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SOrocLes A FUNDAGAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA Reitor Joo Cléudio Todorov a ANTIGONA Erico Paulo Siegmar Weidle EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA. Diretor Alexandre Lima CONSELHO EDITORIAL, Presidente Emanuel Araijo Introdugéo, versio do grego e notas Alexandre Lima ‘Maria Helena da Rocha Pereira Alvaro Tamayo Aryon Dall Igna Rodrigues : Dourimar Nunes de Moura | Emanuel Aradjo Euridice Carvalho de Sardinha Pesto Liicio Benedito Reno Salomon Marcel Auguste Dardenne EDITORA Sylvia Ficher Sei Vilma de Mendonga Figueiredo Volnei Gavrafa UnB COPY BEM Goptadora xt de Agosto g Zz, 102 PERSONAGENS DO DRAMA Antigona Isménia Coro dos Ancitios de Tebas Creonte Guarda Hemon Tirésias . Mensageiro Euridice ‘Segundo Mensagéiro (Mensageiro de dentro de casa) A cena representa a frontaria do palécio real de Tebas, Antigona e Isniénia saem do paldcio. E noite ainda, awticona Isménia, minka irmé, minha querida irma, por ventura conheces na linhagem de Edipo algum mal que Zeus ainda nao fizesse cair sobre nds duas, sobre as nossas vidas?" Nao ha dor, nao ha desgraca,?nio ha ver- gonha, no ha desonra que eu nio tenha visto no nimero das minhas © {uas penas. E agora, que nova é essa que toda a cidade afirma, desse Gdito que o general acaba de promulgar? Tu sabes? Tu ja ouvistes? Ou acaso ignoras que a maldade dos nossos inimigos avanga sobre aqueles ‘que nos sto caros? Tov. Sobre os quc nos sio.caros, Antigona, nem uma palavra me chegou, nem doce nem dolorosa, desde que fomos privadas dos nossos dois ir- dos, que, num s6 dia, pereceram as mos um do outro. Depois que, esta noite, o exército dos Argivos se pds em marcha, nada mais soube, nem de bom, nem de mau. 20 25 30 35 axticoa Mas sei-o cu, e por isso te mandei vir para fora do pakicio, a fim de que 56 tu 0 ouvisses. Ista Que €? Pareces perturbada por alguma noticia, AnriconA Pois nio distinguiu Creonte, na sepultura, um dos nossos irmiios, e desonrou outro? A Etéocles, segundo se diz, tratando-o de acordo com a justiga e a lei,’ ocultou-o sob a terra, de uma maneira honrosa aos colhos dos mortos do além. Quanto ao cadaver de Polinices, perecido miseravelmente, diz-me que foi proclamado aos cidadios que ninguém © recolhesse num sepulcro, nem o lamentasse, mas sim que o deixasse sem gemidos, por enterrar, tesouro bem-vindo para as aves de rapina, quando lé do alto espreitam, em busca da alegria de um repasto. Assim se conta que o bom de Creonte mandou anunciar ati ea mim— sim, a mim, digo eu —e que ha de vir aqui proclamar estas decis6es claramen- te.a05 que as no conhecerem, e a pritica desse ato nio tera por coisa de Pouca monta, mas quem quer queo cometa incorre em crime de lapidagio pablica nesta cidade. ‘ais so 0s fatos, c em breve mostraras se tens cariter ou se da tua nobreza fizeste vileza, Ismeia luc adianto eu, nestas circunsténcias, minha pobre ima, em atar ou desatar este nd? Anticona Vé se queres cooperare atuar comigo. Isseenta Em que espécie de risco? Que estas a premeditar? Anticona. erguendo a mao Se junto com esta mio vais levantar o cadaver. : 3.0: Isat ‘Acaso pensas em dar-lhe sepultura, quando isso est interdito cidade? Awticowa Sim,a esse irmao que é meu ¢ teu, ainda que 0 no queiras. Nao me acusardo de o ter atraigoado.* Isabaa O desvairada, que te proibe Creonte! Aricona A ele io the & dado separar-me dos meus sues ‘Ai de mim! Pensa, 6 minha irma, no nosso pai, como ele pereceu odioso e sem gloria, ferindo 0s olhios por suas prdprias maos, assim que descobriu os seus erimes.* Depoi8, a mie e esposa dele — que de ambas tinha o nome — destréi a sua vida no lago de uma corda.* Em terceiro lugar, os nossos dois irmaos, num sé dia, morreram as maos um do u- tro, cumprindo, desgragados, um destino fata.” E agora, que sé resta- mos nds as duas, vé lide que maneira ainda pior acabaremos, se, contra alei, vamos transpredir o édito dos soberanos ou seu poder. Pelo con- tririo, € preciso lembrarmo-nos de que nascemos para ser mulheres, ¢ ‘io para combater com os homens; e, em seguida, que somos governa- das pelos mais poderosos, de modo que nos submetemos a isso, e a coisas ainda mais dolorosas. Por isso eu rogo aos que estio debaixo da terra que tenham merc, visto que sou constrangida, e obedego aos que caminham na senda do poder. Atuar em vao € coisa que nio faz sentido. anricona Nio serei eu quem fe ordene, nem, ainda que 0 quisesses fazer, colaborarias comigo de bom grado meu. Procede como entendeves, A ele, eu the darei sepultura. Para mim, ¢ belo morrer por executar esse alo, Jazerei ao Indo dele, sendo-the cara, como ele a mim, depois de ptevaricar, cumprindo um deversagrado — ja que é mais longo o tempo ‘em que devo agradar aos que estio no além do que aos que estio aqui. 1 que ficarei para sempre; € tu, se assim te parece, desonra aquilo que para os deuses & honroso. 45 50 55 65 70 15 Isuta Eu nio fago nada que no seja honroso, mas sou incapaz de atuar contra o poder da cidade. Anticon 80 Podes apresentar essas desculpas, que eu por mim vou erguer um {Gimulo ao meu irmfo tio querido. Issa Ai, desgragada, como eu receio por ti! Anticona Nao temas por mim. Assegura a tua vida, Isat 85 Mas 20 menos nfo reveles a ninguém esta ago; guarda-a em segre- do, que outro tanto farei eu. Axticona mais odiosa, se te calares, do que ! Denuncia-a! Ser-me-és mt se a proclamares diante de todos. svat Conservas um finimo esquentado perante a fra realidade. “ANTIGONA Mas sei que agrado Aqueles a quem mais devo dar prazer, sues 90 ‘Se ao menos tiveres esse poder; mas desejas o impossivel Anticona bem: quando nao tiver forga, cessarci. Isnt Convém principiar por nao andar atrés do impossivel i Awrlcona : Se assim falares, seras odiada por mim, ¢ com razio serds 1 de odiares 0 que morreu. Mas deixa-me, a mim ¢ a minha foucura, a sofrer este mal terrivel. Bu, por mim, nfo creio que haja outro tio gran- de como morrer sem honra " omit Vai, se assim te parece. Mas fica sabendo que, embora sejas uma insensata em ir, com razao serds amada pelos que te so caros." Antigona sai pela esquerda; Isménia entra no palécio. Eniretanto, amanhece. O Coro, formado por quinze ancidos de Tebas, aparece na orguestra. coro 6 raios do Sol, 6 luz. mais bela ‘em Tebas das sete portas? aresplandecer, brithaste enfim, 6 farol dourado do dia, avangando pela corrente Direéia,® sobre 0 Argivo,! de escudo branco, com freio mordente," precipitando-se para a fuga em carreira veloz. Pestr, Ele, a quem Polinices, por amargas questées, anap. sobre a nossa terra fez cair,”” soltando um grito éstridente —tal éguia que se abate no solo coberta com as asas brancas de neve —, carregado de armas ¢ de elmos, que crinas de cavalos enfeita Pousando sobre o nosso paticio, Wanap, abriu as goelas hiantes 95 t00 105 H10 15 120 125 130 135 140 145 © paras sete bocas. Partiu, sem que enchesse, ‘com as langas sedentas de morte, de sangue nosso as faces, ‘nem que as chamas de Hefestos"* arrasassem nossa coroa de torres, Talo fragor de Ares" nna luta do dragao. Pois Zeus, o que abominava a vaidade de uma lingua soberba, 10 vé-los atacar em torrente ‘com sobranceiro orgulho no estridor do ouro, brandindo 0 raio atira-o iquele'* que ja ia, ldo alto da meta, proclamar a vitéria Com a tocha na mio precipita-se sobre a terra que ressoa, com baquica firia” respira vendavais de ddio. Porém, outra foi a sorte. ‘Aos mais distribuiu seu destino" o forte e fogoso Ares. Contra as sete portas os sete sitiantes” deixaram a Zeus, senhor dos troféus, seus brOnzeos tributos; sb aqueles dois malditos, de um s6 pai nascidos ede uma 56 mae, enristando as langas poderosas, partilharam uma sorte fatal” Mas desde que chegou sorridente anap. 2estr. anap. 2 ant. para a belicosa Tebas VitGria gloriosa, as guerras de hd pouco esquegamos; em dangas noturnas, vamos dos deuses a tados os templos, ¢ Baco™ tremente domine em Tebas. Mas ai vem o rei desta terra, anap, Creonte,” filho de Meneceu, dos deuses, por nova decisio, © soberano de agora. Algum plano ele divisa, pois dos ancifios convocou a assembléia, pela voz do arauto a todos chamando. Entra Creonte, em traje real, acompanhado de guardas Cxsonre Varies, de novo os deuses restabeleceram a seguranga da nossa ci- dade, depois de aterem abalado com vagas alterosas.” Mandei-vos con- vocar para aqui, longe de todos, pelos meus emissirios, ciente de que sempre honrastes 0 poderio do trono de Laio, e depois, quando Eidipo dirigia.a cidade, e em seguida pereceu, permanecestes leais 20s filhos de cada um deles, com um Simo constante. Mas ja que esses, por um du- plo fado, acabarain num s6 dia, batendo-se ¢ ferindo-se, poluindo as suas mios no proprio sangue, sou eu agorao detentor de todos os pode~ res do trono, devido a proximidade de parentesco com aqueles que se finaram, impossivel conhecer 0 espitito, pensamento ¢ determinago™ de qualquer homem, antes de ele se ter exercitado no poder e nas leis.” Eu, por mim, entendo que todo aquele que, sendo supremo senhor de um Estado, nao se mantiver firme nas melhores decisées, mas por medo entravar a sua lingua, 6e foi sempre um grande celerado. E quem quer 150 155 165 170 15 180 185, 190 195 200 205 210 215 que tenha mais amor a outrem do que sua propria pattia, no tenho a menor considerago. Pela minha parte—saiba-o Zeus, -cm- pre vigia tudo —ntio me calaria se visse a rufna, em vez da salvacao, a avangar sobre os cidadaos, nem teria por amigo proprio um vardo que quisesse mal a nossa terra, Sei bem que & ela que nos mantém salvos ¢ que, se navegarmos nela com dircito rumo, podemos contrair amizades, Tais sfo as leis com que eu criarei a prosperidade deste Estado, E agora acabo de proclamar aos cidadaos um édito gémeo destes, principios, que diz respeito aos filhos de Edipo: a Etéocles, que pereceu a combater por esta cidade, praticando toda espécie de atos valorosos com a sua langa, dar-se-A sepultura num ttimulo ¢ executar-se-fo todos aqueles ritas sageados que chegam ao além, até os mortos mais nobres; porém, quanto ao que era do mesmo sangue que ele — refiro-me a Polinices — ao que, de regresso do exilio, quis destruir pelo fogo, de ponta a ponta, a terra de seus pais e os deuses da sua linhagem, quis r-se do sangue dos seus e levé-los cativos, — quanto a esse, procla: mou-se nesta cidade que nem seria sepultado, nem pessoa alguma o la- ‘mentaria, mas se deixaria insepulto, ¢ que 0 seu corpo, dado a comer aos cles es aves de rapina, se havia de tornar um espeticulo vergonhoso. Tal €0 meu pensamento, ¢, por mim, jamais os maus ho de ultra- passar os bons em honrarias. Porém, quem for propicio a esta cidade, morto ou vivo, recebera da minha parte honras iguais. Coro A tiapraz-te, Creonte, filo de Meneceu, proceder desse modo para com quem é desfavoravel ¢ para com quem é propicio a esta cidade, Em. tuas mfos esti a faculdade de usar das leis, quaisquer que sejam, quer para os mortos, quer para os vivos. CrponTe Sede vés os guardides destas ordens, coro Encarrega disso alguém mais jovem do que nds, creoste ias do cadaver jé esto prontos. Os vi ono ‘Que mais querias entio recomendar-nos? Creonre ‘Que nfo vos junteis aos que desobedecem iis minhas ordens, coro [Nao ha ninguém tio louco que deseje a morte. 