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O Conhecimento Secreto avid Hockney OConhecimento Secreto Redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres, David Hockney Recentemente,o célebre artista inglés David Hockney fez algo extraordinério: parou de pintar.Ele foi “mordido" pelo desejo de descobrir como os artistas do ppassado conseguiram representar o mundo sua volta de maneira to vivida e precisa.Por ter sido freqdentemente confrontado com problemas técnicos similares, ele se perguntou: “Como faziam?: A seguir, Hockney sacrificou, por dois anos, sua propria rotina como artista para desvendar esse caminho misterioso, rastreando obsessivamente os segredos dos antigos rmestres.A medida que estas investigacdes se tornavam conhecidas,suas sensacionais descobertas viraram manchete pelo mundo afora, chamando a atengio da rmidia e provocando debates entre importantes cientistas historiadores da arte e dretores de museus. ‘Com um langamento simultaneo em varios paises, entre os quais 0 Brasil, Hockney narra, pela primeira vez, a hist6ria de sua pesquisa. Neste livro, ele explica de que forma trabathou, juntando provas cientificas e visuais ‘Ajudado por seu olho de artista, ele examina pedras de toque da histéria da arte e mostra como artistas do porte de Caravaggio, Velazquez, Van Eyck, Holbein, Leonardo e Ingres usaram os espelhos eas lentes para ajudé-los na criacao de suas obras-primas. Centenas de quadros e desenhos sioaqui reproduzidos, acompanhados por penetrantes e entusiastas descrigées de Hockney. Seus proprios trabalhos graficos e fotograficos ilustram os varios métodos usados pelos artistas de outrora na busca da vverossimilhanga absoluta, bem como os resultados que obtinham.Citagées de documentos historicos € moderos por ele recuperados oferecem indicios ainda mais instigantes,e sua correspondéncia com intimeros experts internacionais fornece uma recapitulagdo detalhada do processo de desenvolvimento de sua"tese” (OConhecimento Secreto,entretanto,néo é apenas sobre as técnicas perdidas dos grandes mestres. E também sobre o agora eo futuro; sobre como, ‘vemos, tratamos e fazemos imagens hoje,na era da manipulacao digital Tradugao:José Marcos Macedo Com 460 lustracées, 402 em cores NASOBRECAPA ene David Hockney eseahando com oll de uns ‘hora 1998 Foto © Pi Sayer quar cae: Daid Hokey. Foto Gérard Gastoud 0 fund O grande ural (etahe, Dovid Hockney 200. David Hochney Foto Richard Sch Cosac & Naify Redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres “ul orist see knowldge Recovering theo Tegusol te OUMasers (22001 DaidHockney 2001 Thanesand dion {2001 Coss Nay Prepare Tere Gouvels Fev: Faso Goncalves Harve ara Aurtscher Composco Cla Rodigus de Moraes exo oxdtosesevados Neghuma pat deste wr pode {erropredusis cu waste de qulgue mane au por ‘ulguer me setrmce oumecsnic incundo ftecona. ‘var cucutatorma eammazenamentoe sistema de ikea semoconentmentopreveporesert an eaora ‘ations Fonte doDeparamartoNsconaldoLnto (Fandagd Bkotes Naina Heciney Davia David Hockney. 0Conbecmento set ‘ulooriak cet fnomedye Su Pau Cosc Nay Egos 2001 298 160 an 8.750.067 |. Procedimenospitricos 2 Teeniaspetbcas 3 Dewatociney COD. 751 Todososareos adios por Canc ay Ege 200 un Genera in, 770 22nd StoPovlo 5? Tet o-11255 006 Focd_11255.364 Infsosacraycombr W< 19 < 201 < 227 < 287 < 290 < 297 < ‘Sumario a introducao a prova visual a prova documental a correspondéncia bibliografia lista das ilustracoes agradecimentos indice remissivo Cee eed Cee aera NO VERSO Mosaico bizantino, Catedral de Cefal, Sica (pré-6ptica) 7 Cee Cee) Perea Re YH] / j 7 29 de marco 30 de abril 30 de abril Esse livro tem trés partes. primeira éa apresentacao visual de uma tese