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Noções Gerais de Direito Nacional e da União Europeia

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

CAPÍTULO IV
A RELAÇÃO JURÍDICA

1. A Relação Jurídica
1.1. Conceito
1.2. Estrutura
1.3. Elementos da Relação Jurídica

2. Os Sujeitos
2.1. Pessoas Singulares
2.2. Pessoas Coletivas

3. Objeto
3.1. Objeto Imediato
3.2. Objeto Mediato

4. Facto Jurídico
4.1. Noção
4.2. Classificação
4.3. Ineficácia e Invalidades dos Negócios Jurídicos

5. A Garantia
5.1. Noção
5.2. Obrigações naturais

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1. A RELAÇÃO JURÍDICA

1.1. Conceito
O Homem vive em sociedade, é um ser eminentemente social, e, enquanto
tal, estabelece uma panóplia de relações sociais com os seus semelhantes,
cuja importância exige, por vezes, uma certa regulamentação.
Quando o Direito regula e tutela tais relações intersubjetivas, elas dizem-se
relações jurídicas.
 Relação jurídica em sentido amplo: é toda a relação da vida social
(real) disciplinada pelo Direito, isto é, juridicamente relevante,
produtora de consequências jurídicas.
 Relação jurídica em sentido estrito ou técnico : é a relação da vida real
(social) disciplinada pelo Direito, pela qual se atribui a um sujeito (ativo)
um direito subjetivo e se impõe, em consonância, a outro sujeito
(passivo) um dever jurídico ou uma sujeição (ex.: as relações entre
comprador e vendedor, entre senhorio e arrendatário, entre empreiteiro
e dono da obra, etc.).

A relação jurídica pode ser também uma relação jurídica abstrata ou concreta.
 Assim, será uma relação jurídica abstrata, quando se designa um
modelo de relação aplicável a muitos casos – a compra e venda, a
locação, …
 Por outro lado, será uma relação jurídica concreta quando se tratar de
uma relação jurídica existente na realidade, entre pessoas
determinadas, sobre um objeto determinado, e procedendo de um facto
jurídico determinado, ou seja, quando se encara uma determinada
relação jurídica (ex.: a venda que A fez a B).

Mas, pode também ter outras classificações:


 Relações unilaterais: relação jurídica em que só uma das partes é
titular de um direito (subjetivo), sendo a outra titular do dever
correspondente (exemplo: se A emprestar uma coisa a B, A tem o
direito de obter a devolução dessa coisa e B está obrigado a restituí-
la).
 Relações bilaterais: relações jurídicas em que qualquer das partes é
simultaneamente titular de um ou vários direitos e de um ou de vários
deveres recíprocos – se A vender uma casa a B tem o direito de
receber o preço da venda e o dever de entregar a casa, e B tem o
direito à casa e o dever de pagar o respetivo preço.

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 Relações jurídicas simples: da relação resulta somente um direito ou


poder jurídico para uma pessoa e o correspondente dever ou sujeição
para outra.
 Relações jurídicas complexas: quando de uma relação resultam para
as partes vários direitos e deveres. Um arrendamento, por exemplo,
confere ao locador o direito de receber as rendas da coisa locada, o
direito à manutenção da coisa no estado em que foi locada, o direito de
preferência no trespasse da coisa locada para fins comerciais, etc. Mas
o locador fica obrigado a entregar a coisa ao locatário, a fazer certas
obras na coisa, etc. Por sua vez, o locatário tem o direito de gozar a
coisa locada, tem o direito de preferência na venda da mesma, etc., e
tem o dever de pagar a renda, de não utilizar a coisa para fins
diferentes dos contratados, etc.

1.2. Estrutura
A estrutura da relação jurídica é o seu conteúdo, o seu cerne, o vínculo, o
nexo, a ligação entre os sujeitos; toda a relação jurídica existe entre sujeitos,
incidirá usualmente sobre um objeto, promana de um facto jurídico, a sua
efetivação pode fazer-se através do recurso a providências coercitivas,
adequadas a proporcionarem a satisfação correspondente ao sujeito ativo da
relação, ou seja, a relação jurídica está dotada de garantia.

A relação jurídica é integrada por um direito subjetivo e por um dever jurídico


ou por uma sujeição.

Direito subjetivo (conceito amplo): é o poder atribuído pela ordem jurídica a


uma pessoa, de exigir ou pretender de outra uma certa conduta, positiva ou
negativa, ou de, em certos casos, o seu titular produzir determinados efeitos
jurídicos que se impõem inelutavelmente a outra pessoa.

Os direitos subjetivos dividem-se em:


- Direito subjetivo propriamente dito ou em sentido estrito: traduz a faculdade
ou poder que a ordem jurídica reconhece a uma pessoa, de exigir ou
pretender de outra um determinado comportamento que pode ser positivo
(facere) ou negativo (non facere).
Exemplos: Direitos de personalidade (como o direito ao nome), direitos de
crédito (como o direito do vendedor a receber o preço), direitos reais (como o
direito de propriedade), a maior parte dos direitos de família (com exclusão,
como vimos, dos poderes-deveres, nomeadamente o poder paternal).

Contrapõe-se-lhe o dever jurídico, ou seja, a obrigação de realizar o


comportamento a que o sujeito ativo tem direito e que consistirá em fazer ou
não fazer algo.

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Direito Potestativo: traduz-se na faculdade ou poder de, por ato livre de


vontade, só de per si, ou integrado por uma decisão judicial, produzir efeitos
jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte. Corresponde-lhe a
sujeição do adversário, ou seja, a necessidade de suportar as consequências
do exercício de tais direitos.

Os direitos potestativos podem dividir-se, consoante os efeitos jurídicos que


tendem a produzir, em:
a) Constitutivos: cria-se uma nova relação jurídica.
Exemplo: quando o proprietário de um terreno encravado (prédio dominante)
exerce o seu direito potestativo de exigir a constituição de uma servidão legal
de passagem através de um outro terreno (prédio serviente) que se interpõe
entre aquele e a via pública. O exercício desse direito produz uma relação
jurídica nova: uma servidão legal de passagem.

b) Modificativos: modifica-se uma relação jurídica pré-existente.


Exemplo: quando um dos cônjuges, em perigo de perder o que é seu pela má
administração do outro, exerce o seu direito potestativo de pedir a simples
separação de bens. A relação jurídica que existia (ex.: comunhão de
adquiridos) modifica-se: o regime matrimonial passa a ser o da separação de
bens.

c) Extintivos: extingue-se uma relação jurídica anterior.


Exemplo: quando um dos cônjuges requer o divórcio invocando que o outro
violou culposamente os deveres conjugais: a relação conjugal dissolve-se.

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Relação
Jurídica

Lado Lado
Activo Passivo

Direito Subjectivo
Dever
ou propriamente
Jurídico
dito

Direito
Potestativo Sujeição

Classificação dos Direitos Subjetivos:

Nos direitos subjetivos, distinguem-se direitos:

a) Inatos e não inatos


- Direito inatos: direitos que nascem com a pessoa, que, por isso, não precisa
de os adquirir.
Ex: maioria dos direitos de personalidade (direito à vida, à integridade física, à
liberdade, à inviolabilidade pessoal, à identificação pessoal, à criação
pessoal…).
- Direitos não inatos: adquirem-se posteriormente ao nascimento.

b) Essenciais e não essenciais


- Direitos essenciais: são direitos indissoluvelmente ligados à pessoa.
(Exemplo: direitos de personalidade).
- Direitos não essenciais: direitos concebíveis sem a pessoa. (Exemplo:
direitos de crédito, reais e sucessórios).

c) Direitos Pessoais e direitos patrimoniais


- Direitos pessoais: são direitos irredutíveis a valor pecuniário. (Exemplo:
direitos de personalidade).
- Direitos patrimoniais: suscetíveis de avaliação pecuniária. (Exemplo: direitos
de crédito).

