesso de atenção, mas
também devido à desorganização e à falta de cuidados; ambos podem
causar distorções. Assim, o contexto familiar se tornou foco de muitas
pesquisas que buscam entender o papel da família no desencadeamento,
na manutenção e remissão dos transtornos alimentares (COBELO;
SAIKALI; SCHOMER, 2008).

16
Transtornos alimentares | Unidade i

» Aspectos psicológicos – Tais aspectos, ligados aos transtornos


alimentares, incluem características da personalidade, baixa autoestima
ou autoavaliação negativa, traços obsessivos e perfeccionistas,
impulsividade e instabilidade afetiva. Existe também a comorbidade
ocasionada pelos transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade.
Quando isso ocorre, as manifestações da doença associada tendem
a ser similares às da primária, devido a rigidez de comportamento,
distorções cognitivas, necessidade de manter controle total sobre a vida
e falta de confiança. Essas características também podem anteceder
o desenvolvimento desse quadro clínico, principalmente quando
alguns fatores podem ser confundidos entre as causas e consequências
dos transtornos alimentares. Mesmo assim, também devem ser
considerados como fatores de risco a preocupação excessiva com a
comida, os sentimentos de inutilidade, os pensamentos inflexíveis, as
evidências de comportamentos purgativos (estes indicam que perda
de peso, dietas e exercícios físicos ocupam importância primária na
vida do indivíduo), a falta de expressão emocional, a instabilidade do
humor e, acima de tudo, as distorções da imagem corporal.

Confissões de uma garota linda, popular e (secretamente) infeliz: o livro


de Thalita Rebouças, ideal para indicar aos pais e aos adolescentes, traz
a história de Valentina, a garota mais popular, linda e invejada da escola
– mas isso só por quem a vê de fora e acompanha de longe sua vida cheia
de glamour nas redes sociais. De perto e por dentro, não é fácil ser ela,
como a própria menina diz. No terceiro ano do ensino médio, ela enfrenta
a pressão familiar para escolher uma profissão à altura de sua condição
social. Mas ela apenas quer cursar moda, sua paixão desde sempre e, em
consequência, recebe críticas constantes da mãe da avó. A tensão em casa
é agravada pela ausência do pai, que vive viajando a trabalho. Para segurar
a desgastante dinâmica familiar e as aventuras, bem como as desventuras
da própria vida, ela acaba por desenvolver transtornos alimentares. Embora
faça terapia, apenas quando conhece Stella, uma menina de condição
totalmente diferente da dela, é que Valentina percebe o perigoso processo
de autodestruição em que está entrando. Publicado pela Editora Arqueiro, o
exemplar que tem 256 páginas, custa cerca de R$ 32,00.

17
CAPÍTULO 2
Abordagens terapêuticas para
prevenção e tratamento dos TA

Por apresentarem incidência crescente, os transtornos alimentares necessitam


de prevenção e tratamento por todos os meios possíveis. Consequentemente,
diferentes abordagens teóricas trazem propostas para atender a essa demanda.
As mais difundidas, na atualidade, são as terapias comportamentais que propõem
sessões estruturadas e orientadas para metas. Contudo, além delas, destacam-se
ainda a Gestalt-terapia, a terapia psicodinâmica, as terapias fundamentadas na
psicanálise e a terapias corporais, que também se mostram muito eficazes. Observe:

Figura 2. Além das terapias comportamentais, há outras abordagens que são eficientes para atender à crescente demanda
dos TA.

Fonte: https://www.helpguide.org/articles/eating-disorders/eating-disorder-treatment-and-recovery.htm.

» Terapia cognitiva-comportamental (TCC) como opção de


tratamento aos transtornos alimentares – De acordo com Oliveira e
Deiro (2013), a TCC é uma terapia objetiva e semiestruturada, que foca
o sistema de crenças de um indivíduo e como esse sistema influencia os
seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. Portanto, quando
aplicada no tratamento de transtornos alimentares, ela se baseia
principalmente em técnicas para a redução da ansiedade, a modificação
de pensamentos e o manejo das perturbações comportamentais (jejuns
ou vômitos), os quais são fatores centrais que devem ser controlados.
Já o tratamento em si começa com a psicoeducação, que fornece
esclarecimentos sobre os transtornos alimentares e sobre o tratamento.
Em seguida, terapeuta e paciente estabelecem metas para a psicoterapia.

18
Transtornos alimentares | Unidade i

Depois, durante as sessões, o terapeuta conduz, junto com o paciente,


uma reflexão sobre os pensamentos, as emoções, os comportamentos
e sobre como esses componentes se manifestam. O objetivo é
fazê-lo examinar a validade de suas crenças e alterar tanto o seu modelo
mental quanto os seus comportamentos disfuncionais. Nesse âmbito,
os pensamentos distorcidos mais frequentes também são examinados
a fim de propor uma modificação no sistema como um todo, pois a
forma como pensamos e enfrentamos as situações com as quais nos
deparamos influencia nossas reações comportamentais, afetivas e
fisiológicas. De modo bem simplificado, a TCC objetiva proporcionar
melhora no quadro clínico a partir do autocontrole, do aumento da
autoestima, do controle da ansiedade, de modificações dos hábitos
alimentares e da adesão a exercício físico. Visa à redução ou ao aumento
gradual do peso, inclusive por meio de plano de tratamento familiar,
pois, nos últimos anos, mesmo sendo difícil saber se a família é vitima
ou geradora do transtorno alimentar, pesquisas na área apontam que a
família tem papel fundamental aos programas de tratamento para tais
transtornos. Relembrando que a TCC é semiestruturada, o trabalho
com a família também dispõe de estrutura sugerida, a qual passa por
quatro fases:

› Fase um – Refere-se à avaliação, momento em que o profissional


investiga o ciclo de vida da família e firma o contrato terapêutico
com ela.

› Fase dois – Ocorre a psicoeducação, responsável por esclarecer as


dúvidas tanto sobre o TA quanto sobre a própria TCC.

› Fase três – Propõe a reestruturação cognitiva por meio de técnicas,


como registro de pensamento disfuncional, questionamento socrático
e resolução de problemas.

› Fase quatro – É trabalhada a prevenção referente à recaída com


técnicas de fantasia forçada, cartão de enfrentamento, sessões de
acompanhamento e reforço.

Note que, nesse percurso todo, a família participa no intento de


proporcionar maior acolhimento e envolvimento com paciente, o que
torna a TCC mais eficaz.

19
Unidade i | Transtornos alimentares

» Os caminhos da Gestalt-terapia – Nunes e Holanda (2008) apontam


que o entendimento do que é o adoecer é essencial para a compreensão
de como essa abordagem lida com os TA. Logo, o adoecer é visto como
uma etapa de ajustamento criativo disfuncional, capaz de proteger
a pessoa de experiências insuportáveis. Por sua vez, o ajustamento
criativo seria a forma como as pessoas respondem ao meio, de maneira
ativa e criativa, em busca da satisfação de suas necessidades. Já o termo
“disfuncional” é empregado quando isso não acontece dentro das
demandas reais e atuais do organismo. Portanto, a psicopatologia é vista
como processo positivo de ajustamento em situações insustentáveis
ao indivíduo. Assim, a tradição fenomenológica, que fundamenta a
Gestalt-terapia, aponta o transtorno como um modo de ser ou de existir
no mundo. Considerando esse âmbito, podemos entender os TA como
ajustamentos criativos, que tiram a pessoa do contato com as tensões,
possibilitando que ela se aproprie do transtorno como mecanismo
de evitação, pois o seu foco passa a ser os comportamentos ligados
à comida (comer ou evitar, contar calorias e vomitar), não os seus
conflitos e suas angústias. Percebemos então que, nessa abordagem
terapêutica, o indivíduo é tomado como alguém profundo em
significados. Portanto, o sintoma não deve ser levado em consideração,
mas sim o sujeito como um todo. Partindo disso, a terapia deve ir
além do sintoma para que seja possível entender os processos que
o mantêm. Consequentemente, entrar em contato com os próprios
recursos pessoais ajuda o indivíduo no processo de transformação e
crescimento, fazendo com que ele entenda o significado que a comida
tem e o lugar que ela ocupa em sua vida. Concluímos, então, que o
objetivo dessa terapia não é só extinguir o sintoma, mas fazer com o
indivíduo possa vivenciar e despertar o que se sente no momento da
crise, no intento de desvendar tanto o que está acontecendo quanto o
que o aflige realmente.

» Abordagem psicodinâmica – Postula que o comportamento do


ser humano é determinado por processos mentais inconscientes,
constituídos, em sua maioria, na infância. Tal abordagem tende a ser
menos intensa e mais breve que a psicanálise. Além disso, ela foca
a dinâmica da relação do paciente com o terapeuta em ambiente
de aceitação e empatia. Já a proposta de tratamento é integrada – a
recuperação de peso, a melhora do quadro de sintomas e a compreensão
20
Transtornos alimentares | Unidade i

de aspectos psicológicos têm o mesmo peso e a mesma importância,


inclusive os terapeutas dessa área entendem que a proposta terapêutica
não pode ser voltada exclusivamente ao sintoma alimentar ou aos
conteúdos psicológicos, pois isso seria uma abordagem parcial e
incompleta. Desde a primeira sessão, o profissional adota atitude
empática, dá abertura e demonstra interesse pelo paciente para
estabelecer aliança terapêutica de imediato. Para tanto, ele precisa ter
escuta ativa para o relato dos afetos experimentados pelo paciente,
sem necessariamente interpretá-los. Logo, cabe ao terapeuta apenas
absorver o estado emocional dele, por meio do mecanismo de
identificação projetiva, enquanto o deixa expor sentimentos de raiva,
frustração, ansiedade etc. Aqui vale observar que pacientes com TA
apresentam profundas falhas na comunicação e é nesse momento de
verbalização do que se passa no campo de seus afetos que eles mesmos
começam a dar sentido ao seu estado emocional. Depois, quando o
paciente já apresenta condições emocionais e maturidade do processo,
as intervenções já podem ser feitas pelo terapeuta.

» Psicanálise e transtornos alimentares – Assim como na abordagem


anterior, a psicanálise defende que os processos mentais se estruturam
no inconsciente. Portanto, o entendimento dos transtornos passa pela
compreensão da relação do sujeito com a comida, pois, em alguns
casos, ela preenche um espaço emocional vazio, uma falta ou mesmo
uma perda. Como a sensação de que esse vazio nunca se completa,
a ação de comer é repetida muitas vezes, porque a saciedade dura
pouco tempo, o que caracteriza um processo compulsivo, que busca a
saciedade e o prazer. Contudo esse sentimento de insatisfação ou de
vazio emocional também é encontrado na anorexia, que tem como
característica central a restrição alimentar e o desejo incontrolável
de emagrecer cada vez mais (FERNANDES, 2006). Por sua vez, os
psicanalistas que atuam no campo de compreensão desses transtornos
ampliam a investigação por meio do método da associação livre.
Este revela angústias e questões que, sob a ótica da psicanálise,
estão relacionadas aos primeiros momentos do desenvolvimento da
vida mental do paciente e que estão muito além do conhecimento
consciente dele.

21
Unidade i | Transtornos alimentares

» Terapias corporais e sua proposta de intervenção no TA – Esse


tipo de terapia atua diretamente no corpo, nas sensações físicas e
nos estados emocionais, pois os pacientes com TA aparentemente
vivenciam uma cisão corpo-mente, de modo que não conseguem
perceber os próprios estímulos. Consequentemente, o terapeuta deve
ter a habilidade de fazer o paciente entrar em contato com o próprio
corpo que, tanto na bulimia quanto na anorexia, ele rejeita. As técnicas
concentram-se na consciência corporal, em exercícios de respiração,
automassagem e desenho do próprio corpo. Já as distorções relativas ao
corpo mostram a história do desenvolvimento do indivíduo. Portanto,
o terapeuta compara o que o corpo mostra com o que o paciente relata
no consultório, em termos de tensões, angústias, temores e queixas.
Depois, ao analisar a relação entre as duas dimensões, o profissional
obtém compreensão mais ampla dos problemas e, assim, propõe as
possíveis intervenções, as quais visam aliviar os bloqueios e estimular
a circulação da energia. Quando o paciente adquire maior consciência
corporal, é possível trabalhar a expansão da sua energia e a expressão
das emoções. Ao mesmo tempo, além de ativar as funções naturais
do corpo, também é afrouxada a rigidez física e mental. Portanto, o
objetivo dessas terapias concentra-se na obtenção de percepção de um
corpo saudável que vai além da forma e do peso. Consequentemente,
o propósito é fazer o paciente ressignificar a relação com o próprio
corpo, que tanto pode trazer satisfação quanto prazer a ele (COSTA,
2008).

Sobre a correlação polêmica entre abuso sexual e


TA
Embora muitos pesquisadores apontem as situações sexuais adversas como um dos
fatores importantes para a etiologia dos TA, como o abuso sexual, tal atribuição
ainda é polêmica devido às análises já realizadas, as quais apresentam resultados
bem diferentes. Tais análises, contudo, não descartam essa possível relação, de
modo que psicoterapeutas e pesquisadores que trabalham tanto com adolescentes
quanto com mulheres que sofreram abuso sexual na infância comumente
encontram alguns transtornos, especialmente bulimia, entre eles.

22
Transtornos alimentares | Unidade i

Afinal, todos nós sabemos que as consequências psicológicas do abuso sexual


ao longo do desenvolvimento assumem formas variadas que englobam desde
comportamentos autodestrutivos, passando por quadros psicóticos, até chegar
às doenças orgânicas (distúrbios gastrintestinais, cefaleia e dor crônica). Isso
quer dizer que os TA merecem atenção por parte dos profissionais de saúde,
que devem investigar a vida do paciente em todos os aspectos para oferecer
tratamento mais eficaz.

Partindo desse posicionamento, Martha Narvaz e Letícia L. Oliveira, ambas da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizaram revisão sistemática da
literatura e identificaram 462 referências relativas a abuso sexual e bulimia nas
bases de dados pesquisadas. No entanto, apenas 40 completaram os critérios de
inclusão. Os demais estudos tinham outros objetivos, além da associação com
transtornos alimentares, bem como apresentavam insuficiente descrição da
metodologia utilizada. Mesmo assim, elas dividiram as próprias descobertas em
duas grandes categorias:

» Categoria de Análise 1 – Abuso sexual e bulimia: Correlações


específicas – Englobaram artigos, nos quais encontraram associação
positiva entre experiência de abuso sexual na infância e/ou na
adolescência e posterior desenvolvimento de bulimia.

» Categoria de Análise 2 – Abuso sexual e bulimia: Correlações


não específicas – Reuniram artigos que não encontraram associação
específica entre experiência de abuso sexual na infância e/ou na
adolescência e posterior desenvolvimento de bulimia.

Durante a análise desses artigos, que utilizaram diferentes metodologias e


apresentaram resultados variados, as autores perceberam o seguinte:

» Hall et al. (1989) – Apontam alto índice de bulimia nervosa em


mulheres com história de abuso na infância, incluindo experiências
de incesto.

» Kerr-Corrêa et al. (2000) – Evidenciam que, entre adultos, os transtornos


alimentares são descritos como um dos efeitos psíquicos associados à
experiência de abuso sexual.

» Wonderlich et al. (1997) – Concluíram que abuso sexual na infância é


fator de risco para o desenvolvimento de bulimia nervosa.

23
Unidade i | Transtornos alimentares

» Sullivan et al. (1995) – Concordam com essa hipótese e, utilizando o


método de estudos de caso, encontraram uma taxa de 44% de história
de abuso sexual entre 87 mulheres com diagnóstico de bulimia em uma
clínica especializada para tratamento de transtornos alimentares.

» Wonderlich et al. (1996) – Em outro estudo, com amostra representativa


de 1099 mulheres norte-americanas, indicaram tanto que vítimas
de abuso sexual na infância desenvolveram mais comportamentos
bulímicos quanto que até um terço dos casos de bulimia pode ser
atribuído à experiência de abuso vivida.

» Welch e Fairburn (1996) – Compararam 102 mulheres adultas jovens


com bulimia nervosa com 204 sujeitos-controle sem transtornos
alimentares e com 102 sujeitos-controle com outros transtornos
psiquiátricos. Os dois grupos-controle foram pareados e obtidos dentro
da mesma amostra comunitária. No que se refere à história de abuso
sexual, ela foi encontrada em 35% dos casos de bulimia nervosa, em
ambos os grupos de mulheres.

Note que, embora a maioria das investigações tenha sido realizada com
adolescentes e mulheres jovens brancas ocidentais que, por sua vez, é a população
mais acometida pelos transtornos alimentares, significativa associação entre
abuso sexual e bulimia também foi encontrada em investigações com crianças
(WONDERLICH et al.,1997) e mulheres negras (STRIEGEL-MOORE et al.,
2002).

Ainda de acordo com a literatura, entre todos os TA, a bulimia nervosa é a


mais relacionada ao histórico de abuso sexual. Nesse contexto, pacientes
bulímicas apresentam maior incidência de experiências sexuais indesejadas do
que pacientes acometidas de anorexia nervosa (WONDERLICH et al., 1997).
A investigação de Waller (1991), com 67 pacientes anoréxicas e bulímicas,
confirmou essa concepção – as bulímicas apresentavam mais relatos de contato
sexual indesejado do que as anoréxicas.

Portanto, as pesquisadoras concluíram que, embora o abuso sexual não seja


fator causal para o desenvolvimento de transtornos alimentares, há influência
da experiência de abuso no curso de seu desenvolvimento. Além disso, o abuso
sexual é fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares,

24
Transtornos alimentares | Unidade i

especialmente quando há comorbidades psiquiátricas, tais como depressão,


tentativa de suicídio, transtorno bipolar tipo II, transtornos de conduta, transtorno
de personalidade fóbica, dependência de álcool e de drogas. Ademais, condutas
de autoagressão e automutilação, ideação suicida, cleptomania, doenças afetivas,
transtornos ansiosos, abuso e dependência de drogas, dificuldades sexuais e, até
mesmo, distúrbios dissociativos (ANDREWS, 1995; CORDÁS; BUSSE, 1995;
SULLIVAN et al., 1995) são mais comuns em pacientes bulímicos que sofreram
abuso sexual.

Já outras investigações (FOLSOM et al., 1993; McCLELLAND et al., 1991;


VIZE; COOPER, 1995; WALLER et al., 1993; WELCH; FAIRBURN, 1996;
WONDERLICH et al., 1997) contrariam essa hipótese ao concluírem que o abuso
sexual é fator de risco não específico e não causal para o desenvolvimento de
transtornos alimentares, em especial a bulimia nervosa.

Favaro, Dalle Grave e Santonastaso (1998), por exemplo, não encontraram


diferenças significativas entre experiências de abuso (sexual e/ou físico) e
severidade de transtorno alimentar entre pacientes com transtornos alimentares,
cujo comportamento autodestrutivo é tido como o preditor mais importante
de história de abuso. Schaaf e McCanne (1994) também examinaram a relação
entre abuso físico e abuso sexual na infância, transtornos da imagem corporal
e transtornos alimentares em 670 estudantes universitárias. Os resultados não
apontaram evidências de que o abuso estivesse associado ao desenvolvimento
de transtornos da imagem corporal, nem com a sintomatologia de transtornos
alimentares. Achados semelhantes ainda foram relatados por Pope, Mangweth,
Negrão, Hudson e Cordás (1994), que investigaram a prevalência de abuso sexual
na infância entre mulheres universitárias com bulimia nervosa em três capitais de
diferentes países (Áustria, Brasil e Estados Unidos). Contudo não encontraram
diferença significativa nas taxas de abuso identificadas em cada um desses países.
Portanto, eles não apoiam a hipótese de que mulheres bulímicas tenham sofrido
mais abusos que outras, nem confirmam a associação entre história de abuso sexual
e severidade de sintomas de bulimia.

Folsom et al. (1993), em trabalho semelhante, também compararam taxas de


abuso físico e sexual em mulheres com transtornos alimentares e transtornos
psiquiátricos gerais enquanto examinavam correlações entre abuso sexual e
severidade do transtorno alimentar e dos sintomas psiquiátricos. Embora as

25
Unidade i | Transtornos alimentares

taxas de abuso sexual tenham sido encontradas na amostra de mulheres com


transtornos alimentares, os indicadores não foram significativamente mais altos
que aqueles encontrados na população psiquiátrica geral. Além disso, também
não foi encontrada associação entre história de abuso sexual e severidade
do transtorno alimentar. Portanto, os resultados obtidos apenas sugerem
que experiências sexualmente abusivas podem estar relacionadas a maiores
dificuldades de ajustamento psicológico. Consequentemente, elas não contribuem
para a sintomatologia específica dos transtornos alimentares.

Por sua vez, o estudo de Rorty, Yager e Rossonotto (1994), com 80 mulheres
adultas jovens com história de bulimia nervosa e 40 mulheres que nunca haviam
tido distúrbios alimentares, encontrou, entre as bulímicas, taxas mais altas de
abuso físico, psicológico e múltiplos abusos. Apesar disso, não houve diferença
significativa entre os índices de abuso sexual entre os grupos, o que implica dizer
que o mais importante é examinar as diversas possibilidades de experiências
abusivas, não só sexual, em mulheres com distúrbios alimentares.

Constatamos, então, que há grande variabilidade dos achados. Para Pope e


Hudson (1992), que realizaram extensiva análise de artigos na área, as pesquisas
apontam índices entre sete a 69% para tal associação. Tamanha diferença,
segundo Pope et al. (1994), tem sido atribuída a limitações metodológicas, tais
como:

» comparações de grupos inadequados;

» definições problemáticas de abuso sexual;

» inadequada avaliação de abuso sexual;

» negligência em relação à ocorrência do abuso e ao início da bulimia


nervosa;

» inexistência de comparação entre grupos de pacientes psiquiátricos


e não psiquiátricos, o que torna impossível avaliar a especificidade
da bulimia nervosa, bem como estimar se esse é o único transtorno
associado ao abuso sexual.

Consequentemente, a polêmica persistirá enquanto não forem realizados mais


estudos, análises e metanálises que possibilitem consenso sobre o tema entre os
pesquisadores.
26
CAPÍTULO 3
A importância da equipe
multidisciplinar no âmbito do TA

Conforme descrito no Capítulo 1, a etiologia dos transtornos alimentares é


multifatorial e, em consequência, o tratamento também precisa ser realizado por
equipe multidisciplinar, composta por psicoterapeutas, nutricionistas, psiquiatras,
entre outros profissionais da saúde.

No caso da AN, por exemplo, a equipe ainda deve envolver clínico, enfermeiros
especializados, terapeutas ocupacionais e fisioterapeuta. Além disso, caso haja
recusa de tratamento por parte do paciente devido à negação do transtorno,
muitas vezes, faz-se necessária a internação, cuja indicação tem como base
o peso abaixo de 75% do mínimo para a pessoa ou menos 14 kg/m do índice
de massa corporal (IMC). Nesses casos, o tratamento é de longo prazo e deve
contar com o apoio da família, pois, além da recuperação do peso, o foco
também é a reeducação alimentar. Já o suporte terapêutico, geralmente, é
oriundo da TCC.