que venho desenvolvendo nos iltimos dois anos. A segunda é uma colecao de trechos de alguns dos documentos com que deparel durante a pesquisa. a terceira é uma selegao de notas, ensaios ecartas escritas para aclarar minhas idéias & medida que se desenvolviam e como parte de um 13, ue 12demaio 12.demaio Discuti minhas observacdes com amigos, eful apresentado a Martin Kemp, professor de arte da Universidade de Oxford e uma autoridade em Leonardo da Vinci e os agos entre arte ‘eciéncia, Desde o inicio ele estimulou minha curiosidade e amparou minhas hipéteses, ‘embora com reservas, Outros, porém, ficaram horrorizados com minhas sugestdes. A principal queixa deles era de que um artista usar dispositivos Opticos seria "trapacear"; que dealgum modo eu estava atacando a idéia do génio artisticoinato. Peco licenga aqui para dizer que a Optica nao faz marcas, somente a mao do artista pode fazé-lo, e exige-se grande habilidade. Ea éptica também nao facilita nem um pouco 0 desenho, longe disso ~ eu sei, eu ‘use Mas para um artista, 600 anos atrés, as projegdes opticas hao de ter demonstrado um novo modo fel de observar e representar o mundo material. A 6 conferiu aos artistas uma nova ferramenta com que fazer imagens mais imediatas, mais poderosas. Sugere que os antistas usaram dispositivos 6pticos, como sugio aqui, ndo &diminuir seus feito. Para mim, isso 0s torna ainda mais impressionantes. COutras perguntas que enfentei foram: "Onde estdo os escritos contemporéneos?”, “Onde estioaslentes?", "Onde esté a prova documenta”. Nao pude responder essas questoes a principio, mas nao desanimei Sei que os artistas so reticentes sobre seus métodos eles 0 80 hoje, endo razio para supor que jamais tenham sido cliferentes. ram provavelmente ainda mais eticentes no passado: na Europa medieval renascentista, por exemplo, quem revelasse 0s"segredos" do reino de Deus podia ser acusado de bruxariae queimado na fogueira! Eu viia adescobrir mais tarde que hd, de fato, muitos documentos contemporéneos que respaldam minha tese(podem-se ver trechos de alguns deles na segunda parte do ivr). ‘Aconcepcio popular de um artista éa de um individu herdico como, digamos, Cézanne Van Gogh, lutando, para representaro mundo de um med nove e vivo. Oartista medieval aintroducio. 16 demaio 19demaio ‘ou renascentista nao era assim. Uma analogia melhor seria a CNN ou um estidio cinematografico de Hollywood. Os artistas possuiam amplos ateliés, com uma hierarquia de tarefas. Ateliés atrairiam os talentosos, e 0s melhores seriam depressa promovidos. Eles produziam astinicas imagens existentes. O mestre era parte da poderosa elite social. Imagens falavam e imagens tinham poder. Ainda tér. Eu comecara ajustapor imagens Ingres e Warhol, os alatides de Direr e Caravaggio, Velazquez e Cranach - antes que Gary Tinterow me convidasse para falar num simpésio sobre Ingres no Metropolitan Museum de Nova York, € como acréscimo de alguns de meus proprios desenhos com a camara lucida, reuni uma série de slides nos quais pude basear minha palestra A prova que eu oferecia eram as préprias imagens -mas eu aprendera um bocado realizando aqueles desenhos,e senti que minha experiéncia como praticante haveria de contar para has receber cartas de toda parte do mundo. alguma coisa. Depois da palestra, Ren Wechsler escreveu uma reportagem sobre teorias em andamento na New Yorker, elogo pas: ‘Alguns se mostravam chocados com minhas sugestdes; outros estavam euféricos pelas implicacdes, ou diziam que eles proprios haviam notado coisas semelhantes. Eu tinha consciéncia de que este era um grande tema. Ea resposta ao artigo de Ren me mostrou que ele era do interesse de muitos e muitos outros, Durante a palestra, aplatéia