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d) Direitos absolutos e direitos relativos


- Direitos absolutos: são aqueles que conferem ao seu titular um poder direto
e imediato sobre uma pessoa (1887.º CC) ou um bem corpóreo ou não
corpóreo (1302.º CC). São direitos de exclusão: impõem à generalidade das
pessoas o seu respeito e abstenção.
- Direitos relativos: versam sobre a conduta de uma pessoa e só
indiretamente sobre um bem ou uma coisa – ex.: direito de crédito: o direito
do credor incide diretamente sobre a conduta (prestação) do devedor e
indiretamente sobre o objeto da prestação (397.º CC). São direitos de
colaboração: exigem a colaboração da pessoa que se obrigou.

e) Direitos Disponíveis e direitos indisponíveis


- Direitos disponíveis: são aqueles que se podem desligar do seu titular – ex.:
maioria dos direitos patrimoniais.
- Indisponíveis: direitos intransmissíveis – ex.: direitos de personalidade.

f) Direitos simples e direitos complexos


- Direitos simples: são aqueles que se traduzem numa pretensão e numa
prestação específica – ex.: direito de crédito em que o devedor se obriga a
pagar uma determinada quantia de dinheiro (1142.º CC)
- Direitos complexos: constituídos por um grande número de possibilidades de
atuação, como o direito de propriedade (1305.º CC), o poder paternal (1878.º
CC).

Referência aos Direitos de Personalidade


Direitos de Personalidade: conjunto de direitos necessários, cujo conteúdo
mínimo é imprescindível na esfera jurídica de cada pessoa, e que estão
relacionados com o próprio conceito de dignidade da pessoa humana (artigos
70.º e seguintes do CC).
Ainda que o sujeito não tenha direitos patrimoniais, estes vão sempre ter –
são inerentes ao ser humano.

Características:
 Direitos gerais: toda a gente tem direitos de personalidade.
 Direitos absolutos: impõem-se a toda a gente, a todos os outros
sujeitos existentes.
 Direitos extrapatrimoniais: não têm, em si mesmos, valor pecuniário
(apesar da lesão poder originar uma indemnização, a saúde e a
liberdade, por exemplo, não têm preço).

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 Direitos irrenunciáveis: não se pode renunciar, abrir mão, desses


direitos – não posso dizer que não quero o meu direito à integridade
física – mas posso, mantendo-o, limitá-lo voluntariamente, para certas
situações em concreto e quando a lei o permita (art.º 81.º remissão
340.º). É o chamado consentimento: este exclui a ilicitude, mas nunca
pode ir contra os bons costumes ou princípios da ordem pública. Se for
contra os princípios da ordem pública não é válido, não exclui a
ilicitude. Se não chocar os princípios enraizados na sociedade, é
possível haver consentimento de algumas limitações, lesões aos
direitos de personalidade – mas este consentimento é sempre
livremente revogável.
Exemplo: Ambrósio, cantor muito conhecido, aceita cortar um dedo em
direto num programa de televisão, em troca de publicidade gratuita ao
seu novo álbum. Esta limitação ao direito de personalidade integridade
física é possível? Não, porque vai contra os princípios da ordem
pública! Mas imaginemos que em vez de cortar o dedo, Ambrósio
aceita levar um soco nesse programa televisivo, numa situação que
pretende simular um jogo de boxe entre ele e outro cantor. É possível?
Sim, porque não choca, não vai contra a ordem jurídica.

Como é que o sujeito jurídico pode defender os seus direitos de


personalidade?

Pode fazê-lo através dos mecanismos de tutela nos termos do artigo 70.º n.º 2
CC:
1. Pode sempre pedir uma indemnização pela lesão –
responsabilidade civil – porque há um facto ilícito e culposo
que gera uma lesão (artigo 483.º CC)
2. Pode ainda – e isto é específico e exclusivo dos direitos de
personalidade – requerer as providências adequadas que
evitem a consumação da lesão ou atenuem os efeitos da
ofensa já cometida.
Exemplo: se alguém viola o meu direito à imagem e publica
uma fotografia sem o meu consentimento numa revista, se a
revista ainda não saiu posso mandar apreender as revistas;
se já saiu, posso mandar recolher as ainda não vendidas.
3. Note-se que para além do plano das reações civis, pode
haver ainda responsabilidade penal.

1.3. Elementos da Relação Jurídica

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RELAÇÃO
JURÍDICA

SUJEITO OBJECTO FACTO JURÍDICO GARANTIA

Ex: António vendeu a Pedro um CD.


Estabeleceu-se entre eles uma relação jurídica, no caso, de compra e venda
(cfr. art.º 874.º e ss CC)
1. Sujeitos: António e Pedro;
2. Objeto: o CD;
3. Facto Jurídico: contrato de compra e venda;
4. Garantia: faculdade que o vendedor e o comprador têm de recorrer a
tribunal para defender os seus direitos.

1.3.1. Sujeito
Os sujeitos são as pessoas entre as quais a relação jurídica se estabelece,
isto é, são os titulares do direito subjetivo - sujeito ativo - e da vinculação
correspondente (dever jurídico e sujeição) - sujeito passivo.
A relação é um nexo entre dois termos: ora na vida social esses dois termos
são pessoas, ou seja, os sujeitos.
São sujeitos da relação jurídica as pessoas entre as quais ela se estabelece,
ou seja, são, pelo menos, dois: o sujeito ativo e o sujeito passivo.
 Sujeito ativo: titular do direito subjetivo, que detém o poder – aquele
que tem o direito de exigir ou pretender o comportamento positivo ou
negativo;
 Sujeito passivo: o que sofre a correspondente vinculação jurídica –
aquele que se tem de comportar de acordo com o direito da outra
parte.
Mas também existem relações jurídicas com pluralidade do lado ativo (vários
sujeitos ativos), pluralidade do lado passivo (vários sujeitos passivos) ou
pluralidade simultaneamente ativa e passiva.
Já vimos que os sujeitos da relação jurídica devem possuir personalidade
jurídica. Ora, o nosso direito atribui personalidade jurídica não só aos seres
humanos (pessoas singulares), mas também a outras entidades (associações
de homens ou conjuntos de bens) denominadas pessoas coletivas.

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1.3.2. Objeto
O objeto é aquilo sobre que recaem os poderes do titular do direito.

1.3.3. Facto Jurídico


As relações jurídicas não surgem espontaneamente: para se constituírem
torna-se necessário um acontecimento que as gere, que pode ser natural ou
proveniente de uma ação humana, e se designa por facto jurídico.
Facto jurídico: todo o evento (natural ou voluntário) que produz
consequências jurídicas – todo o facto humano ou natural produtivo de efeitos
jurídicos.