Figura 3. Como a etiologia dos TA é multifatorial, o tratamento precisa ser realizado por equipe multidisciplinar.

Fonte: https://www.keckmedicine.org/whats-the-difference-between-a-medical-doctor-and-a-nurse-practitioner/.

Note que, para tratamentos farmacológicos, não existe muita evidência científica
para indicação. Contudo qualquer medicação que possa ser prescrita deverá
ser ministrada com restrições, pois os pacientes estão física e mentalmente
debilitados. Às vezes, a anorexia ainda pode estar associada a quadros de depressão
e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). De qualquer forma, temos de entender
que o comportamento anoréxico é um pedido tanto de ajuda quanto de atenção,
que deve ser ouvido.
27
Unidade i | Transtornos alimentares

Características da AN
» Pânico – Medo intenso de ganhar peso ou de ficar gordo, mesmo
estando com o peso abaixo do normal.

» Perda de peso – Abstenção de alimentos que engordam e hábitos


como vômitos, uso de anorexígenos, laxantes e diuréticos, exercício
excessivo etc.

» Alterações hormonais – Ausência de pelo menos três ciclos menstruais


seguidos ou persistência de sangramento vaginal em mulheres que
tomam pílula.

» Magreza excessiva – Recusa em manter o peso corporal em nível


igual ou superior ao mínimo normal adequado à idade e à altura (peso
inferior a 85% do esperado) ou índice de massa corporal de 17,5 ou
menos.

» Negação – Perturbação no modo de aceitar o peso e a forma do corpo,


aliada à negação do baixo peso corporal.

Em mulher madura, por exemplo, as complicações da AN se evidenciam por


meio de pele facial muito seca, aumento de rugas, fissuras e flacidez, queda
acentuada de cabelos, desidratação corporal, antecipação da menopausa e
osteoporose.

Revisão bibliográfica sobre a recuperação versus a


mortalidade em casos de AN
Pinzon e Nogueira (2004) fizeram revisão bibliográfica que apontou as seguintes
taxas estatísticas, considerando a recuperação e as causas de mortalidade:

» Recuperação pós-intervenção terapêutica, especificamente para


os casos de AN:

› Completa (em torno de 50%): recaídas em torno de 12 a 57%.

› Intermediária (em torno de 30%): taxa de cronicidade das recaídas


de aproximadamente 20%.

› Desfavorável (em torno de 20%): taxas brutas de mortalidade variam


de 5% a 20%, e as comparativas, de 6 a 12,82%.

28
Transtornos alimentares | Unidade i

» Causas de mortalidade encontradas para a anorexia nervosa:

› de 50 a 54% devido às complicações do próprio transtorno alimentar;

› de 24 a 27% em decorrência de suicídio; e

› de 15 a 19% referentes a causas desconhecidas.

Sobre a BN
Há evidências científicas que comprovam a eficácia do tratamento farmacológico
para a BN, principalmente com antidepressivos, mas sempre associados à TCC.
Esta, por sua vez, foca a reeducação alimentar, compulsão, punição e baixa
autoestima, que formam o chamado ciclo bulímico. Observe:

Tabela 3. Ciclo bulímico.

Culpabilidade dirigida ao Ansiedade


corpo e à alimentação e raiva

Comportamentos
compensatórios

Ingestão
compulsiva
Culpabilidade dirigida
ao corpo e à
alimentação
Sensação de bem-estar
transitória

Fonte: https://sites.google.com/site/bulimiaeanorexia2/home/bulimia/o-ciclo-bulimico.

Por sua vez, o tratamento, normalmente em regime ambulatorial, pode ser


individual ou em grupo, pois ambos apresentam bons resultados. Portanto, as
internações são menos frequentes; somente são indicadas em casos extremos ou
quando há risco de suicídio.

Percentuais de recuperação em casos de BN


Além dos dados referentes à AN, a mesma revisão bibliográfica (PINZON;
NOGUEIRA, 2004) também estimou que a BN nervosa tem evolução estatística
mais positiva nos tratamentos. Em termos percentuais, temos o seguinte:

29
Unidade i | Transtornos alimentares

» recuperação total – de 50% a 70%;

» recaída – de 30 a 50%; e

» mortalidade – de 0,3 a 3%.

Sobre as internações
Os transtornos alimentares, nos quais estão inclusos a AN e BN, são tratados
de forma ambulatorial, porém alguns casos precisam de internação devido às
principais condições psiquiátricas associadas a eles. Observe:

Tabela 4. Condições psiquiátricas comorbidas para admissão de paciente com TA.

Planos específicos com forte intenção e alta letalidade somados às tentativas de suicídio e
Risco de suicídio
depressão psicótica.
Normalmente é muito baixa, pois os pacientes estão preocupados com pensamentos
repetitivos e intrusivos que causam grave comprometimento do funcionamento. Apesar
Motivação
disso, mesmo quando encontram ambiente altamente estruturado para iniciar o tratamento
efetivo, eles são pouco cooperativos.
Comportamento Os pacientes são incapazes de controlar episódios diários e múltiplos de purgação, que
purgativo podem ser graves, persistentes e incapacitantes, mesmo diante de tentativa adequada de
(incluindo laxativos e tratamento ambulatorial. Por isso, eles precisam de supervisão tanto antes e depois das
refeições quanto durante o uso do banheiro.
diuréticos)
Transtorno de abuso Pacientes que apresentam esse transtorno requerem tratamento de retirada de substância,
de substâncias combinada com a reabilitação nutricional, em unidade de hospitalização.
Estressores psicossociais significativos, com uma rede inadequada de suporte, podem
facilitar o comprometimento funcional. A remoção desses estressores pode ser benéfica
Estresse ambiental
para o paciente que, entre outras situações, sofre, por exemplo, com conflito familiar grave
ou devido à ausência da família.
Fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/j.2051-5545.2009.tb00235.x.

Critérios sugeridos para alta de hospitalização de


pacientes com TA
» Obtenção do peso ideal.

» Estabilidade médica constatada com eletrocardiograma (ECG) e


eletrólitos normais.

» Ausência de risco de suicídio.

» Capacidade de manter tanto o peso corporal ideal quanto a ingestão


nutricional normal durante as saídas programadas do ambiente
estruturado.
30
Transtornos alimentares | Unidade i

» Competência de selecionar alimentos na situação do cotidiano familiar.

» Ausência de compulsão alimentar, purgação ou excesso de exercício


físico por pelo menos uma semana.
» Ausência de comprometimento incapacitante relacionado às
comorbidades.
» Educação familiar sobre TA e para que os membros estejam
preparados para dar assistência ao paciente durante a recuperação no
acompanhamento ambulatorial.
» Identificação e referenciamento de equipe multiprofissional para o
acompanhamento pós-alta.

Depoimento de uma ex-anoréxica, inserido no artigo “Quando comer é um


problema”, da Revista Galileu, edição 154, de abril de 2004:

O que as pessoas precisam entender é que anorexia, bulimia e


compulsão alimentar são doenças e precisam ser tratadas como
tais. Uma menina anoréxica precisa ser levada a sério assim como
uma menina com câncer deve ser. Não está sob o poder dela
deixar de se sentir gorda, de vomitar, de fazer jejum, assim como
não está sob o poder da menina com câncer fazer com que seu
tumor desapareça.

Se quiser ler na íntegra, acesse: http://revistagalileu.globo.com/EditoraGlobo/


componentes/article/edg_article_print/0,3916,705249-1718-1,00.html. Acesso
em: 17 set. 2021.

Sobre a equipe multidisciplinar


Segundo Nicoletti et al. (2010), diante dos transtornos alimentares, os conteúdos
tratados pelas equipes multidisciplinares podem ser organizados da seguinte
forma:

» Equipe médica – Cabe a ela definir, a partir de características específicas,


se o caso é de anorexia nervosa ou de bulimia nervosa para, então,
determinar as complicações clínicas; os aspectos endocrinológicos;
as alterações cognitivas, comportamentais, físicas e emocionais; e as
comorbidades que podem estar acompanhando a evolução dos TA,
como depressão, transtornos obsessivo-compulsivos, síndrome de
ansiedade generalizada etc.

31
Unidade i | Transtornos alimentares

» Equipe de nutrição – Deve discorrer tanto sobre os alimentos quanto


sobre a importância de manter o diário alimentar; bem como sobre
a relação da família com o alimento e a necessidade de ter alimentação
nutritiva e saudável. Além disso, deve explicar os malefícios provocados
pelos transtornos alimentares.

» Equipe de psicologia – É responsável por falar sobre as transformações


corporais, as alterações na dinâmica familiar e os TA.

» Terapeuta familiar – Aborda a importância da participação da


família no tratamento e as principais dificuldades que ela enfrentará
durante o tratamento.

Note que, enquanto a integração entre esses profissionais que fazem parte da
equipe multidisciplinar dá ao tratamento maior probabilidade de sucesso, o
envolvimento da família tende a garantir a continuidade do tratamento, pois é
comum a negação dos transtornos por parte dos indivíduos afetados. Por esse
motivo, muitos não recebem atendimento especializado, o que ainda limita a
generalização dos estudos na área.

Para entender o papel da equipe multidisciplinar, que tal ler um artigo dos
autores Luciana Maria Silva e Manoel Antônio Santos, intitulado “Construindo
pontes: relato de experiência de uma equipe multidisciplinar em transtornos
alimentares”?

Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/398/399%3e.


Acesso em: 17 set. 2021.

32
ANOREXIA NERVOSA UNIDADE II

Comer é um prazer, mas ganhar peso é um desastre para a maioria das pessoas.
No entanto, uma alimentação saudável e equilibrada é capaz de satisfazer a
fome enquanto ajuda a manter o corpo. Contudo isso só acontece quando o
indivíduo não tem distúrbio de imagem, nem medo excessivo de engordar.
Quando ele é assim, independentemente do sexo e da faixa etária, é impossível
fazê-lo se alimentar corretamente. Portanto, a perda de peso torna-se evidente,
o que já assinala para a anorexia, transtorno nunca admitido. Implica a recusa
de qualquer alimento e a não aceitação do próprio corpo, que, na visão do
indivíduo, sempre está acima do peso. Aos poucos, enquanto esse quadro se
amplia, mas não é tratado adequadamente, a saúde física vai ficando fragilizada,
surgem problemas físicos e mentais, e até a possibilidade de morte, ora em
decorrência de doenças que vão deteriorando o corpo e a mente, ora por meio
de suicídio.

CAPÍTULO 1
Conceituação de AN

O termo “anorexia” vem do grego e é formado por dois vocábulos: a/an


(negação) e oréxis (apetite). Portanto, anorexia já indica redução ou perda de
apetite, o que também significa diminuição da ingestão de alimentos; esta,
por sua vez, acarreta desnutrição. Na verdade, tal transtorno alimentar é um
distúrbio de imagem, no qual a pessoa não consegue aceitar seu corpo como
ele é. Ela possui medo extremo de engordar e, em consequência, nada é capaz
de convencê-la a se alimentar devido à impressão de que está acima do peso e
em níveis bem acima da realidade.

Isso tudo leva a pessoa a um quadro de ansiedade, que a faz buscar maneiras de
emagrecer rapidamente, mesmo que a redução do seu próprio peso e a magreza

33
Unidade ii | Anorexia nervosa

evidente sejam afirmadas e reafirmadas por indivíduos de sua convivência, por


médicos e até pelo espelho no qual ela se mira. Consequentemente, a anorexia
gera um distúrbio no comportamento alimentar, que ocasiona perda de peso
provocada pelo próprio doente e que conduz a um estado de fraqueza, o qual
pode provocar graves problemas de saúde e, em alguns casos, até o óbito.

Figura 4. O anoréxico sempre tem a impressão de que está acima do peso.

Fonte: https://scroll.in/latest/849771/gucci-and-christian-dior-label-owners-will-stop-hiring-extremely-thin-or-underage-models.

Note que, apesar de a anorexia se referir à perda do apetite, existe indicação de


que as pessoas que sofrem com esse transtorno costumam sentir fome, mas se
recusam a comer tanto devido ao medo e à angústia de engordar quanto por já
se sentirem gordas. Logo, a anorexia é decorrente de um estado mental mórbido,
mas não proveniente de qualquer disfunção gástrica, pois os indivíduos não
apresentam perda de apetite real, mas recusa alimentar deliberada com o intuito
de emagrecer ou por medo de engordar. Portanto, a complexidade intrínseca ao
entendimento desse fenômeno passa por questões sociais, como os padrões de
beleza; as questões fisiológicas, como causas genéticas; e questões psicológicas,
como traumas, neuroses, bullying, entre outros.

Considerando uma discussão histórica, as evidências apontam que essa


complexidade é marcada pelas dimensões físicas, mentais e emocionais. Cordás
e Claudino (2002) relatam que o médico inglês Richard Morton (1637-1698),
em 1689, foi o autor do primeiro escrito médico sobre anorexia, com quadros
que se caracterizavam por diminuição do apetite, amenorreia, aversão à comida,
emagrecimento extremo e hiperatividade. Ele ainda ressaltou que tais pacientes
não pareciam se preocupar com o seu estado de desnutrição, nem com as suas
faculdades mentais alteradas, pois o foco delas era apenas o emagrecimento.
Depois desse escrito, outros foram publicados, mas somente em 1873 a AN

34
Anorexia nervosa | Unidade ii

começou a aparecer nos relatos médicos como entidade clínica independente, com
sintomatologia e patogenia distintas. A partir daí, outros estudos identificaram
características psicopatológicas que apontavam componentes psicológicos como
um dos responsáveis pelo quadro, bem como ressaltavam a contribuição familiar
para manutenção dos sintomas.

Provavelmente Jean-Martin Charcot (1825-1893), médico e cientista francês,


conhecido por todos da área de psicologia, seja uma figura de destaque nos
estudos sobre anorexia. Por volta de 1889, ele apontou a fobia de peso como
um dos aspectos psicopatológicos que motivavam as mulheres acometidas por
esse transtorno a fazer jejum. Em 1903, Pierre Janet (1859-1947), psicólogo,
psiquiatra e neurologista, também francês, publicou que existiam duas formas
de anorexia: a obsessiva, na qual a paciente sentia fome; e a histérica, cuja fome
não existia. Já em 1914, a anorexia passou a ser entendida como essencialmente
somática, pois, após a autópsia de uma paciente, os resultados mostraram atrofia
no lobo anterior da hipófise. Somente depois de 30 anos, o conceito de que
havia um componente psicológico, além do aspecto somático, foi novamente
resgatado.

Finalmente, nos anos de 1970, surgiram os critérios padronizados para diagnosticar


o transtorno, ainda chamado de doença. Nessa mesma época, a psiquiatra e
psicanalista estadunidense, nascida na Alemanha, Hilde Brunch (1904-1984),
conhecida principalmente por seu trabalho sobre distúrbios alimentares e
obesidade, contribuiu para a compreensão de tais aspectos:

A psicopatologia central da anorexia compreende uma constelação


específica de deficiências do ego e da personalidade, consistindo
em três áreas do funcionamento: transtorno da imagem corporal,
transtorno da percepção ou interpretação de estímulos corporais
(como reconhecimento da fome), e uma sensação paralisante de
ineficiência que invade todo o pensamento e atividades do paciente.
Após esse período, acredita-se que a ansiedade em relação ao peso é
reforçada pelos rígidos padrões de beleza vigentes em nossa sociedade,
atingindo, na maior parte dos casos, adolescentes e mais comumente
mulheres, que desesperadas por atingir esses padrões, acabam
adoecendo e desenvolvendo a doença (BRUNCH apud CORDAS,
2004, p. 154).

35
Unidade ii | Anorexia nervosa

Aqui ainda é conveniente observar que, até a década de 1970, a anorexia era
o único transtorno alimentar conhecido, mas as buscas por sua compreensão
suscitaram o aparecimento de novas discussões; em 1979, a bulimia foi
distinguida e isolada da anorexia (CLAUDINO; ZANELLA, 2005). Embora, em
ambas, o grande problema seja o medo de ganhar peso, o indivíduo deixa de
comer na anorexia; na bulimia, ele faz ingestão compulsiva de alimentos para
depois provocar vômito ou usar laxantes e diuréticos para se livrar de tudo o
que consumiu. Entretanto, nos dois casos, os indivíduos ainda são acometidos
por pensamentos incessantes e obsessivos sobre comida e forma corporal, além
de possuírem comportamentos de restrição ou de excesso de ingestão alimentar,
preocupação com contagem de calorias e abuso de exercícios físicos.

Curiosamente, a anorexia também pode ser causada pelo uso abusivo do


álcool, situação em que é chamada de anorexia alcoólica. Nesse tipo de
anorexia, a pessoa troca a comida pela bebida alcoólica e, assim, acaba
tendo redução do seu peso.

Fama e anorexia
Muitas mulheres famosas foram acometidas pela anorexia. Entre elas, o caso
de maior repercussão foi o da vocalista Karen Carpenter (1950-1983) do
duo musical estadunidense The Carpenters. Ela fazia dietas obsessivamente e
desenvolveu AN; em 1975, exausta e enfraquecida, foi forçada a cancelar uma
série de apresentações. Pouco depois de retornar, foi a vez de seu irmão Richard,
que tinha desenvolvido dependência de soníferos, trocar o palco por uma
internação. Enquanto isso, o casamento de Karen também ruiu.

Finalmente, em 1982, ela procurou tratamento para retomar a carreira. Contudo,


em uma semana, ganhou cinco quilos, o que aumentou os danos a seu coração
já prejudicado (tanto por anos de dietas quanto pelo abuso de substâncias para
induzir vômito). Em 4 de fevereiro de 1983, ela sofreu parada cardíaca súbita em
decorrência da anorexia.

Além de Karen, a atriz estadunidense e musa dos vídeos de ginástica Jane Fonda
(1937) confessou que, por muitos anos, lutou contra a anorexia e também a
bulimia. Situação idêntica relatou a cantora canadense Alanis Morissette (1974),
que passou pelo mesmo problema dos 14 aos 18 anos, mas conseguiu vencer o
transtorno tanto com terapia quanto com medicamentos.

36
Anorexia nervosa | Unidade ii

Como nas passarelas da alta moda parisiense o problema também se repetia, em


2007, a França empreendeu uma campanha contra o transtorno intitulada “Em
luta contra a anorexia, França proíbe modelos com magreza excessiva”. Para
isso, utilizou a chocante imagem da modelo e atriz Isabelle Caro (1982-2010)
que, aos 25 anos, exibiu seu corpo que pesava apenas 31 kg para as lentes do
fotografo italiano Oliviero Toscani.

Ela morreu três anos depois, mas a campanha alertou a sociedade para os
perigos da anorexia e ainda mobilizou políticos. Entre várias tentativas, em
abril de 2015, eles finalmente aprovaram uma lei que proibia as agências de
modelos francesas de contratar profissionais consideradas desnutridas. A
mesma medida também passou a prever até seis meses de prisão e multa de 75
mil euros para quem violasse a regra, como parte de uma série de medidas de
combate ao transtorno.

Negligência ou estrutura familiar falha?


Na verdade, Isabelle Caro só se tornou conhecida graças à campanha francesa.
Contudo ela já sofria de anorexia desde os 13 anos, época em que a sua mãe,
Marie Caro, com depressão, fechou-se em casa, com ela, por período aproximado
de 5 anos. Em 2006, Isabelle, que tinha 1,65 m, pesava apenas 25 kg e seu índice
de massa corporal (IMC) era de 9,3 – de acordo com a OMS, o ideal seria de
18,5. Com saúde debilitada pela anorexia e 42 kg, ela faleceu aos 28 anos, em 23
de novembro de 2010, devido a problemas respiratórios. No entanto, a notícia de
sua morte só foi divulgada em 29 de dezembro do mesmo ano. Em 7 de janeiro
de 2011, Marie Caro, sentindo-se culpada pela morte da filha, cometeu suicídio,
conforme relatou Christian Caro, pai da jovem anoréxica, que ainda acusou de
negligência a equipe médica que atendeu Isabelle.

Ao saber da morte da modelo, o fotografo Toscani, que havia lhe dado fama,
ressaltou que ela era frustrada profissionalmente, que não tinha talento e
que era uma garota muito doente, mais na cabeça do que no corpo (matéria
publicada pelo portal G1, em 21 de janeiro de 2011: www.bbc.com/portuguese/
noticias/2011/01/110120_mae_modelo_anorexica_br. Acesso em: 17 set. 2021).

Após tal declaração, Christian Caro também acusou o fotógrafo pela morte da
mulher, ao alegar que ela piorou da noite para o dia em decorrência dos insultos

37
Unidade ii | Anorexia nervosa

escandalosos feitos à filha. Logo depois, ele foi para a Suíça gravar um CD em
homenagem a Isabelle, dizendo que reverteria a venda dele para uma fundação
contra a anorexia que pretendia construir.

De certa forma, no meio desse impasse todo, talvez o polêmico Toscani tenha
sido o único a perceber a negligência e a desestruturação familiar vivenciada por
Isabelle, que só gerou suposta preocupação naqueles que a rodeavam pós-morte.

38
CAPÍTULO 2
Como a anorexia afeta o corpo

Como dito anteriormente, a anorexia está associada a uma distorção da imagem


corporal e à fobia por aumento de peso, o que acarreta emagrecimento exacerbado.
Os principais sintomas são:

Figura 5. A anorexia provoca inúmeras alterações físicas e químicas e, em consequência, afeta o funcionamento do corpo.

Fonte: https://www.stylecraze.com/articles/serious-side-effects-of-starving/.

» Fobia no que se refere ao ganho de peso, a ponto de ficar abaixo do


mínimo ideal.

» Baixa ingestão de alimentos ou dietas severas.

» Imagem corporal distorcida que gera percepção de gordura; na verdade,


a pessoa emagrece cada vez mais.

» Perda de peso em excesso e rapidamente.

» Culpa ou depressão ao ingerir alimentos.

» Hiperatividade e exercícios físicos exagerados.

» Escassez e ausência de menstruação.

» Mudanças no caráter, o que pode causar irritabilidade, tristeza insônia


etc.

Tais sintomas provocam efeitos que afetam o corpo de diversas maneiras. Entre
outros aspectos, eles geram:

» alterações químicas do cérebro, irritabilidade, pensamentos confusos


etc.;

39
Unidade ii | Anorexia nervosa

» problemas cardíacos, ósseos, sanguíneos, intestinais, hormonais e de


pele;

» anemia;

» alterações no fluido corporal, incluindo baixo nível de magnésio,


potássio e sódio, por exemplo;

» insuficiência renal.

Para complementar o entendimento sobre como a anorexia afeta o corpo,


leia a matéria veiculada pelo portal G1, intitulada “Anorexia afeta funções
básicas do corpo e mata com frequência”: http://g1.globo.com/Noticias/
SaoPaulo/0,,AA1351058-5605,00.html. Acesso em: 17 set. 2021.

