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CULTURA

‘Shang-Chi’: só ter um herói chinês


não adianta
Entenda como surgiu o interesse crescente de Hollywood no
mercado da China, e os olhares para racismo e diversidade
que cercam novo filme da Marvel

6 min de leitura

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Pedro Lobo (@teseuafricano)


10 Set 2021 - 16h24 |
Atualizado em 13 Set 2021 - 14h09

Simu Liu em 'Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis' (2021), novo filme da Marvel (Foto: Divulgação/IMDb)

Simu Liu em 'Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis' (2021), novo filme da Marvel (Foto:
Divulgação/IMDb)

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021) chega aos


cinemas, neste mês, como mais uma peça do universo Marvel.
Com elenco majoritariamente de raízes leste-asiáticas, o filme ASSINE
marca uma das maiores investidas de Hollywood visando o
mercado chinês, do qual tem sido cada vez mais dependente,
segundo especialistas. A pergunta que fica é o que existe em
Shang-Chi além do comercial, e como isso resvala em
problemáticas brasileiras.

A pandemia do novo coronavírus acentuou e evidenciou casos


de racismo contra descendentes de leste-asiáticos,
estourando numa série de protestos em março deste ano.
Como destaca Lays Matias Mazoti Corrêa, doutora em ciências
sociais e descendente de japoneses, a Covid-19 mostrou
como a ideia de que amarelos são uma ameaça ao Ocidente
“ainda é forte no imaginário popular”, o que inclui o Brasil.
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um erro, admite presidente da Marvel

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amarelos e indígenas se encontram

Em um ano comum, produções hollywoodianas têm mais


espaço e audiência nos cinemas brasileiros. Em 2019, por
exemplo, dos 10 filmes mais vistos nas salas de exibição do
país, somente um foi nacional (Nada a Perder 2), segundo a
Ancine (Agência Nacional do Cinema). “Assim, se cada vez
mais os filmes hollywoodianos mudarem a forma como ASSINE
retratam os chineses, isso poderá mudar também o modo
como os vemos nas salas de cinema”, opina Paulo Menechelli,
doutorando em relações internacionais que estuda a
diplomacia cultural da China.

E nessa mudança de retrato, Shang-Chi parece ter potencial.


Leo Hwan, que é produtor de conteúdo sobre cultura pop e
filho de taiwaneses e chineses, exalta como esse é um
contexto novo: “O filme, para mim, é algo novo, especial, não
porque traz a história de um asiático da Ásia como um super-
herói, mas sim de um super-herói que saiu da Ásia e veio para
as Américas em busca de uma nova vida. Ele é um imigrante,
ao mesmo tempo que é americano também. Ele é as duas
coisas. Assim como nós, asiáticos americanos, também
somos”.

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Só nos Estados Unidos, são 23 milhões de amarelos, segundo


dados de 2021; no Brasil, eram outros 2 mi até 2010, de
acordo com o censo daquele ano. Com leste-asiáticos
historicamente sub-representados no cinema, a ida dessa
vivência para as telonas está muito ligada a uma mudança de
mercado que começou quase 30 anos atrás.

Brilham os olhos de Hollywood

Números expressivos do mercado chinês atraem Hollywood (Foto: China


Photos/Getty Images)

Apesar de uma realidade já bem estabelecida para os que


acompanham a indústria, o movimento de Hollywood para
chegar no público da China — país mais populoso do mundo,
com 1,4 bilhão de pessoas —  é relativamente recente. Paulo
conta que o começo disso tudo foi durante a década de 1990,
quando o mercado cinematográfico chinês enfrentou uma
grave crise, com baixas bilheterias e fechamento de cinemas e
de produtoras.

Para reverter a situação, o país começou um amplo projeto de


reforma, que incluiu a abertura para filmes estrangeiros, o que,
segundo o pesquisador, ajudou no processo de atrair mais
público e de fortalecer a própria indústria cinematográfica
chinesa. Esse processo ganhou ainda mais força com a
entrada da China na OMC (Organização Mundial do ASSINE
Comércio), em 2001.

Ainda assim, o ponto de virada foi ainda mais recente: “A


escala muda completamente quando a China passa a ser um
dos mercados que mais cresce no mundo, a ponto de superar
os EUA em número de salas de cinema em 2016 e tornar-se,
em 2020, o maior mercado cinematográfico do planeta”, conta
Paulo, mencionando as mais de 70 mil salas de exibição do
país.
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Robert Downey Jr. na estreia chinesa de 'Homem de Ferro 3'; filme teve
versão exclusiva para a China (Foto: Visual China Group via Getty Images)

O que o pesquisador chama de “grande dependência” entre


estúdios de Hollywood e o país asiático tem motivado um
crescente impacto no conteúdo dos grandes filmes. “Diversos
deles tiveram seus roteiros alterados para não melindrar as
autoridades chinesas, pois estúdios que fizerem filmes críticos
à China arriscam ver suas produções banidas de serem ASSINE
lançadas, perdendo uma receita desesperadamente
necessitada”, afirma.

A existência de um blockbuster como Shang-Chi, no entanto,


não está apenas ligada ao cinema em si, mas a uma
internacionalização de muitos produtos da cultura leste-
asiática. Lays Matias menciona a exportação do kpop, graças
a incentivos públicos e privados; e a popularização de kdramas
(novelas coreanas), doramas (novelas japonesas), c-dramas
(novelas chinesas), entre muitos outros, como indícios da
demanda do público, que desperta o interesse do Ocidente.

Mesmo com todo esse fator financeiro, a professora enfatiza


que ele, não necessariamente, enfraquece a importância social
do longa, que pode ser entendida a partir do retrato de
asiáticos na cultura estadunidense.