1.3.4. Garantia
Garantia é a susceptibilidade de tornar efetivos os poderes do sujeito ativo da
relação jurídica, que poderá, assim, reagir no caso de violação ou de ameaça
de violação do seu Direito Subjetivo. Para isso, o seu titular dispõe de uma
série de meios coercivos, podendo em último caso recorrer aos tribunais para
fazer valer o seu direito.
Consiste na suscetibilidade de proteção coativa do poder de que é titular o
sujeito ativo da relação e traduz-se no conjunto de providências que a lei
estabelece para assegurar essa proteção.
Tais providências são adotadas pelo Estado, por intermédio dos tribunais, e
destinam-se não só a proteger o direito do sujeito ativo quando ofendido ou
insatisfeito, mas ainda a defendê-lo contra simples ameaças de ofensa ou
violação.
Exemplo: se o devedor não pagar, o tribunal retira do património daquele os
bens necessários para satisfazer o interesse do credor: se antes do
vencimento do crédito sobreviver justo receio de que o cumprimento venha a
tornar-se impossível poderá o tribunal a requerimento do credor, proceder ao
arresto dos bens do devedor para evitar que o direito daquele seja
efetivamente violado.

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2. OS SUJEITOS

2.1. Pessoas singulares


Pessoa em sentido jurídico é aquele que possui personalidade jurídica.
Todo o sujeito de direitos tem personalidade jurídica, entendida como a
aptidão para ser titular de relações jurídicas.

2.1.1. Personalidade Jurídica


A aquisição da personalidade jurídica dá-se no momento do nascimento com
vida, sendo que a sua perda se dá com a morte (artigos 66.º 1 e 68.º 1 CC).
A pessoa é sempre titular de um número de direitos absolutos, que todos têm
de respeitar, incidindo sobre a vida da pessoa, a sua saúde e integridade
física, honra, nome, imagem, reserva sobre a intimidade da sua vida privada,
etc. – são os chamados direitos de personalidade (art.° 70.º do Código Civil),
que constituem um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de
cada pessoa.
Qualquer violação destes direitos de personalidade origina um dever geral de
indemnizar o prejudicado, que tem, ainda, a possibilidade de requerer
providências adequadas a evitar ou atenuar as ofensas.

2.1.2. Capacidade Jurídica


A capacidade jurídica tanto se refere à titularidade como ao exercício de
direitos. Capacidade civil, plena (ou total) implica a existência da capacidade
civil e capacidade de gozo.
A capacidade jurídica como capacidade de gozo de direitos, inerente à
personalidade jurídica – faceta da titularidade.
Artigo 67.º do Código Civil: As pessoas podem ser o sujeito em quaisquer
relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário; nisto consiste a sua
capacidade jurídica. A capacidade jurídica consiste em se poder ser sujeito
em quaisquer relações jurídicas

 Capacidade de gozo: é a aptidão para ser sujeito ativo ou passivo de


relações jurídicas. ex.: poder ser proprietário de uma casa. Adquire-se
no momento do nascimento, completo e com vida.
Mas a capacidade jurídica não é, apenas, a susceptibilidade de uma pessoa
ser titular de direitos e obrigações.
 Capacidade de exercício: capacidade de agir, encarada como a
susceptibilidade de praticar atos jurídicos. A capacidade de exercício
pressupõe a capacidade de gozo, ou seja, ninguém pode exercer um

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direito de que não tenha possibilidade de ser sujeito. Porém, um sujeito


pode ter capacidade de gozo e não ter capacidade de exercício, ou
esta se encontrar muito limitada. Ex.: poder comprar uma casa por si.

2.1.3. Capacidade de exercício de direitos


- Regra geral, as pessoas singulares adquirem a capacidade de exercício
quando atingem a maioridade (art.º 130.º CC) ou, com algumas limitações,
quando se emancipam pelo casamento (art.º 132.º e 133.º CC).
- Nas pessoas coletivas: com a sua constituição (art.º 157.º e seguintes do
CC). (Podem praticar atos de comércio desde que “sejam necessários ou
convenientes à prossecução dos seus fins” - princípio da especialidade do
fim).
(iremos falar das pessoas coletivas mais à frente).

a) Incapacidade
A pessoa é titular de direitos, tem capacidade de gozo, mas não os pode
exercer, pois falta-lhe idoneidade para praticar atos jurídicos: não tem
capacidade de exercício. A falta da capacidade de exercício de direitos de
alguém impossibilita agir por ato próprio, constitui uma situação de exceção.
Essa incapacidade pode ser suprida por alguém que atue em nome e no
interesse do incapaz, sob pena de se prejudicar gravemente a sua pessoa.
Tratam-se de casos em que o grau de imaturidade ou impreparação do
indivíduo afeta a capacidade de governo da sua vida e dos seus bens, pelo
que se torna necessário proteger tais pessoas, consoante a sua debilidade,
passando a existir necessidade de suprimento da incapacidade.

As incapacidades podem ser de gozo ou de exercício.


Uma pessoa não pode ser totalmente desprovida de capacidade de gozo,
pois tal traduzir-se-ia na ausência de personalidade. Contudo, a capacidade
de gozo pode sofrer limitações que constituem a respetiva incapacidade.
 Incapacidade de gozo: impossibilidade de uma pessoa ser titular de
certos direitos e obrigações, ou de ser sujeito de relações jurídicas. É
uma proibição absoluta uma vez que os atos não podem ser realizados
nem pelo incapaz nem por outra pessoa em seu nome, que afeta o
incapaz de realizar determinados atos jurídicos sob pena de estes
serem inválidos. É insuprível, levando a atos ou negócios nulos.
Exemplo: artigo 2189.º e 2190.º CC; 1601.º CC – casamento ou
testamento de um menor de 15 anos é nulo.
 Incapacidade de exercício: insusceptibilidade de uma pessoa praticar
validamente certos atos jurídicos por si só, isto é, pessoal e livremente,
traduzindo-se numa proibição de o respetivo incapaz realizar esses

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atos. É uma proibição não absoluta, pois tais atos podem ser
praticados por outrem em nome e em representação do incapaz, ou,
noutros casos, pelo incapaz desde que autorizado por outra pessoa,
para o efeito designada na lei. É suprível através do instituto da
representação ou da assistência, e levam a atos ou negócios
anuláveis.

O suprimento das incapacidades pode ser concretizado pela via da


representação. A representação consiste em admitir outra pessoa – o
representante legal – a agir em lugar do incapaz, como se fosse o próprio
incapaz a agir. Na figura da representação o incapaz não pode agir, nem
pessoal nem livremente. É utilizada para menores e para interditos.

Existem, também, situações de incapacidade de gozo: os menores não


podem ser tutores nem podem testar (arts.º 1933.º n.º 1 e 2189.° alínea a) do
Código Civil).
No entanto, ao contrário da incapacidade de exercício, a incapacidade de
gozo é insuprível, tendo como consequência o facto de que os atos praticados
pelo incapaz são nulos, isto é, não produzem efeitos jurídicos.