220 CrrowTe, Pois Sera esse o Salério; mas muitas vezes a esperanga do ganho aniquila os homens. Entra o Guarda, GuanDs ‘Meu senhor, nfo direi que foi por causa da velocidade que cheguei aqui sem félego, depois que pus em movimento os meus pésligeiros.Na 225, vverdade, muitas foram as paradas que fiz para pensar, as vollas no cami ‘ho, quase a tomar atras. O meu espirito dizia-me muitas coisas falan- do-me assim: —Desgragado, para que vais com tanta pressa onde & tua chegada seris castigado? Miseravel, entio tu paras outra vez? E se Creonte souber por outro, como deixards de softer? —Comestas hesi- 230 {agies, fizcaminho sem grande pressa,%*e assim uma pequena distincia se volveu em grande. Por dltimo, cnfim, prevaleceu vir encontrar cot go. E, seo que eu te contar nfo valer nada,” mesmo assim vou dizer-te. 235 Porque eu venho agarrado a esta esperanga, de que nada mais softerei senio 0 que me estiver destinado. creowre Que motivo tens para essa inquietagaio? GuanDA Primeio quero falar-te do que me diz respeito: nfo fui eu quem 240 245 250 255 260 265 praticou essa ago, nem sei quem foi. E nfo ha razo para eu cair em desgraga, cReonte Nao ha divida que atiras bem e fazes boa defesa em volta do.caso.™ Mas é manifesto que tens algo de novo para contar. Guana O perigo é a causa'de tanta hesitagao. Capone, ‘Acabaris finalmente por dizer, ¢ pot ires embora, depois? Guana Enfim, vou dizer-te. Hi pouco ainda, alguém dew sepultura ao ca- diver ese retirou, espalhou sobre 0.corpoo pd seco ¢ fez-lhe as oferendas que sio devidas. Cason Que dizes? Quem dentre os homens ousou cometer tal feito? Guanon Nio sei. Nao havia lé sinais de machado nem terra que a enxada amontoasse. 0 solo, duro e seco, nao estava sulcado pelo peso de rodas; quem quer que tivesse sido o autor da obra, nao deixara vestigios. Quan- do a primeira sentinela no-lo mostra, ja li estava aquele prodigio emba- ragoso para todos nds. O cadaver estava invisivel, nao enterrado com tudo, mas tinha por cima uma camada fina de p6, como de alguém que a pusesse para fugir a uma maldigao.*” Nao havia vestigio da passagem de qualquer animal selvagem ou de cies, nem tinha aspecto de ter sido dilacerado. Entrechocavam-se palavras desagradaveis entre nés; cada guarda acusava o outro. E teria havido pancada, se nfo aparecesse quem ‘o impedisse. Cada um de nés podia ser o autor, mas nenhum o era mani- festamente, antes se esquivava a reconhecé-10. Estavamos prontos a le- vantar ferros em brasa com as mos, €a atravessar as chamas,” a jurar pelos deuses que nem tinhamos praticado aquela ago, nem féramos cimplices de quem a deliberara e a executara. Por firm, como no havia vantagem alguma em indagar, fala um qualquer, que a todos forga a baixara cabera, de medo, pois nao sabfamos que haviamos de Ihe repli- car, nem que fazer para sermos bem sucedidos. O que ele disse foi que cera preciso revelar-teo fato, nflo manté-lo oculto. Prevaleceu esta opi- nii6, eeu sou desventurado que a sorte escolheu para receber tal benef cio, Aqui estou eu contra vontade, perante quem a ndo tem boa para mim, bem o sei, pois ninguém gosta de quem anuncia mas noticias, ono Senhor, ha muito que meu espirito pondera, se acaso este feito no serd obra dos deuses. CreoNTe Cessa, antes que as tuas palavras me cncham de eélera, para que io sejas 20 mesmo tempo insensato e velho. Pois nfo se pode suportar que tu digas que as divindades possam ter cuidados com esse cadaver. ‘Acaso o cobriram por haverem especialmente como seu benfeitor aque- Te que vinha para langar fogo aos templos rodeados de colunas, is oferendas votivas ¢ ao territrio que era deles, e para derrubar as leis? ‘Ou ja viste os deuses prestando honrarias a0s maus? Nao! Mas é que ja antes havia homens deste pais que tolerando mal as minhas ordens, se agitavam contra mim, meneando a éabega, ¢ no conservavam a cerviz, sob 0 jugo, como deviam, respeitando-me, Sei bem que estes foram su- bornados pelos salirios daqueles, para praticar este ato. Entre os mor- tais nfo germinou ainda inslituigao tio perversa como o dinheiro. E ele quem destrdi cidades, ele que arranca os homens do seu lar; ele que ensina e alicia um carater honesto a cometer agbes vergonhosas. Mos- trou aos humanos como praticar vilezas e deu-lhes conhecimento de toda espécie de impiedade. Porém, todos os que se vendem acabam por conseguir esta vantagem — cedo ou tarde terdio de pagar a sua pena Mas j4 que Zeus ¢ ainda'senhor da minha veneragio, fica sabendo ‘bem, é sob juramento que te afirmo: se nfo encontrardes o proprio ho- ‘mem cuja a mao fez. essa sepultura, e ndo me apresentardes diante dos ‘meus olhos, o Hades" nio sera suficiente para v6s, antes que, suspensos com vida aclareis este ultraje, para/que de futuro fiqueis sabendo extrair fo ganho de onde ele deve obter-se, e aprendais que nio se deve tirar lucro de toda e qualquer origem. Por causa de aquisigses vergonhosas é 270 275 280 285 290 295 300 305 310 315 320 35 que se véem muitos mais na desgraga do que na prosperidade, Guana Concedes-me que diga alguma coisa, ou devo ir embora sem mais? ‘CrronTE Nilo sabes como ainda agora as tuas palavras me incomodam? : Ganon Sao 0s teus ouvidos oua tua alma que elas afetam? neon, Para que queres definir bem de onde vem 0 meu aborrecimento? GuaRDs O feito aflige-te 0 espirito, os ouvidos sou eu que os perturbo. i ‘Creonte ‘Oh! Que tremendo” falador tu me saiste! | GuaRDA Seja como for, 0 certo & que nao sou eu o autor desse feito. - cReONTE E o que é mais, arriscando a tua vida por dinheiro, | Guana Ail Tremendo & que quando alguém acalenta suspeitas, elas sejam falsast creonre, Anda, enfeita as tuas sentengas. Mas, se nfo me mostrardes os que praticaram aquela a¢do, concluireis que os sérdide- s6 causam desgracas. Creonte entra no palécio. GUARDA Bem, antes de mais nada, que ele aparega! Quer ele seja apanhado unto e iss0éa sorte que hi de decidi-lo—ndo terds manecira deme vveres aqui outra vez. Pois ainda agora é bem contraa minha expectativa © as minhas suposigSes que saio daqui a salvo, pelo que dou aos deuses muitas gragas 0 Guarda sai pela esquerda. coro ‘Muitos prodigios hi; porém nenbu 1 maior do que 0 homem.”” Esse, como sopro invernoso no Noto,”* passando entre as vagas fundas como abismos, o cinzento mar ultrapassou. Ea terra mortal, dos deuses a mais sublime, trabalha-se sem fim, volvendo o arado, ano apés ano, com a raga dos cavalos laborando. Teste, E das aves as tribos descuidadas, Mant. a raga das feras, + emecdncavas redes « fauna marinha, apanha-as e prende- ‘oengenho do homem. Dos animais do monte, que no mato habitam, com arte se apodera; domina 0 cavalo de lonprs erinas, 0 jugo The poe, vere: suro indomvel das alturas. At lado pensamento, 2restr. arn e regulam as cidades 330 335 340 345 350 355 360 365 370 375 380 385 sozinho aprendeu; da geada do céu, da chuva inclemente ‘sem refiigio, 0s dardos evita, de tudo capaz. ‘Ao Hades somente fugir nao implora.* De doengas invenciveis os melos de escapar ja com outros meditou, Da sua arte o engenho sutil 2" ant, para além do que se espera, ora o leva ‘a0 bem, ora ao mal; se da terra preza as leis ¢ dos deuses na justiga faz. £8, grande & a cidade; mas logo a perde ‘quem por audacia incorre no erro, Longe do meu lar ‘0 que assim for! E longe esteja dos meus pensamentos ohomem que tal crime perpetrat! Entra 0 Guarda, acompanhado por Antigona. Hesito 20 olhar 0 portento divino, mas, se eu sei, como negar que esta jovem & Antigona? Do desgragado Edipo, 6 filha, {que aconteceu? Ah! Nao te trouxeram porque as régias leis infringisses € por louca te prendessem? a Guanos Aqui esté a autora do feito, Apanhamo-la no ato de dar sepultura, Mas onde se encontra Creonte? Creonte sai do palacio com os seus guardas. cono Ei-lo que volta a sair de casa. Chega na devida hora. creonre ‘Que hi? Porque motivo é oportuna a minha vinda? Guanoa Senhor, aos mortais no é licito garantir que seja impossivel coisa alguma. E que a reflexio toma falso o prévio julgamento. Pois eu devia |jurar que levaria tempo para que voltasse aqui, devido as tuas ameagas, 390 que ento me atormentavam. Mas surgiu-me esta alegria acima ¢ para além de toda a esperanga, de umn tamanho que nao se pode medi com {qualquer outro prazer. B venho, apesar de ter feito juramentos solenes, ‘em conttirio, trazer-te esta donzela, que foi detida quando arrumava a 395 sepultura. Aqui ja nao houve baralhar de sortes, porque esta foi uma descoberta minha, e de mais ninguém. E agora, 6 principe, toma conta dela tu mesmo, julga-a ¢ interroga-a a tua vontade, que eu tenho jus a ficar livre e forro destes maleficios. 400 cusoxte Onde a aprisionastes, para a trazeres desta maneira? i GuaRDA ra la que estava sepultando 0 vardo. Ficaste agora a saber de tudo, crsonte ‘Acaso estis a compreender e a exprimir corretamente 0 que queres dizer? Guana \Vi-a, sim, sepultando o cadaver que tu proibiste. E agora, falei claro 405 ecompreensivel? Creonte, E como é que foi vista e apanhada nesse ato? 410 41s 420 425 430 435 440 445 Guana caso foi assim: quando chegamos, sob aquelas tuas ameagas ter- riveis, retiramos todo 0 p6 que cobria o cadaver, desnudando bem o ‘corpo em decomposigao. Sentamo-nos no alto da colina, contra o vento, para evitarmos que o seu odor nos atingisse,” cada homem estava aler- ta, esporeando os outros com os perigos clamorosos, se algum descurasse aquela tarefa. Assim estivemos algum tempo, até que o disco fulgente do Sol atingiu o seu lugar no meio do céu, co calorescaldava. Entdo, de sibito, um torvelinho levantou do solo uma tempestade de poeira, tor- mento da atmosfera, que atulhou a planura, maltratando toda a folha- ‘gem das érvores da floresta, e enchendo.o ar imenso. De olhos fechados, enfrentamos aquele flagelo dos deuses. E quando, a0 fim de muito tem- po, ele acabou, vé-se a donzela, que solta um gemido amargurado, um som agudo de ave que olhasse para oninho vazio, érfto dos seus filhos. Assim ela, ao avistar 0 cadaver desnudado, rompeu em gemidos, lan- ‘ando imprecagées terriveis sobre quem executara aquele feito. Imedi tamente leva nas mios o pé sedento, e, erguendo.o vaso de bronze lavra- do, presta honras ao cadaver com uma triplice libago* Ao ver isto, ‘amo-nos ¢ logo capturamos, sem que ela se assuste. Acusamo-la das ages passadas ¢ presentes; nfo negot coisa alguma, com prazer ¢ pena minha, ao mesmo tempo. Porque isto de uma pessoa escapar de uma calamidade é 0 melhor que hi mas é penoso levar &rufna aqueles que se estimam. Porém, tudo isto vale menos para mim do quea minha propria salvago, carne voltando-se para Antigona, que esté de cabeca baixa, E tu, tu que voltas o rosto para o chio, afirmas ou negas 0 teu ato? Axricona Afirmo que pratiquei, e nio nego que o fizesse. caronte voltando-se para o Guarda. ‘Tu ja estis livee'de uma pesada acusagio; podes ir para onde quise- res. (O Guarda retira-se. Creonte volta-se para Antigona). E agora tu diz-me, sem demora, em poucas palavras: sabias que fora proclamado. bia tal ago? uum édito que pr ‘Aneticona Sabia, Como nio havia de sabé-lo? Era piblico. Cneoxte sobre estas leis? Eousaste, entdo, tripudi Antigone E que essas nao foi Zeus que as pfomulgou, nem a Justiga, que ‘coabitd com os deuses infernais, estabeleceu tais leis paraos homens. E ‘eu entendi que os teus éditos néo tinhiam tal polfer, que um mortal pu- desse sobrelevar os preceitos, nZo esctitos, mas imutaveis dos deuses. Porque esses nao sao de agora, nem de ontem, mas vigoram sempre, € fninguém sabe quando surgiram. Por causa das tuas leis, nfo queria eu ser castigada perante os deuses, por ter temido a deciso de um homem Eu ja sabia que havia de morrer um dia — como havia de ignoré-to? — , ‘mesmo que nao tivesses proclamado esse édito. E, se morrer antes do tem- 1p, dire que isso é uma vantagem. Quem vive no meio detantas calamida- des, como eu, como no ha de considerar a morte um beneficio? E as- dor que nada vale tocar-me este destino, Se eu sofresse que 0 ccadiver do filho morto da minha mie ficasse insepulto, doer-m: Isto, porém, nfo me causa dor. E se agora te parecer que cometi um ato de loucura talver louco seja aquele que como tal me condena cono Indémita se revela a vontade da filha, de indmito pai nascida.” ‘Nio aprendeu a curvar-se perante a desgraga ‘CeO Mas fica sabendo que 0s espiritos demasiado obstinados slo os que lepressa sucumbem, ¢0 niais s6lido ferro, levado ao rubro ¢ endu- recido pelo fogo, & freqiiente reduzir-se a pedagos. Sei bem que com um pequeno fieio se subjugam os cavalos fogosos. E nfo costuma ter pen- samentos altivos quem é eseravo daqueles que Ihe estio proximos. Esta soube bem ser insolente, quando tripudiou sobre as leis estabelecidas. E depois de feito isso, comete nova insoléncia, vangloriando-se da sua 450 455 460 465 410 475 480 48> 490 495 500 505 510 ago e rindo de a ter praticado, Porém, € ela que serd um hi cu, se the deixo esta vitéria impunemente. Pode ela ser nossa sobrinha ou mais préxima de nds pelo sangue do que qualquer outro dos que vivem no meu lar.