respondera imediatamente as imagens, e percebi que, se fosse para convencer as pessoas dos meus argumentos, eles tinham de ser acompanhados da prova visual que eu observara ras pinturas. Um livro parecia o melhor modo de fazé-o. A pessoa dita seu proprio tempo ao livro, nao ¢ algo imposto, tal como no filme ou na televisao. Com um livro a pessoa pode parar para pensar algo a fundo, ou voltaratrés e rever algo, se necessério, O argumento central tinha de ser visual, decidi, porque o que descobri foi fruto da contemplacao das aintrodugo = 15 15 dejunho 17 dejunho imagens (as quais, como assinalou o historiador Roberto Longhi, s40 as provas primarias) Percebi que teria de escrever e projetar livro ao mesmo tempo. Como veio ase confirmar, varias descobertas-chave ainda estavam por vir distorcdes Opticas mensuraveis nas pinturas, por exemplo, e que um espelho concavo pode projetar uma imagem ~, assim 0 ‘escopo do livro se expandiu a medida que progredia. Emfevereiro de 2000, coma ajuda de meus assistentes David Graves e Richard Schmidt, comeceia prender com percevejos fotocépias coloridas de pinturas na parede de meu estudio ra Califémia, Via isso como um modo que me conferisse uma visao de conjunto da historia da arte ocidental e como um auxilio na selecao das imagens para olivro. Quando terminamos, 0 ‘mural tinha 70 pés [21,3 ml de comprimento e percorria 500 anos de forma mais oumenos cronolégica, com a Europa setentrional em cima e a Europa meridional embaixo. ‘Ao comegarmosa juntar as paginas do livro, fizemos também experimentos com diversas combinagdes de espelhos e lentes para ver se conseguiamos recriar 0s métodos talvez tilizados pelos artistas do Renascimento. As projecdes que fizemos encantaram todos 0s que vvieram a0 estiidio, mesmo aqueles de cmara em punho. Os efeitos pareciam incriveis, porque nao eram eletronicos. As imagens que projetamos eram nitidas, em cores e se ‘moviam, Ficou dbvio que poucos sabem muita coisa sobre éptica, mesmo os fotdgrafos. Na Europa medieval, “aparicdes" projetadas serlam tidas como magicas; como descobri, as ‘pessoas continuam a achar isso hoje em dia Em marco fomos vsitados por Charles Falco, um opticista que lera oartigo de Ren na New Yorker. Charles, no mesmo instante, tornou-se um correspondente entusiasta e perceptivo, €0 ‘mais importante, seus detalhados calculos, baseados em “tipicos resultados dpticos" nas, aintroducto 22 dejunho are primary aprova visual Esta parte do livro tem a forma de um argumento visual.No inicio, perguntavam-me: “O que vocé esta vendo?” - é o que Ihes tento mostrar aqui. Farei comparacées entre pinturas de diferentes épocas e lugares, entre obras de contemporaneos préximos e entre diversas pinturas de um mesmo autor. A cronologia vird a tona, e encontra-se resumida no final. Quando fui ver a exposigdo de Ingres na National Gallery de Londres, em janeiro de 1999, fui cativado por seus belos desenhos de retratos ~ misteriosamente “precisos” quanto as feicdes, porém desenhados no que me parecia uma escala artificialmente pequena.O que tornava a proeza de Ingres nesses desenhos tanto mais. impressionante era o fato de os modelos serem todos estranhos (€ muito mais facil captar a semelhanga de alguém que se conhece direito) e de os desenhos terem sido tracados em grande velocidade,a maioria num tinico dia. Ao longo dos anos eu desenhei muitos retratos, sei como leva tempo para desenhar do modo como Ingres desenhou. Fiquei pasmo."Como ele os tinha feito?’ perguntei-me. Na pagina ao lado encontra-se uma reproducso. do retrato de Madame Louis-Francois Godinot, desenhado por Ingres em 1829. Esta reproduzido exatamente do mesmo tamanho quea imagem real. Embora nao seja considerado um dos melhores desenhos de Ingres dessa época, é muito itil para nossos propésites, pois contém uma série de pistas visuais que sugerem ter ele usado a cdmara licida ~ ‘um instrumento feito para os artistas em 1806, sobretudo como um dispositive de medida para o desenho ~ para crié-lo. Vocé iré deparar com a expressao “fazer a olho" [eyeballing] a0 longo desse livro. Com isso me refiro a0 modo como o artista se sentana frente de um. modelo e desenha ou pinta um retrato usando apenas sua mao e olho e nada mais, observandoa figura e tentando depois recriar a semelhanca no papel ounnatela. Ao fazé-lo, ele “tateia" a forma que ve diante de si. (Mas a presteza dos tracos de Ingres nesse desenho ndo parece ter sido tateada, De tio precisa e ‘exata que 6 forma, Imagino que ele tenha tragado primeiro a cabeca, observandoa senhora por uma camara lcida e fazendo algumasnotacbesno papel, fixando a posicao do cabelo, dos olhos, das narinas e das comissuras da boca (note as profundas sombras). Isso talvez Ihe tenha tomado alguns minutos. Depois, terminou de desenhar orosto pela observacdo, a ‘oho - a delicadeza do retrato sugere que gastou uma hora ou duas fazendo isso. Mais tarde, talvez depois do almoco, fezas roupas, mas para isso ha provavelmente de ter movido sua cémara licida ligeiramente. € agora que notamos que a cabeca da senhora parece muito grande em relacio ao corpo, especialmente se comparada 20s ombros e maos. Se Ingres moveu sua cimara lucida paraiincluir as. roupas, uma ligeira mudanca na magnificagdo teria ocorrido, o que explica a diferenca na escala que notamos. Creio te sido isso que aconteceu, porque quando reduzimos a cabeca em cerca de 8% (esquerda) ela pareceu justarse” muito melhor aocorpo. aprovavisual > 23 Ingres ao lado; Warhol acima, Sei que Warhol usou um projetor para fazer desenhos como esse. Seu traco tem uma dbvia aparéncia *decalcada".Foi contemnplar esse desenho que me fez reconhecera semelhanca com as roupas no retrato de Ingres. No Warhol, a borda ‘esquerda da tigela move-se nitidamente para baixo, mas em vez de ‘continuar ao redor do fundo da tigela para descrever seu formato,o ‘ago inflete de forma precisa para a esquerda, formando uma sombra. De modo semelhante, no Ingres, o punho da manga esquerda nao é ‘acompanhado “em torno da forma’ como se esperaria, mas segue adiante dobras adentro. prove visual Ostrés pequenos desenhos de Ingres nesta ‘pagina, por outro lado, s4o todos obviamente a olho. Os tragos sao tateados, ha sinais de hesitacdo. Minha expressao “tatelo” sugere incerteza -“Onde & exatamente a posicao correta?, ele parece perguntar. Note a diferenca entrea manga. direita(eita de ‘modo convencional, a olho) eaquela da pagina ao lado, desenhada com confiangae tacos continuos. Aino ha tateio —aliés, mais ‘uma vez 0 desenho assume 0 ar do traco decalcado de Warhol. Parece ter sido feito com certa velocidade. Todos os tragos ‘desenhados tém uma velocidade que em ‘geral pode ser deduzida: tem um principio e um fim, portanto representa otempo bem como o espaco. Mesmo o decalque de Luma fotografia contém mais “tempo” que a fotografia original (que representa somente uma fragao de segundo), porque a mao leva ‘tempo para fazé-o, 26 < aprovavisual Scone Basicamente,trata-se de um prisma numa See Ee ny Ce ee ea eee eae! oe eC ea Soe Eee) Dee) De eee Ce ae Te) CO eae De ee nS Cea ey Ce eee a neta ee eee es Senet Ce eta Cr eed CE ne Ey De eee ac es Se eee eet) Se Ree ean Ce etn n aprovevisual Posso ter certeza de que Robert Campin e Jan van Eyck tinham conhecimento de espelhos e lentes ~ os dois elementos basicos da camara modema -, pois pintaram alguns em varios de seus quadros dos anos 1430 (e, naquela época, pintores e