Capacidade de gozo das pessoas coletivas


É uma capacidade específica, sendo apenas a necessária para a
prossecução dos seus fins e interesses – artigo 160.º CC - diz respeito a
todos os direitos e obrigações indispensáveis à satisfação dos fins por elas
visados.
Têm uma capacidade mais limitada, vigorando o denominado princípio da
especialidade. Os atos praticados sem capacidade são nulos, de acordo com
o disposto no artigo 294.º do Código Civil.
As pessoas coletivas têm capacidade de exercício (princípio da especialidade
do fim).

b) Menoridade
É menor aquele que não tiver ainda completado 18 anos de idade (art.º 122.º
CC). Nos termos do disposto nos arts.º 122.º e 123.º do C.Civil os menores
(que ainda não completaram 18 anos de idade), são considerados incapazes
(o objetivo é o de proteger o próprio menor incapaz e seus familiares dos
prejuízos que potencialmente lhes adviriam se os incapazes pudessem
praticar pessoal e livremente todos ou determinados atos jurídicos.)
Regra geral, os menores não têm capacidade de exercício (art.º 123.º),
tratando-se de uma incapacidade geral: não estão habilitados a reger a sua
pessoa e a dispor dos seus bens, não tendo capacidade para adquirir direitos
ou assumir obrigações por ato próprio. Ora, como é sabido, a incapacidade de

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exercício dos menores, pode ser suprida pelo poder paternal ou pela tutela -
art.º 124.º do C.Civil.
Podem, contudo, os representantes necessitarem de requerer autorização
judicial para a prática de certos atos, face aos arts.º 1889.º e 1938.º do
mesmo código.
Por outro lado, o mesmo art.º 127.º no seu n.º 2 estabelece que pelas dívidas
do menor apenas respondem os bens que ele, no exercício dessa profissão,
possa livremente dispor,
Porém, os menores têm algumas capacidades concretas, de acordo, aliás,
com a ressalva inicial do artigo 123.º CC, nomeadamente as mencionadas no
artigo 127.º do Código Civil.
Exceções (art.º 127º CC):
 Os atos de administração ou disposição de bens que o maior de
dezasseis anos haja adquirido por seu trabalho;
 Os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor que,
estando ao alcance da sua capacidade natural, só impliquem
despesas, ou disposições de bens, de pequena importância;
 Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor
tenha sido autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa
profissão, arte ou ofício.

A forma de suprimento da incapacidade de exercício dos menores é, de


acordo com o artigo 124.º CC, a representação.
A representação pode seguir uma de duas vias:
 Responsabilidade parental (artigos 1877.° e ss. CC)
 Tutela (artigos 1921.° e ss. CC).

PODER PARENTAL
Cfr. Artigo 1878.º do Código Civil
Pertence a ambos os pais, indistintamente, competindo-lhes velar pela
segurança e saúde dos menores, prover ao seu sustento, dirigir a sua
educação, representá-los e administrar os seus bens, tudo no seu interesse.
O menor será, em consonância, representado pelos pais ou pelo progenitor
que tiver a guarda do filho (artigos 1901.º a 1912.º do Código Civil) – Trata-se,
portanto, de um poder-dever.

TUTELA
Cfr. Artigo 1921.º do Código Civil

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Os menores devem obedecer aos seus pais ou aos seus tutores e cumprir as
suas ordens, conforme dispõe o artigo 128.º do Código Civil.

TERMO DA INCAPACIDADE
Artigos 129.º, 130.º e 132.º do Código Civil
A incapacidade do menor só termina com a maioridade ou com a
emancipação pelo casamento, ou seja, o menor só pode atuar juridicamente
quando cessar a sua incapacidade (de exercício) – art.º 129.º e seguintes CC.

Duração da incapacidade:
 Até aos 18 anos, momento em que se atinge a maioridade (ver art.º
122.º e 130.º CC) - Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire
plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a
sua pessoa e a dispor dos seus bens.
 Até à emancipação: por via da qual o menor é equiparado ao maior
(art.º 133º CC: A emancipação atribui ao menor plena capacidade de
exercício de direitos, habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor
livremente dos seus bens como se fosse maior, salvo o disposto no
artigo 1649º CC).
A emancipação resulta do casamento e pode ter lugar aos 16 anos,
que é a idade nupcial – artigo 1601.º, alínea a) CC, mas só produz
efeitos plenos no caso de o menor ter obtido, dos pais ou tutor,
consentimento para casar (art.º 1649.º CC).

Porém, há que distinguir:


 Se o menor casar com autorização dos pais ou do tutor, obtém a
emancipação plena;
 Se casar sem essa autorização, a sua emancipação é limitada:
continua a ser considerado menor (incapaz) quanto à administração
dos bens que leve para o casamento ou que adquira posteriormente, a
título gratuito, até completar 18 anos (1649.º CC).

Assim, enquanto perdurar a incapacidade, o menor só pode atuar


juridicamente através do seu representante legal, sendo que os negócios
jurídicos praticados pelo menor incapaz são anuláveis de acordo com o
previsto no artigo 125.º do Código Civil.

Validade dos atos praticados pelo menor, conforme determina o artigo


125º CC:

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Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 287.º CC (onde se diz: Enquanto,


porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida,
sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de
excepção), os negócios jurídicos celebrados pelo menor podem ser anulados.

A anulabilidade é sanável mediante confirmação:


 Do menor depois de atingir a maioridade ou ser emancipado, ou
 Por confirmação do progenitor que exerça o poder paternal, tutor ou
administrador de bens, tratando-se de ato que algum deles pudesse
celebrar como representante do menor.

Os atos praticados pelo menor (dentro da sua incapacidade) podem ser


anulados:
 A requerimento, conforme os casos, do progenitor que exerça o poder
paternal, do tutor ou do administrador de bens, desde que a ação seja
proposta no prazo de um ano a contar do conhecimento que o
requerente haja tido do negócio impugnado, mas nunca depois de o
menor atingir a maioridade ou ser emancipado.
 A requerimento do próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua
maioridade ou emancipação.
 A requerimento de qualquer herdeiro do menor, no prazo de um ano a
contar da morte deste, desde que à data do falecimento não tenha
decorrido o prazo em que o próprio menor podia, ele próprio, invocar a
anulabilidade.

O caso do Maior Acompanhado


(art.º 138.º CC e seguintes)

O objetivo do acompanhamento do maior, destinado a assegurar o bem-estar


deste, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o
cumprimento dos seus deveres – art.º 140.º.
O acompanhamento destina-se a maiores – pois os menores estão protegidos
pela sua incapacidade por menoridade – mas, tal como já sucedia
anteriormente, pode ser requerido e instaurado dentro do ano anterior à
maioridade, para produzir efeitos a partir desta (artigos 142.º e 131.º CC).
Responde o atual art.º 138.º atribuindo esse benefício ao “maior
impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento,
de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos
mesmos termos, cumprir os seus deveres”. São, assim, de dois tipos, esses
requisitos: por um lado, quanto à causa: razões de saúde, deficiência ou
ligadas ao seu comportamento; e, por outro lado, quanto à consequência: a

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impossibilidade de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus


direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
E quem pode requerer tais medidas? Quando? A quem compete a escolha e
decisão? E quem pode ser o/a acompanhante?
De acordo com o art.º 141.º a própria pessoa que necessita de ser
acompanhada pode requerer o acompanhamento, tal como o seu cônjuge, o
unido de facto ou qualquer parente sucessível, desde que autorizados pelo
requerente – salvo se o tribunal suprir a autorização do beneficiário –, bem
como, independentemente de autorização, o Ministério Público.
É o tribunal que decide se há lugar ou não ao regime do acompanhamento.
Mas manda a lei que o tribunal deva ouvir primeiro, pessoal e diretamente, o
beneficiário, competindo ao tribunal, por outro lado, definir as medidas
adequadas a cada situação concreta. Note-se, de novo, a preocupação pela
vontade do deficiente e pela sua autodeterminação.
Atente-se, logo aqui, para o respeito pela vontade do deficiente, o qual,
diferentemente do que sucedia com interditos e inabilitados, não só pode
requerer o acompanhamento como lhe compete, em princípio, autorizar
outras pessoas a fazê-lo.
Decorre, pois, do exposto, em conformidade com o art.º 145.º, que o
acompanhamento pode envolver uma representação legal, assim como pode
implicar o recurso à assistência, mediante a autorização do acompanhante
para a prática de certos atos, ou consistir num mero apoio deste à atuação do
acompanhado, como sucede nas situações contempladas na alínea e) do n.º
2 deste art.º 145.º.
E, pergunta-se, quanto aos demais atos do maior acompanhado? Quid iuris
se ele celebrar um qualquer negócio sem respeito pelas medidas de
acompanhamento decretadas ou a decretar? Há aqui que distinguir três
situações. Tais atos são anuláveis, sem mais, se forem praticados após o
registo do acompanhamento (art.º 154.º n.º 1, al. a)); são também anuláveis
os que forem praticados depois de anunciado o início do processo, mas só se
o acompanhamento vier a ser instaurado e se tais atos forem prejudiciais ao
acompanhado – este momento é o da prática do ato e não ao momento da
decisão (alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo); finalmente, quanto aos atos
anteriores ao anúncio do início do processo, aplica-se o regime da
incapacidade acidental (art.º 154.º, n.º 3). No que respeita à anulação, a lei
manda atender ao prazo a partir do qual se deve intentar a ação de anulação,
que só começa a contar-se a partir do registo da sentença (n.º 2 do art.º
154.º).