Estereótipos, caricaturas e “novas possibilidades”

Ator branco Mickey Rooney interpretou caricatura de personagem asiático em


'Bonequinha de Luxo' (1961) (Foto: Divulgação/IMDb)

Em um recorte dos 1300 filmes que mais arrecadaram nos


EUA entre 2007 e 2019, menos de 4% dos protagonistas ou
coprotagonistas eram asiáticos ou descendentes, sendo
menos de 6% dos papéis com alguma fala, segundo estudo da
Iniciativa de Inclusão da USC’s Annenberg. Mesmo assim, o
problema maior não é quantidade de papéis, aponta Lays.

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Entrevistando mais de 300 profissionais amarelos da indústria,


90% deles afirmou à Coalition of Asian Pacifics in
Entertainment que a representação da etnia era inadequada
tanto dentro quanto fora das telas. Já o Instituto Geena Davis
identificou que 35% dos personagens amarelos do cinema
estadunidense traziam pelo menos algum estereótipo, como
“artista marcial” ou “minoria modelo” (exemplo de inteligência,
superior entre os não-brancos), entre mais de 220 filmes na
última década.

Olhando historicamente, a pesquisadora ainda aponta que a


maioria dos personagens asiáticos eram interpretados por
atrizes e atores brancos e ocidentais, trazendo estereótipos
como falta de higiene, deficiências, dificuldades na fala, entre
outros aspectos. Ela aponta que essas ”caricaturas grotescas”
reforçam a visão dessas comunidades como atrasadas em
relação ao Ocidente, cujas “diferenças biológicas e culturais as
tornam incapazes de se adaptar ao progresso e à civilização”.

Keanu Reeves, em 47 Ronin (2013) (Foto: Divulgação/IMDb)

Mesmo usando verbos no passado, os exemplos vão desde


Marlon Brando, em A casa de chá do luar de agosto (1956) até
Keanu Reeves, em 47 Ronin (2013). Assim, Lays explica que,
tendo uma indústria que reproduz ideais racistas e
dominantes, um filme que quebra essa lógica tem grande ASSINE
importância social e mais oportunidades para que seja exposto
e conhecido.

O paralelo que ela faz é com Pantera Negra (2018), também


da Marvel, que traz “outras realidades possíveis para pessoas
negras”, além do negativo, que domina a indústria e a
sociedade. O resumo de Lays é que se, dentro da
representatividade, existem “novas narrativas, novas
possibilidades de existências, diversas, realísticas, sem
caricaturas e estereótipos”, não há porque pensar que o
mercadológico enfraqueça o social. Em um contexto em que
os avanços de Hollywood só crescem, esse deve ser um
pensamento constante dos próximos anos.
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'Shang-Chi' e 'Mulan' devem ser o futuro

Liu Yifei em 'Mulan' (2021), filme live-action da Disney (Foto:


Divulgação/IMDb)
Mesmo depois de anos de relação atribulada entre China e ASSINE
EUA; tentativas estadunidenses de dissociar sua economia da
chinesa (o chamado “decoupling”) e até projetos de lei para
“limitar acesso a fundos do governo para produções
hollywoodianas que supostamente alterassem roteiros para
agradar a China”, Paulo afirma que ao menos no curto prazo, a
tendência [vista em Shang-Chi] deve se manter, especialmente
com lançamentos como Mulan (2021), live-action que mudou
pontos-chave da animação de 1998 para atrair mais público da
terra natal de sua protagonista.

Sempre que países do Oriente esboçaram uma aparente


ameaça ao poder e hegemonia de países ocidentais, o
preconceito contra os leste-asiáticos voltou com força, ressalta
Lays. Ela cita o início do século 20, com a recuperação da
China via industrialização, e durante a Segunda Guerra
Mundial, com a ascensão do Japão; o que, para ela, só torna
mais significativo o esforço atual da Marvel frente à pandemia
e ao forte status econômico chinês. Mas não é só em
blockbusters que amarelos têm tido essa troca com Hollywood.

Após boicotes ao Oscar de 2016, com a hashtag


OscarSoWhite (“Oscar Tão Branco”, em inglês) denunciando a
falta de atores não-brancos dentre os indicados por dois anos
seguidos, mudanças foram anunciadas para mais
diversidade nos votantes e, no futuro, nos filmes elegíveis ASSINE
para as categorias principais. Esboçando mudanças, foi após
este movimento que o longa coreano Parasita (2019) se tornou
o primeiro filme de língua não inglesa a ganhar o Oscar de
Melhor Filme; seu idealizador, Bong Joon-ho, eleito Melhor
Diretor; e Chloe Zhao a primeira asiática e segunda mulher na
história a se sagrar Melhor Diretora, por Nomadland (2020).

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A pesquisadora ressalta que não se pode ser ingênuo, essa


movimentação existe por  “livre e espontânea” pressão da
sociedade e do público , que se mostra interessado em pagar
pela cultura leste-asiática, que mostrou em Pantera Negra (12ª
maior bilheteria da história) que diversidade é lucrativa; e que
pode significar muito para muitos.
A ideia defendida por Lays é que só haver um herói leste- ASSINE
asiático não adianta em termos de diversidade, é preciso ver
se a produção abraçará de fato elementos importantes da
cultura chinesa. Mesmo antes dessas respostas, Leo Hwan já
fala em um sentimento positivo: “Em tempos de coronavírus,
que soube de muitos episódios de violência direcionada a
pessoas asiáticas, nos assistir como os heróis é um momento
de respiro e revigoramento”.

10 Set 2021 - 16h24 |


Atualizado em 13 Set 2021 - 14h09
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