fabricantes de espelhos eram ambos membros da mesma guilda).NoCampin, 0 espelho é convexo (maisfacil de fazer que um espelho plano); eno Van Eyck o conego Van der Paele segura um par de éculos. Lentes e espelhos ainda eram raros na época,e os artistas hao de ter ficado fascinados pelos estranhos efeitos produzidos. Como pessoas que faziam imagens, certamente ter-Ihes-8 causado admiragio o fato de figuras inteiras, ou mesmo recintos inteiros, poderem ser vistos em pequenos espelhos convexos. Seguramente naoé uma coincidéncia que tais espelhos chegassem & pintura ao mesmo tempo que um maior grau de individualidade aparecesse no retrato. 1436 Jon Essas fotografias mostram 0 proceso em maior detalhe, No canto superior esquerdo, pode-se ver a projegao no papel medida que faco minhas marcas iniciais, dois estagios das uais podem ser vistos no canto superior direito. Apés tomar ‘as medidas, retiro o papel e completo o desenho do natural (oretrato acabado se encontra na pagina ao lado). A pessoa, sentada todo esse tempo ld fora, é capaz de ver muito pouco, do que se passa no interior do quarto. Nem se dé conta de que o espelho esta all (acimaed esquerdo), Alguns historiadores da arte me disseram que ha relatos esctitos de arranjos andlogos nos séculos XVe XVI, mas até agora nao os localizel. 1816 Jean-Auguste-Dominique ingres Orretrato acima,a citeta, ¢ um dos poucos desenhos remanescentes cde Jan van Eyck. Dizem ser do cardeal Niccolb Albergati, foi ddesenhado quando ele esteve em Bruges numa viagem de tes dias, «em dezemibro de 1431.Para mim tem oaspecto de um desenho de Ingres, como oacima poisafisionomia é perfeitamente precisa, 0 asso que as roupas nem tanto, possivelmente fetasa olho. As pupilas 123 Observando a Vocactio de Sao Mateus um diretor de filme. lluminacao, figurino, ge cuidadosamente. € nitido que a janela na pa éuma fontede luz Foi pintada para evitar os problemas de “c dificuldade: familiares a todo operador de cimaram hauma nica fonte de luz, bem forte, da direta. Um quad ‘uidadosa —levaria certo tempo para fa Pode-se imaginé-lo dizendo: “Erga sua mao para que fique na luz, mova seu rosto tum pouco mais para cd, vamos trocar a cor dessa capa para um matiz mais claro, captara melhor luze evidenciaré o ombro dele. Uma pena branca no chapéu daquele outro se destacatia contra a parede escura. Cuide para que figura em primeiro plano vista mangas brancas" Caravaggio é, de fato, um mestre em montar “a cena’, narrando a histéria no espaco dda pintura — no em muita profundidade. O olho vaga de lé para cé na superficie da pintura, nao plano adentro. A parede estabelece a profundidade como fix. Compare esse quadro com a Flagelacdo de Cristo (anos 1450), de Piero della Francesca. Piero nao é um diretor com atores a sua frente do modo que ¢ Caravaggio. Ele mexe bracos e pernas de acordo com seu conhecimento das leis da geometria e perspectiva, do modo como sabe serem as figuras, néo do modo comoas ve ps ORE ee eee Re ren ei Cuno ee Uy pelo restante da Europa, sobretudo para a ee ee) ON eee Deru aC Cee LCT) Cee ee Ld DN ene ee Se ioe Ce Re une UE Ore Ey pouco rigida. Mas as duas ultimas Dees co Coe eae ceca instante. Tal como Caravaggio, ele usava eM eRe eel DCU ce ac de o historiador estar em busca de relatos See ue Loe Neetu un ‘mesa branca (@la Caravaggio), evitando Se Resa ur Tec See Ce eer un Tre ce cr Cry eel Cee Cee ene Bree cn nee Dee nu Coc Cr cea) Dee Nee cots Dee Ce eu cd DOM cee ney EO i ene ee ee ue een crt Sed Oe ema esi eee Oe Ce unt cE aparentemente em quartos escuros eee neo Pees aa ee a a DAC eel cee oe ern ce a) eee Oa en eee Ce ee ee a ea eh eee Pence eee ene eee eee mec eee Ce as ee Cu ee separado, cada qual iluminado por uma fonte de