Importa ter em consideração, para este efeito, que as decisões judiciais de


acompanhamento devem ser oficiosamente comunicadas à repartição do
registo civil competente a fim de serem registadas (art.º 1920.º-B), não
podendo tais decisões ser invocadas contra terceiros de boa fé enquanto não
estiverem registadas (art.º 1920.º-C), por força da remissão operada pelo art.º
153.º, n.º 2, pese embora, as cautelas com que o n.º 1 desta norma rodeia a

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publicidade a dar ao início, ao decurso e à decisão final do processo,


limitando-as ao “estritamente necessário para defender os interesse do
beneficiário ou de terceiros”.
Assim, se for levado a cabo depois do registo do acompanhamento, a
anulabilidade avulta sem outros requisitos adicionais. Porém, se praticado
depois de anunciado o início do processo de acompanhamento, mas antes
daquele registo, o ato é anulável, exigindo-se, contudo, que uma decisão final
de acompanhamento seja decretada e que tenha causado prejuízo do
acompanhado.
Referindo-se a direitos previstos no citado n.º 2 do artigo 147.º CC, e lidando
com a capacidade de gozo de direitos, isto significa que, agora, a
incapacidade fica dependente de ser decretada na sentença que estabelece o
acompanhamento, isto é, fica dependente da concreta perturbação (e da
específica valoração que o juiz dela faça) do acompanhado.
Assim, o acompanhado pode sofrer uma restrição tão ampla da sua
capacidade que, na prática, fica equiparado a um interdito. Simplesmente, tal
só acontece quando as circunstâncias concretas do sujeito o imponham.
O acompanhante pode, assim, ter de assistir ou representar o acompanhado.
E o novo regime acaba por estabelecer limites para a atuação do próprio
acompanhante. No que diz aos atos de disposição de bens imóveis,
determina o artigo 145.º n.º 3 CC que eles carecem sempre de autorização
judicial específica.
Então, estas limitações derivam do exposto no art.º 145.º n.º 4 e não, como
anteriormente, por equiparação ao menor (cuja equiparação deixou de existir).
Perdendo-se a remissão para o artigo 125.º CC (equiparação ao menor), o
acompanhado é, para todos os efeitos, tido como capaz, ainda que, em
concreto, o acompanhamento possa conduzir à limitação da sua capacidade
de exercício (e, em última instância, à privação dessa capacidade). Por isso,
não é equiparado a um menor. O artigo 125.º CC deixa, por isso, de se aplicar
(pelo menos automaticamente) a maiores e vê confinado o seu âmbito de
relevância aos menores. Os tribunais só determinarão a incapacidade de
alguém quando essa for a melhor solução para proteger o interesse do
incapaz.

INCAPACIDADE ACIDENTAL
Trata-se de uma incapacidade transitória, pois resulta de causas como a
embriaguez, intoxicação, estado hipnótico, etc. É uma incapacidade que não
afeta o estado da pessoa. Quem se encontra acidentalmente incapacitado
possui, em geral, capacidade de exercício, apenas a perdendo em casos
específicos. Naquelas situações, a pessoa age sem ter consciência dos seus
atos. Os atos praticados neste estado são anuláveis, MAS serão válidos se
praticados por essa mesma pessoa nos momentos lúcidos – Cfr. artigo 257.º
do Código Civil.

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2.2. Pessoas coletivas


A ordem jurídica atribui também às pessoas coletivas personalidade jurídica,
para que estas possam ser titulares de relações jurídicas e, assim,
prosseguirem melhor os fins sociais ou coletivos a que se propõem. Trata-se
de uma coletividade de pessoas ou complexos patrimoniais organizados com
vista de um fim comum.

Pessoas Coletivas (classificação legal):


 Associações (artigo 167.º e ss.) Pessoas coletivas de substrato
pessoal: um conjunto de indivíduos ou agrupamento de pessoas, em
torno de interesses comuns que podem ser egoístas ou altruístas.
 Fundações (artigo 185.º e ss.) Pessoas coletivas de substrato
patrimonial. Uma massa de bens é personalizada em ordem à
prossecução de um fim socialmente útil.
 Sociedade (artigo 980.º e ss.) São, estruturalmente, pessoas coletivas
de tipo associativo ou corporativo, com um substrato pessoal, mas cuja
finalidade é o exercício de uma atividade económica lucrativa. É o fim
lucrativo que, antes de mais, as distingue das outras pessoas coletivas.

2.2.1. Personalidade Jurídica da Pessoa Coletiva


É através do reconhecimento que se faz a atribuição de personalidade jurídica
ao substrato das pessoas coletivas.

Substrato:
 Elementos pessoais: as pessoas que se agrupam para constituir a
pessoa coletiva.
 Elementos patrimoniais: bens colocados à disposição da pessoa
coletiva. Elemento decisivo nas Fundações, mas presente também nas
outras pessoas coletivas.

O reconhecimento é o ato de dar autonomia (enquanto novo sujeito) à pessoa


coletiva. É através dele que se atribui personalidade jurídica.
Esse reconhecimento pode ser:
 Normativo: quando a atribuição da personalidade jurídica depende
apenas do cumprimento de determinadas condições ou pressupostos
que a lei define (caso das associações - artigo 158.º n.º 1 CC).
 Por concessão: quando é atribuída, caso a caso, por parte de uma
autoridade competente (caso das fundações – artigo 158.º n.º 2 e 188.º
CC).

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2.2.2. Capacidade Jurídica da Pessoa Coletiva


As pessoas coletivas têm personalidade jurídica, adquirida conforme o
disposto no artigo 157.º CC. E capacidade de gozo de direitos, embora de
forma mais restrita do que as pessoas singulares, pois vigora aqui o princípio
da especialidade. Assim, só têm capacidade de gozo em relação a atos
necessários e convenientes à execução do fim coletivo.
Conforme dispõe o artigo 160.º CC:
- A capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações
necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins;
- Excetuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam
inseparáveis da personalidade singular;

2.2.3. Capacidade de exercício de direitos


As pessoas coletivas gozam de capacidade de exercício, sendo que exercem
os direitos e obrigações através dos seus órgãos, conforme resulta dos
artigos 163.º e 164.º CC.
Os estatutos da pessoa coletiva designarão os respetivos órgãos, entre os
quais haverá um órgão colegial de administração e um conselho fiscal, ambos
constituídos por um número ímpar de titulares, dos quais um será o
presidente (artigo 162.º CC).