*' Ela, ¢ a que é da mesma origem,* no escapardo a pior das sortes. Porque também a essa eu acuso de ter premeditado igual mehte o enterro. (Para um dos seus guardas) Chamai-a, porque eu vi hha,pouco li dentro em delitio, sem dominararazZo. Equea alma daque- les que tramaram o mal na sombra acusa-os do crime antecipadamente, ‘Mas o que mais abomino € que quem foi apanhado em flagrante delito, ainda por cima se vangloric disso. Anricona ntentas algo mais do que prender-me para me matar? creonre, Eu nie. Com isso me dou por satisfeito. Anticona, Entio porque hesitas? Assim como das tuas palavras no me vem nenhum deleite, nem podera jamais vir, assim também o meu parecer te é desagradavel por natureza. E, contudo, onde podia eu granjear fama mais ilustre do que dando sepultura a0 meu préprio irmio? Todos os que aqui esto diriam também como aprovam este ato, se o medo nao thes travasse a lingua. Mas é que a realeza, entre muitos outros privilégios, goza o de fazer ¢ dizer o que Ihe apraz. Creonre, Dos filhos de Cadmo," és a dnica a encarar os fatos dessa maneira, Anaicona Estes também,“ mas refreiam a boca na tua presenga ‘crEoNTE, E tu nfo tens vergonha de pensares de mancira diversa? Anticoxa ‘io é oprsbro prestar honras aos que nasceram das mesma ex a creoxre Com queentionoeradomesmosangucoquemomeano campoadverso? Anticon Do mesmo sangue, ¢fiho da mesma mie e do mesmo pai CrEontE restar-Ihe um tributo impivaosolhios dos outros? ‘Nesseeaso, como pods pt Anticon as Nio serd esse o testemunho do falecido. cro cud Mas sim, j& que © honras do mesmo modo que ao impio. Awricona Nao foi um escravo que morreu; foi um irmio. creosre Que ia assaltaresta terra; 0 outro tomou armas por ela. Awricona Hades deseja, contudo, que o ritual sejao mesmo. CaednTe sto nfo compete o mesmo que ao malvado, 520 Mas av! Anticona Quen ebaixo da terra isso nao é exato. creowre, se tornard amigo, nem mesmo depois de morto. axticona Nionas iar, mas sim para amar. crronte para baixo, ama-os, se amar se devem mas, en- 525 Agora Quanto eu viver, no seré uma mulher quem dé ordens. Isménia aparece & porta do palécio, acompanhada por dois escravos. ono Bis Isménia diante do palicio, anap, irmé querida, em lgrimas banhada; sobre a fronte uma nuvem the escurece 530 © rosto em fogo e molha a linda face. creowre tu, que andavas a envenenar-me éem eu o saber, tal como uma vibora que se insinuasse na minha casa, sem que eu me apercebesse de 535, que estava a alimentar duas maldigdes para subverterem 0 meu trono, anda, diz-me l& se também afirmas a parte que tomaste nesta sepultura 0 se juras nd ter tido conhecimento? suena Eu pratiquei esse ato, tal como ela"; colaborei e participo e agiiento a acusagao, Axticona Porém, nao te permitiré a justiga, pois nem quiseste, nem eu te dei parte nele. sina 540 Mas cu no me envergonho de navegar contigo neste mar de calamidades Axticona De quem é essa obra, sio testemunhas o Hades ¢ 05 que esto de- bbaixo da terra. E eu nfio prezo quem me ama sé em palavras, Isms 545 Niome impegas, inna, de morrer contigo e de purificaro que mevren, Anticon 'Nio queiras partithar a minha morte nem fagas teu aquiloem que nao tocaste, Para morrer, basto eu. Isbin E que me importa a vida, se tu me deixares? Ancona Pergunta-o a Creonte, ja que com ele te preocupas. Ismea Porque me torturas assim? De que te serve isso? 350 Aniconat Se escamego de ti, é com dor que o fago. IsMena E agora, ao menos, em que posso ajudar-te? Axticona. Salva-te a ti mesma; nao te invejo a fuga. Issn . Desgragada de mim, entdo ser-me-a negado 0 teu destino? mA Averigor _ Tuescolheste viver, e eu, morrer. IsméNa Mas no sem que eu te dissesse o que pensava. Anricona . Para esses és tu que pensas bem; para aqueles, julgo ser eu. IsMenta Ente 0 nosso erro € equivalente, 560 565 570 ‘Awrigona ao passo que aminha acabou li. ito, Esté tranduila: tutens para servir os que morreram, Crsote Estas criangis, uma j hi pouco me pareceu insensata, a outrafoi-o desde que nasceu. Ista Perante as calamidades, 6 rei, o senso que era inato no permanece, mas afasta-se. cuore «-Deti pelo menos, quando optaste por pratcar o mal com os possessos. Issn Como posso eu viver sozinha, sem cla? cxsonte Nio fales dela, porque ela ja ndo existe. Tsuen Entdo tu vais matar a noiva do teu préprio filho? Caroxre, Hi outros campos para lavrar, de outras mulheres. Iva Mas niio com a harmonia em que ele e ela se encontravam. Cagowre Aborreco as mulheres perversas para os meus filhos. Awticona Hémon carissimo, como o teu pai te inju Casonte Por demais me aborreces, tu ¢ as tuas niipeias. coro Mas entdo tu vais privar dela o teu préprio filo? . creonte Eo Hades quem interrompe estes esponsais. 515 Cono ti decidido ao que parece, que ela morra. ‘Caeonte Por ti e por mim, Nao haja demora. (Para os dois escravos). Le- ‘vem-nas para dentro, escravos. A partir deste momento, tém de ser mu- $80 Iheres, em vezde andarem livremente". Até.os valentes procuram fugir, quando avistam o Hades a rondar a sua vida. Antigona e Isménia entram no palécio, escoltadas pelos dois escravos. ono Feliz quem passa a vida sem provar a desgraga“ Aqueles a quem os deuses as casas abalaram, no ha mal que lhes falte; 585 desliza sobre a raga. Como quando acontece que o abismo sombrio, pelo sopro adverso da Trécia impelido, passa sobre as vagas, do pélago marinho, do fundo rola areia 590 negra, ¢ gemem as margens, pelo vento ululante fustigadas de frente. Festr. 595 600 605 610 61s 620 Da casa dos Labdacias”” as velhas maldigbes eu vejo acumular-se, lumas sobre as outras. Nem uma geragio a outa livra, antes algum deus a derruba, sem remissio, Agora, uma luz que brithava nas raizes extremas do palacio de Edipo®, dos deuses infernais o.cutelo sangrento, a deméncia do verbo, 2 loucura da Erinia de novo a extingue", O teu poder, 6 Zeus, nfo hé arrojo humano ‘que possa transpredi-lo. Nao 0 subleva o sono, que todos persegue", nem dos deuses os meses indefesos. 15s senhor do britho fulgente do Olimpo, ‘Sem que os anos te impegam E doravante e de futuro, como outrora, esta lei prevalece: na vida dos mortais nfo entra a grandeza, sem trazer a desgraga. Para muitos € vantagem a esperanga errante, para outros desengano de loucos desejos. O homem nada sabe sem queimar os seus pés no fogo ardente. Bra sibio quem descobriu 6 famoso provérbio: parecer bem o que é mal, és6 a quem deus leva a rufna Pouco seré 0 tempo que ele passari isento da desgraga Destr, 2 ant. ‘Mas eis que chega Hémon, dos teus Filhos anap. ‘otiltimo rebento, aflito com a sorte de Antigona, ‘ prometida esposa, 0 logro temendo dos esponsais Entra Hémon. Crroxte Em breve o saberemos, ¢ por forma mais segura do que pela adivi- hago. (Para Hémon) Filho, acaso estas aqui para atacar o teu pai, sem prestares ouvidos ao decreto fixado acerca da tua noiva? Ou estimas- nos sempre, em todos os nossos atos? HeMon Pertengo-te, meu pai, Etu, que tens nobres pensamentos, regulas os ‘meus para cu os seguir. Na verdade, nao ha casamento algum que me parega superior a ser por ti orientado. Creowre Assim, meu filho, &0 que tu deves fazer —colocar a opiniao pater- na acima de tudo. Por isso os homens fazem votos por gerar e ter em ‘uias casas filhios obedientes, que se defendam dos inimigos com o male que honrem os amigos do mesmio: todo que o pai. Porém quem cria filhos que o no o ajudam, que outra coisa poderi dizer-se dele, sentio que arranjou trabalhos para si e motivos de escémio para os seus inimi 08? Por isso, meu filho, nao sacudas 0 jugo da razo por causa do pra- zer com uma mulher, ciente de que se tomam fiigidos os amplexos, quando a companheira de leito que se tem em casa é perversa. E que ferida maior pode haver que ser perversa aquela a quem amamos? Des- preza-a, deixa-a irdesposar alguém no Hades, como inimiga, que é. Em. toda a cidade, foi a ela s6 que eu apanhei em ato de flagrant desobedi- éncia. Nao me farei passar por mentiroso perante 0 pafs. Antes vou 630 635 640 645 650 655 660 668 669 670-1 663 664.5 666 667 675 680 BS 690 695 700 rmaté-la. Sobre isto, ela bem pode invocar o deus da consangilinidade. Porque, na verdade, se eu educar os meus parentes por nascimento a serem desordeiros, mais ainda o sero os de fora. E que quem for firme com os da sua casa, parecerd justo também na cidade”. De um homem assim, confio que'seré um dia bom governante ¢ consentiré em obede- cer, e, colocado no meio de uma tempestade de langas, permaneceré un combatente justo e corajoso. Mas aquele que transgredir e violar as leis ‘ou pense mandar nos que detém o poder, esse nao alcangard clogios da sinha parte. Nao; aquele a quem a cidade elegeu, forga € que o escutem em questdes de pouca monta, nas justas como nas contririas. Nao hi calamidade maior do que a anarquia. E ela que perde os Estados, que deita por terra as casas, que rompe as filas das langas aliadas. E aqueles que seguem caminho direito, & a obedigncia que salva a vida a maior parte das vezes. Deste modo se devem conservar as determinagies, e de forma alghma deixa-las aniquilar por uma mulher. Mais vale, quando & preciso, ser derrubado por um homem, do que sermos apodados de mais, fiacos que mulheres. Coro ‘Anés se nos afigura, se é que a idade nao nos ilude, que te exprimes sensatamente sobre este assunto, . Meson Meu pai, de quantos bens os deuses outorgaram aos homens, o racio- cinio é 0 mais excelente. Nem eu poderia nem saberia afirmar que no tens razao de falar assim. Contudo, também pode ocorrer por outra via lum pensamento aproveitivel. Ora, é natural que eu vigie quanto dizem. ou fazem ou tém a censurar, porque o teu aspecto ¢ terrivel para o ho- mem do povo™, ante aquele género de palavras que te nfo apraz oui Mas a mim é-me dado escutar na sombra como a cidade lamenta essa moga, porque, depois de ter