luz escudada no lugar da outra figura, Aimagem de um experimento cientifico (1767-8) por Joseph Wright de Derby & Cee ee ees problematica- serd realmente aquele vidro de enxofre? Wright era amigo de alguns os prncipaiscientstasbritanicos,e sem diivida terétido acesso a algumas das mais sofisticadas lentes da época. Seja como for, pelo século XVilla tecnologia das lentes seddesenvolvera tanto que cmaras escuras podiam ser adquiridas em lojas, ea noticias de que foram usadas por artistas, entre eles Canaletto e Reynolds. Denovo, oo eee ee UE eae ee eed Ce uM a eee DOO ee ee ce Cee ea er eed objetivo da arte eo principal critério pelo qual as imagens haviam de ser julgadas. Vale a pena repetir aqui,a meu ver, que a dptica nao faz marcas - ela produz apenas uma imagem, uma aparéncia, um meio de medida.O artista ainda é 0 responsavel pela concepcao,e é necessaria grande habilidade para superar os problemas técnicos e reproduzir a imagem em tinta, No entanto, tao logo se perceba que a éptica exercia profunda influéncia na pintura,¢ era usada pelos artistas, comeca-se a observar as pinturas de um novo modo.Vé-se notaveis semelhangas entre artistas que normalmente nao estariam associados; nota-se diferencas entre pintores tradicionalmente grupados juntos;e observa-se distorcées e descontinuidades nos quadros que sao dificeis de explicar a menos que a Optica tenha sido utilizada. Ingres, na pagina ao lado. Holbein & ‘esquerda, Warhol abaixo, Compare os tracos das roupas em Ingres e Holbein. Sao feitos depressa e sem hesitacao, e parecem diferir, emestilo, dos rostos. Os desenhos s80 confiantes e *precisos". Acompanhe os racos ina manga de Holbein, Sao executados rapidamente, de uma vez, como se decalcados, acompanhando as dobras e conferindo volume. Os tragos ne mago de dinheiro de Warhol 0 andlogos, nada de alteragoes, cada qual em posicao que parece a correta. Cada artista, claro, possuia um "toque" diferente. Ingres, um mestre do lépis, revela as mais sutis variacoes; Warhol, quase nenhuma. A meu ver, entretanto, pode ser aprovavisual = 133 a 1460-70 Artista orentine desconhecido Em meu mural, sobressai nossa velha amiga Mona Lisa (1503) Seu retrato fol o primeiro a evidenciar felcdes tao suaves. Osutil sombreado ao redor dos olhos e boca sao completamente diversos de tudo que aparecera antes, incluindo o proprio retrato de Ginevra de’Benci por Leonardo, pintado quase 30, ‘anos antes. Volte a pagina e dé mais uma olhada neles juntos. Ailuminagio sobre a Mona Lisa é certamente diversa da do retrato de 1474-6: vem bem de cima, projetando sombras sob 0 nariz equeixo, Teré Leonardo usado a dptica para a Mona Lisa? Nao sei, mas certo é que ele observara imagens nitidas do mundo tridimensional numa superficie plana e em cores vivas. Ele com certeza tinha conhecimento das lentes (do que ele nao sabia?) Em seus cadernos de notas, ele descreve a camara escurae imagens produzidas por ela e fornece desenhos de ‘equipamentos para esmerilhar espelhos. Serd forcar muito imaginar que ele vira como era bela a imagem projetadae quisera ele proprio recriar tal aspecto? Talvez isso Ihe bastasse, ‘suas habilidades pictoricas se incumbissem do restante. Suas fenomenais habilidades de desenhista so bem conhecidas,e «le talvez tenha precisado somente ver a imagem projetada para recriar sua aparéncia, Nesta pagina, temos trés retratos do século XV, ena pagina ac lado temos retratos de Giorgionee seus seguidores, pintados no século XVI, Masaccio é um caso interessante, sobre ‘qual me estenderei mais tarde, mas o que quero mostrar aqui Eoaspecto bem diverso das cabecas de Giorgione -a brandura ‘da modelagem, o que um fotdgrafo talvez chamasse de “Toco suave". inovador, alguns