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Educ. e Filos., Uberlandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 FILOSOFIA E FILOSOFIA DA EDUCAGAO Tiago Adao Lara* 1. O QUE E FILOSOFIA Existe um enfoque filos6fico da educagao, responsdvel por um discurso cor- respondente, que tem sua especificidade prépria. E sobre essa especificidade que pretendo refletir. A questo nao é simples, porque nao hd acordo, hoje, sequer, sobre 0 que seja filosofia, Para muitos, a filosofia € etapa superada, na histéria da cultura humana. Nao se pode mais pedir, a ela, solugdes de caréter seguro. A ciéncia a substituiu, definitiva- mente, Outros atribuem um lugar a filosofia, como saber humano, mas restringem sua fung&o a critica do conhecimento, em geral, ou a crfica dos conhecimentos concretos existentes. A filosofia torna-se uma epistemologia ou, até, restringe-se a uma simples questo de andlise da linguagem, com fungo catértica. Sou daqueles que continuam reconhecendo 4 filosofia a fungao que ela se atri- buiu, desde as mais remotas origens, no mundo helénico: pensar radicalmente a tota- lidade, a fim de dar ao homem uma vis4o de conjunto, racional, critica e unitéria. 2. FILOSOFIA E METAFISICA O pressuposto responsavel pela ouSadia filoséfica dos gregos € que a realidade € racional e, como tal, pode ser apreendida pelo homem. De um lado, a racionalidade do real, na sua prépria estrutura; de outro lado, a capacidade humana de descobrir ou desvelar essa estrutura racional. Em que pesem as dificuldades de nos assegurar- mos, plenamente, do valor da afirmagao de Parménides: pensar e ser 6 0 mesmo, certo 6 que, ao longo do processo de constituicdo da filosofia grega, foi se patentean- do o pressuposto racionalista, que a frase de Parménides pode ter querido expressar. * Professor do Departamento de Filosofia da UFU Educ. e Filos., Uberlandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 Esse pressuposto levou & concepgdo de que, acima do conhecimento sensivel ou empitico, de caréter opinativo, obtido através do contato com os fatos ou fenéme- nos, que afetam a sensibilidade, existe outro nivel de conhecimento, o qual penetra a estrutura racional do ser, possibilitando 0 discurso da verdade. Esse nivel de conhe- cimento 6 0 conhecimento inteligivel; e o discurso que ele possibilita 6 0 discurso filo- s6fico. A essa atitude grega, herdada pelos medievais e que perdurou, mesmo durante grande parte da Idade Moderna nos autores racionalistas, chamou-se atitude realista- objetivista. A explicagao racional da realidade, que a filosofia oferece, é fruto de uma visdo da realidade, na sua estrutura fundamental, & fruto da intuico intelectual da es- séncia. Na relacdo objeto-sujeito, 0 objeto tem a primazia, A mente humana (sujeito) pode elaborar a explicag&o racional, porque a viu (intuiu) na realidade (objeto). A filosofia, ent&o, é a ciéncia, por exceléncia, pois ela atinge a esséncia, ou se- ja, 0 objeto no seu intimo mais esclarecedor. Esse nucleo (esséncia) & uma totalidade, 6 um horizonte, que possibilita a compreensao. A filosofia 6, na sua parte mais emi- nente, metafisica, conhecimento objetivo, transfisico, de carater duradouro: universal e necessario. Chamamos aos filsofos, que endossam essa doutrina, de racionalistas realis- tas. Racionalistas, porque depositam absoluta confianga na forga cognoscitiva da ra- 2&0; realistas, porque, para eles, a raz4o apreende o real. 3, CONTESTANDO A METAFISICA Os empiristas ingleses do século XVII comegaram a questionar a possibilidade da metaffsica, negada, depois, completamente, no século XVIII, por Hume, Kant, seguindo Hume, nega a possibilidade de uma visao (intui¢ao) da estrutura racional do ser. O homem nao dispde dessa capacidade. O discurso metafisico (filo- s6fico), baseado, justamente, nesse pressuposto, é falaz. Reconhece, porém, Kant que o ser humano dispde de uma estrutura racional, segundo a qual ele ordena sua experiéncia e baseada na quai é-Ihe possivel pensar, de maneira necesséria e universal, essa experiéncia. Para Kant, nao ha possibilidade de discurso filos6fico & antiga, mas sé de discurso cientffico, pois a ciéncia, segundo Kant, nao pretende discursar sobre a coisa-em-si, mas sobre os dados da experién- cia sensivel, estruturados pelas categorias da razdo. Para Kant, a tarefa da raz&o, enquanto filos6fica, é a critica de si mesma. 16 Educ. e Filos., Ubertandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 Kant se opée, radicalmente, as teses do racionalismo-realista, dando ouvido as crfticas que o empirismo tinha levantado contra elas, sobretudo contra a intuigéo da esséncia. E um racionalista critico e, ousarlamos dizer, por paradoxal que possa pa- recer, 6 um racionalista empirista. 4, FILOSOFIA E DIALETICA A teflexdo filos6fica, posterior a Kant, continuou a abrir novas perspectivas, pa- ra compreensdo de assunto tao relevante. Grandes pensadores reconhecem a im- possibilidade de continuarmos a defender, como o fizeram gregos, medievais e racio- nalistas moderos, a intuico intelectual das esséncias. Mas, por outro lado, nao se alinharam, totalmente, ao lado de Kant. Continuaram a atribuir a filosofia a fung¢do de elaborar um discurso, metodicamente tecido, criticamente avaliado e criticamente atuante, a respeito da totalidade do real, seja ele 0 mundo fisico da natureza, seja ele © mundo humano da cultura, objetos de experiéncia. Nega-se, porém, a existéncia de uma racionalidade pura, transcendente ao processo césmico e natural, constituindo um como que mundo da raz4o, capaz de ser intuldo em si. A racionalidade é imanente & realidade concreta, sofre as vicissitudes da sua dindmica hist6rica e brota da dialé- tica, que vige entre os contrarios de que a realidade 6 tecida. Dentre as contradigdes do real, deve-se mencionar a prépria contradi¢ao sujeito-objeto. Tanto a tese realista-objetivista, que reconhece uma racionalidade fora e inde- pendente do sujeito cognoscente humano e impondo-se a ele; como a tese subjeti- vista-idealista, que reconhece, na racionalidade, uma estrutura da razao humana, séo superadas, na concepeo dialética. Continua-se a crer na racionalidade do real, no fundamental acordo entre mente humana e realidade a ser conhecida. Endossa-se, porém, a tese, segundo a qual es- se acordo 6 um processo hist6rico, na e pela contradicao. A verdade no é fruto da coisa-em-si, intulda na sua estrutura racional essen- cial, Nao é também iniciativa do sujeito transcendental, organizando o mundo caético das sensag6es. A verdade é encontro do sujeito com 0 objeto. Encontro dinamico. A racionalidade no est pronta, nem no sujeito nem no objeto. Ela faz-se, ao longo do processo de conhecimento. Faz-se continuamente. Ela existe, mas como histérica. A inteng&o néo 6 abragar o relativismo absoluto, no qual se desconheceria, to- talmente, a conquista de verdades e valores permanentes e universais, tudo se dis- solvendo, continuaménte, na corrente voraz do devir, Existem verdades. A hist6ria as gera. Elas permanecem como fruto da temporalidade. S40, por isso mesmo, inacaba- 7 Educ. e Filos., Uberlandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 das e aperfeigodveis. Em linha de principio, o dogmatismo torna-se impossivel e 0 ce- ticismo fica exorcizado. 5. TOTALIDADE E RADICALIDADE A perspectiva dialética de filosofia 6 aquela que nos parece responder as exi- géncias de um pensar concreto, pois est atenta a totalidade da experiécia humana. Para compreendé-la melhor, analisemos © significado das categorias de totali- dade e de radicalidade, que, segundo afirmagao nossa anterior, delimitam o espectfico da reflexo filosdfica. 5.1. Totalidade $6 0 todo & compreensivel. A filosofia visa néo uma explicac&io qualquer, mas a compreens&o. Normal que s6 possa satisfazer-se com uma visio de totalidade. N&o se nega a possibilidade, a utilidade e, até, a necessidade de vis6es par- ciais, feitas a partir de cortes efetuados no real, para andlise mais minuciosa e mais especifica, como fazem as ciéncias. Essas visées revelam-se insuficientes, para responder &s perspectivas de intimeros questionamentos, levantados pelo homem, quer a respeito da realidade, em geral, quer a respeito de setores da realidade. Daf 0 Jugar para a reflexdo filoséfica. Como, porém, chegar a totalidade ou a perspectiva de totalidade, jA que a expe- rincia humana é fragmentéria? 5.1.1. Totalidade e metafisica Para a viséo essencialista de gregos, medievais e racionalistas modemos, a totalidade & atingida, ou melhor, a perspectiva de totalidade torna-se vidvel, com a in- tui¢ao intelectual das esséncias. A esséncia & um todo relativamente aos individuos que a realizam, ou dela par- ticipam. Por outro lado, 0 nexo Kégico entre as esséncias possibilita a construcao de uma totalidade racional: 0 mundo das ou 9 mundo da razo, no qual a multiplic- dade das esséncias é integrada na unidade do ser, do absoluto, seja Id que nome se venha a atribuir a esse principio supremo oni-englobante. 18 Educ. e Filos., Uberlandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 Para entendermos a estrutura desse tipo de pensamento, tomemos Plat&o co- mo paradigma, pois, apesar das diferengas (até importantes) que surgem nos filéso- fos de orientagao racionalista-realista posteriores, todos eles se reporiam a postura b&sica de Plat&o. Em seus didlogos, sobretudo Fédon, Repiblica, Sofista, Politico e Filebo, Plato Procura penetrar, o mais fundo possivel, no mundo da inteligibilidade pura, isto é, no mundo das idéias, retragando o caminho das suas exigéncias racionais, de tal manei- ra que possamos justificar nossas afirmacoes, com base e na prépria l6gica das arti- culagdes que fazemos. Reconhece Plato, que, no Amago mesmo da idéia de ser, reside a contradi¢ao entre a unidade e a multiplicidade, 0 repouso e o movimento, o mesmo e o diferente. A partir dal, pode-se pensar a multiplicidade, sem negagao da unidade e vice-versa, Ao processo de desdobramento do contetido racional do pensamento Platéo chamouy diaiética, pois o desdobramento se efetua em forca da contradi¢ao, que Ihe é imanente. O dialético € 0 filbsofo, pois ele sabe dividir, ou seja, sabe revelar as con- tradig¢des; mas sabe também unir, sabe superar as contradi¢Ges, numa unidade supe- rior. De degrau em degrau, 0 dialético faz a ascens&o a plenitude da inteligibilidade, que Plato coloca na idéia da unidade absoluta, suma verdade e suma beleza. O racionalismo idealista de Plat&o é realista. A idéia nao é pura forma subjetiva, com a qual o sujeito pensa a realidade. Ela é a propria presen¢a transparente do real, No sujeito. Aderir a idéia 6 aderir & realidade. E 6 essa convicc&o, ou essa postura, que da a Plato a possibilidade de construir um conhecimento objetivo da totalidade do real, nas suas articulagdes fundamentais. Isso 6 metafisica. Em Platao, dialética e metafisica casam-se perfeitamente. Se pergunt&éssemos, pois, aos fildsofos metafisicos o que entendem eles por viso de totalidade, que a filosofia exige e a filosofia propicia, a resposta seria: 0 que possibilita a visao de totalidade € a intui¢do das esséncias e dos nexos, que as unem, num todo racional, E essa visdo que torna transparente o mundo da experiéncia, ca6- tico e obscuro, j4 que a matéria, em si, é ininteligivel. 