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ASPECTOS CLÍNICOS E TRATAMENTO DO LINFOSSARCOMA VENÉREO CANINO

EM AMBOS OS SEXOS: RELATO DE DOIS CASOS


Jesuíno Avelino Pinto1
Gracielle Teles Pádua2
Myrtha Silva Rodrigues3
Vanessa Ferreira4
Fábio André Pinheiro de Araújo5
Resumo
Dois cães mestiços de Pit Bull foram atendidos no Consultório Veterinário do curso de
Medicina Veterinária do Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES), sendo uma macho
de três anos de idade, P=14 Kg e uma fêmea adulta de idade similar e P=25kg, ambos
inteiros. Os cães possuíam livre acesso à rua sem monitoramento por parte dos
proprietários em algumas ocasiões. No exame físico físico do macho verificou-se o
aumento de volume do pênis, não sendo possível expor o órgão genital. Durante a
palpação houve descarga de secreção sanguinopurulenta e sangue coagulado. A fêmea

1 Discente do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário de Mineiros - UNIFIMES; e-mail:


jesuinounemat@hotmail.com.
2 Docente do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário de Mineiros - UNIFIMES; e-mail:

gracielle@fimes.edu.br
3 Médica Veterinária, Consultório Veterinário de Mineiros - CVM, Centro Universitário de Mineiros -

UNIFIMES; e-mail: planetapetmineiros@hotmail.com


4 Docente do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário de Mineiros - UNIFIMES; e-mail

vanessaferreira@fimes.edu.br
5 Professor Titular do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário de Mineiros - UNIFIMES; e-mail:

fabioandre@fimes.edu.br.
apresentava secreções serosanguinolenta e purulenta pela vagina e massa friável em
formato de couve-flor. Solicitou-se hemograma completo (HC) e pesquisa de
hemoparasitas para ambos, poia também fora constatada a presença de carrapatos ao
exame clínico. O diagnóstico de linfossarcoma venéreo foi clínico e terapêutico, pois a
resposta das lesões após a quimioterapia com sulfato de vincristina foi significativa a partir
da primeira sessão e os animais apresentaram melhora clínica após seis semanas.
Também denominado de tumor venéreo transmissível (TVT), estas neoplasias são
frequentes em cães com livre acesso à rua e, apesar do aspecto, possuem prognóstico
favorável se o tratamento for iniciado o mais breve possível. Dessa forma, objetivou-se
observar e avaliar os aspectos clínicos e a eficácia do tratamento para TVT a partir de dois
casos atendidos no Consultório Veterinário de Mineiros (CVM).
Palavras-Chave: Cão. Quimioterapia. TVT. Vincristina.

Introdução
O linfossarcoma venéreo, também conhecido por condiloma canino, granuloma
venéreo, sarcoma infeccioso é comumente conhecido como tumor venéreo transmissível
(TVT). É uma das neoplasias mais comuns da espécie canina; ocorrendo, principalmente,
jovens errantes e sexualmente ativos (COSTA, 1990; LORIMIER e FAN, 2007;
VERASCHIN et al., 2001). Envolve a genitália externa de cães de ambos os sexos.
Localiza-se na vagina, vulva e região perigenital nas fêmeas e prepúcio, pênis e região
abdominal ventral em machos. O TVT pode ainda ocorrer em outros locais como as
mucosas nasal e oral, olhos, pele íntegra e períneo (LORIMIER e FAN, 2007; RÊGO et
al., 2009).
Huzard relatou o TVT canino em 1820, porém só em 1906 o TVT tornou-se
conhecido após descrição de Sticker, sendo também conhecido como sarcoma de Sticker
(COSTA, 1990). Este pesquisador constatou que essa neoplasia é transmissível por
células transplantáveis, com localização predominantemente venérea, afetando o pênis
e a vagina de cães, mas também podendo ser encontrado em regiões extragenitais.
Responde a muitas formas de tratamento, tais como quimioterapia, crioterapia, cirurgia e
radioterapia. O prognóstico é favorável, exceto para os que apresentam metástases ou
resistência à quimioterapia (JOHNSON, 1994).
Ocorre em todos os continentes, prevalecendo em cidades de clima tropical e
subtropical (LORIMIER e FAN, 2007; ROGERS et al., 1997), e maior incidência na
primavera e verão - 57,9% dos casos anuais (GANDOTRA et al., 1993).