praticado agdes tio gloriosas, v tal maneira, cla, que, de todas as mulheres, era quem menos 0 merecia, Ela, que nio consentiu que o seu proprio irmao caido em combate ficas- se insepulto, e fosse destruido pelos cies vorazes ou por alguma ave de rapina, Nao é ela digna de receber honras tio gloriosas? Tais sio os murmiirjos obscurgs que em siléncio se difandem. Para mim, 6 meu pai, ‘no ha bem mais precioso do que a tua felicidade, Pois que gloria m pode haver para os filhos do que a prosperidade do pai, ou para o pai do que a dos filhos? Nao tenhas pois um s6 modo de ver: nem s6 0 que tu dizes esti certo, ¢ 0 resto nfo. Porque quem julga que & 0 nico que pensa bem, ou que tem uma lingua ou um espirito como mais ninguém, esse, quando posto a nu, vé-se que é oco. Mas ndo vergonha que um homem, ainda que seja sabio, aprenda muita coisa, ento distenda dema- siado a corda, Bem vés que, nas torrentes invernais, quando as arvores ccedem, os ramos se salvam: quem oferece resisténcia, perde-se com as préprias raizes. Do mesmo modo, quem distender a poderosa cordagem da nau € nao ceder em nada, ha de ficar voltado para baixo, ¢ navegar para sempre com os banicos dos remadores virados ao contrario", Mas domina a tua cdlera, modifica 0 teu animo. Se, portante, cu posso, ape- sarde mais novo, apresentar uma opinigo boa, direi certamiente que vale mais aquele homem que por natureza é mais dotado de saber em tudo; se, porém, assim nio for — pois é costume a balanga nfo se inclinar para este lado —é belo aprender com aqueles que falam acertadamente. coro Senhor, se ele dissertou com prosperidade, é natural que tu apren- das com ele, ¢ tu, Hémon, com teu pai, por tua vez; pois de ambas as partes se disseram palavras sensatas. Goes 5 Com que entio devo aprender a ter senso nesta idade, e com um homem de tio poucos anos? Htimon Nada aprenderias que no fosse justo. Gs anos, mas as ages que cumpre examina. , Se eu sou jovem, niio siio Caroxte As agdes» consistem entio em honrar 0s desorderos? Hemon Nem aos outros eu mandaria ter respeito pelos perversos. cxeonre Bento ela nio foi atacada por esse mal? 705 no ns 720 ns 730 25 740 741 748 749 756 755 Emon ‘Nio é isso que afirma o povo unido de Tebas. CxzonTe E a cidade é que vai prescrever-me 0 que devo ordenar? Hemon ‘Vés? Falas como se fosses uma crianga Cerone jortanto a outro, € nao a mim, que compete governar este pais? Hémon Nio ha Estado algum que seja pertenca de um sé homem. ‘Carowre caso ndo se deve entender que o Estado é de quem manda? Timon Mandarias muito bem sozinho numa terra que fosse deserta. Creonre Este é um aliado da muther, a0 que parece, ENON Se.acaso tu és mulher, pois contigo me preocupo. Crone Pelo menos a tua argumentagao era toda a favor dela‘, Héwon E de tiede mim, e dos deuses infenais. ; Cerone Tu, que és eseravo de uma mulher, nao estejas com branduras, HEoN Se nfo fosses meu pai, diria que no estavas sendo sensato. creoNtE, Ah! Grande malvado! Entrando em questo com teu pait . Htmox E que te vejo falhar no cumprimento da justica crzowre & ero entto ter respelto pelo meu soberano poder? Emon Nio tens respeito porele, quando calcas as honras devidas aos deuses, Creoxrs O carter vil! Vales menos que uma mulher. HeMon Bem sabes que nio me acharés fraco perante o mal. cxronre idade de a desposares ainda em vida. Acela, niio ha possilbi Henon more, mas ao morrer, causard a perda de alguém”, Cerone (Qué? A tua arrogincia chega ate as ameagas? Hixon Em que consistem as ameacas de falar contra sentengas ocas? Crrowre Com lagrimas ganhards senso, tu que és oco de razio, HEMon Queres falar, ¢, depois, nao ter que ouvir. Creonte ? Mois, velo Olimpo, fica sabendo que nio me ultrajarés com as 742 743 744 mus 146 17 750 751 752 753 754 157 758 FeeeevEerqggvegeqoreE: 759 twas censuras impunemente, (Para os guardas) Tragam essa abjcia cria- 760. tura, para que morra imediatamente diante dos olhos donoivo, e 20 lado dele. enon Nao de mim, com certeza, nio o julgues jamais, nem ela perecerd 765 _perto de mim, nem de modo algum avistarés 0 meu rosto, vendo-o com 65 teus olhios. De forma que seras louco, sim, mas na companhia dos amigos que o queiram. Sai Hémon. ono Senhor, o homem partiu na vertigem da edlera; naquela idade o Animo € violento, quando sente a dor. caronre, ‘Que va embora e que faga ou premedite maiores enormidades do que qualquer homer; mas as duas mulheres, nao as livraré do seu destino, . coro 770 Pensas ento em mandar matar a ambas? Creowre Naota que Ihe tocou. Dizes bem, realmente. ono E de que inancira deliberas maté-la? ‘Cre owre, Leva-la-ei para onde o caminho estiver deserto de pegadas huma- nas, e oculté-la-ei viva numa caverna escavada na rocha dando-Ihe de 775. alimento s6 o necessario para fugir ao sacrilégio, ¢ fim de que a cidade evite qualquer contaminagao". E ai, se cla pedir a0 Hades — jinico dos deuses que venera -, talvez Ihe scja concedido no morrer, ou ficaré finalmente a saber, embora tarde, que prestar culto a esse deus ¢ traba- tho escusado, ‘Sai Creonte. coro Eros invencivel no combate, Pestr Eros que as riquezas destrdis, aque estas de vigilia as faces tenras da donzela, vagueias sobre o mar e nos campos! Nio te evitou nenhuin dos deuses nem dos humanos de curta vid quem te possui enlouquece ‘Tu desvias dos justos 0 animo, Mant, ficlos injustos para o seu mal, tu, que excitaste esta contenda nos parentes; vence, porém, da formosa noiva a luz brilante do seu olhar®, das grandes leis par no poder; ri-se", invencivel Afiodite. Antigona sai do palicio, escoltada por guardas. Mas ao ver isto, annp. até cu sow levado para fers das leis, serseveceececeuceerecece: 780 785, 790 795 800 eevceaceeaee das lagrimas no posso a torrente deter, {quando vejo do télamo a todos comum 805 Antigona aproximar-se. Anticon Véde vés, cidadaos, do meu pa como eu percorro 0 tiltimo caminho, como do Sol contemplo 810 a luz derradeira, para nunca mais. O Hades, que todos recebe, as margens do Aqueronte® me leva com vida, sem que do himeneu ‘ouvisse 05 céinticos, nem me entoassem B15 © hino nupeial. Sé de Aqueronte serei esposa. Coro lustre € coberta de elogios, te afastas para o caminho dos mortos, sem que a doenga te ferisse, ‘consumindo-te, 820 rem que te coubesse das espadas o salério; ‘mas por ti, nica viva entre os mortos, 0 Hades desceris. ‘Anticona Hé muito eu ouvi quea filha de Tantalo,** 825 a frigia estrangeira, no monte Sipilo, teve morte horrivel, ‘quando a pedra, crescendo, a venceu, ‘como hera agarrada; © agora 830 nfo a deixa nunca a chuva ou a neve, ~ 6 fama entre os homens -, ‘consome-se; € 0s olhios, sem cessar, Pestr. anap. tant o peito the umedecem. Em sorte igual me envolve o destino. ‘como Mas essa era deusa, de deuses fila; ends, mortais, de mortais deseendemos, E belo sera que, depois de morta, tu sejas famosa, porque igualaste dos deuses a sorte, nna vida e na mort. artcowa Aide mim, comome escarnecem! Pelos deuses da nossa terra, porque no me insultas depois de eu parti, mas na minha presenga? ‘Ob! Minha cidade! ‘Oh! Da minha cidade varses poderosos! Ai fontes Dircéias® : ede Tebas dos belos carros recinto sagrado! | © vosso testemunho invoco ainda assim, ‘como sem lagrimas amigas sob que leis ‘vou para priso tumular de estranho sepulero. Aide mim, desgragada, ‘que nem com os homens nem com os cadaveres cu vou habitar" coro Do arrojo avangado até o extremo limite, contra o trono excelso da Justiga, emibateram, 6 filha, teus passos®. Dos antepassados alguma falta expias. Awricova Tocaste no maie 's!or0s0 ahap. 3* ant. FER ETC EEE TEESE CCA OL 835 840 845 850 855 860 865 870 875 880 de meu desgosto: pelo meu pai, por todo o destino dos ilustres Labdécidas 0 triplice lamento™. ‘Ai das maldigoes 4o leito matemo ¢ unigo de meu pai de infeliz mie com quem a si mesmo gerara! De que pais nasei cu, desgracadal Para junto deles eu vou, inupta, amaldigoads, eu que aqui estou, ser a sua companhteira Ait O meu irmao, ‘umas nipcias fatais foste celebrar"t E depois de morto amim me mataste, quando ainda vivi Cono A picdade & digna de respeito, mas 0 poder, para quem o detém, 1nio deve jamais ser transgredido. De tet dnimo a teimosia te perdeu. Anticon Sem ligrimas, sem amigos, sem himeneu, desgracada, pelo caminho que me espera sou levada, Da luz. disco sagrado ‘no posso mais, infeliz, contemplar. A minha sorte, sem pranto, amigo algum a lamenta, Creonte, com os seus guardas, sai do palicio, ‘CaronTe Sabeis, sem diivida, que, se houvesse utilidade em entoar cantos e gemidos antes de morrer, ninguém se calaria nunca? Porque tardam a leva-la? Encerrem-na num timulo abobadado, como eu disse, e depois deixem-na sé e isolada, quer ela deseje morrer ou viva emparedada em tal reduto, Nés estamos puros pelo que toca a esta donzela, pois nfo ficaré privada da habitagio dos de ¢é de cima, Avticona ‘O-meu timulo e meu talamo nupeial, 6 lar cavado na rocha que me {guardaris prisioneira para sempre! Para ai avanngo ao enconiro dos meus, dde que Perséfone™ recebeu o maior niimero entre os mortos; dentreeles, restava eu, em muito a mais perversa; a caminho ja vou, antes que se tivesse cumprido o destino da minha vida. Espero, porém, confiadamen- te, que, a0 chegar, serei bem-vinda para 0 meu pai, e querida para ti, minha mie, e eara a ti, meu irmao, pois quando mortestes, eu, pelas minhas proprias maos, vos lavei eadomei, e derramei sobre o témulo as libagGes. E agora, Polinices, por ter dado sepultura ao teu corpo, obte~ rho esta recompensa. [E contudo, eu soube bem honrar-te, aos olhos dos que pensam bem. Pois nem que eu fosse uma mae com filhos, nem que tivesse um marido que apodrecesse morto, cu teria empreendido estes tra~ balhios contra o poder da cidade. Mas em ateng#o a que principio & que eu digo isto? Se morresse met esposo, outro haveria, e teria um filho de outro homem, se houvesse perdido um. Mas estando pai mae ocultos no Hades, néo poder germinar outro irmao. Por eu ter preferido honrar-te, devido a este principio, € que eu apareci aos vlhos de Creonte como culpada e ousada, 6 meu caro irmao! E agora cle tem-me nas suas maos, ¢ leva-me, privada de tilamo, privada do himencu, sem me terem tocado em sorte os esponsais nem a criagio de filhos, mas vai esta infeliz, abandonada pelos amigos, ainda viva, para os sepulcros dos mortos}.”? Quai foi a fei divina que eu trans- gredi? Porque hei, ai de mim, olhar ainda para os deuses? Quem invocarei para me valer, ja que por usar de piedade fiquei possulda de impiedade? Mas se esta pena é bela aos olhios dos deuses, s6 depois de a termos sofrido poderemos reconhecer que erramos. Se, porém, sfo 885, 390 895 900 905 910 ous 920 95 eles que erram, que eles nao softam maiores males do que aq: que me forgaram, fora da lei. Coro Dos ventos as mesmas rajadas anap. 930 the dominain ainda a'alma, Casonre Haverd para os que a levam, to lentos, queixas que sobrem. AnticoNA Aji de mim! Que essas palavras 4 tocam na morte. ‘crsoxre: 935 Nio te exorto a que tenhas confianga queo teu destino se cumpra de outrafeig0, . Axetcona cidade paterna, do solo de Tebas, 6 deuses ancestrais, levam-me, jé nfo aguardo mais. 940 Véde, 6 principes de Tebas, eu, que da casa real sozinha restava, ‘0 que sofro da parte de tais homens, porque & piedade prestara culto, Os guardas levam Antigona™. ‘Cono Vambém de Danae” sofreu o corpo Pestr (a trocar a luz do céu por brdnzeo aposento; em tilamo sepulcral foi subjugada, Nobre era, porém, sua linhagem, ai filha, minha filha! Os rebentos de Zeus, da chuva de ouro filhos, dew a luz, Terrivel é essa forga do destino chamada”* ‘Aca nfo podem fugir nem a riqueza, nem Ares, nem torres cu os negros navios batidos pelo mar. E de Driante o filho impetuoso”, ‘© rei dos Edones, foi também subjugado por sua firia contundente e metido or Dioniso em pétrea prisio; assim passou a firia homrivel ea célera possante. Esse 86 conheceu o deus quando em delirio, com palavras cortantes, © atacou. Pois a frria das mulheres © 0 fogo sagrado buscara impedir, as Musas sonoras".