Sobre as alterações cerebrais


Estudos sobre as alterações cerebrais nos portadores de transtornos alimentares,
realizados por Naruo et al. (2011), com sete pacientes com anorexia restritiva e
sete com anorexia bulímica, identificaram, por meio de tomografia na área frontal
e parietal do cérebro, que aqueles com anorexia nervosa possuem metabolismo
abaixo do normal (hipometabolismo). Ademais, também demonstraram que,
por meio de estímulos visuais de alimentos calóricos, ocorria aumento de fluxo
sanguíneo no cérebro desses mesmos pacientes. Portanto, as análises resultantes
desses estudos são bastante relevantes para melhor entendimento da anorexia,
pois mostram possível alteração funcional no cérebro dos indivíduos com esse
transtorno alimentar.

Figura 6. Evidências de alterações cerebrais constatadas.

A estatística paramétrica e o mapeamento de


áreas de diminuição do fluxo sanguíneo na
anorexia nervosa restritiva. A diminuição do
fluxo sanguíneo é bilateral e anterior, na região
do giro cingulado (zona 24 de Brodmann’s) e
em partes das regiões frontais (partes das
zonas 8, 9,10 e 32), quando comparada com
os controles saudáveis (P <0,001, medida =
550).

Fonte: https://www.alz.org/brain_portuguese/08.asp.

40
Anorexia nervosa | Unidade ii

Como a arte sempre nos ensina, leia e pense sobre o poema que segue, cuja
autoria é a atribuída a certa Marta, da qual não conseguimos obter mais
informações além das destacadas no blog:

A anorexia

Logo ao levantar

O corpo começa a fraquejar

De uma noite mal dormida

O estômago já só aguenta a cafeína

Pelos arrepiados evidenciam o frio sempre presente

Tento abrir a boca petrificada

Mas este corpo quase sem vida já só respira

Os livros e o computador são a minha única companhia

Não tenho mais forças para lutar

Pois já não consigo dominar

Este corpo transformado em cadáver

Perdi os amigos e a felicidade

Agora só me acompanha a dificuldade

Em acreditar que ainda estou viva

Que coisa é esta que me persegue!

Disponível em: http://adoro-ler.blogspot.com/2005/02/trs-poemas-500-


palavras.html. Acesso em: 17 set. 2021.

41
CAPÍTULO 3
Anorexia: causas, consequências e
diagnóstico

Conforme já visto nos capítulos anteriores, a causa exata dos TA e, em


consequência, da anorexia, ainda é desconhecida. Contudo pesquisadores já
constataram que vários fatores (biológicos, psicológicos, familiares, socioculturais),
tidos como de risco, contribuem para o surgimento do transtorno:

Figura 7. A causa da anorexia ainda é desconhecida, mas há vários fatores de risco que contribuem para o surgimento do
transtorno.

Fonte: https://www.recovery.org/eating-disorders/recovery/.

» Os genes e os hormônios podem desempenhar papel importante para o


desenvolvimento do transtorno.

» Mulheres possuem mais chances de desenvolver TA do que homens.

» O transtorno apresenta maior risco de ser desenvolvido na adolescência.

» Alguns estudos apontam que pessoas com níveis elevados de cortisol


tendem a desenvolver anorexia, porque ele diminui os níveis de
serotonina e noradrenalina, dois hormônios associados à sensação de
bem-estar.

» Conflitos familiares também contribuem para o desencadeamento de


anorexia.

» Algumas características psicológicas (como perfeccionismo, depressão,


ansiedade, baixa autoestima, necessidade de se sentir especial,
dificuldade de expressar emoções, torção psicológica, padrões rígidos
de pensamento, entre outras) tornam as pessoas mais propensas à
anorexia.

42
Anorexia nervosa | Unidade ii

» Aparentemente, pessoas que apresentam dificuldade em lidar com


situações de abuso e violência são mais suscetíveis à anorexia.
» O ato de perder ou ganhar peso pode desencadear as mais variadas
reações (desde críticas até elogios), que assumem papel reforçador no
comportamento do indivíduo que insiste em dietas exageradas.
» Eventos traumáticos na vida, términos de relacionamento, morte,
mudanças de/no trabalho contribuem para o aparecimento do
transtorno.
» Algumas atitudes sociais promovem o desejo de ter ou de manter corpos
muito magros, pois tanto a mídia quanto a sociedade em geral insistem
em padrão de beleza que associa o sucesso e a felicidade a um corpo
bastante esbelto.

Consequências da anorexia
As consequências, assim como as razões da anorexia, são diversas, causam muitos
efeitos à saúde e se agravam com o passar do tempo. Por vezes, elas são tão graves
que podem levar o paciente a óbito – em alguns casos, até mesmo ao suicídio.
Além disso, algumas complicações são potencializadas pelo fato de o indivíduo
esconder a doença, de modo que ocorre tanto a demora do diagnóstico quanto o
início do tratamento.

Os resultados mais evidentes, sem dúvida, são o emagrecimento e a amenorreia


(falta de menstruação), no entanto muitos outros são constatados nesse quadro
clínico. Os estudos científicos apontam, entre as complicações clínicas da anorexia,
as reações metabólicas e endócrinas, bem como as alterações hematológicas, ósseas,
cardiológicas, renais, gastrointestinais etc. (ASSUMPÇÃO; CABRAL, 2002).

Entre as principais alterações metabólicas em pacientes com anorexia,


destacam-se a hipercolesterolemia e a hipoglicemia, provenientes da redução
respectiva dos níveis de gordura e açúcar necessários ao corpo. Já as alterações
endócrinas incluem amenorreia e várias anormalidades, como diminuição
do tamanho mamário, alterações uterinas, perda dos pelos pubianos e outras
alterações hormonais como o hipotireoidismo. Por sua vez, as alterações
hematológicas incluem a anemia e a leucopenia, que ocasionam diminuição
da capacidade de aprendizado, retardamento do crescimento, apatia, perda
significativa de habilidade cognitiva, entre outras. Com relação às alterações
43
Unidade ii | Anorexia nervosa

ósseas, surge a osteoporose, pois a falta de cálcio interfere no ganho de massa


óssea. Se não bastasse, ainda há os riscos de saúde relacionados ao coração, os
quais podem incluir a diminuição do ritmo cardíaco, baixa pressão arterial,
parada cardíaca e atrofia do músculo do órgão.

Por um lado, em alguns momentos, a ingestão de água, que tem baixa caloria,
pode ser elevada, mas existe desequilíbrio provocado pela falta dos alimentos
necessários ao funcionamento dos níveis de urina. Dessa forma, casos de
desidratação e infecções urinárias são frequentes. Ao mesmo tempo, problemas
gastrointestinais também são frequentes tanto em relação ao estômago (por
esvaziamento gástrico ou durante o tratamento, quando a alimentação é
retomada) quanto ao intestino, pois longo tempo com constipação prejudica o
tônus e o peristaltismo intestinal. Além disso, aqueles com anorexia apresentam
pele pálida, seca e sem brilho, bem como cabelos e unhas quebradiços.

Devido à falta das calorias provenientes dos alimentos, os níveis de energia do


indivíduo acabam comprometidos, provocando fadiga e alterações do sistema
nervoso central.

Para complementar seus conhecimentos em relação ao que abordamos até


aqui, leia o artigo científico, intitulado “Complicações clínicas da anorexia
nervosa e bulimia nervosa”, de Carmen Leal de Assumpção e Mônica D
Cabral (autoras já citadas neste capítulo): http://www.scielo.br/pdf/rbp/
v24s3/13968.pdf. Acesso em: 17 set. 2021.

Diagnóstico
Fernanda Timerman e José Ernesto dos Santos (2013) resumem de forma
sistematizada os critérios diagnósticos segundo o DSM-V:

» Restrição da ingestão de energia: acarreta significante baixo peso


corporal no contexto de idade, sexo, trajetória de desenvolvimento e
saúde física. Note que significante baixo peso é definido como menor
do que o minimamente normal; para crianças e adolescentes, é menor
do que minimamente esperado.

» Medo intenso do ganho de peso ou de se tornar gordo:


comportamento persistente que interfere no ganho de peso mesmo
com peso inferior.

44
Anorexia nervosa | Unidade ii

» Perturbação no modo de vivenciar o peso, o tamanho ou as


formas corporais: excessiva influência do peso ou da forma corporal
na autoavaliação; persistente falta de reconhecimento da seriedade do
atual baixo peso corporal.

» Subtipos:

› Restritivo: durante os últimos três meses, o indivíduo não


teve episódios recorrentes de comportamentos compulsivos ou
purgativos. Nesse subtipo, a perda de peso é alcançada por meio de
dietas, jejuns e/ou atividades físicas para perder peso.

› Compulsivo-purgativo: durante os últimos três meses, o indivíduo


teve episódios recorrentes de comportamentos compulsivos ou
purgativos (vômitos, abuso de laxantes e diuréticos ou enemas).

» Gravidade: note que o nível mínimo de gravidade de peso na anorexia


nervosa é baseado, em adultos, no atual índice de massa corporal
(IMC); para crianças e adolescentes, por percentil de IMC. Os valores
são baseados na categoria de magreza em adultos da Organização
Mundial da Saúde; para crianças e adolescentes, correspondem a como
o IMC por percentil deverá ser usado. O nível de gravidade pode
ser aumentado para refletir sintomas clínicos, grau de desabilidade
funcional e necessidade de supervisão. Observe:

› leve: IMC ≥ 17 kg/m2;

› moderada: IMC 16 a 16,99 kg/m2;

› grave: IMC 15 a 15,00 kg/m2;

› extrema: IMC < 15 kg/m2.

Mudanças do DSM-V em relação ao DSM-IV


A publicação mais recente do DSM V (maio de 2013) apresenta poucas mudanças
a partir do que foi proposto no DSM IV. Entre elas, podemos observar o seguinte:

» O termo “recusa” foi excluído e, no lugar dele, destaca-se a ingestão


restrita de calorias, pois, em termos de manutenção de peso, pode ser
difícil avaliar a intenção do paciente.
45
Unidade ii | Anorexia nervosa

» A amenorreia ou a ausência de, no mínimo, três ciclos menstruais


também foram excluídas, pois tais critérios não podem ser aplicados aos
homens ou às mulheres que tomam contraceptivos orais ou que estão
na pós-menopausa.

Instrumentos para avaliar a anorexia


Atualmente, apesar de muita controvérsia sobre os métodos mais adequados
para a avaliação dos TA, a maioria dos instrumentos foi agrupada em três
categorias:

» Questionários autoaplicáveis: são fáceis de administrar, eficientes


e econômicos. Além disso, a maioria deles apresenta propriedades
psicométricas adequadas e permite aos respondentes revelar
um comportamento que, por considerarem vergonhoso, poderia
deixá-los relutantes em entrevista face a face. Alguns também
fornecem medida da gravidade do transtorno alimentar, podendo ser
utilizados na avaliação de mudanças ao longo do tratamento. Entre
eles, destacam-se:

› Eating Attitudes Test (EAT): embora apresente duas versões, uma


com 40 itens, e a outra menor, com 26 itens, somente a última está
traduzida para o português e em processo de validação. Chamado
de teste de atitudes alimentares, é utilizado para o rastreamento
de indivíduos suscetíveis ao desenvolvimento de AN ou BN, pois
indica a presença de padrões alimentares anormais, mas não revela
a possível psicopatologia subjacente.

› Eating Disorder Inventory (EDI): é instrumento amplamente


utilizado, com propriedades psicométricas bem estabelecidas em
estudos de confiabilidade e validade. É composto por 64 itens que
avaliam as características psicológicas e comportamentais comuns
à AN e à BN. Consiste em oito subescalas, três das quais avaliam
os aspectos psicopatológicos específicos dos TA (ímpeto para a
magreza, insatisfação corporal e bulimia). As outras cinco avaliam
os aspectos psicopatológicos gerais observados em pacientes com
TA. Apresenta versão revisada EDI-2 que, além dos itens da escala

46
Anorexia nervosa | Unidade ii

original, contém mais três subescalas (asceticismo, regulação do


impulso e insegurança social), totalizando 91 itens; há uma versão
do EDI para crianças (KEDS). Pode ser utilizado para o rastreamento
de indivíduos em alto risco para o desenvolvimento de TA. Em
pesquisa clínica, pode ser útil como medida de desfecho e como
indicador prognóstico em estudos de tratamento.

› Eating Disorder Examination/versão questionário (EDE-Q):


trata-se de versão autoaplicável em formato de entrevista, constituída
por 41 itens. O seu resultado é apresentado em quatro subescalas:
restrição alimentar, preocupação alimentar, preocupação com a forma
corporal e preocupação com o peso.

Note que as subescalas dos dois instrumentos (EDE-Q e EDE) estão


altamente correlacionadas, e a validade e confiabilidade de ambas estão
bem documentadas.

» Entrevistas clínicas: a mais utilizada e considerada padrão-ouro


para TA é a Eating Disorder Examination – EDE. É uma entrevista
clínica semiestruturada que fornece avaliações descritivas da gravidade
da psicopatologia específica. Deve ser aplicada por entrevistador
treinado e pode ser utilizada tanto em estudos populacionais quanto
em pesquisa clínica. A avaliação abrange o período de quatro semanas
que precede a entrevista. Quando utilizada para fins diagnósticos,
o período é estendido para três meses. O resultado é apresentado
em quatro subescalas: restrição alimentar, preocupação alimentar,
preocupação com a forma corporal e preocupação com o peso. Na
entrevista, diferentes formas de excesso alimentar são identificadas:
compulsão alimentar periódica objetiva ou subjetiva, com ou sem
perda do controle. O instrumento, em vários estudos, apresentou
bons índices de confiabilidade e validade. Apesar disso, em muitas
situações, seu uso não é viável, uma vez que a aplicação é demorada e
requer entrevistadores especializados que tenham compreensão ampla
dos conceitos que estão sendo avaliados. Ademais, os profissionais
devem ser treinados não apenas na técnica de aplicação da entrevista,
mas também nos conceitos e nas regras de pontuação que norteiam o
instrumento.

47
Unidade ii | Anorexia nervosa

» Instrumentos de automonitoramento (diários alimentares): o


automonitoramento consiste no uso de diários alimentares nos quais
o paciente anota a ingestão alimentar diária (hora do dia e local,
quantidade e qualidade dos alimentos sólidos e líquidos), geralmente
no período de uma semana, bem como seus afetos, suas cognições e
seus mecanismos compensatórios relacionados à alimentação. Como
técnica, é bastante utilizado na TCC para identificar situações que serão
o foco das intervenções, objetivando mudanças no comportamento
alimentar, principalmente porque o próprio automonitoramento
pode resultar em efeito terapêutico e influenciar tanto a frequência
quanto a natureza dos episódios de CAP. Contudo ele necessita de
interpretação cuidadosa nos estudos em que for utilizado. Já as
dificuldades com os diários incluem a falta de aceitação por parte dos
pacientes e a incerteza quanto à fidedignidade das anotações, pois
muitos se esquecem de fazer as anotações após o episódio ou porque o
próprio impacto emocional do episódio dificulta a transcrição.

A avaliação dos TA, incluindo a anorexia, deve abranger não apenas


os aspectos psicopatológicos específicos, mas também os sintomas
psicopatológicos gerais e distúrbios da imagem corporal. Estes, na maioria
das vezes, contribuem para a manutenção do transtorno e dificultam o
tratamento.

48
BULIMIA NERVOSA UNIDADE III

Todo mundo, em certo dia ou em momentos específicos da vida, extrapola na mesa


e tem consciência disso, tanto que logo após volta a se alimentar normalmente,
mesmo que tenha engordado um pouco. Já os bulímicos exageram sempre
e sentem-se culpados a ponto de expurgarem o que o comeram, induzindo o
vômito por meio mecânico ou com ajuda de medicamentos. Em certos casos,
realizam exercícios físicos com constância absurda para não engordarem.
Como consequência, o emagrecimento se acentua gradativamente; no início,
o transtorno é assintomático, mas, aos poucos, os efeitos dele podem causar
muitas complicações graves e até mesmo fatais. Portanto, assim que os primeiros
sinais são notados, aqueles que têm bulimia, mesmo não aceitando tal condição,
precisam ser alertados da necessidade de tratamento para reverter tal situação.

CAPÍTULO 1
Conceituação de BN

O conceito de bulimia nervosa (BN) surgiu a partir do conceito de anorexia


nervosa. Em seus primeiros relatos, não havia tanta diferenciação, apenas sintomas
acrescidos de vômitos, uso de laxantes e/ou transtornos gastrointestinais. A
diferenciação em si, proposta pelo psiquiatra britânico Gerald Russell (1928-
2018), surgiu pela primeira vem nos anos 1970. Então, foi acatada no DSM III,
nos anos 1980, e atualmente é descrita no DSM V. Já a bulimia em si é dividida
em dois tipos:

» Bulimia purgativa: o indivíduo se alimenta, mas recorre regularmente


tanto à autoindução do vômito quanto ao uso de medicamentos
purgativos.

» Bulimia restritiva: o indivíduo não recorre ao vômito ou a


medicamentos, mas se utiliza de outros comportamentos para eliminar
o excesso de ingestão, como prática demasiada de exercício físico ou
jejuns.
49
Unidade iii | Bulimia nervosa

Figura 8. Na bulimia purgativa, o indivíduo se alimenta, mas recorre tanto à autoindução do vômito quanto aos
medicamentos purgativos.

Fonte: https://www.nutrisimple.com/fr/consultations/boulimie/.

Por sua vez, entre as principais características da bulimia nervosa, temos:

» compulsão alimentar;

» comportamentos compensatórios (inclusive avaliados em relação à


frequência mínima);

» autoavaliação baseada na forma ou no peso corporal por 3 meses.

Note que a palavra “bulimia” tem origem grega e é composta por bous, que significa
boi e limos, fome. Portanto, ela pode ser associada ao dito “comer um boi”, desde
que seguida de punição por culpa. Observe também que, em contextualização
histórica e sociocultural, o conceito de bulimia pode ter interpretações diversas
e até contraditórias, que englobam desde meios para alcançar a santidade (jejum,
purgação) até os transtornos hoje conhecidos. Constatamos, então, que existe
visão pragmática na qual a BN tem claramente associação a valores e formas de
ver o mundo em sua análise.

Embora a bulimia nervosa seja mais comum em mulheres, ela também


avança entre homens, como mostra a matéria do Correio Brasilienense,
na qual uma entrevista com mais de 5,5 mil homens revelou que 31% já
comeram exageradamente e forçaram a expulsão dos alimentos. Apesar
de esse comportamento ser tido como pontual, ele também pode ser um
indício da bulimia nervosa. Acesse e leia: http://sites.correioweb.com.br/
app/50,114/2014/01/07/noticia_saudeplena,147000/bulimia-nervosa-mais-
comum-em-mulheres-avanca-entre-homens.shtml. Acesso em: 17 set. 2021.

50
Bulimia nervosa | Unidade iii

Fama e bulimia
Tanto quanto a anorexia, a bulimia também faz parte do rol da fama nacional e
internacional. Além de Amy Winehouse, a mídia aponta Paula Abdul, Mary Kate
Olsen, Jessica Alba e até a falecida princesa Daiana como mulheres enredadas no
transtorno.

Aqui no Brasil, também encontramos relatos de celebridades com histórico de


bulimia, como o caso da atriz Cássia Kiss Magro, que, em entrevista para Marília
Gabriela, em 2008, contou que passou muitos anos com depressão sem saber
nem entender o motivo e só descobriu o problema da bulimia ao engravidar. No
entanto, ela venceu o transtorno e ganhou autoestima ao ser medicada.

Em 2015, a empresária Mirian Bottan, dona de uma marca de roupas


famosas, à época com 28 anos e mais de sete mil seguidores no Instagram,
em entrevista ao Portal Uai, disse que lutava contra a bulimia, pois queria
ver mais ossos devido à pressão da sociedade por um padrão físico muito
difícil de atingir.

Confira mais esse caso que merece reflexão: https://www.uai.com.br/app/


noticia/saude/2015/09/02/noticias-saude,187121/eu-queria-ver-mais-ossos-
empresaria-relata-luta-contra-bulimia-em-r.shtml. Acesso em: 17 set. 2021.

51
CAPÍTULO 2
Como a bulimia afeta o corpo

Apesar de o transtorno ser desencadeado pelo fato de a pessoa não estar satisfeita
com o seu próprio corpo, normalmente ela apresenta o peso dentro dos padrões;
até pode engordar eventualmente em função de períodos de ingestão compulsiva
de alimentos, mas, devido à evolução da patologia, o emagrecimento se acentua
gradativamente. Note que, no início, o transtorno é assintomático, contudo,
com o passar do tempo, os efeitos podem causar muitas complicações graves e
até mesmo fatais.

As alterações corporais provenientes da bulimia se iniciam com um dos efeitos


mais graves – a desidratação. Depois, surge a anemia, os problemas hormonais
e cardíacos, no cérebro, no aparelho digestivo, nos músculos, entre outros, em
consequência da contínua compulsão e purgação.

A exposição frequente ao ácido gástrico (acidez do vômito) gera inflamações nas


bochechas e garganta, provocando dor por onde a comida passa, além de alta
sensibilidade ao frio e calor dos alimentos. Também há feridas na boca, corrosão
no esmalte dos dentes, danos nas cordas vocais e a língua fica seca, o que faz o
indivíduo ficar rouco. Com relação aos dentes, ocorre o seguinte:

Figura 9. A acidez do vômito gera inflamações nas bochechas e na garganta, provocando dor por onde a comida passa.

Fonte: https://www.stateofmind.it/2015/04/bulimia-nervosa-psicologia/.

» alteração na arcada dentária;

» dentes com aparência serrilhada e corroída;

» dentes lascados;

52
Bulimia nervosa | Unidade iii

» perda do esmalte dentário;

» maior frequência de cáries dentárias.

O esôfago e o cólon também são áreas bastante afetadas na bulimia. O ácido


provoca refluxo do estômago, o que resulta em úlceras, gastrites, rupturas,
estenoses do esôfago, dores e distensão abdominal. A escassez de nutrientes,
bem como das fibras, e a desidratação trazem problemas intestinais, como
prisão de ventre e dores. Já o uso indevido de laxantes ou diuréticos pode
causar edemas, alterações no peristaltismo intestinal, episódios de diarreia e
até mesmo a perda da função normal do cólon, o que, em alguns casos, necessita
de intervenção cirúrgica.

Os vômitos fazem com que o corpo perca muito líquido enquanto a desidratação
provoca mais fome, por isso as pessoas comem mais e, consequentemente, vomitam
mais, provocando um danoso à saúde, que pode até ocasionar convulsões. A falta
de nutrientes também causa anemia, o que propicia baixas taxas de potássio,
ferro, magnésio, sódio, redução do número de plaquetas no sangue, baixos níveis
de vitamina B12 e ácido fólico. Nas mulheres em idade fértil, isso resulta na
irregularidade menstrual.

Além disso, pela falta de vitaminas e minerais, os músculos perdem a sua força
e tonicidade, podendo apresentar atrofia; a pele fica mais ressecada e o cabelo
mais quebradiço. Os sinais de fraqueza e fadiga são aparentes, e ainda ocorrem
desmaios ocasionais, alterações do humor frequentes e alterações no equilíbrio
eletrolítico, derivado da perda de potássio e sódio. Os baixos níveis de potássio
também desencadeiam uma série de sintomas que vão da letargia aos problemas
cardíacos e à insuficiência renal – fatores que podem levar a óbito.