Materiais e Métodos
Ambos os cães foram foram atendidos no Consultório Veterinário de Mineiros
(CVM) do Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES). O primeiro caso, um cão de raça
Pit Bull, macho, três anos de idade, pesando 14,15 Kg, não castrado, com livre acesso à
rua, residente em Mineiros, Goiás, apresentava aumento de volume em toda a extensão
do pênis e prepúcio e secreção peniana sanguinopurulenta. O animal apresentava ainda
inapetência e apatia.
Ao exame físico verificou-se a presença de aumento de volume do edema e
eritema na região do prepúcio, impossibilitando a exposição completa do pênis. Após
manipulação, observou-se descarga de secreção com sangue e pus, bem como a
presença de coágulos. Na porção apical da mucosa do prepúcio foi possível observar
massas friáveis de cerca de 1 cm. Constatou-se ainda presença de ectoparasitas
(carrapatos e pulgas), prurido intenso no pênis e patas, pelos quebradiços e várias
escoriações pelo corpo. Animal não possuía imunoprofilaxia e nem tratamento prévio
para verminoses. Apresentava ainda linfonodos poplíteos e submandibulares
aumentados, desidratação moderada.
O hemograma solicitado indicava anemia não regenerativa, hematócrito reduzido
(22%), trombocitopenia, linfocitose com linfócitos reativos e neutrofilia com desvio à
esquerda. Foi observado ainda hiperproteinemia (9,4 d/L).
Considerando os resultados observados, os sintomas denunciados pelo
proprietário, a presença de carrapatos e o fato da região de Mineiros ser endêmica para
hemoparasitoses, e foi instituído optou-se pelo tratamento de erliquiose mesmo não
sendo observados hemoparasitas na pesquisa da capa leucocitária. Assim, prescreveu-
se cloridrato de doxiciclina (10mg/kg; bid; 28 dias) e complexo vitamínico6. Objetivava-se
assim a melhoria do quadro clínico antes da terapia antineoplásica. Recomendou-se
ainda o controle antiparasitário.

6
Hemolitan Pet, Vetnil Ind. e Com. de Produtos Veterinários Ltda., Louveira, São Paulo, Brasil.
O segundo caso, uma cadela da mesma raça, adulta, pesando 25,5 Kg, não
castrada, havia fugido durante o último cio e tinha acesso à rua eventualmente.
Apresentava descarga vaginal purulenta e palpação e inspeção vaginal revelou massa
friável na vagina e vulva. No exame físico observou-se que a eliminação de secreção
purulenta era de origem uterina e que o óstio uterino externo estava aberto, havendo
aumento de fluxo após palpação abdominal. O diagnóstico clínico foi de piometra aberta
e optou-se por tratamento com levofloxacino (5mg/kg; sid; 7 dias). O leucograma indicou
leucocitose com linfocitose (linfócitos reativos), neutrofilia com desvio à esquerda e
eosinofilia. O eritrograma não estava alterado.
Após melhora clínica, ambos os animais foram submetidos a sessões semanais
de quimioterapia com sulfato de vincristina (0,5mg/m2; a cada 7 dias).

