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DENIS McQUAIL TEORIA DA COMUNICACAO DE MASSAS Tradugdo de Carlos de Jesus SERVICO DE EDUCACAO E BOLSAS FUNDACAO CALOUSTE GULBENKIAN | LISBOA 38 PRIMEIRAS PERSPECTIVAS SOBRE OS MEDIA E A SOCIEDADE O século que acabou pode ser descrito como «a primeira idade dos media de mas- sas». Foi também marcado pela alternancia entre a admiragio e o alarme pela sua influén- cia, Apesar das enormes mudangas nas instituigdes e tecnologias medidticas e na prépria so- ciedade e também do aparecimento de uma ciéncia de comunicagio, os termos do debate piiblico acerca do potencial social de significagao dos media, parecem nao ter mudado muito. Uma descrigdo das questdes que emergiram nas primeiras duas ou trés décadas do século € de interesse hist6rico mais que justo, e as primeiras reflexes providenciam um ponto de referéncia para compreender o presente. Trés conjuntos de ideias tém sido de par- ticular interesse desde 0 comego. A primeira diz respeito & questo do poder dos novos meios de comunicacao, a segunda & questéo da integracdo ou desintegragao social, e a ter- ceira & questo do esclarecimento piblico ou do seu oposto. — 0 poder dos media de massas ‘Accrenga no poder dos media de massas baseou-se inicialmente na observagio da sua grande disseminagiio e impacto, especialmente em relag3o aos novos jornais populares. De acordo com DeFleur e Ball-Rokeach (1989), a circulagdo de jornais nos EUA atingiu o pico em 1910, embora acontecesse muito mais tarde na Europa e noutras partes do mundo. Os jornais is populares eram sustentados sobretudo pela publicidade comercial, 0 seu con- ‘etido caracterizado por estérias sensacionais e o seu controlo muitas vezes concentrado nas mis de poderosos «bardes» da imprensa. A Primeira Guerra Mundial viu a mobilizagio dos jomnais e do cinema na maior parte da Europa e nos Estados Unidos para os fins bélic cionalistas dos Estados em disputa. Os resultados pareciam nao deixar diividas do poder de influéncia dos media sobre as «massas», quando efectivamente geridos e dirigidos. Esta impressio foi ainda reforcada pelo que aconteceu na Unio Soviética e mais tarde na Alemanha nazi, onde os media foram pressionados a entrar ao servico da propa- ganda em nome das elites dos partidos dirigentes. O uso dos media noticiosos e de entrete- nimento pelos aliados na Segunda Guerra Mundial retirou quaisquer dtividas a respeito do seu valor propagandistico. Antes que o século chegasse a metade, existia j4 um ponto de vista fortemente defendido e solidamente sustentado de que a publicidade de massas era efi caz na formagio de opinides e na influéncia sobre os comportamentos. Podia também ter @feitos nas relagdes e aliancas internacionais. Acontecimentos mais recentes incluindo o fim da Guerra Fria e a gestio da Guerra do Golfo e do conflito do Kosovo confirmaram os me- dia como componente essencial e dindmica de qualquer luta internacional pelo poder, ont a opiniao publica seja também um factor. As condigdes para um poder efectivo dos {luem em geval uma indistria mediética nacional capaz de chegar 4 maioria da vlasio im grau de consenso na mensagem difundida (seja qual for a sua origem) ¢ alguma eredi- biigede ¢ confianga_ das audiéncias (também com alicerces variados). 30 Comunicagao e integragio social Os te6ricos sociais no final do século XIX, prineipios do século xx, estavam cons cientes da «grande transformagdo» que ocorria 4 medida que as maneiras comunais, lentas e tradicionais, davam lugar a uma maneira de viver urbana, secular, répida e em grande ex- panso na escala das actividades sociais. Muitos dos temas da sociologia europeia e norte- smericana (por exemplo, nos trabalhos de Toennies, Spencer, Weber, Durkheim e Park) re- flectem esta consciéncia colectiva dos problemas da mudanga da pequena para a grande escala e das sociedades rurais para as urbanas. Ao tempo, a teoria social requeria a necessi- dade de novas formas de integragdo face aos problemas causados pela industrializagaio e ur- banizagdo. O crime, a prostituigdo, 0 abandono e a dependéncia eram associados ao au- mento do anonimato, do isolamento e da incerteza da vida moderna. Embora as mudangas fundamentais fossem sociais e econémicas, era possivel apon- tar os jornais, filmes e outras formas