* E junto das Rochas Negras”, nas Sguas dos dois mares, ficam as margens do Bésforo, * Salmidessos da Tricia®, onde Ares, seu vizinho", viva ferida maldita, por essa esposa selvagem de Finew cegar 0s fos ambos", fazendo nas érbitas dos olhos trevas que sé clamam por vinganga, ‘com as miios sangrentas ¢ a ponta da lancadeira os dilacerando, Penando choravam, tristes, ‘seu triste softimento, Tant, est. 2" ant 945 950 955 960 965 970 975 980 985 990 995 cesses filhos de uma mie de funestos esponsais. ‘Aos ancestrais Erectidas?” remontava a sua raga, ecm cavernas distantes, ‘em meio das patrias tempestades de Béreas™ se criara, veloz como um cavalo, nos altos montes, essa fitha dos deuses. Mas as velhas Parcas!* venceram-na, 6 filha. Entra o adivinko Tirésias, guiado por um rapaz. Tinésus Principes de Tebas, fizemos caminho juntos, sendo de nds dois um ‘86 o que vé, pois a maneira de andar dos cegos éter alguém que os guie. Caronre Que hi de novo, velho Tirésias? Timésas, Eu te ensinarei, e tu obedece ao profeta, Crronre Dos teus conselhos nio me afastei até agora. ‘Tinésias as por caminho dircito a nau do Estado" Por isso gi Crronre ‘Apreciei a tua ajuda ¢ disso posso dar testemunho. Tintstas Pensa que estas agora no gume da espada do destino. crsonte Que ha? Como eu tremo perante as tuas palavras! Tinestas Sabé-las, escutando as indicagdes da minha arte. Dirigindo-me eu para o lugar vetusto donde se observam os pissaros", onde eu tinha 0 porto de abrigo de todos os seres alados, augo'um som das aves desc nhecido, ougo-as a gritar com firia penosa e vozes barbaras. Percebi que se dilaceravam amas as outras com as garras, de uma maneira san- ‘grenta; 0 barulho das asas nio era, na verdade, desprovido de significa do, Imediatamente, cheio de temor, experimentei os sacrificios do fogo, em altares todos em chamas"; ¢ dentre as brasas ndo brilhou Hefestos”, mas sobre as cinzas os humores pitridos das coxas das vitimas exsudaram, fumegaram ¢ crepitaram, o fel espalhava-se nos ares ¢ as, ‘coxas gotejantes desnudavam-se da gordura que as ocultava. Esvaira-se a minha possibilidade de adivinhagao daqueles ritos que nio davam si- nais. Tal foi o que eu soube por este rapaz, fordculos que falhavam, porque os rituais nao davam sinal™, pois ele é 0 meu guia, como euo sou para os outros. I esta a enfermidade que o teu conselho causa a0 Estado; € que os nossos altares e brasciros todos estio poluidos pelas aves e ces que comeram do infeliz filho de Edipo, que jaz no luger onde caiu. E depois os deuses nfo aceitam da nossa parte as siplicas que acompanham os sacrificios, nem a chama das oferendas, [nem as aves soltam gritos de bom augirio,] pois devoraram a gordura do sangue de uum homem morto, Reflete pois nisto, meu filho. Errar € comum a todos os homens, Mas quando errou, néo é imprudente nem desgragado aquele que, de- pois de ter caido no mal, se emenda ¢ nfo permanece obstinado. A tei- mosia merece o nome de estupidez. Anda, cede diante do morto ¢ no batas num cadaver. Qual éa valentia de matar de novo quem jé morreu? Por pensar no teu bem é que eu falo. Nada mais agradavel do que aten- der quem fala por bem, se vantajoso 0 que diz. Casoxre O anciéo, todos vés sois como arqueiros que atiram para este ho- mem como para um alvo, ¢ a vossa arte de adivinhar nfio me deixou inc6lume. A raga dessa gente jé me vendeu e exportou ha muito, como a 1000 1005 toto lols 1020 1025 1030 1035 uma mercadoria. Tirai lueros, negociai com o Ambar de Se se 1040 quiserdes, ¢ 0 ouro da fndia, que a ele nao 0 ocultareis num sepiucro, nem mesmo que as aguias de Zeus quisessem levi-lo como sua presa, arrebatando-o para o trono do deus. Nem mesmo temendo isso como um motivo de poluigao, eu 0 entregarei a sepultura. Porque eu bem sei que 1045 nenhum hornem tem o poder de manchar os deuses. E cacm de uma maneira vergonhosa, 6 velho Tirésias, mesmo aqueles dentre os mortais que sao niais sdbios, quando dizem com-arre palavras baixas, com a ‘mira na ganincia. ‘Tinésuss Ai Por ventura hé algum homem que saiba, algum que pense... creowre Qué? Que verdade é essa comum a todos os homens? Tnéstas ito mais vale prudéncia do que riqueza? 1050 Qu Crsowre Tanto, penso eu, quanto maior for o prejuizo da insensater. . Tinéstas B dessa doenga que estas afetado. Creoxre Nio quero dar uma resposta rude ao adivinho. Tinfstas E, contudo, ja estés a fazé-lo, quando asseveras que eu profetizo falsidades. caronre 1055 Gananciosa é toda a raga dos adivinhos. Tinéstas a dos tiranos gosta dos lucros desonestos. aronre . Acaso sabes que, digas 0 que disseres, estas a falar contra quem esti no poder? ‘Tingstas Sei, pois gragas aimim & que salvaste esta cidade. Cerone Es um adivinho sibio, mas que gasta da injustiga Tntsus Vais incitar-me a revelar um segredo que devia deixar intacto na’ 1060 minha alma. Crronre i Toca-the; somente ndo fales com a mira no Iuero, Tinéstas Com que entio, pelo teu lado, 6 isso que te parece"? Crronre, Fica a saber que ndo negociards com as minhas resolugées. “Tanésas Convence-te bem de que jé nao verds cumprirem-se muitas revolu- es sucessivas do Sol, antes de teres dado alguém, saido das tuas pré- 1065 prias entranhas —um cadaver em troca de outros —, em pagamento por {eres arremessado 1é para baixo quem era ainda cé de cima, e de com desprezo teres encerrado num timulo uma vida, € de conservares aqui 1070 tum cadiver que pertence aos deuses infernais, sem a sua parte de oferendas, sem rituais, sem purificagdes, Neles nao tens parte, nem os deuses celestes, mas a tua conduta é uma violéncia. Por esse motivo, as 1075 Erinias”* do Hades e dos mortos, essas poténcias de destruigao apés 0 crime, estio de emboscada, & espera de que sejas apanhado pelos mes- ‘mos males que eles. Considera também se eu digo isto por suboro: nfo demorara muito tempo que surjam no teu palacio gemidos de homens e 1080 de mulheres”. Todas as cidades se agitam agressivas, as daqueles cujos restos dilacerados ou os cfes ou as feras ou quaisquer aves aladas polu- ram, levando 0 cheiro impuro para a patria dos seus lares* 1085 Como um arqueito, atirei com ira, pois me afligiste, estas setas fir- mes da glma, a cujo ardor nao poderds escapar. (Para o rapaz:) © filho, leva-nos a casa, a fim de que este homem abrande a sua exaltago contra os mais jovens, e aprenda a conservar a 1090 lingua mais tranquila e o espirito mais elevado na sua alma, do que agora traz. Sai Tirésias, guiado pelo rapaz. . Cono O homem partiu, senhor, depois de ter profetizado coisas ten iveis, E nés sabemos, desde que este nosso cabelo, de negro, se Volveit em branco, que jamais ele disse falsidades que acontecessem a0 pr‘ Cxronre: 1095 Também eu o reconhego, ¢ a minha alma esti agitada. (> é terrivel, mas esta iminente a desgraca para calcar aos pés 01 a resisténcia® ‘Cono reciso usar de prudéncia, 6 filo de Meneceu. Crrowre Que devo entao fazer? Explica-te, que eu obedeso. Coro 1100. Vai dar ordem para trazer a donzela da mansio subterré we ‘um téimulo aquele que jaz por terra caroxre E¢é isso que tu aprovas? £ conveniente ceder? ‘cono Sim, ¢ © mais depressa possivel, senhor, porque os deuses, com pés velozes, vém alalhar 0 caminho aos maldosos. neon ‘Aide mim! Ba custo que o fago, mas abandon o meu propésito 1105 para ceder. Nao se deve combater contra 0 destino. Vai entio fazé-lo, ¢ nao delegues em outrem. creore, é 0s presentes € 05 ausen- Ire jé, assim como estou. Ide, ide, servos, 03 pres : tes, tomai nas miios osmachados e precipitai-vos para olugarque ali védes. 1110 Eu, desde que o meu parecer se modificou neste sentido, assim como 4 prendi, também irei junto dela para a libertar. Receio que © melhor seja observar as leis estabelecidas até ao termo da vida. Creonte sai com os seus guardas. coro 6 tu que tens muitos nomes™, gléria da filha de Cadmo”, roca de Zeus tonitruante, tu que a inclita Ee: ; proteges, ¢ tens cura dos vales hospital de Demeéter Eleusinia”, ail 6 deus Baco! Tu, que em Tebas habitas, das Bacantes™ a metrépole, Jjunta da torrente timida do Ismeno™ € por cima donde esté a semente do dragio fero'™! Teste. 1115 1120 1125 Sobre a ‘scha de dois cumes 2 ant 1130 3s 1140 114s 1150 6s fumegantes brandoes'™ tetém visto, onde andam as, bacantes Ninfas, © a Fonte Castilia™, Das montanhas de Nisa 0s pendores cheios de hera sio teu cortejo, eas verdes margens cobertas de vinhedos, quando o grito soltam de — Evoé! —'™ 0 divinos companheiros!™, porque as ruas de Tebas vais visitar, Dentre todas as cidades 2restr. € esta a que mais honras, com tua mae fulminada! E agora, que uma afecgao violenta Ihe ataca todo © povo, ‘vem com passo que nos cure pela encosta do Parnasso ou pelo estreito marulhante'™. © tu que reges a danga 3" ant. dos astros ignispirantes*, senhor das vozes da noite!™! Aparece, 6 filho de Zeus, meu principe, coma tua comitiva de Tiades'", que em delirio dangam a noite inteira Por laco!", 0 seu senhor! Entra o mensageiro, . Mexsacemo vs que habitais junto do palécio de Cadmo e de Anfion"?, nao hi situagdo na vida humana que eu de algum modo preze ou deprecie, como coisa fixa. Pois que a fortuna dirige e a fortuna faz balangar sem prea felicidade e a infelicidade. E ninguém pode ser profeta sobre a humana condigdo. Outrora, Creonte era digno de inveja, a meu ver, pois tinha salvo do: jos este pais de Cadmae, depois de ter assumide.o poder iinico e total desta terra, governava-a, prosperando na descendén. cia nobre de seus filhos, E agora tudo se Ihe foi. Pois, quando os homens alienaram 0 prazer, acho que deixaram de viver, apenas trazem um cada ver animado. Suponhamos, se quiserem, que se’é muito abastado em casa e se vive A maneira de um rei: sea isso se retirar a ‘alegria, o que resta eu nio 0 compraria a um homem pelo prego da sombra do fumo, em comparago com a felicidad ono esse, que tu vens anunciar? ue pesado fardo para os Mensacemo Morreram — e os vivos so dessa morte culpados, coro E quem & 0 assassino? Quem é a vitima? Diz. Mensaceimo Hémon pereceu, Sangra por obra de uma mao que nio & estranha, cono Do pai ow da sua familia? Mexsaceio Ele a si mesmo, irado com o crime do pai Coro adivinho, como as tuas palavras se cumpriram exatamente! Mensactino ‘As coisas so assim, e sobre elas hi que deliberar 155 1160 1165 1170 1180 1185 1190 1195 1200 1205 1210 1215 Eurldice sai do palicio. cono, que vejo perto a desgragada Euridice, esposa de Creonte. Ela aqui esta, ou porque de dentro do palacio ouviu falar do filho, ou porque passou por acaso. Eurioice Cidadaos todos que aqui estio, percebi as vossas palavras, quando avangava para a porta, a fim de dirigir preces & deusa Palas!" Por acaso, tno momento em que levantava a tranca do portal para o abrir, chegam- ‘me aos ouvidos vozes