anos antes, foi Leonardo. ‘Como michelan ¢ encaixa na historia? Ele certamente tinha conhecimente decalque, uma parte essencial da pintura em afresco; e também vira a arte olandesa, 10 sendo por demais voltada ao mundo real. Senti também que a pinturaa dleo era para amadores; pode-se “corrigi" coisas com éle¢ a0 contrério do afresco. Comparando esses dois retratos ~um detalhe do teto da lac ato de Baldas 140 Acima estdo dois quadros de Diirer, que ha 50 anos se acham juntos na biografia do antsta escrta por Erwin Panofsky. Embora pintados com cerca de apenas um ano de intervalo, parecem bem diferentes. O s6lido estilo linear do retrato de uma moca milanesa (1505), semelhante aquele visto no retrato de Oswolt Krel (1499) na pagina ao, lado, abrandou-sena retrato de uma jovem (1506-7), dominado por efeitos de chiaroscuro, de luz e sombra. Comparada com as duas imagens anteriores, esa jovem parece “fotogrifica’. Algo causou a mudanca, Durer era muito interessado em tecnologia, sobretudo a de fabricar imagens, como demonstra sua xilogravura de uma maquina de desenho na pagina 54, Acredito que ele tenha depado coma éptica entreo vverdo de 1505 eo inicio de 1507, quando esteve em Veneza. Talvez tenha sido introduzido ao método por Giovanni Bellini, que, segundo um relato contemporaneo, disfarcou-se de nobre a fim de posar para Antonello da Messina e assim aprender seus segredos, e que patrocinou Diirer em sua estada em Veneza (Antonello, como vimos, introduziu as técnicas holandesas na Italia). Durer escreveu a seu amigo Pirkheimer que estava'acaminho de Bolonha "para aprender os segredos da perspectiva’. Alguns historiadores acreditam que ele foi vistar Luca Pacioli, companheiro préximo de Leonardo, Durer nao escreveu quais eram esses segredos - talvez tenha jurado segredo. Direr 20 lado e Hals acima, Dois grandes retratos, mas gostaria de dliscutiras diferencas. O retrato de Darer (pintado antes de sua visita aVeneza, em 1505) 6 linear e desarménico, ailuminagao parece Uniforme, no hana verdade sombras dsperas, Sabemos que Durer foium grande desenhista e deixou milhares de desenhos. Frans Hals, em contrapartida, nao deixou um Gnico que fosse. Sua mulher parece extraordinarlamente “real”, Hé uma fonte de luz bastante forte que causa profundas sombras a0 redor do nariz ena parte de {rds da gola. Os detalhes do chapéu acompanham a forma perfeitamente. Qualquer pintor sabera como a elipse dessa gola sera dificil de pintar; mas nao hé marcas de carvo na tela, nada de corregées, Suas pinceladas sd0 muitas vezes soltas, mas dispostas com preciso ~ a 6ptica nao faz as marcas. Contraste esse retrato como de Rubens, no qual agola tem um sentido muito mais solt. Poderia facilmente ter sido feita a olho. 490 Albrecht Borer 1633 1623-5 Peter Poul Rubens Oeesboco de Rubens para seu grande retabulo Virgem e Menino entronizados comsantos mostra perfeitamente a tradicdo do fazera olho. Rubens, é claro, era um desenhista magistral e deixou varios desenhos espléndidos. Era capaz de reproduzirformas e volumes convincentemente apenas com umas poucas pinceladas. Observe aqui os detalhes arquitet6nicos: as linhas sao tracadas livremente e de forma aproximada - nao acompanham as curvas com preciso. Uma imagem viva, dotada de maravilhoso senso de espaco, mas sem optica 150 Acima, um detalhe de Nascimento de Venus (1638-40), de Poussin; a0 lado, Amorte de Cle6patra (1658), de Guido Cagnacci. A comparago que fago aqui é que Poussin é ‘muito mais linear. Pode-se ver como a imagem foi desenhada e composta ‘cuidadosamente na tela ~ nao parece uma cena “real”. Note aestiliza¢ao do drapeado. 