Manifestações na aparência
» problemas nos vasos sanguíneos dos olhos;

» inchaço das mãos e dos pés;

» bochechas inchadas;

» calos nos dedos das mãos (sinal de Russel) devido à autoindução do


vômito (provocados pela estimulação manual da glote);

53
Unidade iii | Bulimia nervosa

» rosto magro e olhos fundos com olheiras (em casos avançados);

» pele pálida, ressecada e sem elasticidade (em casos avançados);

» proeminências ósseas visíveis (em casos avançados).

No artigo científico “Complicações da Anorexia e Bulimia”, de Assumpção e


Cabral (2002), publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, as autores propõem
e discutem as seguintes complicações:

Tabela 5. Complicações clínicas na anorexia nervosa e bulimia nervosa.

» Hipocalemia, hiponatremia, hipernatremia, hipomagnesemia, hiperfosfatemia.


Metabólicas e
» Hipoglicemia, hipercolesterolemia.
Hidroeletrolíticas
» Alcalose metabólica, acidose metabólica.
» Alargamento dos sulcos cerebrais.
Neurológicas » Dilatação dos ventrículos.
» Atrofia cerebral (reversível).
» Catarata.
» Atrofia do nervo óptico.
Oftalmológicas
» Degeneração da retina.
» Diminuição da acuidade visual.
» Síndrome do eutiroidiano doente.
» Pseudocushing.
» Amenorreia, oligomenorreia.
Endócrinas » Diminuição da libido.
» Infertilidade.
» Atraso ou retardo do desenvolvimento puberal.
» Osteopenia ou osteoporose.
» Esofagite, hematêmese (S. de Mallory-Weiss).
» Retardo do esvaziamento gástrico, redução da motilidade intestinal.
» Constipação.
» Prolapso retal.
Gastrointestinais
» Dilatação gástrica.
» Alteração da função hepática.
» Hiperamilasemia.
» Hipertrofia das glândulas parótidas e submandibulares.
» Cálculo renal.
Renais » Azotemia pré-renal.
» Insuficiência renal.

54
Bulimia nervosa | Unidade iii

» Cáries dentárias.
» Queilose.

Bucomaxilares e » Ressecamento cutâneo, pele fria e pálida.


fâneros » Hipercarotenemia.
» Calosidade nos dedos ou no dorso das mãos (sinal de Russel).
» Acrocianose.
» Taquipneia, bradipneia.
Pulmonares » Edema pulmonar.
» Pneumomediastino.
Hematológicas » Anemia, leucopenia, trombocitopenia, neutropenia.
Fonte: https://www.scielo.br/j/rbp/a/yq6pKcz6QLfkHpgvmYNmRsD/?lang=pt#.

Prova de sobrevivência: dirigido por Joan Micklin Silver (1935-


2020), o filme é baseado no best-seller “Hunger Point”, da escritora
norte-americana de ficção literária Jillian Medoff. Capta, como nenhum
outro, os perigos reais dos distúrbios alimentares. Produzido em 2003,
traz a história de dois pais comprometidos e duas filhas adoráveis. No
entanto, as aparências enganam, porque a família é atormentada pelos
comentários maldosos de uma mãe com obsessão de manter suas filhas
magras. O que começa como cuidado gera distúrbio alimentar grave.

55
CAPÍTULO 3
Bulimia: causas, consequências e
diagnóstico

A causa exata da BN ainda é controversa, mas muitos fatores podem influenciar o


desenvolvimento desse transtorno alimentar, por exemplo:

» Genéticos: sugerem possível ligação genética em relação tanto aos


familiares de primeiro grau que apresentam algum TA quanto a uma
probabilidade de que exista deficiência no cérebro intrínseca ao
desenvolvimento da bulimia.

» Comportamentais: dietas sem controle ou exercícios físicos exagerados


podem contribuir para o desenvolvimento da bulimia.

» Distúrbios psicológicos: histórias de traumas ou abusos, transições


de vida passadas de uma maneira estressante e negativa.

» Influências externas: mídia, familiares, determinadas profissões,


colegas e pares podem exercer pressão pela busca do corpo perfeito.

» Baixa autoestima.

» Preocupação exagerada: tanto com o peso quanto com a imagem do


corpo.

Perceba que a bulimia é um transtorno alimentar relacionado à negação da


autoimagem, o que gera ansiedade e conflito entre a busca por perder peso
bruscamente e o apetite pela comida.

Figura 10. A bulimia está relacionada à negação da autoimagem, o que leva gera ansiedade e conflito entre a busca por
perder peso bruscamente e o apetite pela comida.

Fonte: https://volksversand.de/ratgeber/gesundheitsblog/ernaehrung-bewegung/abnehmen-diaet/essstoerungen-wenn-das-essen-zum-
feind-wird.

56
Bulimia nervosa | Unidade iii

Assim como ocorre em outros TA, a bulimia pode se desenvolver na


adolescência, mas alguns casos começam ainda na infância ou na fase
adulta. A maior parte ocorre em mulheres, embora existam casos de homens
que desenvolvem o transtorno.

Consequências
A bulimia pode ser devastadora no organismo e na saúde da pessoa e pode causar
problemas gastrointestinais, irregularidade e até ausência de menstruação em
mulheres com idade fértil. Acarreta desidratação, cáries e desgaste dentário,
fadiga, desmaios, arritmias cardíacas, problemas vocais, sangramento do esôfago,
cansaço etc. Para piorar esse quadro, ainda pode levar muito tempo para ser
aceita ou percebida, o que agrava ainda mais suas consequências em médio e
longo prazo.

Apesar disso, o comportamento de vomitar após a ingestão de comida torna-se


um hábito e faz com que a pessoa se sinta bem, pois libera endorfina. A repetição
desse comportamento, assim como jejuns, exercícios físicos exagerados, uso de
laxantes e diuréticos, entre outras estratégias purgativas, agrava rapidamente os
problemas de saúde física, como os já citados, bem como a saúde mental, pois
há sentimentos de culpa, isolamento, perda de memória e de concentração,
dificuldades na compreensão e na tomada de decisões, desconfianças etc.

Além disso, ao se tornar um padrão de comportamento, a pessoa com bulimia


tem muita dificuldade em voltar ao controle da questão alimentar sem a ajuda
de tratamento. Em último grau, o transtorno pode acarretar o risco de suicídio,
inclusive em decorrência do uso indiscriminado de remédios, o que pode causar a
morte do indivíduo.

Diagnóstico
Muitas vezes, não é fácil de ser realizado, pois uma pessoa com o transtorno
pode não ter aparência física diferenciada, nem comportamentos sugestivos. O
hábito de vomitar, por exemplo, nunca é admitido. Contudo há alguns sinais
indicativos do transtorno, que podem ser facilmente observados, entre os quais:

» Usar medicamentos como emagrecedores, diuréticos e laxantes.

57
Unidade iii | Bulimia nervosa

» Comer e ir ao banheiro.

» Fazer exercícios físicos de forma exagerada.

Tais sinais também provocam outros indicativos de problemas psicológicos,


incluindo depressão, ansiedade, imagem corporal distorcida etc. Portanto,
quando há suspeita de bulimia, o médico deverá realizar exame físico completo,
além de exames de fezes e urina. Ademais, deve prescrever avaliação psicológica,
porque o transtorno, assim como todos os demais transtornos alimentares, é de
difícil tratamento. Este, por sua vez, costuma ser de longo prazo.

Diante desse contexto, quanto antes começar, maior será a chance de recuperação
completa. Além disso, o profissional responsável pela saúde deve conscientizar
o indivíduo sobre uma série de recomendações essenciais para a obtenção do
sucesso no tratamento:

» Seguir todas as orientações médicas.

» Seguir dieta saudável, com orientação nutricional.

» Frequentar grupos de apoio.

» Buscar ajuda em caso de recaída.

» Ser paciente.

» Praticar exercícios equilibrados e com orientação profissional.

» Reconhecer algumas ações que podem contribuir para a prevenção da


bulimia, como cultivar a ideia de corpo saudável e aprender a reconhecer
rapidamente algum sintoma.

Autoteste para identificar a bulimia nervosa


É feito a partir de indagações simples, mas que devem ser respondidas
honestamente:

» Como até me sentir mal?

» A dieta alimentar domina a minha vida?

» Estou obcecada com o meu corpo e peso?

58
Bulimia nervosa | Unidade iii

» Tenho medo de que quando começar a comer, não serei capaz de parar?

» Sinto-me culpada, envergonhada ou deprimida depois de comer?

» Vomito ou tomo laxantes para controlar o peso?

“Dissipada: Memórias de uma anorética e bulímica”: o livro de Marya


Hornbacher traz o doloroso relato de vida da própria autora, bulímica aos 9
anos e anorética aos 15 anos. Revela um pouco do distorcido relacionamento
dela com o espelho e a deturpada ligação com a comida. Segundo o que ela
diz, ao longo de uma década, atravessou seu próprio reflexo para entrar em
um inferno no qual se sentir bem era péssimo, o alimento era pecado e a
quase morte era moeda de valor, a ser honrada e reverenciada. Publicado
pela Editora Record, o livro, com 350 páginas, custa aproximadamente
R$ 15,00.

Caso de bulimia que rendeu livro


Ele foi publicado em um Especial da BBC News Mundo em 6 de novembro de
2018 e traz a história da uma A. (nome fictício), espanhola, de 32 anos, a qual,
desde a adolescência, sofria de bulimia. Portanto, comia exageradamente e,
depois, ao se sentir culpada, provocava o vômito para evitar o ganho de peso.
Além da bulimia, os médicos também já haviam diagnosticado transtorno de
personalidade na paciente – quadro clínico caracterizado por comportamentos
autodestrutivos, ações impulsivas e relações caóticas com outras pessoas.

Aos 31 anos, vivenciando uma série de problemas que parecia sem solução e o
rompimento de um relacionamento amoroso, que ela não conseguia superar,
A. tentou cometer suicídio, atirando-se do alto de uma ponte. A queda
não provocou sua morte, mas ferimentos graves nos pés da jovem mulher.
Esta foi submetida a várias cirurgias, que não lhe deram a certeza de andar
novamente. Diante desse quadro de cadeira de rodas, acabou internada em
hospital psiquiátrico em Madri, onde permaneceu durante 37 dias. Nesse
período, manteve um caderno de anotações no qual escrevia diariamente o
que acontecia de mais relevante.

Ao receber alta, A. decidiu transformar as notas em um diário sobre os seus dias


de internação. Rapidamente, seus relatos cheios de humanidade, dor, esperança,
humor negro e, acima de tudo, sinceridade foram publicados, dia a dia, em um

59
Unidade iii | Bulimia nervosa

fórum na internet. A história acabou se tornando um enorme sucesso, obtendo


mais de 200 mil visualizações e mais de 8 mil comentários de usuários.

Em outubro de 2018, esse material foi transformado em um livro intitulado


“Cómo volé sobre el nido del cuco” (“Como voei sobre o ninho do cuco”, em
tradução literal), publicado pela editora Plaza & Janes. Para preservar a própria
privacidade, A. o assinou com o pseudônimo Sydney Bristow, que tomou
emprestado do heroína da série de televisão “Alias”.

A infância e adolescência de A.
Quando menina, tinha valores muito fortes, herdados do pai, engenheiro que
trabalhava para uma empresa norte-americana. A mãe era bióloga, mas não
exercia a profissão. A. acreditava na lealdade, na sinceridade, na importância do
conhecimento, bem como adorava animais e gostava de aprender. Conforme a
vida profissional do pai prosperava, sua família trocava as casas pequenas por
outras cada vez maiores. Logo, a cada mudança, a menina começava a estudar em
uma nova escola.

Na primeira vez que isso aconteceu, ela estava com 11 anos e na metade do
ano letivo. Portanto, a adaptação não foi fácil. Em sua turma, havia apenas sete
meninas, e os meninos eram muito grossos. No segundo dia de aula, eles pegaram
o caprichado caderno de ditado e ortografia dela e o pregaram, literalmente,
na mesa da carteira escolar de A. Todos os dias, ela chegava chorando em casa,
mas os pais, que não entendiam a situação, somente diziam para que ela os
ignorasse caso eles se metessem com ela novamente. Dessa época, A. relembra
que enfrentou os meninos e deixou de ter problemas.

Aos 13 anos, ela mudou novamente, tanto de casa quanto de escola. Esta, ao
contrário da anterior (pública), tratava-se de instituição de ensino particular
e bastante elitista. A menina percebeu que os valores que carregava e o fato
de ter sido indicada para as Olimpíadas de Matemática de nada valiam; ela se
transformou em motivo de chacota, pois o importante era ter peitos, roupas de
marca, ser a mais bonita e a mais magra da escola. A., então, percebeu que só tinha
duas opções: adaptar-se ou morrer. Ela escolheu a primeira opção e começou a
renunciar a tudo em que acreditava para ser aceita. Suas prioridades passaram a
ser roupas de marca e corpo magro.

60
Bulimia nervosa | Unidade iii

A partir daí, surgiram os problemas com a alimentação. Ela comia


excessivamente e, em seguida, enfiava os dedos na garganta para provocar
vômito. A. relembra que tinha fome de boi, que comia quantidades que
alimentariam quatro pessoas, que ingeria comida de cachorro, do lixo e até
o próprio vômito. Comer era seu refúgio e a tranquilizava. Aos 16 anos, teve
sua primeira internação hospitalar por estar com peso abaixo do considerado
saudável, o que colocava em risco sua própria saúde.

Na idade adulta
Apesar de tudo o que viveu, ela se formou em Direito, tornou-se advogada
e, aos 24 anos, conseguiu emprego em um banco, momento em que foi
morar sozinha, principalmente para fazer o que quisesse com a comida, sem
a vigilância dos pais. Consequentemente, ela se empanturrava de comida e
vomitava.

Em 2014, aos 28 anos, conheceu o (ex) namorado, que trabalhava na área de


informática; este era um homem muito bonito. Ela se empenhou para que
o relacionamento fosse perfeito, mas nunca contou sobre seus problemas
alimentares. Quando jantava com ele e comia demais, dizia que estava com frio
e que ia tomar um banho quente. Abria o chuveiro e, protegida pelo barulho da
água que caía, vomitava em uma bacia, jogava o vômito na privada e limpava
tudo.

Ao mesmo tempo, tornou-se obcecada por ele, a ponto de ligar e enviar mensagens
várias vezes por dia. Quando ele resolveu passar um mês nos Estados Unidos,
ela se ofereceu para buscá-lo no aeroporto quando voltasse. Até aqui tudo
normal, se não fosse o fato de passar na casa dos pais, antes de reencontrá-lo,
para pegar uma faca. Quando o pai a viu colocar o objeto cortante na bolsa,
perguntou o que ela pretendia fazer. Então, A. apenas respondeu que sentiu o
namorado distante por telefone e que pensou em cortar os pulsos no aeroporto
caso ele quisesse deixá-la. O término do namoro demorou um pouco, mas de
fato aconteceu.

Com o fim do relacionamento, sem saber o que fazer, A. recorreu às drogas,


sem abrir mão do vômito. Enquanto a bulimia piorava, a cocaína e a heroína
ocupavam cada vez mais espaço na vida dela. De dia, trabalhava e se drogava.
Após sair do trabalho, sua rotina resumia-se em duas atividades: comer e vomitar
61
Unidade iii | Bulimia nervosa

por até cinco vezes, a ponto de ter os dedos em carne viva de tanto roçá-los nos
dentes ao enfiá-los na garganta. Em seguida, enchia-se de remédios para dormir,
de modo que despertasse apenas no dia seguinte. Consequentemente, gastava
muito dinheiro com comida e drogas.

A partir daí, começou a pedir empréstimos rápidos e a gastar em excesso com


os seus cartões de crédito. Em pouco tempo, devia cerca de 20 mil euros, e,
mesmo assim, mantinha o hábito de drogar-se e de ingerir comida em excesso
e vomitar, para manter-se magra. Em paralelo, corria dez quilômetros por dia.
Chegou a pesar 42 quilos.

Percebendo que não estava bem, procurou o pai, que pagou todas as suas dívidas.
Ao mesmo tempo, entrou voluntariamente em uma clínica de reabilitação.
Engordou, sentiu-se horrível, voltou a morar com os pais e, aos 31 anos, percebeu
que, além de não ter nada que fosse seu realmente, sua única motivação era
vomitar.

Diante dessa constatação, ingeriu 20 comprimidos de analgésico, sabendo que


destruiria seu fígado e morreria. Enviou mensagens de despedida para a mãe e
a irmã; esta, como médica, confirmou que ela teria morte demorada e dolorosa,
mas se prontificou a ajudá-la. Então, A. decidiu pular de uma ponte, foi salva,
hospitalizada e encaminhada ao centro psiquiátrico.

Após a alta
Ao sair do centro psiquiátrico, disse que aprendeu muito com os outros pacientes
internados, pois alguns, que pareciam estar com a vida por um fio, revelaram-se
seres humanos admiráveis. A partir daí, passou a ter mais compaixão e empatia,
inclusive com pessoas que sofrem de doenças mentais. Estas, em muitos casos,
querem apenas ser ouvidas. Finalmente sentiu o quanto era sortuda por ter tido
mais uma oportunidade na vida.

Foi nesse período de internação que manteve o diário, sem saber ao certo o
porquê. Um dia, após deixar o centro, estava com algumas amigas e contou as
histórias de sua passagem por lá. Uma delas era psicóloga e incentivou a escrita
das experiências. Posteriormente, chegou a se internar novamente no mesmo
hospital psiquiátrico por um tempo.

62
Bulimia nervosa | Unidade iii

Em 2018, após o lançamento do livro, A. comentou que não sabia por que a
história tinha sido um sucesso. Contudo explicou que usou o humor, porque
não queria ser uma vítima de pés destroçados, pois sua única intenção era
contar as coisas do jeito que as sentia. Desde então, parou de escrever, voltou a
vomitar e a ficar triste. Infelizmente, o que sabemos na atualidade é que o livro
de A. continua sendo vendido, mas dela não temos mais informações.

63
A INCIDÊNCIA DOS
TRANSTORNOS UNIDADE IV
ALIMENTARES

Atualmente já sabemos que os TA apresentam diversas formas, bem como não


são exclusivos das mulheres, exceto no caso da pregorexia, cuja futura mãe,
preocupada com o próprio corpo, coloca o feto e ela mesma em risco pelo simples
medo de ganhar peso. Portanto, no dia a dia, homens, crianças e adolescentes
também desenvolvem hábitos inadequados de alimentação, os quais afetam a
saúde. Até mesmo aqueles que buscam alimentação perfeita, aquela que forneça
os nutrientes necessários ao organismo, tendem para a ortorexia nervosa quando
se tornam detalhistas e obsessivos em relação à escolha do que consumirão. Além
disso, a preocupação exclusiva com o corpo, principalmente no caso dos homens
que buscam musculatura assimétrica, também é preocupante, pois, quando
exagerada, implica transtorno dismórfico muscular. Em todos esses casos, há
sofrimento físico e mental, os quais podem acarretar doenças multifatoriais e
complexas e até suicídio, pois ninguém é (nem consegue ser) perfeito.

CAPÍTULO 1
Transtornos alimentares tanto em
homens quanto em mulheres

Os aspectos clínicos e a resposta ao tratamento dos TA são muito parecidos em


pacientes do sexo masculino e feminino, porém a distribuição entre homens e
mulheres é muito assimétrica, pois, aproximadamente, apenas 10% dos casos
ocorrem no sexo masculino. Não se sabe ao certo o motivo de tal disparidade,
mas ela pode ser atribuída a fatores biológicos, culturais ou até mesmo à
dificuldade de realizar o diagnóstico em pacientes do sexo masculino. A baixa
frequência dos TA nos homens contribuiu para que, por diversas vezes, estes
fossem ignorados; inclusive, havia a crença de que eles não sofriam desses
distúrbios (MELIN; ARAÚJO, 2002).

64
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

Além disso, a taxa de TA em homens ainda não foi completamente estabelecida,


até porque eles, às vezes, ficam fora das pesquisas, pois representam pequena
amostra na população. No geral, especialistas indicam que para cada 10 afetados,
somente um caso é atribuído ao sexo masculino. Em decorrência disso, pouco se
comentava sobre tais transtornos entre os homens (MELIN et al., 2002). Contudo
esse cenário vem sofrendo alteração, e estudos publicados já dão atenção ao
aumento do número de homens, o que fez com que ganhassem mais atenção em
relação aos TA nos últimos tempos.

Figura 11. Estudos publicados já mencionam o aumento do número de homens com TA, desmentindo a crença de que eles não
sofriam desses distúrbios.

Fonte: https://www.askmen.com/money/body_and_mind_150/163_better_living.html.

Apesar disso, na realidade, os homens sempre sofreram de TA; os primeiros


relatos clínicos de anorexia, feitos por Morton, em 1689, já incluíam um caso
masculino. Em 1873, quando o neurologista francês Charles Lasègue (1816-
1883) formulou o conceito de anorexia, ele se baseou no caso clínico de um
rapaz que atendeu. Embora, com o passar do tempo, pouco tenha de se falado
sobre os transtornos entre os homens, hoje, com o aumento do número de casos,
o problema masculino tornou-se mais visível (SHIMIDT; MATA, 2008).

Pietro e Lobão (apud CLAUDINO; ZANELLA, 2005) apontam que o número


de casos já deveria ser alto, mas, na medida em que se divulgam os TA, a
conscientização fica maior e percebe-se cada vez mais que não se trata de algo que
acomete somente as mulheres. Além disso, aparentemente, os homens sempre
tiveram mais dificuldades em admitir o problema, pois muito se propagou que o
transtorno era exclusivamente encontrado no sexo feminino. Assim, o diagnóstico
se tornou mais difícil em função do preconceito e do medo de serem rotulados por
apresentarem transtorno ligado às mulheres.

65
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

Já o desenvolvimento de transtornos dessa ordem no sexo masculino pode


estar tanto ligado ao medo de envelhecer quanto relacionado intimamente a
grupos cujas profissões exijam preocupações exageradas com o peso ou a forma
corporal, como bailarinos, modelos, jóqueis, ginastas, nadadores, fisiculturistas,
corredores e lutadores de luta livre. Contudo diagnosticar TA em homens
ainda é algo complicado, pois enquanto eles relutam em procurar ajuda médica
(por terem vergonha de ter um transtorno desse tipo), um grande número de
profissionais de saúde não são treinados para identificar ou tratar distúrbios
alimentares nesses pacientes, especialmente no caso da anorexia. Muitas vezes,
as famílias também não conseguem identificar os sintomas, de modo que os
pacientes sofrem em silêncio e evoluem para um estágio mais avançado e,
consequentemente, mais difícil de tratar. Outra situação que contribui para a
gravidade do caso é que, durante o tratamento, muitas vezes, os homens não
estão dispostos a participar de sessões de apoio em grupo, pois a maioria é
composta por mulheres.