5.1.2, Totalidade e dialética Qual significado atribuir & categoria de totalidade, no tipo de pensamento dialéti- Co, que nao admite a intuigo intelectual da esséncia? Eis a quest&o que importa responder, com clareza, se quisermos perceber a diferenga que, hoje, se faz entre metaffsica e dialética. 19 Educ. e Filos., Uberlandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 A totalidade, no pensar dialético, é a totalidade do real fisico da natureza e do real humano da cultura. E uma totalidade histérica, dinamica, inacabada, aperteicoé- vel, Sujeita a contradigdes. Nem se poderia, propriamente, falar em totalidade, mas em totalizagdes sucessivas, que eclodem das contradi¢ées do real. Sua racionalidade no se evidencia, em forga de visées ou intuigdes trans-hist6ricas, que nos brinda- riam conquistas definitivas (tese racionaiista-realista); ou em forca do poder demitirgi- co de um sujeito transcendental, impondo suas categorias 4 multiplicidade e ao caos das sensagées (tese kantiana). A fora da racionalidade, que alinhava as totalizagoes 6, ela mesma, tecida de contradig¢ées e de temporalidade. A raz&o humana € histérica. Nasce do ventre da histéria e perfaz sua caminhada historicamente. Afirmar a historicidade da razao nao significa negar-Ihe o carater de transcen- déncia e de criatividade. Certo que ela nao é forga bruta; que ndo se enclausura em conquistas definitivas. Pelo contrario, se revela irrompente, novidadeira, revolucioné- ria até. O mundo da cultura est, af, para nos certificar disso. Gragas a forga criativa da raz&o, 0 ser humano supera, continuamente, seus condicionamentos biopsiquicos e socioculturais. Pode até criar utopias de liberta¢ao total. Nunca se revela, porém, plenitude. Esté sempre envolvido pelo véu da espacialidade e da temporalidade. Suas produgées tém ralzes, no espaco e no tempo de determinadas culturas, portadoras de valores e de limitagdes. Pensar dialeticamente a totalidade do real € procurar uma perspectiva que abarque 0 todo histérico, que se equilibra entre o ser, pois existe, esté al, eo ndo-ser, pois devém; & pensar a totalidade do mundo fisico e do mundo humano, como totali- zag&o epocal, pejada de valores, que apontam para o sentido da existéncia, e marca- da de limitagées a serem superadas, Pensar dialeticamente a totalidade 6 pensar cri tica e concretamente. 5.2. Radicalidade A palavra radical prende-se & palavra raiz. Radical 6 aquela pessoa ou aquela atitude que ndo fica no superficial; que ndo se contenta com o que esté na superficie do solo, mas que vai a raiz. A reflexdo filos6fica foi definida como reflexdo radical. De- vemos inquirir 0 que significa radicalidade de reflexdo. As ciéncias, ao refletirem sobre o real, setorizam-no, constituindo, para si, um objeto préprio de estudo, que é parcial. Situa-se, aqui, a primeira diferenca entre os dois tipos de abordagem do real: a abordagem cientfica e a abordagem filoséfica, pois essa Ultima, como acabamos de ver, visa a totalidade. 