NOTA: as restrições impostas às pessoas coletivas não constituem uma


incapacidade de exercício, mas um impedimento para o exercício do comércio
como profissão.

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3. OBJETO
O objeto é aquilo sobre que incidem os poderes do sujeito ativo.
Costuma distinguir-se entre o objeto imediato e o objeto mediato dos direitos
subjetivos, consoante se trata daquilo sobre que os respetivos poderes
incidem diretamente, sem que se interponha qualquer elemento mediador, ou
daquilo sobre que tais poderes só de modo indireto vêm a recair.
Ex: Direito de propriedade: o seu conteúdo é constituído pelo conjunto de
poderes que pertencem ao proprietário (uso, fruição, transformação e
disposição). O objeto é o bem sobre o qual recaem esses poderes, por
exemplo, um prédio.

3.1. Objeto Imediato


É aquilo sobre que diretamente recai o direito, sem que se interponha
qualquer elemento mediador.

3.2. Objeto Mediato


É aquilo sobre que indiretamente recai o direito.

Podem ser objetos da relação jurídica:


 Pessoas;
 Prestações;
 Coisas – corpóreas e incorpóreas;
 Direitos.

PESSOAS
Só podem ser objeto da relação jurídica nos denominados poderes-deveres
ou poderes funcionais.
Os direitos inseridos no poder paternal ou tutelar não atribuem qualquer tipo
de domínio sobre a pessoa do filho ou do pupilo, pois eles são atribuídos no
interesse destes.

PRESTAÇÕES
A prestação é a conduta a que o devedor está obrigado.
Trata-se de um comportamento - uma ação ou uma omissão. Num contrato
de empreitada o empreiteiro tem a obrigação de realizar a obra contratada
enquanto que o dono da obra assume a obrigação de pagar o respetivo
preço.

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COISAS
Artigo 202.º CC
 Corpóreas: são as coisas físicas, que podem ser apreendidas pelos
sentidos, recaindo sobre elas o poder de domínio do seu titular.
Artigo 1302.°: só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser
objeto do direito de propriedade, como, por exemplo, casas, terrenos,
automóveis, barcos, aviões, bicicletas, etc.
 Incorpóreas: “(…) aquelas cuja existência é desencadeada pelo
espírito humano, ganhando, depois, relevância social”. Sobre as coisas
incorpóreas recai, portanto, um poder de utilização exclusiva. Só
depois de exteriorizadas elas poderão ser suscetíveis de utilização por
outrem.
Exemplos: Patente, obra literária, científica, artística, etc. A obra na sua
conceção ideal é o objeto de direitos, e não as coisas materiais que a
exteriorizam, como o livro ou o filme.

DIREITOS
A controvérsia sobre a possibilidade de um direito poder ser objeto de uma
relação jurídica. Parece que a lei prevê tal possibilidade, nomeadamente no
artigo 879.° a) CC, relativo aos efeitos essenciais da compra e venda.

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4. FACTO JURÍDICO

4.1. Noção
Não há relação jurídica concreta enquanto não existir um facto, um
acontecimento da vida real que lhe dê origem. É, pois, o facto jurídico que dá
o ser à relação, desencadeando a aplicação da lei.
Facto jurídico é, então, o acontecimento da vida social juridicamente
relevante, pelo que todo o facto jurídico produz efeitos jurídicos. Tais efeitos
jurídicos traduzem-se na constituição, modificação ou extinção de uma
situação jurídica.

4.2. Classificação

4.2.1. Factos Naturais e Humanos


Os factos naturais são acontecimentos que produzem efeitos jurídicos, mas
que não resultam da exteriorização da vontade humana (tempestade,
nascimento).

4.2.2. Factos Humanos Voluntários


Os factos voluntários ou “atos jurídicos” são igualmente acontecimentos que
produzem efeitos jurídicos, mas que representam a manifestação de uma
vontade humana (testamento, contrato).

4.2.3. Atos Jurídicos e Negócios Jurídicos


Discriminação das várias espécies de atos jurídicos (mais frequentes):
 Atos lícitos: ato jurídico conforme com o direito objetivo.
Exemplo: se alguém, tendo capacidade de exercício, vende um
objeto a outra pessoa, pratica um ato lícito).
o Simples atos jurídicos são também factos voluntários que
produzem efeitos jurídicos, mas que sucedem mesmo que não
tenham sido previstos ou pretendidos, embora possa haver
essa concordância (ex. interpelação do devedor, ver art.º 805º
CC);
o Negócios jurídicos são factos voluntários que constituem uma
ou mais declarações de vontade, a que o ordenamento jurídico
atribui efeitos jurídicos de acordo com o conteúdo da vontade
das partes (ex. contrato compra e venda).

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 Atos ilícitos: ato jurídico que viola ou ofende o direito objetivo – é


contrário ao direito objetivo (civis ou criminais, dolosos ou
negligentes).
Exemplo: se alguém, deliberadamente, mata outro, pratica um ato
ilícito.
-Dolosos: quando existe vontade na atuação ilícita.
- Negligentes: Falta de atenção na atuação do agente.

Classificação dos negócios jurídicos:


 Negócios unilaterais: quando são constituídos pela vontade de uma só
parte, e só podem ser celebrados se previstos na lei. (Exemplo:
testamento, revogação de uma procuração).
E podem ser receptícios (quando a manifestação da vontade tem de
ser levada ao conhecimento de outra ou de outras pessoas, não
valendo sem isso: revogação de uma procuração);
ou não receptícios (quando produzem efeitos sem que se torne
necessário comunicar a declaração a quaisquer pessoas: testamento).
 Negócios bilaterais: quando são constituídos pela vontade de duas ou
mais partes. São caraterizados pelo facto de as declarações de
vontade das partes apresentarem sentidos diferentes e até opostos,
mas que reciprocamente se ajustam e visam a produção de um
resultado único. (Exemplo: contrato de compra e venda – para a sua
realização torna-se necessário o concurso de vontades de duas
pessoas: o comprador, que pretende comprar, e o vendedor que quer
vender.
Os negócios jurídicos bilaterais são, normalmente, designados por
contratos.

Espécies de contratos
CONTRATOS FORMAIS E CONTRATOS NÃO FORMAIS
 Contratos formais são aqueles em que o acordo de vontades deve
revestir uma certa forma legalmente prescrita (ex. art.º 875.º venda de
bens imóveis).
 Por seu lado, contratos não formais: aqueles em que os contraentes
podem exteriorizar a sua vontade como entenderem, sem a exigência
de qualquer formalidade (art.º 219.º CC).

CONTRATOS REAIS E CONTRATOS NÃO REAIS

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 Contratos reais são contratos para cuja validade se exige a


transferência da posse, de um contraente para o outro, do objeto
(mediato) do contrato (art.º 1142.º, 1185.º CC).
 Contratos não reais: aqueles que produzem efeitos independentemente
da transferência da posse (ex.: compra e venda, arrendamento).

CONTRATOS SINALAGMÁTICOS E CONTRATOS NÃO SINALAGMÁTICOS:


 Contratos sinalagmáticos são contratos de que emergem recíprocas
obrigações para as duas partes (ex.: compra e venda, arrendamento).
 Contratos não sinalagmáticos: contratos dos quais resultam obrigações
só para uma das partes (ex.: doação, comodato – 1129.º CC).

CONTRATOS GRATUITOS E CONTRATOS ONEROSOS


 Contratos gratuitos são aqueles em que uma das partes proporciona à
outra uma vantagem sem contrapartida (ex.: doação).
 Contratos onerosos são os que a vantagem patrimonial de cada um
dos contraentes tem uma contrapartida na vantagem proporcionada ao
outro (compra e venda).