A idade de início do quadro é um ponto controverso. Para alguns


pesquisadores não há diferença entre os gêneros, mas outros afirmam
que os homens desenvolvem os TA mais tardiamente do que as
mulheres, entre 18 e 26 anos. O início tardio estaria associado ao fato
da puberdade começar e terminar cerca de um ano e meio a dois anos
mais tarde nos meninos do que nas meninas. Alguns afirmam que o
início da puberdade é mais assustador e traumático para as meninas
do que para os meninos; outros associam às mudanças hormonais
causadas pela AN a responsabilidade por adiar ou reverter a puberdade.
O desenvolvimento tardio de AN em homens pode também estar
relacionado ao medo de envelhecer (MELIN; ARAÚJO, 2002, p. 74).

Geralmente, os transtornos alimentares em homens se desenvolvem mais


tardiamente do que em mulheres. Contudo a maior diferença entre os sexos
refere-se ao fato de as mulheres adquirem distúrbios alimentares porque se sentem
gordas enquanto os homens, muitas vezes, são obesos ou praticam atividades
atléticas que induzem a luta para ser magro, o que acarreta não só o transtorno
alimentar, mas também a prática de exercício compulsivo.

Sobre a música Ana’s Song e a anorexia em


homens
A canção foi composta por Daniel Johns (1979), vocalista da banda Silverchair,
que teve anorexia nervosa e sofreu calado com o transtorno nos últimos anos
66
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

da própria adolescência. Portanto, a música não é sobre estar apaixonado pela


Ana (apelido carinhoso dado ao transtorno pelas meninas anoréxicas), mas
sobre esconder-se atrás dela, como explicou o cantor. Este admitiu estar perto
do suicídio diversas vezes em sua batalha com o distúrbio alimentar e só ficou
realmente assustado na segunda ou terceira vez que o médico lhe disse que ele
estava morrendo. Preste atenção à letra ou, se for o caso, à tradução; depois, se
quiser, ouça a canção e reflita sobre ela:

Tabela 6. Música original em inglês e a respetiva tradução.

Ana’s Song (Open fire) Canção da Ana (tradução)


Please die Ana Por favor Ana, morra
For as long as you’re here we’re not Pois enquanto você estiver aqui, nós não estamos

You make the sound of laughter Você faz o som do riso


and sharpened nails seem softer E de pregos afiados parecerem mais suaves

And I need you now somehow E eu preciso de você agora de alguma maneira
And I need you now somehow E eu preciso de você agora de alguma maneira

Open fire on the needs designed Abro fogo nas necessidades planejadas
On my knees for you De joelhos por você
Open fire on my knees desires Abro fogo nas vontades dos meus joelhos
What I need from you O que eu preciso de você?

Imagine pageant Imagino a cerimônia


In my head the flesh seems thicker Na minha cabeça a carne parece mais espessa
Sandpaper tears corrode the film Lágrimas de lixa corroem o filme

And I need you now somehow E eu preciso de você agora de alguma maneira
And I need you now somehow E eu preciso de você agora de alguma maneira

Open fire on the needs designed Abro fogo nas necessidades planejadas
On my knees for you De joelhos por você
Open fire on my knees desires Abro fogo nas vontades dos meus joelhos
What I need from you O que eu preciso de você?

67
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

Ana’s Song (Open fire) Canção da Ana (tradução)


E você é minha obsessão
And you’re my obsession
Eu te amo até os ossos
I love you to the bones
E Ana destrói sua vida
And Ana wrecks your life
Como uma vida de anorexia
Like an Anorexia life

Abro fogo nas necessidades planejadas


Open fire on the needs designed
On my knees for you
De joelhos por você
Open fire on my knees desires
Abro fogo nas vontades dos meus joelhos
What I need from you
O que eu preciso de você?
Open fire on the needs designed
Abro fogo nas necessidades planejadas
Open fire on my knees desires
Abro fogo nas vontades dos meus joelhos
On my knees for you
De joelhos por você
Fonte: https://www.vagalume.com.br/silverchair/anas-song-open-fire-traducao.html.

Caso de TA em homem
F., 18 anos, solteiro, branco, evangélico, único filho do sexo masculino de uma
prole de quatro irmãs mais velhas, cursava o segundo colegial em curso supletivo.
Ele morava com a mãe, o pai e uma das irmãs solteira, em imóvel próprio, em
um conjunto residencial da COHAB, adquirido mediante financiamento. De
acordo com o prontuário médico, os pais e as irmãs eram magros; as irmãs
gozavam de boa saúde, a mãe era hipertensa e o pai tinha diabetes mellitus. O
paciente relatou que seu relacionamento com os familiares era muito bom. Em
2002, após a puberdade, F. foi internado no Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto (SP), aos 13 anos, devido a complicações decorrentes de uma combinação
de problemas, como obesidade, intolerância à glicose, cefaleia e mielite viral,
que havia sido diagnosticada no ano anterior. Apresentava queixa de diminuição
da força muscular e, à época, foi levantada a hipótese de hipertensão arterial
sistêmica (HAS). Ele fez tratamento em diferentes ambulatórios: neurologia,
fonoaudiologia, endocrinologia e diabetes, bem como em clínica psicológica
pediátrica.

Em janeiro de 2006, foi atendido pela primeira vez no ambulatório de


nutrologia; em seguida, foi encaminhado ao Grupo de Assistência em Transtornos
Alimentares (GRATA), na mesma cidade, com suspeita de transtorno alimentar.

68
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

A primeira consulta
Ela ocorreu ainda no mês de janeiro de 2006. O paciente tinha, então, 17 anos, 71 kg,
1,78m de altura e IMC (índice de massa corporal) de 22,41kg/m². Portanto,
estava dentro do padrão de normalidade, mas apresentava como queixa inicial
intensa perda de peso (46 kg em um intervalo de dez meses). F. afirmou que
começara a perder peso após um quadro neuromuscular viral. No entanto, seu
desenvolvimento neuropsicomotor parecia estar se processando dentro dos
limites da normalidade.

Na época da internação, pesava 117 kg e, por apresentar intolerância à glicose


e HAS, foi orientado por médicos e nutricionistas a perder peso e a controlar a
alimentação. Desde então, começou a fazer dieta por conta própria. Informou,
durante a entrevista, que fazia cerca de seis refeições diárias, em pequenas
quantidades, e que não fazia restrição específica a qualquer alimento. Contudo
se incomodava com a possibilidade de ganhar peso e voltar a ser gordo. Por isso,
pesava-se três vezes por semana. Negou episódios de vômito, náusea, diarreia e
uso de laxantes ou remédios para emagrecer.

F. nasceu saudável de parto cesariano. De acordo com o relato de sua mãe,


nasceu com 3,7 kg, porém, em seu prontuário, encontrava-se registrado
o peso de 2,8 kg. A mielite viral e o quadro de enxaqueca foram tratados no
ambulatório de neurologia, de onde foi encaminhado para a endocrinologia,
sendo aconselhado a manter uma dieta devido à intolerância à glicose e à HAS.
Ele contou que, a princípio, mostrou-se muito resistente a seguir a dieta, mas
durante o atendimento na endocrinologia, a médica lhe falou algo que o fez
pensar – naquele mesmo dia, sentiu-se uma pessoa magra, e seu pensamento
mudou na hora.

Desde então, F. passou a seguir o regime prescrito pela médica. Contudo


admitiu que, como desejava perder peso rapidamente, deixou a dieta de lado
e a fez do próprio jeito. Além disso, mesmo comendo pouco, acreditava que
estava comendo muito, mas seguia sua dieta, restringindo a ingestão alimentar
e fazendo exercícios físicos em demasia.

Sentia-se frequentemente cansado, fraco, debilitado e com falta de ar,


provavelmente sintomas de hipoglicemia; chegou a desmaiar uma vez.
Manifestava felicidade enquanto emagrecia, mas ainda assim se incomodava com
as sobras de pele, especialmente no abdômen; achava que era gordura, o que

69
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

o impulsionava a emagrecer mais. Ao chegar da escola, andava de bicicleta até


a exaustão, pois acreditava que assim perderia peso mais rápido. Mostrava-se
alegre, pois, enquanto os outros seguiam a dieta certa, a que ele inventou estava
deixando seu corpo do jeito almejado. As vistas, porém, embaralhavam e, ao
olhar para cima, via estrelinhas...

Entendia apenas que fora transferido para o GRATA para cuidar da parte da
nutrição e fazer educação alimentar, pois não aceitava a hipótese diagnóstica
de transtorno alimentar. Diante disso, foi aconselhado a diminuir a frequência
dos exercícios físicos e a seguir a dieta recomendada pela nutricionista, o que,
para F., era muito difícil, pois ele queria fazer do próprio jeito, já que estava
emagrecendo e atingindo a sua meta.

Mesmo quando a mãe o fazia comer, comia pouco e saia de bicicleta para
queimar tudo. Era evidente o uso recorrente de manobras compensatórias com
a finalidade de aumentar o gasto energético.

Um passo para a mudança


Na medida em que F. persistia obstinadamente em sua dieta altamente restritiva
e se engajava em exercícios físicos frenéticos, ele também começou a achar que
era gordura os músculos que gradualmente ganhava. Então, ele questionava por
que ganhava peso, visto que estava comendo certinho. A nutricionista, além
de explicar que ele estava ganhando massa muscular, também realizou o exame
de bioimpedância. Nesse exame, utiliza-se aparelho que consegue medir o
percentual de massa magra e massa gorda do corpo por meio de corrente elétrica
de baixa intensidade. O intuito específico era mostrar-lhe concretamente o que
ele, por si só, não estava dando conta de perceber devido à distorção da imagem
corporal. Na ocasião, F. disse foi bom poder ver o resultado e o quanto tinha o
ajudado.

Depois de quase um ano de tratamento, F. ainda demonstrava preocupações


relacionadas com o peso e com o corpo, mas apresentava alguma evolução
no sentido de perceber seu corpo com menos distorção e procurar seguir as
orientações da equipe de saúde. Tal fato sugere que ele fortaleceu o vínculo de
confiança e a aliança de trabalho com os profissionais que o atendiam.

F. também continuou a praticar exercícios físicos com regularidade, mas não com
a mesma frequência e intensidade de antes. A obsessão pela magreza parecia ter

70
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

arrefecido, mas a preocupação com o peso não estava suprimida. Embora seguisse
o esquema alimentar recomendado pela nutricionista, ainda mantinha controle
rígido sobre a alimentação. Parece que o rapaz que adquiriu peso saudável tinha
muito medo do menino obeso de outrora.

Segundo Farrow (1992) e Kaufman (2006), a maioria dos homens com


transtornos alimentares provavelmente já foram obesos, um achado que não
tem equivalência nas mulheres acometidas.

Transtornos alimentares em mulheres


Até então, sempre acreditamos que a incidência dos TA é maior em mulheres
do que em homens. Contudo, com os novos estudos, a tendência é mudar essa
concepção. De qualquer forma, embora não existam dados estatísticos nacionais,
os internacionais afirmam que somente entre 5 a 15% dos sujeitos com TA são
homens. Aqui temos que considerar que já sabemos que as mulheres são mais
suscetíveis a problemas psíquicos, como depressão e ansiedade, os quais podem
estar ligados a fatores hormonais. Além disso, elas sofrem maior pressão da mídia
e da sociedade para terem padrão de beleza previamente definido como magro.
Se não bastasse, os homens também têm mais facilidade de perder peso do que as
mulheres durante as dietas, o que as levam a passar por regimes alimentares mais
rígidos e até sem controle.

Primeiras descrições científicas dos TA


Elas surgiram nos séculos XVII e se referiam mais precisamente à AN,
considerada um problema apenas de mulheres. A partir daí, a incidência dos TA
vem aumentando ao logo do tempo, ainda mais em mulheres. No século XIX,
por exemplo, elas foram inseridas no esporte e, desde então, o padrão de beleza
passou a exigir mulheres mais magras; elas passaram a se preocupar ainda mais
com a estética devido às mídias e a própria sociedade, o que gerou, por volta
dos anos 1950, maior preocupação com o aumento dos TA em consequência da
cultura da magreza.

Já na década de 1960, o papel da mulher começa a mudar, pois ela também se


torna provedora. Ao atuar no mercado de trabalho, ela passar a ter a chamada
dupla jornada, que causa a diminuição de alguns hábitos e mudança do estilo

71
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

de vida e do padrão alimentar da família. Jornadas de trabalho cada vez mais


longas e trânsito cada vez mais caótico são exemplos das mudanças de vida que
impuseram transformações na postura alimentar e provocaram a necessidade
de comer cada vez mais rápido e fora de casa. Em decorrência, ao associarmos
a cultura do emagrecimento à má alimentação dos tempos modernos, os TA
aumentam em proporção, em especial entre as mulheres, as quais ficam mais
suscetíveis a desenvolver padrões alimentares relacionados à anorexia e à bulimia
por causa do medo patológico de engordar. Somente no caso desses dois TA, as
estatísticas nos apresentam alguns números:

» Anorexia – A maior incidência é na faixa de 13 a 17 anos e acomete


entre 10 e 20 mulheres de cada 100. Já o número de homens ainda não
foi estabelecido.

» Bulimia – A maior incidência estende-se do final da adolescência até


os 40 anos, período em que acomete 9 mulheres para um homem.

Aqui é importante salientar que os TA ocorrem, especialmente, em pessoas mais


fragilizadas emocionalmente, as quais precisam tanto de ajuda especializada
quanto de apoio afetivo. Além disso, os números apontam curiosa inversão
no caso de homossexuais: a incidência dos transtornos tem aumentado nos
homossexuais masculinos e diminuído nos femininos.

Mais uma música para refletir sobre a


problemática
Courage é uma cantiga melancólica da banda alternativa cristã de pop-rock
norte-americana Superchick. Aborda uma das questões mais profundas da
adolescência: a forma de lidar com a anorexia.

Tabela 7. Música original em inglês e a respetiva tradução.

Courage Coragem
I told another lie today Eu disse outra mentira hoje

And I got through this day E eu passei por esse dia

No one saw through my games E ninguém vê através de meus jogos

I know the right words to say Eu sei as palavras certas a se dizer

72
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

Courage Coragem
Like “I don’t feel well” Como “não me sinto bem”

“I ate before I came” “Eu comi antes de vir”

Then someone tells me how good I look Então alguém me diz como eu sou bonita

and for a moment E por um momento

For a moment I am happy Por um momento eu sou feliz

But when I’m alone Mas, quando estou sozinha

No one hears me cry Ninguém me ouve chorar

I need you to know Eu preciso que saiba

I’m not through the night Eu não atravesso a noite

Some days I’m still fighting to walk towards the light Alguns dias eu continuo a lutar pra andar na luz

I need you to know Eu preciso que saiba

That we’ll be okay Que nós ficaremos bem

Together we can make it through another day Juntos podemos passar por isso outro dia

I don’t know the first time I felt unbeautiful Eu não sei quando foi a primeira vez que me senti feia

The day I chose not to eat O dia que escolhi não comer

What I do know is how I changed my life forever O que eu sei é que mudei a minha vida para sempre

I know I should know better Eu sei eu devia saber melhor

There are days when I’m okay Há dias em que estou bem

And for a moment E por um momento

For a moment I find hope Por um momento eu sinto esperança

73
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

Courage Coragem
But there are days when I’m not okay Mas há dias que não estou bem

And I need your help E preciso da sua ajuda

So I’m letting go Então eu deixo rolar

I need you to know Eu preciso que saiba

I’m not through the night Eu não atravesso a noite

Some days I’m still fighting to walk towards the light Alguns dias eu continuo a lutar pra andar na luz

I need you to know Eu preciso que saiba

That we’ll be okay Que nós ficaremos bem

Together we can make it through another day Juntos podemos passar por isso outro dia

You should know you’re not on your own Você deveria saber que não está sozinha

These secrets are walls that keep us alone Esses segredos são as paredes que nos mantêm sozinhas

I don’t know when but what I know now Eu não sei quando mas o que sei agora

Together we’ll make it through somehow Juntos nós faremos passar de alguma forma

Together we’ll make it through somehow Juntos nós faremos passar de alguma forma

I need you to know Eu preciso que saiba

I’m not through the night Eu não atravesso a noite

Some days I’m still fighting to walk towards the light Alguns dias eu continuo a lutar pra andar na luz

I need you to know Eu preciso que saiba

That we’ll be okay Que nós ficaremos bem

Together we can make it through another day Juntos podemos passar por isso outro dia
Fonte: https://www.vagalume.com.br/superchick-11/courage-traducao.html.

74
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

“Maus Hábitos (Malos Hábitos)”: o longa-metragem de 2007, dirigido pelo


mexicano Simon Bróss, reúne narrativas paralelas que, em comum, trazem
os distúrbios alimentares. Na primeira, uma jovem freira acredita que seus
jejuns operam milagres. Na outra, uma mãe anoréxica desespera-se com a
gordura da filha e tenta fazer com que ela emagreça antes da cerimônia de
primeira comunhão. Dessa forma, o diretor oferece paralelos interessantes
entre a alimentação e a religião. A gula da filha, afinal, é um pecado capital,
assim como a soberba que motiva a mãe? Qual seria, então, o pecado da
freira? Esta, por meio da privação, tenta salvar a cidade de uma catástrofe
que ela sente ser iminente. As sequências de sonho e visões da freira, por
exemplo, são especialmente inspiradoras e estreitam a relação entre o tema
dos distúrbios e a religião católica. Contudo Bróss rodeia a questão com
muita elegância: seriam mesmo condenáveis esses pecados ou o pecado
depende apenas do uso que se faz dele? O drama, curiosamente, responde
a tais perguntas por intermédio dos personagens periféricos gordinhos, que
também enfrentam suas próprias agruras relacionadas, de uma maneira
ou de outra, à comida. No entanto, entre eles, alguns simplesmente se
entregam aos prazeres sem culpa.

75
CAPÍTULO 2
Transtornos alimentares em crianças e
adolescentes

As condições sociais, demográficas e culturais influenciam o comportamento


das crianças e dos adolescentes. Entre tais fatores, o impacto sociocultural tanto
no padrão alimentar quanto no desenvolvimento dos TA tem sido estudado
mais frequentemente, momento em que são avaliados os costumes familiares e
as informações veiculadas pelos meios de comunicação em massa. Constatamos,
assim, que a anorexia se mostra cada vez mais precoce – vem sendo diagnosticada
em meninas de apenas 10 anos.

Embora tal transtorno costume se manifestar com mais frequência na adolescência,


hoje é possível associar a aparição da anorexia em crianças à antecipação da
puberdade e ao padrão de beleza dos últimos tempos, o qual exige a magreza.
Além disso, quando alguém pretende ingerir algo, sempre se fala em baixa
caloria, de modo que, ultimamente, as informações calóricas nos rótulos vêm
sendo acompanhadas com frequência.

Variações de grau e tipos de comprometimento do


padrão alimentar normal
Tais variações e tipos de comprometimento costumam variar muito. Além disso,
alguns comportamentos inadequados, como a exclusão de determinados tipos de
alimentos ou de refeições ao longo do dia, bem como a realização de dietas não
balanceadas, podem aparecer isoladamente ou concomitantemente com algum
transtorno psiquiátrico. Quando as crianças começam a falar que não gostam de
determinado alimento, não querem comer no momento certo, estão sem fome,
não querem almoçar ou jantar, e enjoaram de determinados pratos, é importante
observar com mais cautela a alimentação e o comportamento delas.
Várias alterações do apetite e perturbações da imagem corporal podem
ocorrer nas crianças em idade escolar, embora os quadros mais típicos de
transtornos alimentares sejam mais raros. Apesar de aproximadamente
45% das crianças de ambos os sexos em idade escolar quererem ser mais
magras e 37% tentarem perder peso, somente uma pequena proporção
delas desenvolvem um transtorno alimentar. Vale ressaltar, no entanto,
que alguns traços presentes na idade escolar são considerados fatores de
risco para o surgimento dos transtornos alimentares na adolescência,
alertando o profissional de saúde que atende crianças para reconhecer e
investigar estes traços ainda insipientes (APPOLINÁRIO; CLAUDINO,
2000, p. 29).
76
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

Figura 12. Devido à antecipação da puberdade e ao padrão de beleza vidente, crianças também acabam afetadas por TA.

Fonte: https://geneticliteracyproject.org/2021/05/20/bmi-and-anorexia-we-can-now-predict-which-young- children-are-most-likely-to-


develop-an-eating-disorder/.

Consequentemente, um dos motivos para que uma criança desenvolva a anorexia é


próprio meio em que ela vive. Pais muito focados em dietas, perda de peso, estética
e em cultura do corpo tendem a influenciar os filhos a ser assim também; ao mesmo
tempo, eles ainda podem desencadear comportamentos anoréxicos. Da mesma
forma, pais com alimentação desregrada, que consomem muita “porcaria”, doces
e refrigerantes, tendem a ter filhos que seguem o mesmo modelo, os quais podem
desenvolver obesidade, por exemplo, por meio de hábitos alimentares inadequados
(porém, note que a obesidade usada como exemplo não faz parte dos transtornos
alimentares).

Sob a ótica dos autores Appolinário e Claudino (2000), na sua forma típica, a
AN se inicia geralmente na infância ou na adolescência. No começa, é marcada
por restrição dietética progressiva, com a eliminação de alimentos considerados
engordativos, como os carboidratos. Em paralelo, o espelho começa a ser observado
com mais frequência, e as supostas imperfeições e insatisfações aparecem. Assim,
crianças e adolescentes ficam muito incomodados com o próprio corpo e passam
a acreditar que estão gordos. Aqui vale notar que o medo de engordar é uma
característica essencial em quem desenvolve anorexia. Depois, com o passar
dos tempos, ambos restringem seu campo de interesses, isolam-se do convívio
social e passam a viver exclusivamente em função da dieta, da comida, do peso
e da forma corporal, o que caracteriza o curso do transtorno por perda de peso
progressiva e continuada.

77
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

Além disso, o momento da refeição torna-se desconfortável para quem tem


anorexia, de modo que crianças e adolescentes não se sentem mais à vontade para
sentar-se à mesa, pois querem ficar sozinhos, longe dos olhares e julgamentos
tanto dos pais quanto das demais pessoas. Dessa forma, o comportamento
alimentar deles vai se tornando cada vez mais secreto e, muitas vezes, até com
características ritualizadas e estranhas.
A AN de início precoce parece ser o transtorno alimentar mais
comum na infância. A anorexia pode ter início a partir dos 7 anos
de idade e preferencialmente em meninas, embora em crianças a
prevalência entre meninos parece ser maior do que entre adultos
jovens. Formas mais precoce de transtornos alimentares apresentam
uma associação importante com comportamento obsessivo (incluindo
extrema preocupação com a escola) e com sintomas depressivos
(APPOLINÁRIO; CLAUDINO, 2000, p. 29).