de cultura popular (miisica, livros, revistas, banda de- senhada) como possiveis contribuintes para o crime individual e o declinio da moralidade e também para a brutalidade, impessoalidade e perda de ligacdo 4 comunidade. Nos Estados Unidos, onde a atengao A comunicagdo foi primeiro mais claramente articulada, a imigragZo em larga escala da Europa, nas primeiras duas décadas do século, chamou a atengdo para as questdes da coesio social ¢ da integragao. Isso é exemplificado pelos trabalhos de sociolo- gia da Escola de Chicago e pelos escritos de Robert Park, George Herbert Mead, Thomas Dewey e outros (Rogers, 1993). Hanno Hardt (1979, 1991) tem reconstrufdo as principais Jinhas da teoria inicial a respeito da comunicagao e integragao social, tanto na Europa como na América do Norte. As ligagdes entre os populares media de massas e a integracao social eram ficeis de perceber tanto em termos negativos (mais crime e imoralidade) como individualistas (sol dao, perda de crengas colectivas), mas era também possivel visualizar uma contribuigao po- Sitiva das comunicagées moderas para a coesao ¢ a comunalidade. Os media de massas. @ram uma forga potencial para um novo tipo de coesdo, capazes de ligar individuos separa~ dos numa experiéncia comum nacional.-da cidade e Tocal. Podiam também apoiar as novas Politicas democréticas e movimentos de reformas sociais. O modo como a sua influéncia ‘Neio a ser interpretada teve com frequéncia a ver com a atitude pessoal do observador em ‘Telagdo A sociedade moderna ¢ o grau de optimismo ou de pessimismo da sua visio social, A primeira parte do século, tanto por (ou talvez por causa de) ser um ponto alto do nacio- nalismo, da revoluco e de conflito social, foi também um tempo de pensamento progres- sivo, de avango democratico e de progresso cientifico e tecnolégico. A comunicagiio medisitica como educadora das massas O espirito dos tempos (0 olhar moderno e prospectivo) apoiou um terceiro conjunto de ideias acerca da comunicagao de massas — os media podiam ser uma potente forga para esclarecimento pablico, suplementando ¢ continuando as novas instituigdes de escolaridade universal, as bibliotecas piblicas ¢ a educagdo popular, Reformadores politicos e sociais ram um potencial positivo nos media, tomados como um todo, e estes também se viram a si prdprios como, no final de contas, contribuindo para © progresso por disseminarem infor- magio e ideias, exporem a cormupgio politica e providenciarem entretenimento benéfico para as pessoas comuns. Em muitos paises os jornalistas tornaram-se mais profissionais ¢ adoptaram c6digos de ética e de boas priticas, Reconheceu-se em geral a tarefa democrética da imprensa em informar as novas massas com direitos civis, As instituigdes de rédio, estabelecidas nos anos 20 e 30, especial- mente na Europa, foi atribuida muitas vezes uma missio publica, cultural, educacional e in- formativa, bem como a tarefa de promoverem a identidade e a unidade nacional. Saudou-se cada novo meio de massas pelos seus beneficios culturais e educacionais, tanto como receado pela sua influéncia perturbadora. A respeito das tecnologias de comunicacdo mais recentes, baseadas no computador e nas telecomunicagdes, invocaram-se de novo as possibilidades da tecnologia de comunicagdo para promover entretenimento (por exemplo Neuman, 1991). Os media como problema ou como bode expiat: Apesar destes cendrios recorrentemente optimistas, a passagem das décadas nao pa- rece ter mudado a tendéncia da opiniao publica para denegrir os media (ver Drotner, 1992) e para esperar que resolvam as doengas da sociedade. Existem varios exemplos sucessivos de pinico moral relacionados com os media sempre que surge um problema insoltivel ou inexplicdvel. O elemento mais constante tem sido uma percepgiio negativa dos media, especialmente a tendéncia para se ligar as suas co- berturas sobre o crime, sexo e violéncia ao aparente aumento da desordem social. Contudo, novos males tém sido encontrados & porta dos media, especialmente fenémenos como ma- nifestagdes e protestos politicos violentos, terrorismo internacional e mesmo o suposto de- clinio da democracia e crescimento da apatia politica e do cinismo. Paradoxalmente ou no, foram os proprios media que chamaram a atencao e amplificaram muitos destes