0 Cagnacci por sua vez, tem um aspecto dptico. Note oimaculado escorco do braco da cadeira eos precisos realces do ouro modelado em relevo. Atente também para as fortes sombras ea direcao unica da luz, vista novamente contra um pano de fundo negro. A éptica cra contrastes de luz e sombra como este um profundo chiaroscuro ~a iluminar as figuras. A composigo de Cagnacci é bastante andloga a de outras obras dpticas, com figuras virtualmente no mesmo plano ha muito pouco recuo no espaco. Mais uma vez, isso poderia estarrelacionado a profundidade de campo da lente, Cagnacci parece ter utilizado 0 mesmo modelo para cada moca, movendo-a em torno da cadeira para assumiras diferentes poses ~de novo oattista como diretor, talvez? Impressa em preto-e-branco, a jem é dotada de um aspecto extremamente “fotografico’ Para mim ha uma estranha semelhanca entre estas duas imagens pintadas com ‘cem anos de intervalo. Acima esta O nobre de Haarlem Pieter Jan Foppeszoon com sua familia (c.1530), por Marten van Heemskerck, ¢, 8 direta, um retrato duplo de um ‘menino e uma menina por Judith Leyster, de 1635. quadro mais antigo & contemporani baixadores de Holbein. Mais uma vez, trata-se de um grupo sentado em vo Ima mesa encostado 20 plano pictérico, como em Caravaggio. eno jovem Velézquez. Embora as figuras sejam representadas com grande realismo, recortadas de forma aguda e artificial contra 0 pano de fundo. O céu parece ter sido acrescentado mais tarde. Ele me faz lembrar a Cesta rutas de Caravaggio (Paginas 110-11, 0 Retrato de Baldassare Castiglione (pégina 139) de Rafael e o Baco de Velazquez (pdigina 161).£ra.0céu originalmente um pano de fundo escuro? De onde vem a luz? Repare nos objetos sobre a mesa, todos separados uns dos outros (sera este um arranjo normal?). Essa pintura tem todo o cunho da técnica da lente-espelho/colagem. Os Virios elementos da composicao sio pintados separadamente e combinados num espaco incomodo, bem rente a superficie pictorica,Talvez cada cabeca também tena sido desenhada em separado, embora as criancas possam ter sido feitas juntas. Por quanto tempo vocé acha que teriam permanecido naquela posicao? Dizem que Leyster foi assistente de Hals. Observeas poses de suas criancas: de novo, so fugazes - por quanto tempo poderiam ser conservadas? O garoto tera segurado 0 gato oua enguia coma mao direita? Haveria boas razdes para ‘um como para outro, mas a enguia seria mais dificil de segurar;e hé um desconforto na pose semelhante aquele dos bebedores das paginas 118-19. Para mim, apintura parece um “instantaneo” da era vitoriana tardia. parte da explosio de grande naturalismo que varreu a Europa depois de Caravaggio. A Escola de Utrecht, Hals, Velazquez, Cotan - sao todos desse periodo. Como aconteceu isso? De onde vieram as habilidades? Parece que elas surgiram a parde escassa pericia no desenho (Leyster, como Hals, nao feznenhum desenho, ao menos de que se tenha noticia. 1s De novo Frans Hals, de amao em escorco éesp: + pintada tanto ta profundamente “crivel"? mais uma vez, por juanto tempo poderia ser mantida nessa ra-prima de 1885, tenteandi da estrutura sob suas fluida: pinceladas. Devo lembrar que nao ha e aqui nada sendo marcas pintadas. Uma bela pintura, com uma base optica, Esse retrato de 1611 6 uma pintura do jovem Frans Hal que ele vira a utilizar mais tarde. Observemos 0 detalhe do cranio ea mao que o ampara. O que podemos ver nitidamente é que um traco preto circunda cranioe mao, definindo uma drea de tom mais claro, nao as formas se afigura tateado, mas er sido feito de uma s6 vez, um pouco. desenhos de Ingres ou Warhol. Acho que Hals tinha um talento admiravel, talvez como um caricaturista muito bom que’ nigmatica. Que Rembranct tenha tido conhecimento acerca da éptica me parece claro ~ seus alunos com certeza tinham, