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3.1.1 Correlacéo entre Conhecimento Popular e Conhecimento Cientifico © conhecimento vulgar ou popular, &s vezes denominado senso comum, nao se dis- ‘tngue do conhecimento cientitico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto co- mhecido: 0 que 0s diferencia € a forma, 0 modo ou o método e os instrumentos do ‘co- mhecer”. Saber que determinada planta necessita de uma quantidade ““X” de agua e que, se ndo a receber de forma “natural”, deve ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovavel, mas, nem por isso, cientifico. Para que isso ocorra, & ne- cessério ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composigio, seu ciclo de desenvolvimento ¢ as particularidades que distinguem uma espécie de outra, Dessa forma, patenteiam-se dois aspectos: a) A ciéncia no € 0 tinico caminho de acesso ao conhecimento ¢ verdade. b) Um mesmo objeto ou fenémeno — uma planta, um mineral, uma comunida- de ou as relagdes entre chefes € subordinados — pode ser matéria de obser- vacao tanto para o cientista quanto para o homem comum; o que leva um a0 conhecimento cientifico outro ao vulgar ou popular € a forma de obser- vacéo. Para Bunge (1976:20), a descontinuidade radical existente entre a Ciéncia ¢ 0 co- nhecimento popular, em numerosos aspectos (principalmente no que se refere a0 méto- do), nao nos deve fazer ignorar certa continuidade em outros aspectos, principalmente quando limitamos 0 conceito de conhecimento vulgar ao “bom-senso”. Se excluirmos conhecimento mitico (raios e trovées como manifestagdes de desagrado da divindade pelos comportamentos individuais ou sociais), verificamos que tanto 0 “*bom-senso” quanto a Ciéncia almejam ser racionais e objetivos: “sao criticos ¢ aspiram & coeréncia (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos em vez de permitir-se especulagdes sem controle (objetividade)”. Entretanto, o ideal de racionalidade, compreendido como uma sistematizacao coerente de enunciados fundamentados € passiveis de verificacao, & ob- ‘ido muito mais por intermédio de teorias, que constituem 0 micleo da Ciéncia, do que pelo conhecimento comum, entendido como acumulacio de partes ou “‘pecas” de in- formaco frouxamente vinculadas. Por sua vez, 0 ideal de objetividade, isto é, a cons- truco de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais, no pode ser alcancado se no ultrapassar 0s estreitos limites da vida cotidiana, assim como da experiéncia par- ticular; € necessério abandonar 0 ponto de vista antropocéntrico, para formular hipéte- ses sobre a existéncia de objetos fendmenos além da prdpria percepcdo de nossos sen- tidos, submeté-Ins 4 verificacao planejada e interpretada com 0 auxilio das teorias. Por ‘esse motivo € que o senso comum, ou 0 “"bom-senso”, ndo pode conseguir mais do que uma objetividade limitada, assim como é limitada sua racionalidade, pois esté estreita- mente vinculado & percepcao e & acéo. 76 3.1.2 Caracteristicas do Conhecimento Popular “Se 0 ‘bom-senso’, apesar de sua aspiracéo & racionalidade ¢ objetividade, s6 con- segue atingir essa condicéo de forma muito limitada”’, pode-se dizer que 0 conhecimen- to vulgar ou popular, Jaru sensu, € 0 modo comum, corrente € espontineo de conhecer. que se adquire no trato direto com as coisas ¢ os seres humanos: ““é o saber que preen- che nossa vida diria e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a apli- ‘cago de um método e sem se haver refletido sobre algo” (Babini, 1957:21). Para Ander-Egg (1978:13-4), 0 conhecimento popular caracteriza-se por ser predo- ‘minantemente: © superficial, isto é, conforma-se com a aparéncia, com aquilo que se pode ‘comprovar simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como “porque 0 vi”. “porque o senti’”. “porque o disseram”. “porque todo mundo o diz”; © sensitivo, ou seja, referente a vivéncias, estados de diimo ¢ emogdes da vi- da difria; © subjetivo, pois € 0 proprio sujeito que organiza suas experiéncias e conhe- cimentos, tanto os que adquire por vivéncia prépria quanto os “por ouvi di- zen"; © assistemstico, pois