pontos de vista alarmistas, talvez porque parecessem confirmar o seu poder, mas mais provavelmente porque jé eram crengas populares. O CONCEITO DE «MASSAS» A mistura de preconceitos populares e de teorizagao social a respeito dos media for- ‘mou o pano de fundo contra o qual a investigagao tem sido solicitada, se tém formulado ¢ testado hipdteses ¢ se tm desenvolvido teorias mais precisas acerca da comunicagio de massas. E embora seja divergente a interpretacao da orientaco (positiva ou negativa) da in- fluéncia dos media de massas, o elemento mais persistente na estimativa pUblica dos media tem sido a convicgao partilhada da sua enorme influéncia. Por outro lado, esta percepyi0 deve muito aos vérios sentidos do termo «massas». Embora 0 conceito de «sociedade de 41 EASY 8 e des depois da Segunda Guerra Mundial, as ideias essenciais circulavam antes do final do século xIx. O termo-chave «massas» de facto dio até ao presente. Gs usos iniciais do termo continham em geral asociagdes negativas. Referiam-se & muttiplicidade das «pessoas comuns» vistas habitualmente como nao educadas, ignorantes ¢ potencialmente irracionais, sem regras e mesmo violentas (como quando as massas se tor- nam um bando de arruaceiros) (Branson, 1961). O termo podia contudo ser também usado num sentido positive, especialmente na tradigdo socialista onde conota a forga ¢ a solida- riedade das classes trabalhadoras quando organizadas para fins colectivos ou quando tém de resistir 4 opressdo. Os termos «suporte de massas», «movimento de massas» € «acgdo de massas» so exemplos onde grande niimero de pessoas actuando em conjunto podem ser vistas a uma luz positiva. Como Raymond Williams (1961: 289) comentou: «néo hé mas- sas, 56 maneiras de ver pessoas como massas>. As diferentes avaliagoes da ideia de massa reflectem diferentes perspectivas politi- cas ou pessoais, mas relacionam-se também com as massas serem ou nao legitimamente constituidas e actuando de maneira racional e ordenada. Mesmo assim, a atitude dominante para os fenémenos de massas tem sido negativa, mesmo quando no constituem ameaga & ordem social estabelecida. Os valores sociais e culturais dominantes no «ocidente» tém sido individualistas e elitistas, tendenciosos contra a acgdo colectiva. Aparte as suas referéncias politicas, a palavra «massa» tem também implicagdes desagradaveis quando aplicada a um conjunto de pessoas, Sugere uma colecc0 amorfa de individuos, sem grande individual dade. Uma definigao tipica de dicionério define a palavra como «um agregado no qual a in- dividualidade é perdida» (Shorter Oxford English Dictionary). Isso esté proximo do sentido que os primeiros socidlogos davam por vezes as audiéncias dos media. Foram as vastas € aparentemente indiferenciadas audiéncias dos media populares que providenciaram os exemplos mais claros do conceito. Caixa 3.1 - © conceito de massas + Grande agregado * Inditerenciagao ‘+ Imagem negativa dominante * Carente de ordem ou organizagao * Reflector da sociedade de massa © PROCESSO DE COMUNICACAO DE MASSAS O termo «comunicagio de massas» comegou a ser usado no final dos anos trinta mas as suas caracteristicas principais j4 cram bem conhecidas, ¢ de facto ndio mudaram desde entiio mesmo que os préprios media se tenham tomado de alguma forma menos massivos. Embora os primeiros media de massas fossem muito diferentes na sua escala e nas suas condigdes de intervengao (por exemplo, os filmes populares podiam ser vistos tanto em tendas de aldeias como em cinemas de cidade), podia distinguir-se a forma tipica da comu- nicagao de massas de acordo com certas caracteristicas gerais. Estas derivam das tecnolo- gias de reprodugio e distribuigdo miiltipla e de certas formas de organizagiio, mesmo se a realidade particular da comunicago de ma tas vezes de forma nitida. A caracteristica mais 6bvia dos media de massas é que so desenhados para chega- rem a muitos. Audiéncias poten 9 vistas como grandes agregados de consumidores mais ou menos andnimos, e a relago entre o emissor e o receptor é obrigada a ser influen- ciada por este facto. O «emissor» é muitas vezes a propria organizacao ou © comunicador profissional (jornalista, apresentador, produtor, animador) que aquela emprega. Se nao é as- sim, € outra voz. da sociedade cujo acesso aos canais