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A política cambial estabelece o preço do kwanza face às moedas estrangeiras.

Há três
tipos de política cambial: a rígida, em que o Estado fixa esse preço; a flexível, em que o
mercado estabelece o preço livremente; e a mista, em que o Estado tende a fixar uma
banda de oscilação da moeda, não a deixando sair desses limites. Em Angola, durante
muitos anos seguiu-se uma política mista, semi-rígida.

Actualmente, o Banco Nacional de Angola (BNA) segue uma política de flexibilidade


total. O essencial dessa política reside em ter o câmbio do kwanza flexível, sendo o seu
valor face às moedas estrangeiras fixado de acordo com o mercado. Esta política de
câmbios flexíveis foi defendida com proeminência pelo prémio Nobel da Economia
Milton Friedman, e teoricamente fará diminuir as importações, aumentar as exportações
e controlar a inflação. Contudo, em Angola está a ter vários efeitos dramáticos, desde
logo o aumento exponencial do valor nominal da dívida pública e graves
constrangimentos no acesso aos bens essenciais por parte da população.

Trata-se assim de uma política que divide opiniões e cria vários dilemas aos decisores
políticos. Nas linhas seguintes vamos enunciar os principais argumentos no sentido de
travar a flexibilização do câmbio e para manter o seu valor.

Os Erros da Política Cambial em 2010-2014


Como todos os problemas fundamentais na economia angolana, a questão do valor do
kwanza também remonta ao passado. Neste caso, terá começado com os erros da
política cambial cometidos de 2010 a 2014, período que coincide com o primeiro
mandato do actual governador no BNA.

Na altura, estabeleceu-se um regime de câmbio semifixo, embora com margem de


flutuação. Entre 2010 e 2014, o câmbio variou entre os 90 e os 99 kwanzas por dólar.

Tal política não era aconselhável num país com desequilíbrio na balança de
pagamentos, que apresentava uma disparidade de entrada e saída de divisas acima de
40%.

Essa medida pretendeu garantir que o kwanza se tornaria uma moeda forte, o que, num
país com fraca produtividade, era irrealista. E só poderia ter como resultado, como aliás
teve, o aumento das importações e a degradação da produção interna. Criou-se uma
falsa imagem de prosperidade, resultante de importações excessivas. A isto acresceu
que tal política obrigou a utilizar as reservas internacionais líquidas para suportar esses
valores, sabendo-se que estas dependem do preço do crude, extremamente volátil. Este
sistema também fez dos bancos e do BNA verdadeiras casas de câmbio, descurando as
suas outras actividades na economia.

Com este sistema, estima-se que o país tenha perdido em fuga de divisas um valor
acima dos 60 mil milhões de dólares, fruto da importação inflacionada com preços
acima do real; falsas distribuições de dividendos, pagamentos inflacionados de
contratos; pagamentos de empréstimos especulativos, duvidosas reposições cambiais
dos bancos; pagamentos fraudulentos de contratos públicos, e negócios obscuros das
empresas públicas, principalmente na Sonangol.

A economia angolana ficou fragilizada, pois criou-se uma lógica absurda de


favorecimento das importações e destruição da produção interna, sugando-se as reservas
líquidas internacionais.

Não admira, por isso, que em 2015 o país se visse confrontado com uma grave crise
financeira e uma recessão, que perduram até hoje.

O Câmbio Flexível
O actual governador foi exonerado do cargo no início de 2015, tendo regressado à
liderança do BNA no final de 2017.

Foi num contexto de recessão que, no início de 2018, se tomou a decisão, a conselho do
Fundo Monetário Internacional (FMI), da total liberalização da política cambial. No
entanto, tal flexibilização também tem tido consequências preocupantes na economia,
pelo menos a curto prazo.

No actual contexto, o BNA não conseguiu criar confiança à volta da nossa moeda, nem
com os players bancários. A insegurança actual é tanta, que é impossível dar resposta à
procura e, consequentemente, em 30 meses, o câmbio kwanza / dólar passou de uma
taxa de 166 para 595.