de desgraga familiar; com o terror, caio para tris nos bragos das escravas e perco 0 sentido. Mas v6s contais outra vez a historia; ndio sou pessoa inexperiente da desgraga: escutare. Mexsacemmo Contarei, minka cargama, pois estava presente, ¢ nao omitirei uma 86 palavra da verdade, Pois para que havia eu de atenuar aquilo que mais tarde nos faria passar por mentirosos? A verdade esta sempre certa. Eu fui com teu esposo, como seu guia, até a0 extremo da planura;, jazia ainda, sem que ninguém o lamentasse!”, ¢ dilacerado pelos caes, 0 corpo de Polinices. Rogamos & deusa dos caminhos e a Plutio' que, propicios, detivessem suas iras, lavamo-lo com pia ungio, envolvemo- lo dm ramos colhidos de fresco, depois queimamos o que restava’””. pds termos erguido um timulo elevado, dirigimo-nos entio para o apo- sento nupcial"* da donzela, uma caverna infernal, com chio de lagedo, Delonge, alguém ouveo som de auténticos gemidos junto daquele quarto ‘nupeial sem ritos funerarios, ¢, de regresso, anuncia-o a0 rei Creonte. A medida que ele se aproxima cada vez. mais, passam também em sua vida sinais indistintos de um grito de desgraga, e, gemendo, despede estas palayras lamentosas: — O desgragado de mim, estarei eu a adivinhar? ‘Acaso avango pelo mais malfadado caminho de quantos tenho pereorti do? A voz.do meu filho acaricia-me. Mas, 6 servos, acercai-vos depres- sa. Quando li chegardes, examinai 0 senulero, no ponto onde as pedras TIntroduzi-vos pe “tura, a verse eu reconhego a foram retirada: PReprremensesnerrerncers yor de Hémon ou se sou iludido pelos deuses —. Estas foram as palse 1 vras do nosso exaltado amo. Vamos ver: fo interior do timulo avistamo- lasuspensa pelo pescogo, presa pelo lago de um tecido fino, Ele, agarra- do ala com os bragos apertados em volta, lamentava a destruigio da sua noiva do além, a ago do seu pai e a desgraga das suas nipcias. Q 1 rei, assim que o via, soltando um grito amargo, corre para dentro, em ditegao a ele, e chama-o com um lamento: ~ O desgragado, que fizes- te? Que pensamentos eram os teus? Que acontecimento te privou da Fazio? Sai dai, filho, é com siplicas que te pego —. O filho langa-lhe tum ripido e fero olhar, cospe-the no rosto, ¢, sem nada responder, puxa | dos copos* da espada, mas nao atinge o pai, que se precipita na fuga Em seguida, o desventurado, furioso consigo mesmo, tal como estava, 1 coloca-se sobre o montante, apoia-o contra o seu flanco até a metade e, ainda licido, atrai a donzela aos seus bragos a desfalecer. Arquejante, langa uma torrente veloz de sangue gotejante nas brancas faces. Jazum 12 cadiiver ao lado do outro, depois de ter recebido, desgragado, 0s ritos dos esponsais na mansio do Hades e de ter demonstrado que a itreflexio €0 maior de quantos males se deparam aos humanos. Enridice extra no palécio, em siléncio, Coro Que te parece isto? A senhora retirou-se de novo, antes que disses- 1 se uma s6 palavra, para bem ou para mal. Mensaceio Também cu estou estupefato. Nutro, porém, a esperanga de que, depois de saber da fatalidade do filho, no ird soltar gritos perante a cidade, mas antes li dentro, sob o seu teto, expord o desgosto familiar as suas escravas, para o chorarem, Nem ela é tio desprovida de 12 discermimento que cometa um ert. ono Nao sei. A mim, contu’! —_ siléncio em demasia parece-me de * Nota do Bator A pare da empads mau augério, tanto quanto um vio alarido. Mensacemo Mas vamos dentro de casa e saberemos se na verdads encobre al- guns designios ocultos no seu agitado corago. Dizes bem, realmente: de alguma forma, ha um mau augirio no seu siléncio, O Mensageiro entra no palécio. ono Mas eis que avanga o préprio rei, nap. trazendo nas miios a prova evidente =e € licito diz de que 0 erro su, de mais ninguém, Creonte entra pela esquerda, acompanhado por servos, e com 0 cadaver de Hémon nos bragos'® caronte, Ail Mestr. Pecados de uma mente dementada, fatais, obstinados! Ovés que védes ser da mesma raga quem mata e quem morre! Ai das minhas malditas decisées! Ai, filho, com destino prematuro, morreste, partiste, nna juventude, por insensatez, nao tua, mas minha! Coro Ail Como parece que s6 tarde vés 0 que é justo! ae H ' s | } Carowre le mim! Dest. Aprendi, desgragado! Na minha cabepa o deus desferiu pesado golpe, incitou-me aos caminhos eruéis, detrubando-me, ai de mim! espezinhando a alegria. Oh! As penas doforosas dos niortais! Um Mensageiro sai do palacio. SEGUNDO MensaceiRo Meu amo, dir-se-ia que vieste aqui como quem jé tem e ainda pos- sui mais, pois trazes uma desgraga nas mios, ¢ em casa irds ver outra brevemente. Caronre E que mal pior do que estes hi ainda? SecUNDO MeNsAcEMmO ‘A tua mulher, a verdadeira mac desse cadiver, desgragada, morreu sob golpes vibrados ha bem pouco. creonre Mant Ai, porto do Hades insaciavel!™! Porque me desgracas, porqué? Tu que me trouxeste noticias de fatal desgraga, Que palavras dizes? Um morto feres! . Que dizes, filho, que contas de novo, ail al que da minha esposa jaz também o corpo dilace nesta mortandade? 1275 i 1280 i H I i i i 1285 1290 As portas do palicio abrem-se para deixar 0 cadver de Euridice'™. [SEGUNDO MENSAGEIRO Esté a vista; ja nfo se encontra no interior™. carowre Aidemim! Pant 1295 Infeliz, que ja vejo segunda calamidade! Que desgraca, que desgraga pode ainda aguardar-me? Nas mos, hha pouco, o filho, coitado! Jina frente outro cadaver! 1300 ‘Ai, ai, mie miseranda, ai, meu filho! SEGUNDO MENSAGEIKO ‘A senhora, junto do altar, com 2 espada afiada™, deixa que as suas pilpebras fagam trevas; geme sobre o destino glorioso de Megareu'™, 1305. morto outtora, e depois novamente pelo deste que aqui esté; depois in- vvoca as mais terriveis desgragas sobre ti, assassino de teus filhos. crxonte 3*este. Porque nao me atravessam 0 peito com uma espada afiada? Miserivel 1310 que eu sou! A miséria e a angéstia confundem-se comigo. Secunvo MENSAGEIRO ‘A tua culpa para com este filo ¢ para com 0 outro denunciow-a a morta que aqui est. : crronte Dé que maneira deixou ela a vida no meio do sangue SEGUNDO MENSAGEIRO Com as préprias mos se atingiu no coragio, quando percebeu as nossas lamentagdes de agudos pritos pelo seu fill. carowre, ‘Aide mim! no pode ser jamais a minha sorte este. a outro mortal adaptar-se, ea mim deixar-me sem culpal Fui ev, que te matei, 6 desgragada, fui cu, esta é a verdade. Ai, 6 meus servos, levai-me sem demora, para longe me levai, amim que-nio sou mais do que o nada, cono Vantajosos sto 0s teus conselhos, se é que na desgraga alguma van- tagem pode haver. Quando 0 mal esta iminente, quanto mais depressa, melhor. xeon Sim! Sim! 3 ant Que surja para mim a sorte mais bela, o dia trazendo derradeiro, ¢ para mim supremo. ‘Que venha, sim, que venta e que cu no veja dia nunca mais! coro Isso a0 futuro pertence. Mas com os que aqui jazem algo hé a fazer. resto importa s6 aqueles que disso tém cuidado."* Mas, pelo menos, todo 0 meu desejo 0 pus nesta oraglo. oro Nao, niio implores ninguém; aos mortais ndo é dado libertar-se do ieumbe. destino que Ihe: BL 32 132 1331 133: ae TAA AAAS AA AA AA ARAM AMAA AR AAA MARAMRARARARHOBO DEED a 1345 1350 crsorne Levai, sim, levai para longe este homem tresloucado, que sem querer te matou, filho, eati também! . Ai de mim, desgragado, nfo sei para qual hei de olhar, a quem apoiar-me", pois tudo que tenho nas mos esta abalado; sobre mim impende um futuro que nfo se suporta, 4 ant. Creonte é levado para o palicio. Coro, Para ser feliz, bom senso & mais que tudo. ‘Com os deuses nao seja impio ninguém. Dos insolentes palavras infladas pagam a pena grandes castigos; a ser sensatos 0s anos Ihe ensinaram. anap. NOTAS * Noras DA INTRODUCAO Das sete tragédias conservadas de Séfocles, apenas duas possuem. data certa: Filoctetes (409 a.C.) ¢ Edipo em Colono, representado postumamenteem 401 a.C. De um modo geral, a discuseito da mai- or antiguidade centra-se em Antigona, Ajax € Traquinias, Entre a primeira e a segunda hd um pormenor técnico que tem sido consi- derado por muitos indicio de composigao mais tardia— o uso de antilabe, ou seja, divisdo de-um verso entre dois atores. Por outro lado, a estrutura do parodo de Ajax esta mais préxima do modelo de Esquilo. Sobre a terceira em especial, vide E, R. Sowinge, Die Stellung der Trachienerinnen im Werk des Sophokles, Goettingen, 1962. ‘ K. Reinhardt, Sophokles, p.251, considera-a uma anedota (embora comm fundo de verdade), dest wo aprezo dos Atenienses pelaarte dramética, Mais recentemente, R. P. Winnington-Ingram, ‘Sophocles. An Interpretation, p. 341, escreve: «Diz-se que Antigona foi responsavel pela eleigao de Séfocles para general em 440, 0 ‘ue, verdadeira on falco. ia tor 39, 40. al. 42. 43, 44, 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. ‘bas 53. 54 ma linha seguiu M. Pohlenz, Die griechische Tragoca:., 1, pp. 197-198. Stasimon, Berlin, 1933, pp. 123 qq. Sophocles the Dramatist, Cambridge, 1966, pp. 112-114 The Chorus in Sophocles’ Tragedies, p. 103 Vision and Stagecraft Sophocles, p.89. Ya dissera A-Lesky, Die tragische Dichtung der Hellenen, p. 197, que a ligaySo mais proxi- ima deste canto com o todo esti na delimitagao das normas éticas perante as quais se desenirola a oposigo entre as exigéncias dos deuses ¢ as do Estado. CEC. Segal, Tragedy and Civilization. An Interpretation of Sophocles, p. 168; H. Rohdich, Antigone, p. 74. Vorlesungen weber Philasophie der Religion 11.2, 13a, ¢ Aesthetik 2.1 “Polis und Hades in der Antigone des Sophokles” in: Theologische Aufeaetze Karl Barth zum 50. Geburtstag, Meuchen, 1936, 78-79 = Glauben und Verstehen, Tuebingen, 1952, 11, pp.20-31 = Sophokles hirsg. Hans Diller, Wege der Forschung, Darmstadt, 1967, pp. 311- 324, A citagao da p. 311 da terceira reimpressao. Sophokles (1933, 1947): A citagao é da p. 75. “Antigone, pp. 11-12. Deste modo se atinge a conclusio, refer nas paginas anteriores, de que s6 Antigona pode sera verdadeira e ‘inica protagonista, The Heroic Temper, especialmente pp. 77 ¢ 102. Tragedy and Civilization. An Interpretation of Sophocles, p. 152. Vision and Stagecraft in Sophocles, p. 85. Antigone. As citages sho, respectivamente, de pp. 37, 225, 227, 2306 232 Fr. 44 A 12 Diels (tradugo na Hélade, Coimbra, “1982, p. 260) Sobre esta antinomia, vide F. Heinimann, Nomos und Physis. Herkunft und Bedeutung einer Antithese in griechischen Denken des 5. Jahrhunderts, Schweizerische Beitraege zur Altertumswissenschaft, Basel, 71965, ¢ ainda G. B. Kerferd, The Sophistic Movement, Cambridge, 1981, pp. 111-130. Assim o vira jé Aristoteles, Retérica 1375a (ef. 1373b), preciss- mente em rela¢o a Antigona. The Heroic Temper, pp. 94-98 c p. 183, nota 24 59, 56. ST 58. 59. 