As crianças, por exemplo, usam alguns desconfortos, como náuseas, dor


abdominal, perda de apetite ou incapacidade para engolir, como desculpa para
não se alimentarem. Outras falam abertamente sobre o medo de ganhar peso. As
meninas referem-se a preocupações estéticas, enquanto meninos relatam mais
preocupação com saúde e condicionamento físico. Contudo, como as crianças
não se utilizam de métodos purgativos (vômitos e laxativos), elas se exercitam
bastante para controlar o peso, por exemplo, por meio de esportes, sobem escadas
e simplesmente fecham a boca. No entanto, a perda de peso nessa fase não é o
principal diagnóstico de anorexia, uma vez que pode haver apenas redução no
ganho esperado para o crescimento. Além disso, a perda de peso pode ser rápida
e dramática em virtude dos baixos níveis de gordura corporal total em crianças.
Já em crianças com anorexia, devido à falta de nutrientes e vitaminas ingeridas,
pode haver retardo no desenvolvimento, o que acarreta o risco de osteopenia,
osteoporose e baixa estatura.

Por sua vez, a bulimia nervosa acontece quando a criança ou o adolescente


comem de maneira exagerada e, em seguida, eliminam a comida; podem provocar
vômito ou utilizar laxantes para evitar ganho de peso. Muitos casos de bulimia
têm início nas escolas, graças aos apelidos maldosos relacionados ao corpo da
criança e do adolescente, advindos do bullying. Isso é preocupante, porque todos
nós gostamos de ser aceitos no meio em que vivemos, e com eles não é diferente.
Ambos parecem se importar ainda mais, pois, quando o bullying acontece, eles se
sentem perdidos e rejeitados.

78
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

A BN é extremamente rara antes dos 12 anos. O transtorno é


característico das mulheres jovens e adolescentes, com prevalência
de 1,1% a 4,2% neste grupo. Fatores de ordem biopsicossocial se
encontram relacionados com sua etiologia. O episódio de compulsão
alimentar é o sintoma principal e costuma surgir no decorrer de uma
dieta para emagrecer. No início, pode se achar relacionado à fome,
mas posteriormente, quando o ciclo compulsão alimentar-purgação já
está instalado, ocorre em todo tipo de situação que gera sentimentos
negativos (frustração, tristeza, ansiedade, tédio, solidão). Inclui um
aspecto comportamental objetivo que seria comer uma quantidade
de comida considerada exagerada se comparada ao que uma pessoa
comeria em condições normais; e um componente subjetivo que é a
sensação de total falta de controle sobre o seu próprio comportamento.
Estes episódios ocorrem às escondidas na grande maioria das vezes e
são acompanhados de sentimentos de intensa vergonha, culpa e desejos
de autopunição. A quantidade de calorias ingerida por episódio pode
variar enormemente, muito embora em média oscile entre 2 mil e 5 mil
calorias (APPOLINÁRIO; CLAUDINO, 2000, p. 30).

Segundo Appolinário e Claudinho (2000), em 90% dos casos, ocorre o vômito


autoinduzido, que é o principal meio compensatório utilizado na bulimia. Isso
acontece devido ao efeito imediato tanto de alívio em relação ao desconforto
físico secundário à hiperalimentação quanto de redução do medo de ganhar
peso. Estima-se que indivíduos com BN mais agravada podem forçar o vômito
dez vezes ou mais por dia, inclusive por meio de manobras, por exemplo, a
introdução do dedo ou de algum objeto na garganta.

Que tal assistir ao documentário inglês “I’m a child anorexic”? Produzido


pela BCC, ele mostra quatro meses da dolorosa luta para superar a relação
obsessiva com a comida e o progresso de Natasha, de 12 anos, e de Naomi,
de 13, durante o tratamento na Fazenda Rhodes, uma clínica residencial que
trata de crianças com anorexia nervosa na Inglaterra. Apesar de estarmos
indicando o documentário original em inglês, qualquer busca rápida na
internet disponibiliza partes legendas. Assista e reflita: https://www.youtube.
com/watch?v=LSIYoQ_9Cvk. Acesso em: 18 set. 2021.

Causa desconhecida
Assim como ocorre com a anorexia, os médicos não sabem ao certo a causa
da bulimia, mas eles apostam na combinação de fatores sociais, biológicos e
comportamentais. De qualquer forma, como não é normal uma criança ficar

79
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

excessivamente preocupada com o próprio peso, é preciso verificar a causa. Além


disso, o diagnóstico de bulimia nervosa só é feito após a criança ter apresentado
dois ou mais episódios por semana, em período de pelo menos três meses. Ao
mesmo tempo, cabe ao médico explicar aos pais a importância de educarem
seus filhos para serem crianças seguras em relação a si próprias e informar que
os distúrbios alimentares na infância e na adolescência são causadores de graves
problemas físicos, que podem levar até mesmo à morte. Ainda é necessário fazê-los
observar que, se raramente um adulto consegue curar um transtorno alimentar, o
tratamento deve ser feito com equipe preparada e especializada no caso da criança
ou do adolescente. O intuito é ajudá-los a restabelecer seus hábitos alimentares
saudáveis com base no peso ideal para seu tamanho. Vale ressaltar que os melhores
resultados são obtidos sempre no início da descoberta do transtorno.

“Anorexia – Diário de uma adolescente”: o livro de Dominique Brand não


pode ser caracterizado apenas como autobiográfico, embora reproduza
algumas passagens do antigo diário da própria adolescência da autora, que
testemunham o difícil e estranho caminho da enfermidade. As revelações
para quem lê estão nas emoções ingênuas, mas verdadeiras, de uma garota
de 14 anos em seu trajeto para situação aparentemente absurda – a anorexia.
Publicado, em 2003, pela Editora Elevação, o livro possui 221 páginas e é
facilmente encontrado em sebos, inclusive virtuais.

Todo cuidado é pouco com crianças e adolescentes


Cabe ao profissional de saúde alertar os pais sobre os cuidados com as redes
sociais dos filhos com tendência a TA ou com TA já incorporados; usa-se como
exemplo o monitoramento realizado pela empresa iCustomer no Twitter, entre os
meses de maio e junho de 2017. Divulgado pela revista Veja, em 29 de novembro
de 2017, ele revelou os códigos secretos usados por grupos de meninas e jovens,
com distúrbios alimentares e idade entre 11 e 20 anos, para falar sobre a rotina
da anorexia e da bulimia, bem como sobre a prática conhecida como “pró-ana”
(pró-anorexia) ou “pró-mia” (pró-bulimia).

De acordo com o que foi apurado, elas utilizavam uma linguagem própria para
abordar o tema e, por meio de relatos pessoais, compartilharam o que comiam,
detalhavam o que faziam para se manterem magras e, ainda, davam dicas tanto
de remédios laxativos quanto de técnicas de emagrecimento, inclusive para as
iniciantes em tais comportamentos nefastos. Tudo isso ocorria por meio da hashtag
“borboletana”.
80
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

Somente no período citado, foram identificadas 28 mil menções feitas por 11


mil meninas, as quais contaram com um alcance de 1,7 milhão de pessoas. Em
algumas dessas publicações, elas chegavam a pedir dicas de medicamentos para
perda de peso, o que é bastante preocupante, principalmente porque alguns
conteúdos que acompanhavam esses códigos também mostravam tendência para
baixa autoestima, depressão e pensamentos suicidas entre as adolescentes. Estas,
inclusive, pediam opinião das outras usuárias com os mesmos problemas físicos e
mentais.

É conveniente observar que o prefixo ‘borbolet’ refere-se à borboleta, uma


metáfora para a perfeição que buscam atingir, e o sufixo ‘ana’ refere-se à anorexia.
De acordo com o mesmo levantamento, tal termo foi criado pelas garotas na
própria rede social e tem se propagado entre as adeptas da “pró-ana”. Contudo,
além desse, outros códigos também foram identificados. Entre eles, os mais
citados foram:

» NF: em inglês, significa no food ou, em português, sem comida.

» ED: eat disorder ou transtorno alimentar, em português.

» Low food: em português, significa pouca comida.

Relato de caso de anorexia


Desde os 17 anos, K., jovem do sexo feminino, apresentava-se desnutrida, anêmica
e amenorreica. Além disso, tinha histórico de dietas restritivas, não aceitação de
tratamentos, várias tentativas de suicídio e ainda dizia enganar os profissionais
de saúde, contando seu histórico por meio de personagens inventadas. Somente
aos 20 anos, aceitou acompanhamento psicoterápico, momento em que foi
informada de que a proposta seria em grupo formado por oito adolescentes de
ambos os sexos, com idades de 15 a 20 anos e problemáticas diversas. Na primeira
entrevista individual, a mãe dela relatou que a jovem fazia terapia desde os dois
anos por indicação da escola, pois seus desenhos eram sempre muito escuros e ela
só comia apenas sentada à mesa da diretora, mas nunca com outras crianças.

Quando K. ficou sozinha com a terapeuta, testou-a de diferentes modos,


acusando-a de querer usá-la como objeto de estudo para, em seguida, abandoná-la.
Quando a terapeuta colocou-se disponível para trabalhar com ela e ainda propôs
um contrato, durante algum tempo em silêncio, a paciente deu à profissional uma
81
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

florzinha de arame, feita por ela, o que demonstrou que a jovem tinha habilidades
manuais (tal habilidade era desvalorizada pela jovem, assim como todos os seus
demais aspectos). Com a mãe, mantinha relação simbiótica, repleta de diversas
situações conflitivas e castigos físicos, embora tivesse sido muito mimada. Não
conheceu o pai, mas expressava indiferença em relação a esse fato, além de
desqualificar a figura masculina.

Frequentou a escola até o 1o colegial e abandonou após repetência. Alegava que


não queria estudar, pois se sentia destratada por professores, o que acentuou
sua dificuldade de relacionamento com grupos. Sentia medo tanto de estar entre
muita gente quanto de andar sozinha na rua. Teve duas relações heterossexuais
sem prazer e era apaixonada por uma garota com quem nunca manteve contato
íntimo. Já havia sido agredida por causa de sua homossexualidade tanto pela
mãe quanto no bairro onde morava. Fez uso de maconha e cocaína. No início do
tratamento, apresentava-se sempre vestida com jeans, camisetas pretas e boné
que escondia parcialmente seu rosto.

Já no grupo, durante a atividade de apresentação, foi utilizada técnica expressiva:


diante da grande variedade de materiais (caneta hidrocor, giz de cera, lápis de cor,
papel sulfite etc.), cada um deveria escolher as duas cores que mais o atraíssem
para criar algo e apresentar aos demais. K. fez um desenho abstrato e alguns
versos. Durante as sessões iniciais, mostrava-se desconfiada, falava pouco, mas
observava atentamente. Na terceira sessão, trouxe um poema que abordava um
eu desiludido, cansado de não ser ouvido, que terminava com alguma esperança
de um euzinho novo nascendo, depois de várias tentativas de suicídio. Contudo
começou a participar cada vez mais das sessões, interferindo na problemática
trazida pelos colegas e lendo seus poemas que falavam de suas próprias dores. Aos
poucos, também começou a aceitar as interferências da profissional. Após dois
meses no grupo, já falava de suas dificuldades, incluindo as da área de sexualidade –
mencionava suas vergonhas, seus medos e sua dificuldade para “transar”.

No evoluir do tratamento, foi abandonando o boné e diversificando a cor das


camisetas. Dizia ter engordado um pouco e era fácil perceber que seu cabelo
estava bem cuidado. Ao contar sobre sua homossexualidade, foi acolhida pelo
grupo respeitosa e afetivamente, o que a deixou bem. Mostrava-se cada vez mais
integrada, a ponto de comentar fatos de sua vida. Além de falar livremente sobre
sua sexualidade, avaliava a importância de ouvir a problemática dos outros; ao
perceber a gravidade de algumas situações, também começou a redimensionar
seus próprios problemas.
82
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

Trouxe os sonhos para a terapia, que revelaram medo da rejeição, sensações de


pânico e situações de proteção sufocante. Ao mesmo tempo, relatou mudanças em
sua relação com a comida, pois estava alimentando-se melhor e gostava de comer,
inclusive com o grupo, além de não se incomodar de sentir fome. Fisicamente,
voltou a menstruar.

Verbalizou que sentia raiva e não suportava a mãe, principalmente quando pensava
nas coisas boas que deixou de fazer por causa dela. Contudo também se sentia
devedora, pois sempre fora cuidada por ela, e culpada ao pensar em abandoná-la.

Ainda em terapia, voltou a estudar e dizia se sentir bem na escola. Saía com amigos,
começou a namorar um rapaz com quem teve relação, descrita como bastante
agradável. Conseguiu trabalho e demonstrava satisfação.

Observações sobre anorexia na adolescência


Nessa faixa etária, as características psíquicas são próprias da adolescência, como
crises de identidade, relacional, familiar e de autoestima, além de falta de sentido
para a vida. Percebe-se ainda o peso do contexto sociocultural como um dos
principais fatores predisponentes à NA, por meio de falas que mostram desprezo
e rejeição pelo próprio corpo; há negação da satisfação de suas necessidades, seja
por meio do alimento, seja por meio do exercício de sua sexualidade. Portanto, o
paciente anoréxico busca o estado de não necessitar.

Visão existencialista sobre a anorexia


Quem segue essa linha de pensamento diz que os indivíduos anoréxicos rejeitam
o próprio eu, a vida instintiva e os desejos vorazes devido ao intento de criar um
novo eu, incorpóreo e totalmente controlado por uma mente pura, que deseja
quebrar os vínculos com o corpo e com suas demandas instintivas, as quais são
entendidas e sentidas como escravizantes. Dessa forma, tais indivíduos querem
romper a ligação com o corpo devido às expectativas negativas de que suas
necessidades não podem ser satisfeitas. Segundo Rusca (2003), na busca pelo
novo eu, o anoréxico descobre-se em situação paradoxal: deseja controlar-se,
cria um novo “eu” controlador e aí se encontra totalmente controlado por ele,
contra o qual é inábil para se rebelar.

83
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

[...] o apetite luxurioso que o anoréxico crê estar presente em seu velho
eu continua no novo eu, mas não mais dirigido aos prazeres da comida
e do sexo. Seu objetivo agora é conseguir a dissolução física. O objeto
de voracidade é a perda de peso, o prazer está em dominar o corpo
(RUSCA, 2003, pp. 494-495).

Portanto, a imagem corporal em contexto existencial é a revelação de uma


identidade, e sua estruturação se dá no contato e na troca contínua com outras
imagens corporais (GIORDANI, 2006, p. 85). O modo como se vivencia a relação
com o corpo expressa os limites e as possibilidades da identidade (SANTOS,
2006, p. 400).

Anorexia no processo de individuação


No caso das crianças, a quebra da relação simbiótica com a mãe é lenta e se
desenvolve à medida que surge a consciência de si e do desejo, o que coincide
com a noção de não ser parte dela, mas uma entidade autônoma. Entretanto,
como mãe e filho vivem em função um do outro, há momentos em que se odeiam
e outros que também sentem que não podem viver um sem o outro. Como o
alimento é o primeiro meio de comunicação entre mãe e bebê, recusá-lo pode
ser uma forma de rejeitar os laços físicos e psicológicos com a mãe (RUSCA,
2003, p. 492). Portanto, a anorexia pode ser um caminho para romper o cordão
umbilical (RUSCA, 2003, p. 492), responsável pela transmissão da vida e pelo
desejo íntimo de viver, sem o qual o corpo falha. Contudo, na anorexia, o que
acontece é separação da vida e do corpo devido a uma ruptura entre a necessidade
e a demanda, o que provoca desequilíbrio na vida instintiva (PEREÑA, 2007, p.
529).

“Não gosto de comer na frente dos outros, fico incomodada. Tenho nojo de imaginar
a comida se desfazendo na boca das pessoas [...]”. Essa frase expressa a grande
dificuldade sentida em relação ao alimento e ao ato social de comer, bem como
envolve negação a participar do rito social da alimentação. O ato de alimentar-se
envolve dimensão simbólica do alimento, além de reforçar os vínculos sociais por
meio de rituais coletivos de compartilhamento alimentar. Analisando a AN pelo
prisma da resistência corporal ao alimento, ela seria a negação das experiências
coletivas de comensalidade – uma tentativa de quebra do vínculo social que
nos humaniza. A dieta significa sucesso pessoal perante as crises familiares, as
dificuldades e a incompetência para lidar com os problemas habituais

84
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

(GIORDANI, 2006, p. 87). A rejeição sentida subjetivamente transforma-se, na


anorexia, em rejeição ao próprio corpo e em submissão a ideais confusos pelos
quais indivíduos anoréxicos se orientam (PEREÑA, 2007, p. 529).

Retomando o caso de K
Ainda na literatura sobre o tema, outra característica é a necessidade de controlar
o ambiente, de modo que o paciente cria personagens para atrair a atenção das
pessoas e se relacionar com os profissionais de saúde, como fez K. No entanto,
ela também admitiu que se não fosse à terapia, não teria conseguido tudo o que
conseguiu naquele ano. Comentou também que colocou até espelho no banheiro,
para se referir às mudanças na relação com o corpo: “Sou ex-anoréxica. Tenho
fome e estou gostando de comer”.

Entretanto isso só aconteceu porque ela aderiu ao tratamento, graças ao


acolhimento do grupo, momento em que se sentiu segura para entrar em contato
com seu mundo interno e compartilhá-lo. Desse modo, não precisou utilizar
apenas seu próprio corpo para expressar seus conflitos internos, embora ainda o
utilize para comunicar seus estados psíquicos.

Garotas bonitas não comem


O caso a seguir veio à tona em 2017 e chamou a atenção da opinião pública
da Irlanda, não só pela trágica ocorrência, mas também pelas supostas razões
que levaram uma menina de 11 anos a tirar a própria vida. Milly Tuomey se
suicidou após publicar uma mensagem em seu Instagram, na qual dizia não aceitar
a própria aparência. Um ano antes, a irmã mais velha, os amigos da menina e a
diretora da escola que ela frequentava alertaram os pais sobre o comportamento
da menina, o qual parecia afetado demais. Nessa mesma época, eles acharam um
diário embaixo da cama da filha, no qual ela falava sobre sua vontade de ser
médica, de casar e ter filhos, mas também de morrer.

Surpreendidos, eles a levaram ao médico e, ao longo da consulta, Milly expressou


seu intenso desejo de morte, falou sobre pensamentos de machucar-se, bem
como informou que estava insatisfeita com a sua aparência há muito tempo. No
momento, a recomendação médica foi que ela passasse por avaliação específica
em An Cuan (Centro de Serviços Psicológicos), porém, quando seus pais tentaram
marcar a consulta, o psicólogo já não estava mais atendendo pacientes novos.

85
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

Preocupados, eles procuraram um terapeuta artístico que, a partir do dia 24


de novembro de 2015, iniciou uma série de consultas semanais com Milly,
encorajando-a a expressar suas emoções por meios verbais e visuais. No entanto, o
profissional não estava apto a fazer avaliações clínicas. Consciente disso, orientou a
mãe da menina a procurar os serviços de saúde mental da criança e do adolescente.

Dessa vez, ela conseguiu agendar a consulta para 30 de janeiro de 2016. Contudo,
no 1o dia do mesmo mês, encontrou a filha no quarto com o seu suposto diário
suicida, deitada sobre a cama com medicações, cortes e os dizeres “garotas bonitas
não comem” (afirmação foi feita pela Sra. Tuomey diante do Tribunal de Justiça
de Dublin). Às pressas, Milly foi levada ao Our Lady’s Children’s Hospital, porém
faleceu no dia 4 de janeiro.

Percebe-se nesse caso que a menina tinha problemas de autoestima, o que apontava
para um quadro depressivo, no qual o seu corpo era o foco de insatisfação,
provavelmente aliado a TA. Entretanto Milly vivia no subúrbio de Templeogue,
Dublin, que não contava com a estrutura ideal nem para o diagnóstico, nem para
tratamento adequado.

Além disso, os pais dela não sabiam o que fazer; a primeira iniciativa foi levá-la a
um clínico geral que, por saber que nada podia fazer pelo quadro psicológico da
menina, indicou o Centro de Serviços Psicológicos. Este, à época, contudo, não
podia atendê-la. Como os pais estavam perdidos, eles a levaram a menina para
um terapeuta artístico que, apesar de não poder avaliar o quadro, provavelmente
percebeu que ela era suicida em potencial, de modo que não tinha condições de
ficar sozinha em nenhum momento.

Em consequência da postagem no Instagram, o ideal seria uma internação


psiquiátrica de emergência, pois apenas terapia e medicamentos não seriam
suficientes. Pelos escritos no diário, Milly estava pedindo ajuda há muito tempo.
Quem, com apenas 11 anos, olha-se no espelho e diz que seu corpo não é bonito e
que seu desejo é a morte? A resposta é simples: apenas alguém com crise de saúde
mental!

Notamos também o seguinte: se os pais eram despreparados no início desse


processo, aos poucos, e com a devida ajuda de psicólogos, psiquiatras e apoio
médico, eles poderiam ter aprendido a entender e a desenvolver formas de lidar e
precaver novas crises. Contudo o que receberam em termos de informações não
foi insuficiente nem para eles, nem para a menina. Esta deu diversos sinais com
palavras, gestos e atitudes para pedir a ajuda que nunca veio.

86
CAPÍTULO 3
A importância de uma boa alimentação,
a busca pela suposta perfeição e os
novos comportamentos alimentares
ligados à anorexia e bulimia

A alimentação equilibrada é importante para todas as pessoas, especialmente


para quem apresenta ou apresentou quadros de transtornos alimentares. Parte do
tratamento de recuperação pode ser a retomada de hábitos alimentares saudáveis,
já que a pessoa portadora desse tipo de distúrbio está debilitada e necessita de
nutrientes para restabelecer o equilíbrio químico e físico. A American Dietetic
Association (ADA), por exemplo, propõe terapia nutricional para os transtornos
alimentares, o que deve ser um processo integrado, no qual o nutricionista e a
equipe médica trabalham juntos para modificar os comportamentos relacionados
ao peso e à alimentação (ALVARENGA; LARINO, 2002).

No momento inicial do tratamento, cabe ao nutricionista colher e transmitir


informações relacionadas ao padrão alimentar, relacionar alimento e peso
e, a fim de propor intervenção mais terapêutica, incrementar as mudanças
de comportamento alimentar. Também deve orientar a manutenção de peso
adequado e indicar alimentos apropriados para cada tipo de problema, em termos
de dose diária recomendada de calorias e de densidade dos nutrientes (DUNLER;
PHILLIP, 2008).

Sobre os nutrientes
Eles incluem carboidratos, proteínas, fibras, gorduras e vitaminas (A, B1, B2,
B6, B12, C, E), além de compostos químicos inorgânicos que abrangem minerais
(cálcio, ferro, fósforo, magnésio, potássio, zinco e sódio). Observe a relação entre
alguns alimentos e o corpo humano:

» Alimentos integrais têm nutrientes que revitalizam o organismo.

» O cálcio encontrado no leite, nos ovos e nas verduras ajuda a fortalecer


os ossos e os dentes.

» Carnes brancas e vermelhas contêm proteínas necessárias para o corpo


desnutrido.

87
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

» O ômega 3, encontrado nos peixes, em ovos e nozes, vitaliza o coração.

» O composto líquido e o sódio das bebidas desportivas ajudam a recuperar


a perda de eletrólitos.

» Já os alimentos processados (açúcar, gorduras, cereais refinados, entre


outros) pouco contribuem para a nutrição.