20 Educ. e Filos., Ubertandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 Ao afirmarmos que a reflexo filoséfica é radical, nés estamos nos referindo a uma diferenga mais profunda, As ciéncias partem de dados, aceitos como evidentes. O movimento da ciéncia € todo no sentido de construir uma explicagdo para esses dados. Explicac&o que se revele logicamente cabfvel e experimentalmente comprovavel. ~ Para a filosofia ndo existem evidéncias imediatas, dados inquestionaveis. Seu movimento de construgao explicativa do real nao parte da evidéncia dos fatos. As evidéncias se constroem ao longo do processo mesmo de pensar o real. € por isso que esse movimento esta totalmente atento a totalidace dos seus passos, inclusive est& atento ao seu préprio ponto de partida, num esforco de fundamentaco continua- da. 5.2.1. Radicalidade e metafisica A pretensdo do pensar metafisico € de poder (mediante a intuigo das essén- cias e do nexo que as liga, num todo racional) evidenciar os fundamentos do pensar e do ser, dado 0 pressuposto de que ser e pensar se co-implicam. Quando Platao nos fala de uma dialética ascendente e descendente, ele esta, justamente, se referindo ao trabalho constituinte das evidéncias, ao trabalho de procura das ralzes justificativas da construgao tedrica. E somente em forga das evidéncias da racionalidade, obtidas apSs um trabalho explorat6rio de todas as articulagdes ldgicas do pensar, que os fatos se revelam ex- plic4veis. Em simesmos, eles so um dado bruto. Um desafio & compreensdo. 5.2.2. Radicalidade e dialética Para o pensar dialético, nao existe a racionalidade em si. Ela se faz, na con- cretude do processo cultural, como um todo. E esse é fruto do encontro entre o ho- mem — sua racionalidade, encarnada em situacGes de sensibilidade, portanto, de es- paco e de tempo — € a totalidade das realidades fisicas. As evidéncias se constroem, historicamente, e a radicalidade da refiexao s6 se perfaz na medida em que a reflexao avanga, para desnudar as limitagdes de explicagées parciais e definitivas. Nenhum fendmeno encontra em si, no seu existir, aqui e agora, a sua explicacdo cabal. Ele se liga & totalidade de um processo deveniente. & pela referéncia a essa totalidade e & sua propria situagao de totalidade em processo que 0 fato se toma explicdvel. As ral- Zes da inteligibilidade so atingidas, julga a atitude dialética, quando se evidenciam as matrizes temporais ou histéricas de cada fendmeno, quer dizer, quando se efetua sua insergo numa totalidade deveniente. 21 Educ. e Filos., Uberléndia, 2(3): 15-24, jul. /dez., 1987 De qualquer maneira, permanece, como dado aceito, o existir do homem ques- tionador, seu anelo de compreensio, 0 sentido de sua procura, que é impulso de su- Peracdo ou transcendéncia, impulso de libertac4o. Aqui, 0 pensar metafisico e o pensar dialético se encontram. Em Plat&o, como em Hegel ou Marx, todo 0 esforgo de especulagdo termina num desejo de libertagao do homem. A diferenga est4 na maneira como se pensa essa libertagéo. Nao vem ao caso analisarmos, agora, © problema. Basta termos mencionado os acordos e desa- cordos das duas posicdes. 6. FILOSOFIA DA EDUCACAO Chegados a esse ponto, jA dispomos das categorias para definirmos a tarefa de uma filosofia da educacao. Tentemos fazé-lo. Toda reflex4o, mesmo aquela que propde, como objeto de consideragao, area determinada da realidade, se aspira chegar ao nivel filos6fico, tem de constituir, para si, uma perspectiva de estudo e de andlise que satisfaga as exigéncias expressas pelas categorias de totalidade ¢ de radicalidade. O constituir-se, pois, de uma reflex4o filos6fica sobre a educa¢do estara na de- pendéncia da descoberta de um enfoque que nos permita atingir a educa¢éio enquanto totalidade, e nos leve a detectar a matriz mesma (raiz) da exigéncia de educacao. N&o nos parece dificil satisfazer a esses requisitos, uma vez que a educagao diz respeito ao processo de caminhada do homem, na hist6ria, justamente em vista do seu revelar-se como homem. A humanidade do homem 6, a um tempo, totalidade e radicalidade, em