60. Cf. Burton, The Chorus in Sophocles’ Tragedies, p. 102. Assim & que Aquiles, no Canto XXIII da Iliada, é advertido em sonhos por Pitroclo de que deve efetuaros funerais doamigo, por- que a sua psyche anda errante, sem poder transpor 05 portdes do Hades. [Na tragédia que nos ocupa, nfo se trata s6 do cumprimento de uma prética consagrada, mas também, como acentuow Kitto, Form and Meaning in Drama, pp. 148-149, do horror fisico ao tratamento ultrajante de um corpo amado. Die griechische Tragoedie, 1, pp. 190-191 CFG. M. Kirkwood, A Study of Sophactean Drama, p. 221. Outro aspecto dessa riqueza 6 o nimero de imitagdes a que dew origem. Sobre 0 assunto existe ja um livro inteiro, 0 de Simone Fraisse, Le mythe d' Antigone, Paris, 1974, que engloba teatro, nar- rativa, poemas, misica, danga, filmes, ¢ conclui, na p. 167: “No mundo ocidental, a interpretagao do seu ato é inseparivel da histé- ria politica dos dois diltimos séculos.” A lista apresentada, haveria que juntar trés obras portuguesas: a Antigona de Ant6nio Sérgi (1930), a de Jilio Dantas (1946) e a de Antonio Pedro (1954). I" edigio: Colegdo Amphitheatrum, I, Porto, Centro de Estudos Humanisticos (anexo & Universidade do Porto), 1958, 2* edigao: Colegio O Grande Teatro do Mundo, Coimbra, Atlantida, 1968, NOTAS DO TEXTO A sucesso de calamidades & pormenorizada adiante por Isménia, w. 49-57, No texto hi uma crux, ja notada por Didimo. Efetivamente, a se- ‘qlncia de trés adjetivos substantivados & quebrada pelo sintagma ene écep, Mueller propde uma emenda que tem por si a dificul- dade: drntedcs, «desprezadon, forma documentada, em sentido ativo, no fr. 184 Nauck de Buripedes. Mas, como escreve Dawe nio seu aparato éritico, emendatio nulla arridet Damos a versio do texto tal como vem nos manuscritos e como Dawe a imprime. Na emenda adotada por Jebb, seri, reta observincia da justiga ¢ da lein. (Ov. 46 foi considerado espirio por Didimo ¢ também por Dawe. Parece-nos, todavia, de manter a opinio de Jebb, de que a quebra da esticomitia nfo & de enjeitar, e, por outro lado, de que «estes dois versos exprimiem a resolugo em volta da qual gira a pera», como escreveu aquele helenista. Tanto Mueller como Kamerbeck entendemi também que deve conservar-se. Um oriculo havia profetizado que Edipo havia de matar o pai e desposar a mie; por isso, esta, logo que o filho nasce, o manda expormima montanha; mas um pastor salva crianga ¢ entrega-a a outro pastor, que a leva ao Rei de Corinto, por quem € adotada como filho. Jé tornado homem, Edipo tem um dia conhecimento da profecia; para evitar que ela se realize, abandona Corinto. Mas, 20 chegar a uma encruzithada préxima de Tebas, tem uma questio com um desconhecido, a quem mata; depois, de cesfinge, ¢ recebe como recompensa da cidade a mio da rainhae o trono vazio de Tebas. Anos mais tarde, os fatos revelam que o des- conhecido era na verdade o seu pai e a rainha, amie, Ao compre- ender a terrivel realidade, 0 her8i cega-se, desesperado. Esta parte do mito sera tratada por Séfocles, muito tempo depois, no Edipo Rei. A miserivel vida de exilado de Edipo, acompanhado por Antigona, até acabar os seus dias em Atenas, serd o assunto da sua obra péstuma, Edipo em Colono. Jocasta suicidara-se, ao ter conhecimento da verdadeia identidade daquele estrangeiro que a cidade Ihe havia dado por marido. Os dois filhos varses de Edipo, Etéocles ¢ Polinices, disputaramo trono em luta fratricida. Conservaram-se duas tragédias em que essa parte da lenda foi dramatizada. Os Sete contra Tebas de Esqui e.As Fonicias de Euripedes. Segundo Mueller, esta frase é proferida aps a partida de Antigona, porquanto implica em reconhecimento da razao da atitude da irma, que Isménia néo quisera exprimir na frente dela, para a dissuadit do seu projeto. No entanto, com a emenda de Dawe ao v. 94 (noooxdjantem vez do dificil rpoaxerant dos manuscritos), as palavras finais de Isménia tornam-se a contrapartida da acusagZo anterior de Antigona. 10. uM. 14, 15. 16, 17, 19. 20. J4 na Mfada (IV 406) a cidade de Tebas se distinguia pelas suas sete portas, O rio que corria a ocidente de Tebas,‘cantado por Pindaro no final da VP istmica, Polinices desposara uma das filhas de Adrasto, rei de Argos, a0 qual persuadira a'vir atacar Tebas. Por isso se diz que os sitiantes So argivos e se afirma a seguir «sobre a nossa terra fez. cairn A ligio dfvrdout, defendida por H. Lloyd-lones, «Notes on Sophocles” Antigone», Classical Quartely 7 (1957), pp. 12-16, € seguida por Dawe, confere 4 frase um valor metaférico. Subentende-se aqiii um verbo como fyayew. Deste modo, € Polinices osijeito, o que permite identificd-Locom a éiguia do simile que vem a seguir. Sobre outras vantagens deste regress0 a tradig8o manuscrita, vide Burton, The Chorus in Sophocleaf Tragedies, p. 93. Nauck propés a seguir ¢yOod¢ 6’, que mais tarde emendou para xeivos 3 Dawe prefere mantera lacuna de uma dipodia. Hefestos era deus do fogo. A cidade nao chegou, portanto, & ser incendiada. ‘Ares designa aqui, por metonimia, a guerra. Esta é descrita alego- ricamente: os Argivos so comparados a uma 4guis que quer devo- rar a cidade; a resisténcia tehana é a «a luta do dragon, Alude-se assim A conhecida lenda da origem dos Tebanos, a partir dos den- tes de dragio semeados por Cadmo, O arrogante Capaneu, que foi atingido por um raio. A abaquica fitrian sugere a semelhanga entre Capanew, «com atocha nna mao», e uma Ménade (Kamerbeck). Logo a seguit, os «venda- vais» comparam-no a uma tempestade (ebb). Ascruces que enquadram dda ra 8 'éida | rd 56m “aAdor indicam uma dificuldade ainda por resolver. Adotamos o texto de Jebb (i2at réiucy, Ada 5 Ex’ EAdss) com o sentido que the corresponde. Tinka sido escolhido um defensor para cada porta da cidade, do mesmo modo que do lado argivo se haviam destacado sete chefes para comandar 0 ataque a cada uma delas. Em Os Sete contra Tebas de Esquilo, o Amago do drama atinge-se quando Etéocles anuncia 20 Coro que Ihe cabe enfrentar o seu préprio irmao. Ertéocles e Polinices, ithos de Edipo e Jocasta, matam-se um 20 ai. 22. 23. 24, 2s. 26. outro em combate singular. Cf. supra, nota 7. Baaco, filho de Zeus e de Sémele, a qual o era de Cadmo, fundador de Tebas, estava especialmente igadoa cidade, de que era patrono. Depois da morte dos dois principes, pertencia a Creonte, irmao de Jocasta, 0 trono tebano. ‘Uma das muitas metiforas néuticas que surgirio a0 longo desta pega, em ligagao com a alegoria da nau do Estado. Esta alegoria cera muito antiga na Literatura Grega: datava do fr. 56 Diehl de ‘Arquiloco. Tomou-se célebre através de poemas de Alceu, umn dos quais (fr. 326 Lobel-Page) foi universalizado pela imitagao de Horicio na Ode XIV do Livro I, ue por sua vez serviu de modelo as literaturas modersias. No original grego estio trés palavras dificeis de distinguir na flutu- ante terminologia da época (psyche, phronema, gnome), a segunda das quais regressa no resumo do programa de ago do v. 207. Mueller observa que, como palavra mais genérica paraacon: cia, psyche € aqui ligada com as outras duas como fungbes especi ficas ou partes da consciéneia, (No cntanto, objetaremos nés, a nogio de conscigncia s6 aparece em Euripedes.) E acrescenta: « clemento de vontade em gnome € conhccido de Tucidides» Kamerbeck tenta precisar melhor: «Nesta tripartigo psyche pare- ce referir-se antes de tudo 4 coragem ¢ firmeza do homem ou seus contrarios, phronema & sua disposigo moral e intelectual generi- camente, grome & sua visio e juizo em situagdes que reclamam agion. Sobre psyche existem dois importantes estudas recentes: David B. Claus, Toward the Soul. An Inquiry into the Meaning of Psyche Before Plato. Yale University Press, 1981; Jan Bremmer, The Early Greek Concept of the Soul. Princeton University Press, 1983. Sobre gnome, vide Pierre Huart, Griome chez Thucydide et sses Contemporains. Paris, 1973 (que da a sua interpretagao deste asso na p. 20, nota 1). No decurso da tragédia, este principio vai ser posto & prova na pessoa de Creonte. Repare-se no emprego de nomas («lein), uma palavra-chave deste drama, que regressa no v. 191, no termo do programa politico de Creonte. A ligaio adotada por Dawe, que seguimos, obriga a tomar oxoAyjt 27 28, 30, 3L. 32. 3. 34. 36. no sentido de «de modo algun, como ja foi defendido ha anos por S. Eitrem, Symbolae Osloenses 4 (1925) 72. Mantemos a interpretagio corrente de 13. ndév, a despeito das reservas de Vollgraff, seguido por Kamerbeek, que traduzem por «aminha morte, Damos aiinterpretagio corrente, que vé aqui uma imagem tirada da caga. Tanto Mazon como Kamerbeek partem do sentido habitual de oroydfeoOat e dai derivam ode «adivinhar(que Liddell-Scott «dé para este passo). O segundo traduz: «A tua suposigo (sc. quan- to.a0 que te espera) esté perfeitamente corretay, Na impossibilidade de efetuar todas as ceriménias fiinebres, para que 0 morto pudesse transpor as portas do Hades, entendiam os Gregos que era suficiente cobrir o cadaver com uma camada de pé, Quem passasse por um cadaver insepulto sem the langar terra in- corria numa maldigao. Para os que morriam no mar, havia o recur- so de Ihes erigir um timulo vazio (cenotafio). Os equivalentes antigos dos «juizos de Deus» da Mdade Média, © reino dos mortos era governado por Hades, cujo nome é freqiientemente empregado como sindnimo dos seus dominios. Dawe adota a emenda de Burges, 6¢4 vd (aqui: «tremendo»), que cencontra eco no v. 323, onde 0 adjetivo se repete. OCoro celebra as conquistas do homem: a navegacao, a agricultu- 1a, a caga, a pesca, a domesticagio dos animais, a fala, o pensa- mento, a politica, a construgao de casas, a medicina Conforme re- ferimos na introdugio, a nogio de progresso da humanidade, que aqui se define, esta também no Prometeu Acorrentado de Esquilo (wv, 441-506), e aparece pela primeira vez, que saibamos, no séc, Va.C,, em Xendfanes (fr. 18 Diels); tonou-se corrente entre 03 Sofistas, a avaliar pelo mito do Protgoras de Plato (322 a.c.), Sobre a existéncia desta nogao entre os Gregos, vide E.R. Dodds, The Ancient Concept of Progress and Other Essays, Oxford, 1973, eL. Edelstein, The Idea of Progress in Classical Antiquity, Baltimore, 1967, Ovento Sul. ‘Aemenda de Nauck, dyeeipor det, adotada por Dawe, fora apoi- ada por Mueller e rejeitada por Kamerbeek. Mas parece nfo haver diividas de que aquele verbo & mais adequado do que este para 36. 37. 38, 39, 40. al. 42, 43. 44. 4s. descrever sucessivas conquistas do homem sobre os aniiuats ter- restres e maritimos. Esta verso baseia-se na emenda de Meineke e Heindorf, que Dawe adotou. A licio dos cédices, énderat («obter meios» de escapar) 6 porém, defendida por Jebb com paralelos seguros. Depois deste verso, Dawe, seguindo Meineke, supe a existéncia de uma lacuna. O ritual fiinebre, agora mais completo, compreendia libages em vvasos de barro ou de metal. Na Odisséia (X. 519-520), constavam de hidromel, vinho e agua; em Esquilo (Persas 610-618) de leite, hidromel, vinho e azeite; em Euripedes, de Agua, let, vinho e mel, em Ifigénia entre os Tauros (159-166), de mel, leite e vinho, no Orestes (115). (Os vv. 466-467 so uma das mais notérias cruces da pega. A forma sitaxduny, que Dawe mantém no seu texto, ¢ esta documentada ‘em quatro manuscritos (LKRS) nio € conhecida, Por outro Indo, AUY léem svoxéiiny, que Jebb aceita (e que utilizamos para a tradus0), mas oferece dificuldades linglifsticas (pois teria de se supor a omisso do segundo aumento e a apécope do prevérbio, 0 que nio & normal no atico). Liddell-Seott, no entanto, registra-a, Sobre outras propostas, vide Jebb, apéndice, e Kamerbeek. Neste dificil passo, seguimos a interpretaio de Mueller, conside- rando dof intransitive impessoal e apdve &f aod narode atributivo de Aru ric. marddg. Como explicou o escoliasta, a expressio do original, rou xavrdg tiuiv Zyvoc éoxeion equivale a ada gente da minha casay. A alusio é a Zeus Herkeias, cujo altar se encontrava no patio central do edificio e simbolizava, portanto, o espirito de unizio da familia, Isménia, que Creonte manda chamar no verso seguiinte, por um dos homens do seu séquito. O fundador e primeiro rei mitico de Tebas. Vide supra, notas 15 ¢ 21 Refere-se a0 Coro. ‘Acmenda de Nauck, adoteda por Dawe e defendida por Fraenkel, Mueller, Robdich (136 "+ uzoggo0ti), foi impugnada tanto por Jebb como por Kamerbeck. Entende este iiltimo que a afirmagao de Isménia se tora assim «demasiado absoluta ¢ contraria a0 seu re- 46. 