CONTRATOS NOMINADOS E CONTRATOS INOMINADOS


 Contratos nominados são aqueles que a lei expressamente prevê e
regula (ex. 874.º e ss CC).
 Contratos inominados são os que as partes criam e regulam fora dos
esquemas dos anteriores ao abrigo do princípio da liberdade contratual
(405.º CC).

4.3. Em especial:

4.3.1. O tempo

a) Prescrição
Cfr. Código Civil: artigo 296.º a 333.º (o prazo ordinário de prescrição é de 20
anos: 309.º CC).
Prescrição de 5 anos – art.º 310.º CC
Prescrição de 2 anos – art.º 317.º CC

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A prescrição é o modo de extinção da relação jurídica pelo não exercício do


direito subjetivo por parte do respetivo titular, durante um certo período de
tempo fixado na lei (303.º e 304.º CC).
Prescrição (extintiva): o titular do direito não pode exercê-lo se aquele a quem
a prescrição aproveita se opuser ao seu exercício: artigo 304.º/1 do CC e
303.º CC.

b) Caducidade
Caducidade - diferentemente da prescrição, deve ser oficiosamente apreciada
pelo tribunal: artigo 333.º do CC (artigo 298.º n.º 2 do CC); a prescrição pode
ser suspensa e interrompida o que não sucede, em regra, com a caducidade
(artigo 328.º do CC).
Caducidade: trata-se de uma série de situações em que as relações jurídicas
duradouras de tipo obrigacional criadas pelo contrato ou pelo negócio
(formando no seu conjunto a relação contratual) se extinguem para o futuro
por força do decurso do prazo estipulado, da consecução do fim visado ou de
qualquer outro facto ou evento superveniente (ex.: morte de uma pessoa) a
que a lei atribui o efeito extintivo, ex nunc (para o futuro), da relação
contratual.
Exemplos de caducidade: artigos 1051.º, 1141.º, 1174.º, 1716.º, 2317.º CC.
Quando falamos de caducidade é sempre a própria lei que faz depender a
cessação da sua vigência dum evento futuro, certo ou incerto.

Ineficácia e Invalidades dos Negócios Jurídicos


O negócio jurídico tende a produzir efeitos; em consonância, ele será válido
quando se mostra apto a subsistir na ordem jurídica, por conforme à lei.
No entanto, acontece que, por vezes, o negócio jurídico não produz os efeitos
jurídicos a que tende, em virtude de, na sua formação, faltar algum dos seus
elementos essenciais, o mesmo é dizer, o negócio jurídico é ineficaz.

4.4.1. Ineficácia dos negócios jurídicos

a) Ineficácia em sentido amplo: tem lugar sempre que um negócio não


produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em
parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações
respetivas;

b) Ineficácia em sentido estrito: definir-se-á, coerentemente, pela


circunstância de depender, não duma falta ou irregularidade dos elementos
internos do negócio, mas de alguma circunstância extrínseca que,

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conjuntamente com o negócio, integra a situação complexa (fattispecie)


produtiva de efeitos jurídicos.

4.4.2. Invalidades

Invalidade - é apenas a ineficácia que provém duma falta ou irregularidade


dos elementos internos (essenciais, formativos) do negócio (ex. falta de forma
legal prevista).

a) Negócio nulo: não produz, desde o início, por força da falta ou vício
dum elemento interno ou formativo, os efeitos a que tendia;
b) Negócio anulável: não obstante a falta ou vício dum elemento interno
ou formativo, produz os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto
não for julgada procedente uma ação de anulação; exercido, mediante
esta ação, o direito potestativo de anular pertencente a uma das
partes, os efeitos do negócio são retroativamente destruídos;
c) Invalidades de carácter misto: v.g. artigos 410.º n.º 3 e 1939.º n.º 1 e
n.º 2.

A) NULIDADE

a) Noção
- As nulidades operam ipso iure, ou seja, não é preciso intentar ação ou emitir
declaração nesse sentido, nem sequer uma sentença judicial prévia.
- São invocáveis por qualquer pessoa interessada.
- São insanáveis pelo decurso do tempo.

b) Regime
São nulos os negócios celebrados contra disposição legal de caráter
imperativo, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei (cfr. art.º 294º
CC).
Exemplos de nulidade estabelecidos no Código Civil: vícios de forma (artigo
220.º CC), vícios de objeto (artigo 280.º CC), falta de vontade (artigos 245.º e
246.º), contrariedade à lei (artigo 294.ºCC).

B) ANULABILIDADE

a) Noção

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O negócio anulável é, em princípio, apesar do vício, tratado como válido.


Se não for anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade, passa a
ser definitivamente válido.
Se for anulado, no tempo e forma devidos, considera-se que os efeitos
visados não se produziram desde o início, como nunca tendo tido lugar.

b) Regime
Caraterísticas das anulabilidades:
a) Têm que ser invocadas pela pessoa dotada de legitimidade,
b) Só podem ser invocadas por determinadas pessoas e não por quaisquer
interessados,
c) São sanáveis pelo decurso do tempo,
d) São sanáveis mediante confirmação.

O artigo 287.º n.º 1 CC ao estabelecer que as anulabilidades podem ser


arguidas dentro do ano subsequente à cessação do vício, pressupõe que as
invalidades não deixam de existir, por desaparecer o motivo que as originou.
A anulabilidade decorre dos seguintes fatores: incapacidade do agente (artigo
125.º e ss. CC); vícios da vontade: erro (artigo 247.º CC), dolo (artigo 253.º
CC), coação moral (artigo 255.º CC), incapacidade acidental (artigo 257.º
CC).

Efeitos da declaração de nulidade e da anulação


- Operam retroativamente (artigo 289.º do CC);
- Não obstante a retroatividade, há lugar à aplicação das normas sobre a
situação do possuidor de boa fé, em matéria de frutos, benfeitorias, encargos,
etc. (artigo 289.º n.º 3 do CC);
- De acordo com a retroatividade, haverá repristinação (artigos 289.º n.º 1 e
290.º do CC);
- Em nome da proteção dos legítimos interesses de terceiros e dos interesses
do tráfico jurídico estabeleceu-se, contudo, que a declaração de nulidade ou a
anulação do negócio respeitante a bens sujeitos a registo, se não for proposta
e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio, é inoponível a
terceiros de boa fé, adquirentes a título oneroso, de direitos sobre os mesmos
bens (cfr. artigo 291.º do CC);
- E se a nulidade proceder da incapacidade de alguns dos contraentes?
Haverá lugar à restituição de tudo o que o incapaz tiver recebido ou do valor
correspondente, mesmo que se não tenha locupletado com isso.

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C) IRREGULARIDADE
Enquanto a invalidade importa a destruição dos efeitos negociais, a
irregularidade, embora provenha de um vício interno negocial, tem
consequências menos graves, não afetando a eficácia do negócio, mas dando
apenas lugar a sanções especiais: v.g. casamento de menores (cfr. artigos
1649º e 1650º CC).

D) INEXISTÊNCIA JURÍDICA
Corresponde àqueles casos mais graves em que verdadeiramente se pode
dizer que para o Direito não há nada, ou seja, são situações em que não
chega a haver determinado negócio, pelo que oque está em causa é bem
mais do que a mera produção de efeitos jurídicos, é a própria ocorrência do
negócio jurídico.
Ex. art.º 1628º e 1630.º CC – casamento inexistente.

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5. A GARANTIA

5.1. Noção
Quarto elemento da relação jurídica.
Ao Estado, como ente produtor de normas jurídicas, cabe zelar pela sua
aplicação e cumprimento, importando a violação de tais normas certas
sanções: é a garantia das relações jurídicas ou tutela jurídica.
A sanção constitui uma reação prevista pela ordem jurídica para a violação
das normas jurídicas, impondo coativamente o seu cumprimento ou a
reparação da violação – nisto consiste a tutela jurídica.
Consoante o agente protetor, podemos ter: Tutela Privada ou Autotutela e
Tutela Pública ou Heterotutela (já visto nos capítulos anteriores no tema da
Tutela).

A Garantia das Obrigações


A garantia da relação jurídica é a suscetibilidade de tornar efetivos os poderes
do sujeito ativo da relação jurídica, que poderá, assim, reagir no caso de
violação ou de ameaça de violação do seu Direito Subjetivo.
Para isso, o seu titular tem à disposição uma série de meios coercivos,
podendo em último caso recorrer aos tribunais para fazer valer o seu direito.

Garantia Geral: Património do Devedor


A garantia geral ou comum é constituída pelo património, isto é, pelos bens do
devedor. Os bens que garantem o credor são, em princípio, todos os bens do
devedor suscetíveis de penhora (bens impenhoráveis são os objetos
indispensáveis à alimentação e vestuário do devedor e da sua família ou os
indispensáveis ao exercício da sua profissão) – artigo 601.º CC.
O património do devedor responde pelas suas dívidas e constitui a garantia
comum porque todos os credores se podem pagar por ele.
Os credores que gozam da garantia comum chamam-se credores comuns,
estando colocados em plano de igualdade uns com os outros: todos têm
direitos iguais sobre os bens. Caso os bens do devedor não sejam suficientes
para pagar a todos os credores terá de proceder-se ao rateio, sendo o
produto da venda dos bens dividido entre todos, na proporção dos seus
créditos (604.º CC).
Artigo 817.º Código Civil - Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida,
tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar
o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de
processo.

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Para além desta garantia geral ou garantia comum dos credores, a ordem
jurídica prevê certas garantias denominadas especiais e que reforçam a
garantia geral.

Garantias Especiais da Obrigação


Apesar de haver um princípio de igualdade dos credores, as partes podem
acordar entre si, ou a própria lei pode fixar, uma garantia especial a
responsabilizar outros bens, além dos do devedor, pelo cumprimento da
obrigação, ou a atribuir ao credor direitos especiais sobre certos bens do
devedor ou até de terceiro.
Importa, assim, distinguir os credores comuns (que usufruem da garantia
comum) dos chamados credores preferentes (que beneficiam de garantias
especiais).
As garantias especiais podem ser pessoais ou reais.

A) Garantias pessoais
Estas garantias caracterizam-se pelo facto de outra pessoa, além do devedor,
tomar a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação. Há, deste modo,
um reforço quantitativo da garantia do credor.

FIANÇA
É a garantia pessoal mais comum e encontra-se prevista no artigo 627.° do
Código Civil.
O fiador fica com a mesma responsabilidade que o devedor principal,
respondendo com o seu património pelo cumprimento da obrigação deste.
Assegura, portanto, a satisfação de um direito de crédito, ficando
pessoalmente responsável perante o respetivo credor.
Essencial à fiança é a vontade do fiador se obrigar, sendo irrelevante a
aceitação ou não do devedor (628.º CC). A obrigação do fiador é acessória da
obrigação principal (da que recai sobre o devedor) não podendo excedê-la e
extinguindo-se quando aquela se extinguir (651.º CC).
O fiador goza do benefício da excussão prévia, ou seja, o credor só pode
atacar o património do fiador quando tiver esgotado/excutido os bens do
devedor principal.
A responsabilidade do fiador é idêntica à do devedor principal nos termos do
artigo 634.º do Código Civil sendo que se extingue, em regra, com a extinção
da obrigação principal, de acordo com o disposto no artigo 651.º do Código
Civil.

B) Garantias Reais

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São aquelas que recaem sobre certos e determinados bens, quer do próprio
devedor, quer de terceiro, concedendo ao credor preferência no pagamento
pelo valor desses bens.
Por virtude delas, o credor adquire o direito de se fazer pagar, de preferência
a quaisquer outros credores, pelo valor ou pelos rendimentos de certos e
determinados bens do próprio devedor, ainda que esses bens venham a ser
posteriormente transferidos.

HIPOTECA (artigo 686.º CC)


A hipoteca tem por objeto, em princípio, coisas imóveis, mas a lei permite que
venha a recair sobre determinadas coisas móveis (automóveis, por exemplo)
desde que constem de registo público, e podem ser coisas tanto do devedor
como de terceiro.
Se o devedor não cumprir a obrigação que originou a hipoteca, o credor
hipotecário pode penhorar e executar tais bens, seja quem for na altura o seu
possuidor (725.º CC), e pagar-se pelo produto da venda, com preferência
sobre os restantes credores do devedor.

Exemplo:
Imaginemos que A pede um empréstimo ao banco B para a compra de uma
casa. O banco, credor, vai exigir como garantia a hipoteca dessa mesma
casa. Se o devedor não pagar, o banco vai executar a garantia e paga-se pelo
valor da casa. Se, por hipótese, aquele devedor só tinha aquele bem e havia
outros credores comuns, no limite, se o crédito do credor com garantia real
consumir todo o valor da casa, os outros ver-se-ão na contingência de nada
receber.
Sobre a mesma coisa podem recair várias hipotecas (713.º CC),
estabelecendo-se uma graduação com base na prioridade do registo; assim,
os credores hipotecários têm preferência uns em relação aos outros e todos
têm preferência sobre os credores comuns.

PENHOR (artigo 666.º CC)


O penhor consiste na entrega ao credor, pelo devedor ou por outra pessoa,
de uma coisa móvel para garantir o cumprimento duma obrigação do devedor.
Se a obrigação não for cumprida, o credor pode fazer vender a coisa dada em
penhor, pagando-se depois pelo seu valor.
Tem por objeto coisas móveis (por exemplo, uma joia) pertencentes ao
devedor ou a terceiro, sendo essencial a sua entrega ao credor.
Vencida a obrigação, se o devedor não realizar a prestação a que está
obrigado, o credor adquire o direito de se pagar pelo produto da venda judicial
da coisa empenhada (com preferência sobre os credores comuns), podendo a

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venda ser feita extrajudicialmente se as partes a tiverem acordado ou a


adjudicação ao credor pelo valor que o tribunal fixar (675.º CC).

5.2. Obrigações naturais


Nem todas as normas jurídicas são assistidas de coação e é o que sucede,
ou seja, com as “obrigações naturais”, nas quais o devedor não pode ser
compelido ao pagamento, mas se voluntariamente pagar realiza um
pagamento verdadeiro e não pode exigir a restituição (artigos 402.º a 404.º
CC ou, v.g., o artigo 1895.º CC)

Exemplos: O pagamento de uma dívida prescrita depois de invocada a


prescrição – artigo 304.º, n.º 2 CC – não era exigível, mas se foi cumprida não
pode ser repetida ou as dívidas de jogo – artigo 1245.º CC – não constituem
fontes de obrigações civis (salvo se existir legislação especial) – se o jogo for
lícito é fonte de obrigações naturais – não pode ser exigido o cumprimento,
mas se for realizado não pode ser repetido.

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