Resultados e Discussão
A proprietária do primeiro caso relatou que o paciente tinha acesso não
supervisionado à rua e foi visto por vizinhos cruzando com uma fêmea errante. No
segundo caso, o proprietário relatou a fuga da paciente durante o ciclo estral.
Comumente, cães sexualmente ativos e errantes são mais afetados, embora cães
sexualmente imaturos possam ser acometidos pelo contato com a mãe portadora ou com
outros cães portadores (AMARAL et al., 2004; ROGERS, 1997). O comportamento
canino anterior ao coito de cheirar e lamber a genitália pode levar à transplantação de
células do TVT de um animal para outro, assim como da genitália para região intranasal
(RÊGO et al., 2009).
O diagnóstico foi clínico e terapêutico. A observação de massas friáveis nas
genitálias externas associada a uma anamnese minuciosa e a resposta à quimioterapia
foram conclusivas. É indicada, porém, a realização de exames patológicos, sendo a
impressão sobre lâmina de microscopia (“imprint”) e a citologia aspirativa por agulha fina
(CAAF) métodos simples e rápidos de grande valor. Porém, biopsia não pode ser
descartada, principalmente nos casos extragenitais (WILLARD et al., 1989).
Pela ação do quimioterápico, após o início do tratamento, o número de células
íntegras diminui, pois a proliferação celular está com seu percentual reduzido (GREATTI
et al, 2004). Em ambos os relatos, optou-se pela quimioterapia com vincritina, por ser o
tratamento de escolha. A excisão cirúrgica não é recomendada como tratamento de
escolha para o TVT, pois durante o procedimento pode haver a transplantação de células
neoplásicas no local da cirurgia ou para outros sítios, por meio de luvas e instrumentais
cirúrgicos (BARBIERE et al, 2007). O quimioterápico de utilizado foi o sulfato de
vincristina, sendo considerado de eleição por Greatti et al. (2004). Seus efeitos
antibacterianos e antibióticos levam a uma diminuição da atividade nucleolar e,
consequentemente, cessação da proliferação celular (DAGLI e LUCAS, 2014; GREATTI
et al., 2004).
A partir da segunda semana de tratamento há diminuição das massas tumorais e
da exsudação em ambos os casos. A dose da vincristina recomendada para cães e gatos
é de 0,5-0,75 mg/m2 de superfície corpórea (DAGLI e LUCAS, 2014). A dose utilizada de
0,5mg/m2 foi efetiva em ambos os casos e optou-se por ela por ambos os animais
estarem concomitantemente com outras doenças. Dagli e Lucas (2014) afirmam que os
intervalos de aplicações podem ser de 7 ou 14 dias por até sete semanas. No cão macho
foram necessárias seis sessões e a cadela necessitou apenas de quatro aplicações,
ambos com intervalo de 7 dias entre as aplicações. Distúrbios gastrintestinais são efeitos
colaterais do tratamento com o sulfato de vincristina (MOYA et all, 2005), o que não foi
relatado por nenhum dos proprietários. Dagli e Lucas (2014) referem ainda que
trombocitopenia não só é rara no tratamento com vincristina, como esta é indicada para
aumentar as plaquetas no sangue. Entretanto, o cão macho apresentou plaquetas em
número menor ao fim do tratamento, provavelmente em decorrência da proprietária ter
negligenciado o tratamento para hemoparasitose.
Casos crônicos e com resistência à vincristina, têm indicação de radioterapia ou
quimioterapia com a doxorrubicina, ciclofosfamida e metotrexato, sempre com
acompanhamento com eletrocardiografia, devido ao efeito cardiotóxico da doxorrubicina
(SOUZA, 2000). Nenhum dos casos necessitou de tratamento complementar para o TVT.
No primeiro caso, uma semana depois, observou-se evidente melhora no quadro
clínico do paciente e iniciou-se a quimioterapia intravenosa, com o sulfato de vincristina
diluído em 100 ml de solução NaCl 0,9%, semanalmente, por seis semanas. Após a
segunda aplicação do quimioterápico, observou-se diminuição significativa do volume
pênis-prepúcio, permitindo a exposição peniana e visibilização da mucosa e das lesões.
Após seis semanas de quimioterapia o paciente apresentou melhora significativa
em relação à queixa principal, não sendo evidenciado qualquer secreção e retorno às
atividades normais (Fig. 1).
No segundo caso, uma semana depois, após o tratamento para piometra, e
observada a melhora no quadro clínico da paciente com ausência da secreção purulenta,
iniciou-se a quimioterapia, seguindo o protocolo supracitado. Foram realizadas apenas
quatro aplicações. Após a primeira sessão quimioterápica, a diminuição em cerca de 60%
do volume da massa foi evidenciada após inspeção da vulva e a massa vaginal já não
era palpável. Após três semanas, a paciente não apresentava nenhuma massa à
palpação e inspeção da genitália assim como secreções anormais (Fig. 2).

Figuras

A
B

Figura 1. A – Aspecto do pênis do cão no primeiro dia de consulta. No detalhe, é possível


ver massas friáveis (seta) na mucosa prepucial; B – Aspecto macroscópico da glande e
prepúcio após 6 sessões de quimioterapia com sulfato de vincristina.
A B

C D

Figura 2. A – Aspecto da massa vulvar no primeiro dia de consulta. Observar o aspecto


de “couve-flor”; B – Aspecto macroscópico da massa após 1 sessão de quimioterapia
com sulfato de vincristina; C – Aspecto macroscópico da massa após 2ª. sessão de
quimioterapia; D – Aspecto macroscópico da massa após 3ª. sessão de quimioterapia.

Conclusões
Os aspectos clínicos apresentados em ambos os casos são clássicos: secreção peniana
e vaginal, aumento de tamanho dos órgãos genitais e presença de uma massa friável em
formato de couve-flor. Exames cito/histopatológicos não foram solicitados em virtude do
baixo poder aquisitivo dos proprietários, entretanto os mesmos não são dispensáveis.
Quanto ao tratamento, o sulfato de vincristina mostrou-se efetivo na remissão e cura do
TVT, sem causar efeito supressivo mesmo em pacientes debilitados na dose e intervalo
utilizados. Campanhas de prevenção como educação em saúde animal e guarda
responsável e de castração devem ser realizadas com o intuito de esclarecer aos
proprietários a importância de não deixar os cães soltos nas ruas, pois os mesmos
representam um reservatório em potencial para o tumor venéreo transmissível, dentre
outras doenças.

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