41. 48. 49, 50. trato», pelo que refere 0 dizer dos manuscritos (15° doeooGet «se ela 0 consenten), Mas nao s6 a correcio encontra fundamento em Arist6fanes, Aves 851, como a sibita determinagio esté de acor- do com «o rosto em fogo»'vom que Isménia se apresenta. Os manuseritos atribuem esta exclamago a Isménia. A Edigto Aldina deu-os a Antigona, no que foi seguida por Jebb, Dawe e muitos outros. Efetivamente, cohto escreveu Kamerbeek, 0 verso, se proferido por Antigona, «tem uma forca patética espantosay, Além disso, 56 assim se compreende bem a réplica de Creonte As diividas na atribuigdo das falas prosseguem nos versos seguin- tes, Assim, 0 v. 574 é dado a Antigona por Dawe, a Isménia pelos cédices ¢ por Rohdich, € ao Coro por Boeckh; a0 passo que 576 figura também como da heroina na edigio de Dawe, que aqui se- gue Boeckh, e nos manuscritos € atribuido ora airma, ora a0 Coro, Como Jebb, demos os dois versos em causa a0 Coro. Com efeito, 0 ¥. 576 recebe a resposta de Creonte «Por tie por mim», que parece pressupor que, na mente do tirano, o seu querer se identifica com 0 a cidade, que 0 Coro representa. Em 574, este fizera a pergunta usando o demonstrativo para mencionar Antigona; agora conclui, apenas. Jebb observa, a propdsito de 574, que Ismé terroga- Fa 0 rei em 568, ¢ objetara em 570, o que levara a uma segunda resposta mais dura. Seria mais natural que nio fosse ela quem vol- tasse a fazé-lo, mas sim outro intercessor. Desta mesma diferenga ja Isménia mostrara ter conscineia no didlogo inicial com Antigona (vv. 61-62). 0 Coro examina a sorte dos membros dacasa real de Tebas ¢ refu- gia-sena crenca ancestral nas maldigdes que destroem as familias. Sobre esta atitude de espirito e seu significado, vide E. R. Dodds, The Greeks and the Irrational, University of California Press, 1951, pp. 49-50. O texto, para além de ter uma crux no v. 586 (movriag dAd¢), oferece grandes dificuldades sintéticas. Seguimos a interpretagzo de Kamerbeck (na esteira de outros), tomando éaesoe padov como sujeito de érdodunt e olBucecomo seu objeto A familia real de Tebas, que descendia de Libdaco, pai de Laio. Referéncia a Antigona ¢ Isménia, esperanca da continuidade da familia ae Sem eC HF * 51. Neste complexo passo, uma das dificuldades maiores reside na li- ¢40 xdvi¢ («pé») dos manuscritos que Jortin, seguido por muitos outros, entre os quais Dawe, substitui por xoni(acutelo»), mais consentinco com as outras causas da extingfio da casa dos Labdicidas,a seguir mencionadas. A controvérsia, como escreveu Burton, Zie Chorus in Sophocles’ Tragedies, p. 107, «continua hi dbis séculos e nao é provavel que se resolva, embora no momento xorie esteja em ascension. Sobre 0 assunto, veja-se também Winniggion-ingran, Sophocles. An Interpretation, pp. 161-168. Neste éontexto se situa ainda, no final da antistrofe, a referéncia & divindade primitiva, especialmente encarregada de punir 1es de sangue ou outras infragdes graves & ordem estabelecida pelos deuses. Seguimos a conjectura de Jebb, nv" dypevwy, em vezde man- termos a crux maroy rious («que todos envethecen), conservada F Dawe. ‘Traduzimos, na ordem adotada por Dawe, 668-671, antes de 663: 667. Esta transposigao, proposta por Seidler e accita por Pearson ¢ Mueller foi atacada por Jebb, que escreve que ela «obliterava um dos tragos mais sutis desta fala», pois Creonte pede uma obedi cia absoluta e depois completa esta exigéncia com uma observagio sobre a dignidade de tal obediéncia; quem assim obedecer di a maior prova de que podera reinar. ‘Note-se que este passo tem suscitado dividas quanto sua autent cidade, 0 préprio Dawe, que o imprime no texto, propde no ap: ratocritico a eliminagii de 656-667. Por outro lado, 673-676 pate- ccoram suspeitos a Blaydes. Logo a seguir, o excurso sobre a anar- ¢ quia e a.diatribe contra as mulheres sio também atetizados por Dawe no aparato, Mas a teorizagao politica que aqui se encontra esti a carter com o modo de ser de Creonte que certamente ecoa- vaas discusstes da época; quanto ao desdém para com 0 sexo fe- rinino, além de ser um lugar comum na tragédia, esta erm conso- nincia com o que o tirana disse em 524-525 ¢ 578-579. Ainda rela- tivamente & anarchia, ¢ interessante observar, com E. Fraenkel, Aeschylus: Aganenon, Oxford, 1950, Il, p. 397, que é esta a mais, antiga ocorréncia do termo, no sentido de «desobediéneia & autoi dade, a menos que 0 v. 1030 de Os Sete contra Tebas de Esquilo 92. 53: 54, $6. 56. 57. 58. 59 ~~ oY A seja auténtico. Dawe assinala aqui uma lacuna, tal como fizera Dindorf, a fim de igualar 0 nimero de versos da rhesis de Hémon a do pai. A regra, ‘no entanto, nfo é absoluta, como objetou Kamerbeek, e, além di 50, 0 sentido da frase parece completo. [Uma das muitas metAforas néuticasda pega. Cf. supra, nota 23, vv. 190 © 540-541. Sugeré-se aqui a visio de um navio naufragado, ‘com 0 casco para cima. ‘Traduzimos segundo a ordenagio dos versos proposta por Dawe, {que 05 supe alterados pela meméria dos atores: 740-741, 748- 149, 756, 755, 742-747, 750-754, 757-760. A sequéncia assim ob- tida é claramente mais logica, Hémon refere-se a sua prépria morte, que Creonte interpreta como sendo a dele, ‘Causar impunemente a morte de alguém era um crime que os deu- ses castigavam com severidade. Assim, io comego do Ldipo Rei, tuma epidemia de peste assola Tebas, porque o desconhecido assas- sino de Laio no fora ainda castigado. Para Kitto, Form and Meaning in Drama, pp. 146-147, Creonte permanece em cena durante as partes liricas, uma ver que nao hé no texto indicagio em contrdrio. A esta opinido pode objetar-se que a inversa também é verdadeira. ‘A presenca de Creonte durante o quarto estisimo, bem como o segundo, etalvezo terceiro, é ainda aceito por Winnington-Ingran, ‘Sophocles. An Interpretation, pp. 100. 136, nota 58. Outros, como Burton, The Chorus in Sophocles "Tragedies, p. 112, colocam a saida de Creonte em 780, para dar ocasitio a mandar proceder ao emparedamento de Antigona, ¢ 0 seu regresso a tempo de ouvir as palavras finais do kommos do quarto episodio. Neste sentido se pronunciara também Kamerbeek, que foi a0 ponto de afirmar que «aa presenga de Creonte durante 0 kommos seria intolcrvel; no serviria nenhuma finalidade dramética» (p. 156); por isso, se em 780 deve assinalar-se a saida do rei, como jé fizera Jebb, em 882 teremos de marcaro seu regresso sem 0 que, acrescentaremos nds, no se compreenderia que, no principio do quinto episddio, Tirésias encontre logo.o monarca em cena, Também H. Patzer, Haupiperson und tragischer Held in Sophokles Antigone, p. 90, julga impossi- 60. 61 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. vel a presenga de Creonte durante este estasimo. Alusio a Antigona. Mantivemos a ligio dos manuscritos, émar(et, em ver. da conjectura de Livineius, adotada por Dave, éyaates, que signifi- caria «atinge-o». Como Mueller, pensamos que é aquele verbo, € no este, que caracteriza a atuago de uma deusa que troga dos mortais. Sobre as dificuldades de interpretagio desta ode, vide Winnington-Ingran, Sophocles. An Interpretation, especialmente p95, Este episbdio toma, desde o v. 806 a 882, a forma de um kommos, ou seja, conforme a definigio de Aristoteles, Poética 1452 b, de ‘uma lamentago em comum do coro e da cena». Um dos rios do Hades, freqiientemente tomado como sindnimo da mansio dos mortos. No original esti a palavra-chave auirdvoyos, que aponta para 0 exclusivismo de Antigona na obediéncia a lei. «O coro vé Antigona como fazendo as sua préprias leis independentemente das leis do Estado em que vive, como se ela fosse uma espécie de Estado den- tro do Estado». (Burton, The Chorus in Sophocles’ Tragedies, p. 119). Niobe, filha de Tantalo e mulher de Anfion, rei de Tebas, era natu- ral da Frigia (por isso, estrangeira para os Tebanos). Por se ter van- sgloriado de ter gerado muitos filhos, a0 passo que Latona apenas tivera Apolo e Artemis, estes mataram-Ihe toda a descendéncia. Niobe chorou até ser petrificada no monte Sipilo, na Lidia, © as suas lagrimas ficaram transformadas em fonte. O mito inspirou di- versos escultures ¢ pintores, bem como dramaturgos (Esquilo ¢ S6foctes, em tragédias que se perderam.). Segundo G. Wolff, e contrariando Jebb, Dawe assinala aqui uma lacuna de um verso, exigida pela correspondéncia com sistema anapéstico anterior. Sobre este rio de Tebas, vide supra, nota 10. Nos vy. 850-851 hé uma longa crux, cujo sentido se repete em 852, € que resumimos numa sé frase. Diversas interpretagses tém sido propostas para este passo, uma das quais, a de Lesky, Hermes 80 (1952) 98 — Gesammelte Schrifien (Bee, 1966), p. 176, levaria a supor que Antigona se 70. n 2 B. 74, 95. prostrara como suplicante junto do altar de Dike (a justiga). Burton, The Chorus in Sophocles "Tragedies, p. 121, ao referit esta hipdte- se, conclui que ela levaria a perceber na resposta do Coro 0 seu reconhecimento da justiga do ato da herofna, mas a tal interpreta ‘0 se opdem, quer razdes de ordem lingifstica, quer 0 confronto com passos similares de Esquilo. O texto que temos, continua, leva- nos a imaginar um pedestal em que se evicontra a figura da justiga e que é esta que detém Antigona na sua correria louca contra ela, O multiplicativo serve apenas para dar maior intensidade. Como esclareceu o escoliasta foi o casamento de Polinices com a filha de Adrasto, rei de Argos, a causa da guerra. Vide supra, nota 1 Esposa de Hades, ¢, como tal, rainha dos infernos. 05 vv. 904-920 sio considerados por Jebb e por muitos outros comentadores como uma interpolagao que perturba 0 sentido do texto. Outros, como Kirkwood, Knox, Kamerbeek, accitam-nos, como uma tentativa desesperada de autodefesa da heroina, quando tudo parecia ter falhado. E costume invocar a histéria da mulher de Intafernes, que prefere poupar a vida do irméo em ver da do mai do ou dos filhos, em Herddoto 3, 119 (a que poderia acrescentar-se ade Meleagro, na Ode V de Baquilides) para justificar os sent mentos que estariam na base deste estranho raciocinio, que desde Goethe & conhecido como o «céilculo dialético». Dawe, que man- tém 0 passo, recorda no aparato critico que Aristételes, Retdrica 1417a, conhecia estes versos. A ter havido interpolagio (como su- Pomos, pelo que assinalamos todo o passo com parénteses retos), cls estaria feita, portanto, no sée. IVa.C. Para Rohdich, Antigone, pp. 202-203, s6 depois do quarto estisimo que Antigona sai de cena, ‘Ocoto evoca sucessivamente figuras da mitologia que foram casti- gadas com 0 emparedamento, como Antigona. Assim Dinae, filha de Acrisio, rei de Argos, foi encerrada por este numa torre de bron ze, a fim de que niio tivesse descendéncia, pois estava profetizado que o filho que gerasse o mataria. Porém, Zeus visitou-a na sua prisio, sob a forma de chuva de ouro, ¢ princesa deu luz Perseu. Acrisio meteu mae e filho numa arca, que langow ao mar. Mas eles acabaram por dar & costa na ilha de Serifo, onde encontraram aco 97:

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