Até pouco tempo, o tratamento nutricional dos transtornos alimentares tinha


como base a pirâmide alimentar. Criada em 1992, pelo Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (UEDA), o esquema dessa pirâmide incentivava
a ingestão de carboidratos – como massas, pães e cereais – em vez de gorduras.
Ainda nos anos de 1990, chegou-se à conclusão de que a pirâmide poderia ser
prejudicial por vários motivos. Um deles era a posição de vilão alimentar de óleos
e gorduras quando, na verdade, algumas substâncias, caso do azeite de oliva, por
exemplo, não são prejudiciais à saúde.

Em substituição à pirâmide alimentar da UEDA, em 2005, especialistas da


Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard propuseram a criação de
um novo modelo baseado em alimentos saudáveis que fornecessem proteínas,
vitaminas, sais minerais, fibras, entre outros nutrientes, o quais atuam no bom
funcionamento de todo o organismo. Também foram inseridas orientações para
o consumo de vinho, exercícios físicos e controle de peso.

Figura 13. Quando a boa alimentação se torna uma obsessão, ela também passa a ser um distúrbio que recebe o nome de
ortorexia nervosa.

Fonte: https://www.verywellhealth.com/orthorexia-diagnosis-5184008.

88
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

Em 2006, o Brasil criou o “Guia Alimentar para a População Brasileira”


(disponível para download gratuito no site do Ministério da Saúde). Por trazer
uma nova maneira de olhar para a classificação dos alimentos, foi muito elogiado,
principalmente devido à abordagem que leva em conta o nível de processamento
dos alimentos. Dessa forma, o guia dá sinal verde para alimentos encontrados
na natureza e vermelho para os preparados na fábrica, o que já ia de encontro
à proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esta, em 2013, passou
a recomendar que cada país criasse uma cartilha para mapear, entender e,
então, orientar a sua população em relação à alimentação de maneira saudável.
Em 2014, as diretrizes do “Guia Alimentar para a População Brasileira” foram
revisadas, o que culminou na elaboração da segunda edição do documento; o
objetivo era expandir o conhecimento sobre alimentação entre os brasileiros.
Desde então, não só no Brasil, mas na maioria dos países, o foco passou a ser o
nível de processamento dos alimentos.

Alimentação saudável versus transtornos


alimentares
Não só quem sofre de anorexia, bulimia ou outros transtornos alimentares, mas
todos nós deveríamos ter consciência da importância de manter alimentação
saudável. Esta, por sua vez, é aquela que garante ao organismo todos os nutrientes
necessários. Portanto, não se trata apenas de quantidade, mas de qualidade e
variedade daquilo que se ingere, o que implica o equilíbrio das refeições. Consumir
alimentos ricos em açúcar, gordura e sal, desprezar alimentos frescos, compor
os pratos com pouca variedade e pular as refeições são alguns dos erros mais
comuns que qualquer indivíduo comete ao se alimentar. Afinal, devido ao ritmo
de vida de hoje, também é normal substituir refeições saudáveis por fast food,
sanduíches, salgadinhos, entre outras opções que são bem mais baratas que um
prato nutritivo, o qual ainda requer tempo para ser ingerido. Essa substituição
impensada é viciante e mais econômica em termos de tempo e dinheiro, mas, ao
longo do tempo, a tendência é que ela provoque o consumo de menos nutrientes
e, em decorrência, acarrete doenças estomacais, fraqueza generalizada e até
transtornos alimentares.

Consequentemente, nesses casos, com a ajuda do terapeuta, o paciente aprende


a ficar alerta sobre certos padrões de comportamentos alimentares para que eles
não retornem, principalmente se acontecer a interferência de algum fator externo

89
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

que desequilibra a vida dele. Desemprego, rompimento de relacionamento e


perda de um ente querido ou de um animal de estimação são situações dolorosas,
mas que não devem ser compensadas pela comida. Contudo, quando isso acontece,
é disparado novamente o gatilho para o transtorno.

Alguns pontos importantes devem ser destacados repetidamente, seja pelo


médico, seja pelo terapeuta, para conscientizar o paciente em relação ao que é
uma alimentação saudável. Entre eles, destacam-se:

» Não pular refeições.

» Comer verduras, legumes e frutas diariamente.

» Alimentar-se de alimentos in natura ou minimamente processados.

» Evitar alimentos com muita gordura.

» Reduzir a quantidade de sal nos alimentos.

» Evitar alimentos industrializados.

» Beber pelo menos dois litros de água diariamente.

A busca pela suposta perfeição e os novos


comportamentos alimentares inadequados
Os transtornos alimentares são tão preocupantes que, nas últimas décadas,
especialistas em nutrição, psiquiatria e psicologia já vêm apontando novos
transtornos ligados à alimentação. Alguns são considerados como desdobramentos
da anorexia e bulimia nervosa, apesar de terem características específicas.
Entre eles, podemos destacar:

Transtorno dismórfico muscular (TDM/conforme classificação no


DSM-5) vigorexia ou bigorexia: trata-se de transtorno novo mental que pode
levar a um transtorno alimentar, estimulado pelas influências socioculturais
e da mídia, que afeta mais o homens, embora mulheres também possam
manifestá-lo. O TDM se evidencia pelo excessivo culto ao corpo, advindo da
preocupação com a ideia de que a própria estrutura corporal é muito pequena
ou insuficientemente musculosa. Tal condição impulsiona a busca por um corpo
perfeito em termos de musculatura e assimetria, o que, na maioria das vezes,
resulta em corpo anormal em virtude tanto do aumento da musculatura em
consequência do excesso de exercício físico e consumo exagerado de proteína e
diminuição de gordura, no intento de favorecer a construção muscular, quanto
90
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

do uso de esteroides anabolizantes que possibilitam melhores resultados em


curto espaço de tempo. Entretanto, em ambos os casos, além de sofrimento
clinicamente significativo, com prejuízo do funcionamento social, profissional
ou de outras áreas da vida, podem ser geradas doenças metabólicas e renais bem
sérias. Note que, normalmente, indivíduos com TDM têm comportamentos
repetitivos, como olhar-se constantemente no espelho, arrumar-se em excesso,
comparar a própria aparência com a de outros, utilizar quantidades excessivas de
suplementos alimentares, desejar ou realizar cirurgias plásticas desnecessárias,
entre outros recursos que, quando se mostram frustrantes, podem levá-los até ao
suicídio.

Caso com indícios de transtorno dismórfico


muscular tratado psicoterapicamente
F., jovem de 15 anos do sexo masculino, passou mais de um ano vomitando
quase todos os dias. Já era magro e emagreceu ainda mais. Após passar por mais
de oito médicos e fazer inúmeros exames, como endoscopia, ele contou, em
segredo, ao gastroenterologista, que, cerca de três meses antes dos vômitos e
enjoos começarem, havia levado um soco na boca do estômago, dado pelo pai,
na ocasião de uma visita de férias, próxima ao Natal. Na época, ele tinha 13 anos;
desmaiou e acordou na cama somente no dia seguinte. Desde então, ele nunca se
mais encontrou o pai. Apesar disso, o médico o convenceu a contar a história à
mãe e o encaminhou a um neurologista, que prescreveu antidepressivo. Como
os vômitos e enjoos melhoraram com a medicação, F. foi encaminhado ao
psicólogo. Passou por dois psicólogos e chegou ao terceiro aos 15 anos.

Embora a mãe questionasse se o filho estaria dizendo a verdade, ela confirmou


que o pai era muito violento, tanto que batia no menino, quando pequeno, por
nada, mas não na irmã dois anos mais nova. Explicou que quando F. completou
10 anos, ela se separou do marido, mas estava preocupada com as atitudes do
filho, que estaria ficando muito agressivo como o pai. A mãe disse que temia que
o filho seguisse o caminho do pai.

Já nas primeiras entrevistas com F., ele contou a mesma história e acrescentou
que nos dias que estava na casa da avó, em uma cidade vizinha, o pai só lhe
permitia comer arroz na hora do almoço sem justificativa alguma. Contudo a
preocupação dele era outra, pois acreditava que tinha vigorexia e que estava

91
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

ficando louco, porque a mãe o proibia de voltar à academia – quando frequentava


a academia, tomou alguns anabolizantes e a mãe descobriu tal fato. Por sua vez,
a mãe alegou que ele não pensava em outra coisa, de modo que deixou de ser
o aluno estudioso que sempre fora; além do mais, não estava merecendo seus
esforços para pagar a academia.

F., então, ficava nervoso e quebrava coisas. Já não tinha a porta do quarto, que
quebrou, segundo ele mesmo, para não bater na mãe; quando F. tinha 5 anos, o
pai socou a parede para não agredir a mulher. Ele relembra também que, na época,
tinha orgulho de mostrar aos amiguinhos a parede afundada pela mão do pai.

Tais relatos foram feito ao longo das sessões, mas, já nas primeiras, ele concordou
que sua fixação no peso e na academia era excessiva, o que o estava prejudicando
de aproveitar e de investir em outras coisas na vida, embora também afirmasse
que não conseguia pensar em nada mais. Ao ser indagado se sentia-se ameaçado
pela possível visita do pai, F. disse que, no início, sentia medo, que não saía
sozinho de casa, mas que agora não tinha mais medo e que lhe passava pela cabeça
a imagem dele rolando no chão com o pai em uma briga. Ficou fácil perceber
que os sintomas de F. tinham função preciosa para ele. Se arrancados à força,
causariam depressão, por isso ele fazia chantagens com a mãe e ameaçava não ir
à aula se ela não o deixasse ir à academia. A princípio, o psicólogo o acolheu com
seus sintomas, já apontando os excessos e as limitações de tal fixação, bem como
mostrou a compreensão de que isso era realmente importante para ele.

No momento inicial do tratamento, essa atitude foi fundamental para entender a


importância da academia para F. e o cansaço da mãe, que já não sabia mais o que
fazer. Contudo ela compreendeu que, apesar da insegurança e das dificuldades,
deveria bancar a academia para o filho, o que deveria ser realizado mediante
um acordo: F. dedicaria três horas por dia ao estudo e, em troca, iria à academia
quatro vezes por semana.

A partir daí, o trabalho de análise pôde finalmente se iniciar, e o episódio do soco


retornou inúmeras vezes. Certo dia, falando do quanto já tinha sido apaixonado
por brigas, F. contou que, há alguns anos, disse a um amigo que brigaria com o
primeiro cara que passasse por ele e assim o fez: deu um soco na cara do primeiro
garoto que passou na calçada, que saiu sem entender nada. Aproveitando a deixa,
o psicólogo perguntou se aquilo foi tal como acontecera com ele. F. afirmou que
nunca havia levado um soco no rosto; o profissional reforçou que não fora no
rosto, mas no estômago.

92
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

A identificação com o pai era evidente, mas algo parece ter sido balançado.
Até então, F. sempre falava de seu encanto e admiração por ele e do quanto
achava que sua mãe, que já namorava outra pessoa naquele momento, ainda
era apaixonada por ele. A partir dos questionamentos do psicólogo, contudo,
ele passou a afirmar que a mãe dizia que aguentava o pai em decorrência das
lembranças do namorado maravilhoso que ele havia sido no passado (cavalheiro
e carinhoso), muito diferente do marido e pai agressivo que F. conhecera. A
partir dessa intervenção, F. parece ter visto o ideal paterno como algo para além
da agressividade corporal.

Desde então, progressivamente, F. deixou de se envolver em brigas e começou


a ter uma relação bastante pacífica com a mãe. Por muitas vezes, utilizou-se do
psicólogo como intermediador de suas reivindicações para deixar a chantagem
de lado. Ele dizia que até aceitava ouvir um “não”, mas desde que entendesse
o porquê; algumas vezes, solicitou que a conversa com a mãe acontecesse no
consultório, não na casa deles. Chegou até a contar orgulhoso que a mãe o usava
de exemplo para a irmã mais nova.

Em decorrência de um adoecimento, ele emagreceu bastante e, surpreendentemente,


resolveu que poderia se manter naquele novo peso. Seu peso ideal era 81 kg, mas
aceitou ficar com seus 75 kg. Com o desenrolar do trabalho, o adolescente foi se
permitido algumas exceções: ir para festas, viajar para a casa dos primos, comer
algumas coisas de que gosta e até jogar futebol. F. também se permitiu pensar em
seguir profissões diversas – inicialmente, apenas a ideia de ir para o exército era
possível para ele.

Depois, passou por uma fase em que ficou envolvido com o problema de dizer
não para as mulheres. Começou a namorar uma garota e dizia que não queria
traí-la, pois não brigavam e que isso o surpreendia. Disse que se sentiria muito
mal se ela o deixasse por uma falha dele, porque realmente gostava de estar
com ela. Falava diversas vezes do imperativo do pai, mulherengo, que desde
cedo o incitava a sê-lo também. Contudo falava também da falta de uma figura
masculina na família e criava, imaginariamente, um pai ideal, um pai amoroso
que, em seus sonhos, tanto acordado quanto dormindo, daria presentes,
admiraria e apoiaria a sua decisão de ficar com a garota, compreendendo as
dificuldades de ser homem e de dizer não.

Consequentemente, F. parece estar construindo, a partir de sua própria fantasia,


uma maneira possível de se fazer homem, para além da impotência fálica,

93
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

proveniente da frustração neurótica. Por vezes, ele ainda se percebe sendo igual
ao pai, mas, então, o profissional que o atende diz que ele está sendo igual ao pai
que conheceu, mas não igual ao pai que conquistou sua mãe. Embora o trabalho
com o jovem ainda seja curto, ele já vai se desdobrando, a partir da parcela de
fixação, da mensagem de desejo e da demanda de amor que o profissional percebeu
ao trabalhar com F.

Ortorexia Nervosa: remete a uma desordem alimentar associada à busca pela


alimentação perfeita, o que acarretava restrições alimentares significativas.
Inclusa no DSM-5 como um dos transtornos alimentares não especificados
(Unspecified feeding or eating disorder/UFED), foi descrita, pela primeira vez,
pelo médico norte-americano Steven Bratman, em 1997. Este a definiu como
um comportamento patológico devido à preocupação obsessiva por seguir
uma alimentação saudável. Ele mesmo, em seu comportamento alimentar,
era excessivamente preocupado com o estilo de vida e com a qualidade dos
alimentos escolhidos. Segundo o que a impressa propagou em 2002, Bratman
era vegetariano, comia apenas legumes frescos e de qualidade plantados por ele
mesmo, mastigava cada colherada mais de 50 vezes, sempre sozinho e em local
sossegado, deixava o estômago parcialmente vazio no final de cada refeição e
rejeitava qualquer alimento colhido há mais de quinze minutos. Por um ano,
alimentando-se assim, sentiu-se forte e saudável, mas sozinho e obcecado,
pois evitava a prática social das refeições, por se sentir obrigado a esclarecer
a familiares e amigos os seus hábitos alimentares. Portanto, ele acreditava que
tinha um comportamento alimentar obsessivamente saudável. Tanto quanto ele,
as pessoas que sentem os efeitos desse transtorno alimentar tendem a limitar
o consumo de certos alimentos e a ter preocupação exagerada com o modo de
armazenamento e de preparo da comida. Consequentemente, elas vivenciam o
isolamento social por se sentirem diferentes dos demais e mais esclarecidas em
termos alimentares. Contudo, apesar de tantos cuidados, a grande maioria sofre
com a carência de determinados nutrientes devido à restrição alimentar.

Segundo a Associação Brasileira para o Estudo da Obsidade e da Sindrome


Metabólica (ABESO), em 2016, foram publicadas, pela primeira vez, propostas
diagnósticas para a ortorexia nervosa, cujo critério principal é o foco obsessivo
em comer saudável. Este, por sua vez, é definido como um conjunto de crenças
repleto de detalhes específicos, mas que, ao mesmo tempo, provoca muita
angústia em relação às escolhas alimentares percebidas como inadequadas.
Embora possa ocorrer perda de peso na ortorexia, esse não é objetivo da prática,
94
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

que visa apenas à busca pela suposta saúde ideal. Já entre as características dos
indivíduos com esse transtorno, é possível notar o seguinte:

» Crenças distorcidas na promoção da saúde.

» Comportamento compulsivo e/ou preocupação demasiada com práticas


restritivas.

» Sensações físicas negativas acompanhadas de ansiedade, vergonha e


medo de desenvolver alguma doença ao quebrar as regras dietéticas
autoimpostas.

» Adoção de restrições alimentares progressivas que acabam por eliminar


alimentos indispensáveis.

» Prática de jejuns ou lavagens como purificantes ou desintoxicantes.

» Probabilidade do uso excessivo de suplementos alimentares.

De forma idêntica aos demais transtornos alimentares, quem apresenta a


ortorexia não procura ajuda, pois acredita que está fazendo a escolha certa
para ter a saúde ideal. No entanto, a preocupação é centrada apenas no tipo
de comida, não em um estilo de vida saudável. Se não bastasse, o indivíduo
perde muito tempo organizando e planejando a dieta, anda grandes distâncias
para obter alimentos apropriados (como os orgânicos e os naturais) e abandona
suas atividades diárias para se dedicar de forma patológica à vida alimentar
(MARTINS et al., 2011).

O termo “ortorexia” vem do grego ortho, que quer dizer correto, e orexis, cujo
significado é apetite.

Pregorexia: ainda não previsto no DSM-5, é um distúrbio que ocorre durante


a gravidez e se caracteriza pela obsessão em não ganhar peso, o que faz com
que a mulher coma menos e abaixo dos níveis calóricos e nutricionais saudáveis​​
necessários para a gravidez; nesse cenário, o objetivo é somente manter o corpo.
Devido a essa preocupação excessiva, algumas mulheres forçam o vômito ou se
exercitam excessivamente, colocando em risco tanto a própria saúde quanto a
do filho que está sendo gerado, pois podem ocorrer desnutrição, que, por vezes,
provoca a morte do feto; descalcificação óssea; alterações hormonais; problemas
95
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

de desidratação, problemas digestivos e cardiovasculares; restrição de crescimento


intrauterino, diminuição do líquido amniótico, parto prematuro, baixo peso ao
nascer; e até baixa produção de leite materno. Entre os profissionais da saúde,
muitos defendem que a principal causa desse distúrbio é a pressão social por
padrões estéticos, estimulada pela mídia, a qual faz questão de expor mulheres
famosas que se mantêm em forma durante a gravidez e após o parto. Note que
a incidência de tal transtorno na gravidez ainda é desconhecida, mas alguns
estudos indicam que é menos comum do que na população em geral. Entretanto
tal distúrbio ainda é mal diagnosticado durante a gestação, porque existe, por
parte da paciente, resistência em descrever o seu comportamento alimentar
quando é questionada sobre atitudes em relação ao ganho de peso (DUNKER;
ALVARENGA; ALVES, 2009).

Além disso, é conveniente observar que mulheres que já sofreram de distúrbio


alimentar no passado têm risco maior de sofrer de pregorexia, mas isso também
não é uma regra generalizada. Consequentemente, apenas uma minoria de
grávidas é afetada pelo distúrbio. Outro cuidado de extrema importância é não
atribuir a pregorexia ao grande número de mulheres que não recebe nutrição
suficiente durante a gravidez, principalmente porque o problema delas é
socioeconômico, não estético.

Os sinais de um possível TA na gestação incluem ausência de ganho de


peso em duas visitas consecutivas no segundo trimestre da gestação,
hiperêmese gravídica e uma história pregressa de transtorno alimentar.
A gestação é um evento particular no contexto dos TA. Não existe
ainda consenso na literatura sobre melhora ou piora do quadro de TA
durante a gestação (DUNKER; ALVARENGA; ALVES, 2009, p. 61).

De modo geral, os profissionais de saúde devem ficar atentos, pois as mulheres


que sofrem de pregorexia apresentam uma série de sintomas característicos do
distúrbio, por exemplo:

» pouco ganho ou perda de peso durante a gravidez;

» restrição da maioria dos grupos alimentares;

» sentimentos de medo ou ansiedade excessivos sobre ganho de peso;

» excesso de exercício para não ganhar peso;

96
A incidência dos transtornos alimentares | Unidade iv

» indução de vômito após as refeições;

» fadiga excessiva;

» tonturas ou dores de cabeça;

» dificuldade de concentração; e

» obsessão por redução de peso a ponto de evitar refeições.

Tal comportamento inadequado, além de colocar o bebê em risco durante o


primeiro mês de vida, ainda traz a probabilidade de retardo mental, insuficiência
respiratória, distúrbios neurológicos, déficit de atenção e hiperatividade.

O termo “pregorexia” deriva da mistura das palavras pregnancy, que significa


gravidez em inglês, e orexia, do grego orexis, que quer dizer apetite.

Um caso de pregorexia que chamou a atenção


Em abril de 2015, a modelo norte-americana Sarah Stage (1984) chamou a atenção
de muita gente devido a algumas fotos nas quais, a menos de 15 dias de dar à luz
o seu primeiro filho, mostrava uma barriga definida. À época, especialistas que
trabalhavam com grávidas anoréxicas sugeriram que se tratava de um caso de
TA, principalmente porque a modelo exibia nas redes sociais a pequena barriga
e o corpo esbelto com muito prazer, o que denotava evidente necessidade de
afirmação de que não tinha engordado na gravidez. Embora tivesse sido alvo de
críticas, felizmente o filho dela nasceu saudável, pesando 3,9 kg e medindo 55
centímetros.

Já em 2017, no oitavo mês da segunda gravidez, ela repetiu a façanha ao fazer


um ensaio nu, mostrando-se da mesma forma, como se sua condição, seja ela
TA, seja ela genética, fosse algo normal para todas as mulheres. As que insistem
em se espelhar em famosas que continuam magras durante a gravidez tendem a
desenvolver TA. Apesar disso, dados da Organização Mundial da Saúde estimam
que os TA atingem apenas 3% das gestantes.

Já para a psicóloga Irema Barbosa Magalhães, que estuda os TA como parte


de seu doutorado na Universidade de Paris V da Sorbonne, o sinal de alerta
surge quando a gravidez não muda muito o corpo da futura mãe. Esta, por sua
97
Unidade iv | A incidência dos transtornos alimentares

vez, pode desenvolver um problema na construção da identidade materna. Em


entrevista à Revista Marie Claire, em 14 de abril de 2015, época da divulgação
das fotos da primeira gravidez de Stage, Magalhães explicou o seguinte:
A grávida com o distúrbio alimentar não se depara com uma mudança
de vestuário e a barriga não cresce tanto. Além disso, ela fala pouco com
e sobre o bebê, como uma maneira de praticamente negar a gravidez.
Então, fica muito complicado para ela se reconhecer como mãe.

“Transtornos alimentares e nutrição da prevenção ao tratamento”: o livro de


Marle dos Santos Alvarenga, mestre, doutora e pós-doutora pela Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), foi escrito com
base na literatura científica contemporânea e na experiência de diferentes
especialistas em transtornos alimentares. Portanto, ele é perfeito para
alunos de graduação, pós-graduação, profissionais da área e interessados,
pois apresenta tanto novos conhecimentos de forma didática quanto quadros
atuais dos transtornos alimentares, bem como diretrizes de tratamento e
prevenção. Publicado pela Editora Manole, o exemplar tem 570 páginas e
custa aproximadamente R$ 115,90.