Data Valor akz/usd


Janeiro de 2018 166,7
Junho de 2020 595,2

Em 2015, no âmbito da crise enunciada acima, realizou-se uma primeira desvalorização


cambial de cerca de 50%, elevando o câmbio para 156 akz/usd. Entre 2016 e final de
2017, o kwanza manteve-se estável nos 166 akz/usd.

No início de 2018, devido à fixação do câmbio nos dois anos anteriores, o kwanza
encontrava-se cerca de 30% sobrevalorizado face ao dólar. É, neste período, iniciado
um processo de liberalização do mercado cambial.

Numa primeira fase dessa liberalização, a oferta de compra e venda fazia-se através de
leilão, permitindo-se bandas de flutuação de + ou – 2%. Estas variações são
comummente apelidadas de “estabilizadores”, pois permitem que se evitem situações de
pânico que descontrolem os preços.

Mais tarde, as Autoridades Monetárias nacionais decidiram proceder à liberalização


total do mecanismo de oferta e de procura.

Num modelo liberalizado, para poder gerir e estabilizar as flutuações de valor da sua
moeda através de intervenções pontuais, o Banco Emissor tem de ser capaz de gerar
confiança suficiente.

Sem se criar um quadro de confiança, pode-se perder o controlo do processo e


enveredar numa espiral de desvalorização caótica. Hoje as famílias e as empresas não
confiam na nossa moeda enquanto reserva de valor, e é fundamental alterar esse
sentimento.

Em 30 meses, para as famílias, para as empresas, para o Estado, tornou-se 3,6 vezes
mais caro comprar um dólar.

Os macroeconomistas de pensamento ultraliberal poderão dizer, “se o câmbio


desvaloriza é porque o mercado de oferta e de procura está a
funcionar”.Conceptualmente, tal é correcto. A questão é que o câmbio não é um produto
normal, como uma laranja ou uma banana, que pode variar significativamente de preço
sem colocar em causa a sobrevivência de um país.

O câmbio é – sobretudo no presente momento de crise económica – uma das nossas


mais importantes armas de defesa de valor das poupanças e do valor dos activos dos
angolanos.
O que está a acontecer é que os agentes económicos têm insegurança e incerteza quanto
ao futuro, devido à impossibilidade de o BNAvender a quantidade de moeda que
historicamente vendia.

Não questionamos a importância da progressiva reforma da política cambial. O que


questionamos é o timing da decisão da plena liberalização, num momento em que não
existiam reservas suficientes para responder à procura, o que levou à perda do controlo
do câmbio. Questionamos, também, a velocidade na transição das políticas, porque uma
mudança desta natureza tem de ser gradual e tem de assegurar uma boa coordenação
com as políticas monetárias e fiscais, sob pena de a decisão de ultraliberalização
cambial colocar em risco todos os esforços que o Executivo de João Lourenço tem
realizado ao nível do controlo da despesa pública.

É como se procurássemos tratar um paciente com transfusões de sangue que entram nas
veias a uma velocidade demasiado rápida, colocando em risco a vida do próprio
paciente.

Para alcançar a recuperação da confiança dos agentes económicos, é preciso manter a


estabilidade e a previsibilidade das políticas. Com instabilidade económica, os agentes
económicos deixam de se empenhar em criar novo investimento e passam a estar
preocupados em proteger o valor dos activos que detêm hoje.

As Desvantagens do Câmbio Flexível em Angola

Fonte: FMI, Relatório I, 29-05-2020

O Produto Interno Bruto, medido em moeda externa, está a cair, ano após ano, porque o
kwanza se desvalorizou fortemente. Ou seja, medido numa moeda forte, o país
empobrece todos os anos: o PIB angolano medido em dólares passou de 122 mil
milhões para cerca de 75 mil milhões no final de 2020 (estimativa do FMI).

Se o PIB cai, então o rácio Dívida Pública / PIB dispara e, consequentemente, dá-se um
aumento exponencial do risco percebido pelos mercados externos, tornando provável
que os mercados de dívida se fechem para Angola.
Fonte: FMI, Min. Finanças
Com o descontrolo da taxa de câmbio, o rácio de Dívida Publica/PIB passou de cerca de
70% do PIB em 2017 para 107% em 2019, e estimativas do Regional Outlook do FMI
mais recentes estimam que o rácio da divida possa atingir os 130% do PIB no final de
2020.