medidticos é oferecido ou vendido (pu- blicitério, politico, pregador, promotor de uma causa, etc.). A relacao € inevitavelmente num s6 sentido e impessoal ¢ existe distancia social e fisica entre 0 emissor e 0 receptor. O pri: meiro tem em regra mais autoridade, prestigio ou experiéncia que o ultimo. A relacao nao & 86 assimétrica, & muitas vezes calculista ou manipuladora na sua intenga ndo-moral, baseada num servico prometido ou pedido num contrato nado quer obrigagio miitua. O contetido simbélico da mensagem da comunicagiio de massas € tipicamente «fa- bricado» de forma estandardizada (produgdo de massas) e reutilizado e repetido de formas idénticas. Nao pensamos geralmente que o contetido do media de massas seja tinico ou cria- tivo, embora tal possa reflectir um preconceito cultural contra o que € popular. De qualquer forma, a mensagem dos media principalmente um produto de um trabalho com um valor de troca no mercado mediatico e um valor de uso para o seu destinatario, o consumidor dos media, f essencialmente uma mercadoria e difere a este respeito do contetido de outros ti- pos de relagdo comunicativa humana. A recepgio da comunicago de massas também é distinta. As audiéneias so conce- bidas geralmente (pelos préprios media mas também por preconceito popular) como gran- des agregados de espectadores dispersos e passivos, sem oportunidade para responderem ou articiparem de maneira genuina. Embora conscientes de serem parte de um conjunto muito maior, os espectadores dos media tém pouco contacto ou conhecimento de outros especta- s experienciada pelas audiéncias dive: ge mui- , essencialmente ‘crito e sem qual- Caixa 9.2 - 0 processo de comunicagao de massas + Distribuigdo e recepgo em grande escala * Fluxo unidireccional + Relagao assimétrica + Impessoal ¢ anénima + Relagao de mercado ou calcuiista, + Contetido estandardizado 43 dores e S6 podem interagir directamente com um pequeno niimero, A «audiéneia de massas» € de qualquer forma constituida momentancamente pelo contacto mais ou menos simul feo Com uma Tonte distante e no tem outra existéncia excepto a do registo Gas Tehstias Herbert Blumer (1939) foi o primeiro a definir formalmente a massa como um novo tipo de formagao social na sociedade moderna, contrastando-a com outras formagées, espe- cialmente o grupo. a multidiio ¢ o piiblico. Num pequeno(grupo, todos os membros se co- nhecem, estdo conscientes da sua pertenga ao gnupo. partilham os mesmos valores, témuma certa estrutura de relagdes estivel no tempo e interagem para obter determinado fim. mul tidag) é maior, mas ainda restrita ¢ com fronteiras observaveis num dado espago. E, no en- Taito, tempordria e raramente se forma de novo com a mesma composigao. Pode possuir um alto grau de identidade e ter a mesma disposigdo, mas em geral ndo existe estrutura ou or dem na sua composigio moral e social. Pode actuar mas as suas acgdes so habitualmente vistas como tendo um cardcter afectivo e emocional, muitas vezes mesmo irracional A terceira colectividade nomeada por Blumer, o piblico, parece ser relativamente ampla, muitissimo dispersa e estvel. Tende a formar-se & volta de um assunto ou causa da vida publica, o seu primeiro fim é propor um interesse ou opiniao e conseguir uma mudanga politica. E um elemento essencial na politica democrética, baseado num ideal de discurso racional io interior de um sistema politico aberto ¢ reunindo muitas vezes 0 sector melhor informado da populagao, O seu crescimento é caracteristico das democracias liberais mo- dernas e relaciona-se com o crescimento «burgués» ou partiddrio da imprensa, anterior- mente descrito. O termo «massa» captou varias caracteristicas das novas audiéncias para o cinema ea rddio (¢ em certa medida os jornais populares) que nao estavam cobertos por nenhum dos. outros trés conceitos. A nova audiéncia era tipicamente maior que qualquer grupo, multidio 0u publico, Era largamente dispersa-c-os seus. membros nio se conheciam uns 20s outros ou quem levou a existir como audiéncia, Nao tinha consciéneia nem identidade préprias e era incapaz de actuar em conjunto de maneira organizada para alingir objectivos. Era marcada Por uma composigao varidvel dentro de fronteiras mutdveis. Nao actuava para si propria Caixa 3.3 - A audiéncia de massas * Grandes némeros * Largamente dispersa + Nao-interactiva e anénima * Heterogénea * Nao-organizada ¢ sem iniciativa mas sofria mais a intervengdo externa (portanto, era objecto de manipulagdo). Era hetero- génea, em grande mimero, de todos os Sociais € grupos demograficos, mas tam- bbém homogénea na sua escolha de um objecto particular de interesse e de acordo com a per- cepgio dos que gostariam de a manipular. ‘A audiéncia dos media de massas nao é a Gnica formagao social que pode ser carac- terizada desta maneira, uma vez que a palavra é por vezes aplicada a consumidores na ex- pressio «mercado de massas» ou a grandes nimeros de votantes (0 «eleitorado de massas»). E contudo significativo que tais entidades também correspondam muitas vezes as audién- cias dos media de massas e que estes sejam usados para dirigir ou controlar quer os com- portamentos politicos quer de consumo. Neste contexto conceptual, o uso dos media foi representado como forma de «com- portamento de massas», 0 que por sua vez encorajou a aplicac¢do dos métodos da «investi- gagdo de massas», especialmente medigdes de audiéncia em larga escala e outros métodos de registo para saber a resposta das audiéncias ao que Ihes era oferecido. Uma légica co- mercial e organizacional para a «investigagao de audiéncias» foi fornecida com as implica- Ges te6ricas subjacentes. Parecia fazer sentido e ser pritico discutir as audiéncias dos me- dia em termos puramente quantitativos. De facto, os métodos de investigago tenderam apenas a reforcar uma perspectiva conceptual tendenciosa (tratar a audiéncia como um mer- cado de massas). A investigagao das tiragens e do alcance dos jornais € da rdio reforgou a perspectiva dos leitores e das audiéncias como um mercado de massas de consumidores. Tem havido uma oposigao te6rica a este ponto de vista, que gradualmente vem sendo adop- tada (capitulo 15) e que levou a revisdo das perspectivas sobre a natureza da experiéncia das audiéncias (Ang, 1991). Mesmo a relevancia de se ver a audiéncia como uma massa tem sido desafiada pelas mudangas nos media descritas noutro capitulo (capitulo 16). CULTURA DE MASSAS E CULTURA POPULAR O contetido tipico que fluiu através de novos canais criados para as novas formagées sociais (a audiéncia de massas) foi desde o inicio uma mistura diversa de est6rias, imagens, informagao, ideias, entretenimento e especticulo. Mesmo assim usava-se 0 conceito tinico de «cultura de massas» para referir tudo isso (ver Rosenberg e White, 1957). A cultura de massas apresentava-se como referéncia alargada para os gostos, prefe! maneiras ¢ es- tilos das massas (ou de uma maioria), Tinha também uma conotagio pejorativa, principal mente por causa das suas associagdes com as consideradas preferéncias culturais dos «i cultos», indiscriminados ou apenas audiéncias de «classe baixa». O termo est agora bastante datado, em parte porque as classes sociais so menos nitidas e nao distinguem mais uma minoria profissional educada de uma grande maioria, po- bre, de trabalhadores sem qualificagao. Também a hierarquia anterior de «gosto cultural» jé nijo é mais reconhecida ou aceite de forma tio ampla. Mesmo quando era moda a ideia de uma cultura de massas como fenémeno exclusivamente da «classe baixa», nao era fitcil de validar empiricamente uma vez que se referia & experiéncia cultural normal de quase toda a gente em algum grau, A expresso «cultura popular» é agora em geral preferida porque de- nota apenas © que muitos ou mesmo a maior parte das pessoas gostam. Mesmo assim, tem alguma conotacdo com 0 que & popular entre os jovens. Desenvolvimentos mais recentes dos estudos culturais e dos media (como da sociedade) levaram a uma avaliagdo mais pos tiva da cultura popular. Para alguns te6ricos dos media (por exemplo Fiske, 1987) a propria popularidade é uma marca de valor em termos politicos e culturais Definigses ¢ contrastes Tentativas para definir a cultura de massas contrastaram-na muitas vezes (desfavo- ravelmente) com as formas mais tradicionais da cultura (simbélica). Por exemplo, Wilensky comparou-a com a nog: i$ do produto: de «alta cultura», que se refere a duas caracterist 1) criado ou supervisionado por uma elite cultural operando numa dada tradiga0 estética, literdria ou cientifica; 2) Consideragdes criticas, independentes do consumidor