esta “organizacio” das experiéncias néo visa a uma sis- tematizacao das idéias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de va~ lidé-las; © acritico, pois, verdadeiros ou néo, a pretensio de que esses conhecimentos © sejam nao se manifesta sempre de uma forma critica, 3.1.3. Os Quatro Tipos de Conhecimento Verificamos, dessa forma, que o conhecimento cientifico diferencia-se do popular ‘muito mais no que se refere ao seu contexto metodolégico do que propriamente a0 seu ‘contetido. Essa diferenca ocorre também em relacdo aos conhecimentos filoséfico ¢ re- ligioso (teol6gico).. ‘Trujillo (1974-11) sistematiza as caracterfsticas dos quatro tipos de conhecimento: Conhecimento Conhecimento Popular Cientfico Valorativo Real (factual) Reflexivo Contingente Assistematico Sistematico Verificével Verificdvel Falivel Falivel Tnexato Aproximadamente exato 77 Conhecimento Conhecimento Filoséfico Religioso (Teolégico) Valorativo Valorativo Racional Inspiracional Sistemético Sistemético Nao verificdvel Nao verificdvel Infalivel Infalivel Exato Exato 3.1.3.1 CONHECIMENTO POPULAR © conhecimento popular € valorativo por exceléncia, pois se fundamenta numa se- Jecao operada com base em estados de animo ¢ emogdes: como o conhecimento implica ‘uma dualidade de realidades, isto 6, de um lado o sujeito cognoscente e, de outro, 0 ob- Jjeto conhecido, ¢ este é possuido, de certa forma, pelo cognoscente, os valores do sujei- to impregnam 0 objeto conhecido. E também reflexivo, mas, estando limitado pela fami- liaridade com o objeto, no pode ser reduzido a uma formulagao geral. A caracteristica de assistemdtico baseia-se na “organizacao” particular das experiéncias préprias do su- jeito cognoscente, e no em uma sistematizacéo das idéias, na procura de uma formu- lagéo geral que explique os fendmenos observados, aspecto que dificulta a transmiss&0, de pessoa a pessoa, dese modo de conhecer. E verificdvel, visto que esté limitado a0 Ambito da vida diéria e diz respeito aquilo que se pode perceber no dia-a-dia. Finalmen- te € falivel e inexato, pois se conforma com a aparéncia € com o que se ouviu dizer respeito do objeto. Em outras palavras, no permite a formulacdo de hipsteses sobre a existéncia de fendmenos situados além das percepedes objetivas. 3.1.3.2. CONHECIMENTO FILOSOFICO. 0 conhecimenta filaséfica & valorarivo, pois seu ponta de partida consiste em hipé- teses, que nao poderio ser submetidas & observacdo: ‘‘as hipdteses filosGficas baseiam- se na experiéncia, portanto, este conhecimento emerge da experiéncia e no da experi- mentagéo” (Trujillo, 1974:12); por este motivo, o conhecimento filoséfico € nao veri- {ficdvel, j& que 0s enunciados das hipéteses filos6ficas, a0 contrério do que ocorre no ‘campo da ciéncia, no podem ser confirmados nem refutados. E racional, em virtude de cconsistir num conjunto de enunciados logicamente correlacionados. Tem a caracteristica de sistemdtico, pois suas hipSteses e enunciados visam a uma representacao coerente da realidade estudada, numa tentativa de apreendé-la em sua totalidade. Por iltimo, € in- falivel ¢ exato, j& que, quer na busca da realidade capaz de abranger todas as oulias, ‘quer na definico do instrumento capaz de aprender a realidade, seus postulados, assim ‘como suas hipéteses, néo so submetidos a0 decisivo teste da observacio (experimen- taco). Portanto, 0 conhecimento filoséfico € caracterizado pelo esforgo da razo pura 78 para questionar os problemas humanos ¢ poder discernir entre 0 certo ¢ 0 errado, uni- ‘camente recorrendo as luzes da propria razio humana. Assim, se o conhecimento cienti- fico abrange fatos concretos, positives, e fenémenos perceptiveis pelos sentidos, através do emprego de instrumentos, técnicas e recursos de observacio, 0 objeto de andlise da filosofia so idéias. relacdes conceptuais, exigéncias I6icas que néo séo redutiveis a realidades materiais e, por essa razo, nao sao passiveis de observacao sensorial direta ‘ou indireta (por instrumentos), como a que é exigida pela ciéncia experimental. O mé- todo por exceléncia da ciéncia € o experimental: ela caminha