O descontrolo do câmbio está a destruir os impressionantes passos reformistas que estão


a ser aplicados pelo Governo liderado pelo presidente João Lourenço.

A política fiscal do Governo está correcta: a despesa foi controlada, o valor absoluto da
dívida também. No entanto, o descontrolo do câmbio deita quase tudo a perder.

Nunca houve um Governo tão reformista como o Governo liderado pelo presidente João
Lourenço. Nunca houve tanta consolidação fiscal, tantos cortes massivos em despesa
não relevante e aumento da base de impostos. E isto apesar de o país se encontrar num
período recessivo.

Fonte: FMI, Min. Finanças

Esta política cambial flutuante e ultraliberal também destruiu as expectativas dos


fazendeiros e do Estado relativamente à produção, porque fez disparar o preço dos
insumos agrícolas. Por exemplo, um saco de 50 quilos de adubo passou de 7000 kz para
30.000 kz, o que inviabiliza financeiramente a agricultura, pois os custos de produção
em fertilizantes e insecticidas não permitem que a produção seja rentável. Assim, o
plano de Governo sobre a melhoria das condições de vida fica adiado. Se não se mudar
de política, o custo dos alimentos subirá de forma vertiginosa.
Vivemos momentos excepcionais. Quem desenha ou recomenda as políticas económicas
tem de ir aos bairros, tem de perceber o real impacto das decisões, tem de falar com os
empresários para perceber de que maneira as decisões tomadas afectam a economia real.

Não se pode continuar neste processo de ultraliberalização cambial (neste período de


excepção) sem observar e medir os seus impactos sobre o empobrecimento generalizado
das famílias, das empresas e sem percepcionar os danos reputacionais do País junto dos
seus credores. Considera-se, assim, fundamental que BNA ajuste a evolução do actual
modelo cambial e volte a aplicar as bandas estabilizadoras.

Este ajuste deve ser aplicado pelo período temporário que for necessário, até que a
economia normalize.

A Defesa dos Câmbios Flexíveis


No entanto, a questão é mais dilemática do que se possa pensar. Muitos economistas
argumentam que não é o câmbio que provoca fome e miséria, mas antes a dependência
das importações de bens essenciais de consumo. Angola, com uma política cambial
ancorada no dólar, deixou de produzir, de pensar na agricultura, nas pescas e nos
materiais de construção. O País tornou-se refém de interesses externos. E quando os
recursos cambiais se começaram a esgotar, optou-se pela dívida externa para continuar a
importar. Se repararmos, é entre 2014 e 2017 que o stock da dívida pública externa
aumenta exponencialmente.

Depois, como nem todos conseguiram aceder às divisas, as empresas e os cidadãos


tiveram de passar a recorrer à rua, ao mercado cambial informal. Quem conseguia
divisas no mercado formal revendia com margens que atingiram 200%. Quem tirava
benefício disso não era o cidadão comum. O kwanza, ao câmbio oficial, estava
sobrevalorizado em mais de 70%. Assim, a anterior política cambial não era sustentável.

Conclusões
É claro que a política cambial seguida nos últimos anos da Presidência de José Eduardo
dos Santos foi catastrófica, conduzindo o País a um beco sem saída. Arruinou-se a
produção nacional, ao mesmo tempo que se esgotaram as reservas financeiras. Portanto,
era imperativo optar por uma política cambial diferente, no sentido da flexibilidade.

O BNA optou por ser drástico e aguentar o sofrimento no curto prazo, esperando com
isso estabilizar a economia, enquanto outros defendiam uma progressão mais cautelosa
e por etapas, para não agravar os sacrifícios já tão intensos da população. A divergência
reside no prazo e na velocidade da implementação das medidas, porque, numa situação
de excepção económica como a presente, insistir em manter uma política ultraliberal
sem qualquer controlo no valor da moeda pode ter um efeito contrário ao que o BNA
pretende: a economia pode ficar descontrolada, tendo em conta o descontrolo cambial
existente e o consequente aumento drástico da taxa de inflação, que já se observa ao
nível dos bens essenciais.

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