98
PARA (NÃO) FINALIZAR

Poesia da cantora, compositora, jornalista, locutora e escritora Josielly Rarunny:


Eu quero ser magra

Eu quero ser magra, porque magra é sinônimo de padrão, mas hoje é


domingo e domingo é sinônimo de pastel de feira e caldo de cana.

Minha boca já pediu desculpas ao meu corpo por ter comido o que devia
evitar, mas minha mente não quer aceitar.

Meu espelho reflete uma pessoa diferente do que os outros dizem que sou.

Meu reflexo nunca me agradou porque eu sempre quis refletir o padrão.

Eu só queria me enquadrar no padrão, mas era domingo.

Eu só queria me enquadrar no padrão, mas era segunda, era terça, era


quarta, era quinta, era sexta, era sábado, era páscoa, era natal.

Eu só queria me enquadrar no padrão, mas senti fome, senti raiva, senti


mal.

Era bulimia, mas eu só queria me enquadrar no padrão.

Era anorexia, mas eu só queria me enquadrar no padrão.

Era anemia, mas tudo que eu queria era me enquadrar no padrão.

Era depressão, mas eu só estava lutando para alcançar o padrão.

É o meu velório, mas já sabem...

Eu só queria me enquadrar no padrão.

99
REFERÊNCIAS

ABESO. Disponível em: https://abeso.org.br/. Acesso em: 19 set. 2021.

ALVARENGA, M.; LARINO, M. A. Terapia nutricional na anorexia e bulimia nervosas. Rev.


Bras. Psiquiatria., v. 24, São Paulo, 2002. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-
44462002000700009. Acesso em: 19 set. 2021.

ALVARENGA, M. Transtornos alimentares e nutrição da prevenção ao tratamento.


Editora Manole. São Paulo, 2019.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos


mentais – DSM-5. 5. ed. Disponível em: http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/
Manual-Diagnosico-e-Estatistico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf. Acesso em: 19 set.
2021.

AMÉRICA, XIII, VIII, II, 2008, Curitiba. Anais. [...]. Curitiba: Centro Reichiano, 2008. CD-ROM.
[ISBN – 978-85-87691-13-2]. Disponível em: www.centroreichiano.com.br. Acesso em: 5 abr.
2016.

APOLLINARIO, J. C.; FREITAS, S.; NA\AR, B. Transtornos alimentares. In: Associação


Brasileira de Psiquiatria. NARDI, A. E.; SILVA, A. G.; QUEVEDO, J. L (Organizadores).
PROPSIQ Programa de Atualização em Psiquiatria: Ciclo 4. Porto Alegre: Artmed
Panamericana, pp. 43-93, 2014.

APOLLINÁRIO, J. C.; CLAUDINO, A. M. Transtornos alimentares. Rev. Bras. Psiq., v. 22,


São Paulo, 2000. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600008. Acesso
em: 19 set. 2021.

ASSUMPÇÃO, C. L.; CABRAL, M. D. Complicações clínicas de anorexia nervosa e bulimia


nervosa. Rev. Bras. Psiquiatria, v. 24, dez. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbp/
v24s3/13968.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília, 2006.
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_
brasileira_2ed.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

BRISTOW, S. Cómo volé sobre el nido del cuco. Barcelona: Plaza & Janes Editores, 2018.

BUCKROYD, J. Anorexia e bulimia. São Paulo: Ágora, 2000.

BULIMIA nervosa, mais comum em mulheres, avança entre homens. Correio Web, 7 jan.
2021. Disponível em: http://sites.correioweb.com.br/app/50,114/2014/01/07/noticia_
saudeplena,147000/bulimia-nervosa-mais-comum-em-mulheres-avanca-entre-homens.shtml.
Acesso em: 19 set. 2021.

100
Referências

BUSSE, S. R. Anorexia, bulimia e obesidade. Rio de Janeiro: Manole, 2000.

CAMARGO, T. P. P. et al. Vigorexia: revisão dos aspectos atuais deste distúrbio de imagem
corporal. Rev. Bras. Psicol. Esporte, v. 2, São Paulo, jun. 2008. Disponível em: http://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-91452008000100003. Acesso em: 19 set.
2021.

CARASCO, D. “Grávida sarada é sem dúvida um caso de transtorno alimentar”, diz especialista.
Revista Marie Claire, 14 abr. 2015. Disponível em: https://revistamarieclaire.globo.com/
Comportamento/noticia/2015/04/gravida-sarada-e-sem-duvida-um-caso-de-transtorno-
alimentar-diz-especialista.html. Acesso em: 19 set. 2021.

CARMO, C. C.; PEREIRA, P. M. L; CANDIDO, A. P. C. Transtornos Alimentares: uma


revisão dos aspectos etiológicos e das principais complicações clínicas. HU Revista, Juiz de
Fora, v. 40, n. 3 e 4, pp. 173-181, jul./dez. 2014. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/
biblioref/2016/09/1845/2439-13557-1-pb.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

CLAUDINO, A. M.; ZANELLA, M. T. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São


Paulo: Manole, pp. 3-163, 2005.

COBELO, A. W.; SAIKALI, M. O.; SCHOMER, E. Z. A abordagem familiar no tratamento da


anorexia e bulimia nervosa. Ver. Psiq. Clin., v. 31, n. 4, 2004. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/rpc/a/ss4gG9sRJ4cR4HNv8G9qXgR/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 19 set. 2021.

CORDÁS, A. T.; BUSSE, S. Transtornos alimentares: Anorexia e bulimia nervosas. In: NETO,
M. R. L. et al. (Eds.). Psiquiatria básica. Editora Artes Médicas, Porto Alegre, pp. 273-282,
1995.

CORDÁS, T. A.; SALZANO, F. T.; RIOS, S. R. Os transtornos alimentares e a evolução


no diagnóstico e no tratamento. In: PHILIPPI, S. T.; ALVARENGA, M. Transtornos
alimentares: uma visão nutricional. São Paulo: Manole, 2004.

CORDÁS, T. A. Transtornos Alimentares: classificação e diagnóstico. Rev. Psiq. Clin., v. 31,


n. 4, 2004. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-60832004000400003. Acesso em: 19
set. 2021.

CORDÁS, T. A. Transtornos alimentares: fundamentos históricos. Rev. Psiq. Clin., v. 31, n. 4,


2004. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000700002. Acesso em: 19 set.
2021.

COSTA, A. C. Proposta de intervenção corporal no tratamento de distúrbios de imagem


corporal nos transtornos alimentares. In: ENCONTRO PARANAENSE, CONGRESSO
BRASILEIRO, CONVENÇÃO BRASIL/LATINO, 2008. Anais [...]. 2008. Disponível em:
http://www.centroreichiano.com.br/artigos/Anais-2008/COSTA-Alessandra-Proposta-de-
intervencao-corporal.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

101
Referências

COURAGE. Vagalume. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/superchick-11/


courage-traducao.html. Acesso em: 19 set. 2021.

CUNHA, L. N. Anorexia, bulimia e compulsão alimentar. São Paulo: Atheneu Editora,


2008.

DUNKER, K. L.; ALVARENGA, M. S.; ALVES, V. P. O. Transtornos alimentares e gestação:


uma revisão. Rev. Bras. Psiquiatr., pp. 60-8, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1590/
S0047-20852009000100010. Acesso em: 19 set. 2021.

DUNKER, K. L.; PHILLIP, S. T. Hábitos e comportamentos alimentares de adolescentes com


sintomas de anorexia nervosa. Rev. Nutr. Campinas, 2003. Disponível em: https://doi.
org/10.1590/S1415-52732003000100006. Acesso em: 19 set. 2021.

“EU queria ver mais ossos”: empresária relata luta contra bulimia em rede social. Uai, 2 set. 2015.
Disponível em: https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2015/09/02/noticias-saude,187121/
eu-queria-ver-mais-ossos-empresaria-relata-luta-contra-bulimia-em-r.shtml. Acesso em: 19 set.
2021.

FARROW, J.A. The adolescent male with an eating disorder. Pediatrics Annals, New York, v.
21, n. 11, pp. 769-774, 1992. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1484752/. Acesso
em: 19 set. 2021.

FAVARO, A.; GRAVE, R. D.; SANTONASTASO, P. Impact of a history of physical


and sexual abuse in eating disordered and in asymptomatic subjects. Acta Psychiatrica
Scandinavica, v. 97, n. 5, pp. 358-363, 1998. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.
nih.gov/9611086/. Acesso em: 19 set. 2021.

FELIX, M. Jovens usam códigos para promover a anorexia nas redes. Revista Veja, 29 nov.
2017. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/estudo-codigos-secretos-sobre-anorexia-
twitter/. Acesso em: 19 set. 2021.

FERNANDES, M. H. Transtornos alimentares: clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do


psicólogo, 2006.

FOLSOM et al. The impact of sexual and physical abuse on eating disordered and psychiatric
symptoms: A comparison of eating disordered and psychiatric inpatients. International
Journal of Eating Disorders, v. 13, n. 3, pp. 249-257, 1993. Disponível em: https://pubmed.
ncbi.nlm.nih.gov/8477296/. Acesso em: 19 set. 2021.

G1. Anorexia afeta funções básicas do corpo e mata com frequência. G1, 15 nov. 2006. Disponível
em: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,AA1351058-5605,00.html. Acesso em: 19 set.
2021.

102
Referências

GIORDANI, R. C. F. A autoimagem corporal na anorexia nervosa: uma abordagem sociológica.


Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 18, n. 2, pp. 81-88, mai./ago. 2006. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/psoc/a/q6smwdFXchNPJbLPcQsbLHy/?lang=pt. Acesso em: 19 set.
2021.

GRANGE, D.; LOCK, J. Tratando bulimia em adolescentes. São Paulo: M. Books, 2010.

GRILLO, E.; SILVA, R. J. M. Manifestações precoces dos transtornos do comportamento na


criança e no adolescente. Jornal de Pediatria, v. 80, n. 2(supl), 2004. Disponível em: http://
www.jped.com.br/conteudo/04-80-S21/port.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

HALL, R. C. et al. Sexual abuse in patients with anorexia nervosa and bulimia. Psychosomatics,
n. 30, n. 1, pp. 73-79, 1989. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/2913600/. Acesso
em: 19 set. 2021.

I’M A CHILD ANOREXIC (BBC Documentary). [S. L.: s. n.], 1 vídeo (1h51min22seg). Publicado
pelo canal Bennie Jackson. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LSIYoQ_9Cvk.
Acesso em: 19 set. 2021.

JR POPE, H. G.; HUDSON, J. I. Is childhood sexual abuse a risk factor for bulimia nervosa?.
American Journal of Psychiatry, v. 149, pp. 455-463, 1992. Disponível em: https://pubmed.
ncbi.nlm.nih.gov/1554029/. Acesso em: 19 set. 2021.

JR POPE, H. G. et al. Childhood sexual abuse and bulimia nervosa: A comparison of American,
Austrian, and Brazilian women. American Journal of Psychiatry, v. 151, n. 5, pp. 732-737,
1994. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8166316/. Acesso em: 19 set. 2021.

KAUFMAN, A. Transtornos alimentares em homens, 2006. Disponível em: www.hcnet.


usp.br/ipq/prato/biblioteca/arthur1.htm. Acesso em: 19 set. 2021.

KERR-CORRÊA et al. Abuso sexual, transtornos mentais e doenças físicas. Revista de


Psiquiatria Clínica, v. 27, n. 5, pp. 257-273, 2000. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.
org/portal/resource/pt/lil-279823. Acesso em: 19 set. 2021.

LATTERZA, A. R. et al. Terapia nutricional na anorexia e bulimia nervosas. Rev. Psiq. Clin.,
pp. 173-176, 2004. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000700009. Acesso
em: 19 set. 2021.

LOPES, A. C. Diagnóstico e tratamento. São Paulo: Manole, 2006.

MARTINS, M. C. T. et al. Ortorexia nervosa: reflexões sobre um novo conceito. Rev. Nutr.,
v. 24, n. 2. Campinas, mar./apr. 2011. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-
52732011000200015. Acesso em: 19 set. 2021.

MCCLELLAND, L. et al. Sexual abuse, disordered personality and eating disorders. British
Journal of Psychiatry, v. 158, n. Suppl. 10, pp. 63-68, 1991. Disponível em: https://psycnet.apa.
org/record/1991-30905-001. Acesso em: 19 set. 2021.

103
Referências

MELIN, P. M.; ARAÚJO, A. M. Transtornos alimentares em homens: um desafio


diagnóstico. Rev. Bras. Psiquiatr., 2002. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-
44462002000700016. Acesso em: 19 set. 2021.

MORGAN, C. M.; VECCHIATTI, I. R.; NEGRÃO, A. B. Etiologia dos transtornos alimentares:


aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais. Rev. Bras. Psiquiatr., v. 24, 2002. Disponível
em: https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000700005. Acesso em: 19 set. 2021.

NICOLETTI, M. et al. Grupo psicoeducativo multifamiliar no tratamento dos transtornos


alimentares na adolescência. Psicol. estud., v. 15, n. 1, Maringá, jan./mar. 2010. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/pe/a/6tmmPTXG9J5jXjtLvDKJSPz/abstract/?lang=pt. Acesso em: 19
set. 2021.

NUNES, A. L.; HOLANDA, A. Compreendendo os transtornos alimentares pelo caminho da


Gestalt-terapia. Rev. Abordagem Gestalt, v. 14, n. 2, Goiânia, 2008. Disponível em: https://
www.researchgate.net/publication/317466114_Compreendendo_os_transtornos_alimentares_
pelos_caminhos_da_Gestalt-terapia. Acesso em: 19 set. 2021.

NUNES, M. A. Transtornos alimentares e obesidade. 2 ed. São Paulo: Artmed Editora, 2006.

OLIVEIRA, L. L.; DEIRO, C. P. Terapia cognitivo-comportamental para transtornos


alimentares: a visão de psicoterapeutas sobre o tratamento. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 2013. Disponível em: http://rbtcc.webhostusp.sti.usp.br/
index.php/RBTCC/article/view/565. Acesso em: 19 set. 2021.

PEREÑA, F. G. Body and subjectivity: about anorexia nervosa. Revista Española de Salud
Publica, Madrid, v. 81, n. 5, pp. 529-542, sep./oct. 2007. Disponível em: https://pubmed.ncbi.
nlm.nih.gov/18274356/. Acesso em: 19 set. 2021.

PHILLIPI, S. T. Pirâmide alimentar adaptada: guia para escolha dos alimentos. Rev. Nutr.,
Campinas, jan./abr. 1999, pp. 65-80. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-
52731999000100006. Acesso em: 19 set. 2021.

PINZON, V.; NOGUEIRA, F. C. Epidemiologia, curso e evolução dos transtornos alimentares.


Revista de Psiquiatria Clínica, pp. 158-160, 2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.
br/bvs/is_digital/is_0105/pdfs/IS25(1)028.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

QUANDO comer é um problema. Revista Galileu. 154. ed., abr. 2004. Disponível em:
http://revistagalileu.globo.com/EditoraGlobo/componentes/article/edg_article_print/0,391
6,705249-1718-1,00.html. Acesso em: 19 set. 2021.

REBOUÇAS, T. Confissões de uma garota linda, popular e (secretamente) infeliz.


Guarulhos, SP, Editora Arqueiro, 2019.

RORTY, M.; YAGER, J.; ROSSONOTTO, E. Childhood sexual, physical, and psychological
abuse in bulimia nervosa. American Journal of Psychiatry, v. 151, n. 8, pp. 1122-1126, 1994.
Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8037244/. Acesso em: 19 set. 2021.

104
Referências

ROTHIER, B. Pai diz que mãe de modelo anoréxica Isabelle Caro cometeu suicídio. BBC
Brasil, 20 jan. 2011. Disponível em: www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/01/110120_
mae_modelo_anorexica_br. Acesso em: 19 set. 2021.

RUSCA, R. An existencialist approach to anorexia nervosa. American Journal of


Psychotherapy, New York, v. 57, n. 4, pp. 491-498, 2003. Disponível em: https://
psychotherapy.psychiatryonline.org/doi/10.1176/appi.psychotherapy.2003.57.4.491. Acesso
em: 19 set. 2021.

SANTOS, M. A. Sofrimento e esperança: grupo de pacientes com anorexia e bulimia nervosas.


Revista do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,
Ribeirão Preto, v. 39, n. 3, pp. 386-401, jul./set. 2006. Disponível em: https://www.revistas.
usp.br/rmrp/article/view/395. Acesso em: 19 set. 2021.

SCHAAF, K. K.; MCCANNE, T. T. Childhood abuse, body image disturbance, and eating
disorders. Child Abuse & Neglect, v. 18, n. 8, pp. 607-615, 1994. Disponível em: https://www.
sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0145213494900116. Acesso em: 19 set. 2021.

SHIMIDT, E.; MATA, G. F. Anorexia nervosa: uma revisão. Psicol., v. 20, n. 2, Rio de Janeiro,
jul./dez. 2008.

SILVA, L. M.; SANTOS, M. A. Construindo pontes: relato de experiência de uma equipe


multidisciplinar em transtornos alimentares?. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/
rmrp/article/view/398/399%3e. Acesso em: 19 set. 2021.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEUROPSICOLOGIA (SBNP). Disponível em: https://


sbnpbrasil.com.br/wp-content/uploads/2019/11/24-Boletim_Out-2019.pdf. Acesso em: 19 set.
2021.

SOUSA, E. A anorexia. Adoro Ler Blogspot, 19 fev. 2005. Disponível em: http://adoro-ler.
blogspot.com/2005/02/trs-poemas-500-palavras.html. Acesso em: 19 set. 2021.

SULLIVAN, P. F. et al. The significance of a history of childhood sexual abuse in bulimia


nervosa. British Journal of Psychiatry, v. 167, n. 5, pp. 679-682, 1995. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8564328/. Acesso em: 19 set. 2021.

TIMERMAN, F.; SANTOS, J. E. dos. Critérios Diagnósticos para Transtornos


Alimentares de acordo com o DSM-5 (APA, 2013). Disponível em: https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/4169761/mod_resource/content/1/Crit%C3%A9rios%20diagn%C
3%B3sticos%20do%20DSM-5.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

VALESCO, I. H. O impactante relato de uma jovem que luta contra a bulimia. BBC News
Mundo, 6 nov. 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-46095683.
Acesso em: 19 set. 2021.

105
Referências

VILELA, J. E. M. et al. Transtornos alimentares em escolares. Jornal de Pediatria, 2004.


Disponível em: http://www.jped.com.br/conteudo/04-80-01-49/port_print.htm. Acesso em:
19 set. 2021.

VIZE, C. M.; COOPER, P. J. Sexual abuse in patients with eating disorder, patients with
depression, and normal controls: A comparative study. British Journal of Psychiatry, v. 167,
n. 1, pp. 80-85, 1995. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/the-british-
journal-of-psychiatry/article/abs/sexual-abuse-in-patients-with-eating-disorder-patients-
with-depression-and-normal. Acesso em: 19 set. 2021.

WALLER, G. et al. Sexual abuse and body-image distortion in the eating disorders. British
Journal of Clinical Psychology, v. 32, n. 3, pp. 350-352, 1993. Disponível em: https://
bpspsychub.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.2044-8260.1993.tb01066.x. Acesso
em: 19 set. 2021.

WALLER, G. Sexual abuse as a factor in eating disorders. British Journal of Psychiatry,


v. 159, pp. 664-671, 1991. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/the-
british-journal-of-psychiatry/article/abs/sexual-abuse-as-a-factor-in-eating-disorders/
BF0F383A5CE0699CC4A2F4B9EBC14A96. Acesso em: 19 set. 2021.

WELCH, S. L.; FAIRBURN, C. G. Childhood sexual and physical abuse as risk factors for the
development of bulimia nervosa: A community-based case-control study. Child Abuse &
Neglect, v. 20, n. 7, pp. 633-642, 1996. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/
article/abs/pii/0145213496000518. Acesso em: 19 set. 2021.

WONDERLICH, S. A. et al. Relationship of childhood sexual abuse and eating disorders.


Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, v. 36, pp.
1107-1115, 1997. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/
S0890856709626198. Acesso em: 19 set. 2021.

Imagens
Figura 1. Disponível em: https://healthinnovationnetwork.com/projects/national-programme-
early-intervention-eating-disorders/. Acesso em: 19 set. 2021.

Figura 2. Disponível em: https://www.helpguide.org/articles/eating-disorders/eating-disorder-


treatment-and-recovery.htm. Acesso em: 19 set. 2021.

Figura 3. Disponível em: https://www.keckmedicine.org/whats-the-difference-between-a-


medical-doctor-and-a-nurse-practitioner/. Acesso em: 19 set. 2021.

Figura 4. Disponível em: https://scroll.in/latest/849771/gucci-and-christian-dior-label-owners-


will-stop-hiring-extremely-thin-or-underage-models. Acesso em: 19 set. 2021.

106
Referências

Figura 5. Disponível em: https://www.stylecraze.com/articles/serious-side-effects-of-starving/.


Acesso em: 19 set. 2021.

Figura 6. Disponível em https://www.alz.org/brain_portuguese/08.asp. Acesso em: 19 set. 2021.

Figura 7. Disponível em: https://www.recovery.org/eating-disorders/recovery/. Acesso em: 19


set. 2021.

Figura 8. Disponível em: https://www.nutrisimple.com/fr/consultations/boulimie/. Acesso em:


19 set. 2021.

Figura 9. Disponível em: https://www.stateofmind.it/2015/04/bulimia-nervosa-psicologia/.


Acesso em: 19 set. 2021.

Figura 10. Disponível em: https://volksversand.de/ratgeber/gesundheitsblog/ernaehrung-


bewegung/abnehmen-diaet/essstoerungen-wenn-das-essen-zum-feind-wird. Acesso em: 19 set.
2021.

Figura 11. Disponível em: ://www.askmen.com/money/body_and_mind_150/163_better_living.


html. Acesso em: 19 set. 2021.

Figura 12. Disponível em: https://geneticliteracyproject.org/2021/05/20/bmi-and-anorexia-we-


can-now-predict-which-young- children-are-most-likely-to-develop-an-eating-disorder/. Acesso
em: 19 set. 2021.

Figura 13. Disponível em: https://www.verywellhealth.com/orthorexia-diagnosis-5184008.


Acesso em: 19 set. 2021.

Tabelas
Tabela 1. Morgan; Vecchiatti; Negrão, 2002, p.19.

Tabela 2. Morgan; Vecchiatti; Negrão, 2002, p. 21.

Tabela 3. Disponível em: https://sites.google.com/site/bulimiaeanorexia2/home/bulimia/o-ciclo-


bulimico. Acesso em: 19 set. 2021.

Tabela 4. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/j.2051-5545.2009.


tb00235.x. Acesso em: 19 set. 2021.

Tabela 5. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/yq6pKcz6QLfkHpgvmYNmRsD/?lang=


pt#. Acesso em: 19 set. 2021.

Tabela 6. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/silverchair/anas-song-open-fire-


traducao.html. Acesso em: 19 set. 2021.

Tabela 7. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/superchick-11/courage-traducao.html.


Acesso em: 19 set. 2021.

107

You might also like