referéncia & educacao. E, aliés, muito mais. E totalidade e radicalida- de em referéncia a todo projeto existencial, cuja realiza¢4o hist6rica encontramos de- finida em precisas formas culturais. A procura, por parte do homem, das suas prdprias ralzes e do sentido humane do seu existir foi chamada humanismo. Nos infcios da Idade Modema, o homem ocidental tomou consci&ncia expicita dessa realidade. Pensou-a e cunhou um termo para expressé-la. Mas ela 6 antiga. Podemos afirmar, com raz&o, que cada povo teve 0 Seu humanismo; teve a sua ma- neira de encarar 0 que-seja-ser-homem, a sua maneira de sentir a qualidade do espe- cificamente humano, 22 Educ. e Filos., Uberlandia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 A experiéncia de humanidade, por parte de cada povo, nasce das situagdes do ‘seu existir e reage sobre elas. E evidente que o projeto humanistico, ainda quando néo assumido explicita- mente, € 0 projeto pedagdgico em aco, em determinado grupo humano. A refiexdo sobre a educacao atingir4, pois, dimensdes de totalidade e de radica- lidade, quando se debrugar sobre as experiéncias humantsticas da humanidade. Todo projeto humantstico nasce do bojo de determinada cultura; e nasce das contradigSes que a originam e a susientam. E algo de complexo. E resultado de aco- modagdes sociais, vingadas historicamente. Antes de poder se impor, como valor in- contestado, teve de fazer, para si, caminho dificil, entre tateios e refugos. Uma vez aceito, 6 forga hegeménica, que colabora na manutengdo da realidade social, que 0 tornou vidvel. Esta, pois, marcado, para nés, 0 caminho, ou o horizonte de uma filosofia da educagao: 1) analisar, na histéria do Ocidente, o formar-se de projetos humanisticos sucessi- vos, que desembocaram no tipo de ideal educacional, vigente entre nés; 2) evidenciar, criticamente, os impasses que se criaram, frente aos resultados con- cretos, historicamente produzidos; 3) delinear Gs contornos de uma teoria humanistica, mais condizente com a expe- riéncia da hamanidade, hoje. Qs filSsofos, comprometidos com o pensar de carter metafisico, foram procu- rar as ralzes Uitimas do humanismo, em idéias julgadas, por eles, trans-histéricas, etemas, transcendentes. Somos muito inclinados a descobrir em suas propostas educacionais os aprisionamentos culturais, dos quais néo puderam ou nao souberam eles fugir. Institulmos aquilo que chamamos a critica das ideologias; e desmascara- mos as pretensGes de neutralidade, na reflexdo desses fildsofos. N&o podemos nos furtar, todavia, a tarefa de delinear propostas educacionais, racionalmente elaboradas. Aceitar a historicidade da raz&o, reconhecer, também para © Nosso pensar, os condicionamentos inerentes a essa historicidade, renunciando a toda pretensao de neutralidade ideolégica, nao significa abdicar da tarefa de pensar a existéncia do homem, para procurar-Ihe dimensGes que se revelem mais humanas. A filosofia da educagdo, no nosso ponto de vista, tem de assumir essa tarefa. 23 Educ. e Filos., Uberlndia, 2(3): 15-24, jul./dez., 1987 Nao 6, pois, totalidade de reflexdo filosdfica aquela que se limita a critica da educacao vigente, 4 andlise de como ela se reporta a totalidade do processo social em vigor, mas n&o explicita o horizonte de visao humanista, que se propde como meta hist6rica concreta, fimada na qual a critica adquire razoabilidade. E 0 horizonte humantstico de vida, tal qual se nos revela, numa reflexao sobre a totalidade da experiéncia humana de hoje, que uma filosofia da educa¢&o tem de to- mar como objeto de refiexdo, para explicitar-Ihe os fundamentos racionais. 24

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