dos seus produtos, so sis- tematicamente aplicadas... A «cultura de massas» referir-se-d aos produtos cul- turais fabricados somente para 0 mercado de massas. As caracteristicas associa- das, nao intrinsecas A definigio, sio a estandardizagio do produto e 0 comportamento de massas no seu uso (1964: 176). Caixa 3.4 - Cultura de massas * Nao tradicional + Nao elitista * Produgo de massa * Popular * Comercial + Homogeneizada Accultura de massas foi também definida por comparagio com uma forma cultural prévia — 0 folelore ou cultura tradicional que mais nitidamente vem das pessoas ¢ que em geral 6 anterior (ou independente) dos media de massas. O folclore (expresso sobretudo pelo vestuério, costumes, cangdes, histérias, dangas, etc.) foi em grande medida redescoberto na Europa no século x1x, muitas vezes por razdes associadas ao crescimento do nacionalismo, ‘outras vezes como parte do movimento de defesa das artes tradicionais e da reacgio ro- mintica contra a industrializagdo. A redescoberta do artesanal (pelas classes médias) ocor- Teu ao mesmo tempo que desaparecia na classe trabalhadora e nos camponeses por causa das mudangas sociais. A cultura do folclore comegou por ser feita de modo nio consciente, com formas, temas, materiais e modos de expressio tradicionais e era em geral incorporada 46 na vida de todos os dias. Os criticos da cultura de massas lamentavam muitas vezes a perda da integridade e da simplicidade do folclore e 0 assunto esté ainda vivo em locais do mundo onde a cultura de produgao de massas nao triunfou completamente. A nova classe trabalha- dora das zonas urbanas da Europa Ocidental ¢ da América do Norte constituiu primeiro consumidor da nova cultura de massas depois de ter cortado as raizes com a cultura artesa- nal. Nao ha davida de que os media de massas foram beber a algumas fontes de cultura po- pular e adaptaram outras as condigdes da vida urbana para colmatarem 0 vazio criado pela industrializagdo, mas os criticos intelectuais habitualmente s6 conseguem ver af uma peda cultural. Dindmicas das formas culturais O crescimento da cultura de massas prestava-se a mais do que uma interpretagio, Bauman (1972) por exemplo argumentou que a ideia de que os meios de comunicagao de massas causaram’a cultura de massas estava errada porque eram sobretudo um instrumento para moldar algo que ja estava a acontecer de qualquer forma, como resultado do aumento da homogeneidade cultural das sociedades nacionais. Do seu ponto de vista, o que é muitas vezes referido como cultura de massas é mais propriamente uma cultura mais universal ou mais estandardizada, Varias caracteristic: da comunicagiio de massas contribuiram para o processo de estandardizagao, especialmente a dependéncia do mercado, a supremacia da organizagio de larga escala e a aplicagdo das novas tecnologias & produgao cultural. Esta abordagem mais objectiva ajuda a resolver alguns dos conflitos que tém caracterizado 0 debate acerca da cultura de massas. Em certa medida «o problema da cultura de massas» reflectiu a ne- cessidade de entender os termos das novas possibilidades tecnolégicas para a reprodugio simbélica (Benjamim, 1977), que desafiavam as nogdes de arte estabelecidas. O assunto da cultura de massas foi discutido em termos politicos e sociais sem ter sido resolvido em ter- ‘mos estéticos. Apesar da possibilidade de se encontrar uma concepgao da cultura de massas livre de valores, em termos de mudanga social, o assunto mantém-se conceptual ¢ ideologies mente fonte de conflitos. Como Bourdieu (1986) e outros demonstraram claramente, con- cepgdes diferentes de mérito cultural estio fortemente ligadas a diferengas de classe social. A posse de capital econémico tem acompanhado em geral a posse de «capital cultural» que, em sociedades de classes, pode ser também medido por vantagens materiais. Sistemas de valores baseados na classe mantiveram fortemente a superioridade da tradicional «alta» cul- tura, contra muita da cultura popular tipica dos media de massas. Tem vindo a enfraquecet © apoio a tais sistemas de valores (mas ndo ao sistema de classes), embora a questo da qu- lidade cultural diferencial se mantenha viva como um aspecto do debate continuado sobre as regras da cultura e dos media.

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