apoiada nos fatos reais concretos, afirmando somente aquilo que € autorizado pela experimentaclo. Ao contré- rio, a filosofia emprega “o método racional, no qual prevalece proceso dedutivo, que antecede a experiéncia, ¢ nao exige confirmagao experimental, mas somente coeréncia l6gica” (Ruiz, 1979:110). © procedimento cientifico leva a circunscrever, delimitar, fragmentar ¢ analisar 0 que se constitui o objeto da pesquisa, atingindo segmentos da realidade, ao passo que a filosofia encontra-se sempre a procura do que € mais geral, in- teressando-se pela formulagao de uma concepcéo unificada e unificante do universo. Para tanto, procura responder s grandes indagagdes do espirito humano e, até, busca as leis mais universais que englobem e harmonizem as conclusdes da ciéncia, 3.1.33 CONHECIMENTO RELIGIOSO conhecimento religioso, isto é, teol6gico, apéia-se em doutrinas que contém pro- posigdes sagradas (valorativas), por terem sido reveladas pelo sobrenatural (inspiracio- ral) e, por esse motivo, tais verdades sio consideradas infaliveis ¢ indiscutiveis (exa- tas); € um conhecimento sistemdtico do mundo (origem, significado, finalidade ¢ desti- ‘no) como obra de um criador divino; suas evidéncias ndo sao verificadas: esté sempre implicita uma atitude de f€ perante um conhecimento revelado. Assim, 0 conhecimento religioso ou teol6gico parte do principio de que as ‘‘verdades” tratadas sio infaliveis € indiscutiveis, por consistirem em “revelagdes” da divindade (sobrenatural). A adesdo das pessoas passa a ser um ato de fé, pois a visio sistemética do mundo ¢ interpretada ‘como decorrente do ato de um criador divino, cujas evidencias ndo sto postas em ddvi- dda nem sequer verificdveis. A postura dos tedlogos e cientistas diante da teoria da evo- lugéo das espécies, particularmente do Homem, demonstra as abordagens diversas: de uum lado, as posigées dos tedlogos fundamentam-se nos ensinamentos de textos sagra- dos; de outro, os cientistas buscam, em suas pesquisas, fatos concretos capazes de com- provar (ou refutar) suas hip6teses. Na realidade, vai-se mais longe. Se o fundamento do conhecimento cientifico consiste na evidéncia dos fatos observados e experimentalmen- te controlados, ¢ do conhecimento filoséfico ¢ de seus enunciados, na evidéncia lgi- ca, fazendo com que em ambos os modos de conhecer deve a evidéncia resultar da pes- uisa dos fatos ou da andlise dos contetidos dos enunciados, no caso do conhecimento teolégico o fiel nao se detém nelas & procura de evidéncia, pois a toma da causa primei- 1a, ou seja, da revelacio divina. 79 3.1.3.4 CONHECIMENTO CIENTIFICO Finalmente, o conhecimento cientifico ¢ real (factual) porque lida com ocorréncias 0u fatos, isto é, com toda “forma de existéncia que se manifesta de algum modo” (Tru- jillo, 1974:14). Constitui um conhecimenta contingent, pois suas proposigées ou hips teses tém sua veracidade ou falsidade conhecida através da experiéncia € néo apenas pela razio, como ocorre no conhecimento filoséfico. E sistemdtico, j& que se trata de tum saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias (teoria) e no conheci- mentos dispersos ¢ desconexos. Possui a caracteristica da verificabilidade, a tal ponto que as afirmacGes (hipéteses) que no podem ser comprovadas néo pertencem ao ambito da ciéncia. Constitui-se em conhecimento falfvel, em virtude de nao ser definitivo, ab- soluto ou final , por este motivo, € aproximadamente exato: novas proposigdes € 0 de- senvolvimento de técnicas podem reformular 0 acervo de teoria existente. Apesar da separacio “'metodolégica” entre os tipos de conhecimento popular, fi- los6fico, religioso e cientifico, no processo de apreensio da realidade do objeto, 0 su- jeito cognoscente pode penetrar nas diversas éreas: ao estudar o homem, por exemplo, pode-se tirar uma série de conclusGes sobre sua atuacao na sociedade, baseada no senso ‘comum ou na experiéncia cotidiana; pode-se analisé-lo como um ser biolégico, verifi- cando, através de investigagéo experimental, as relagdes existentes entre determinados

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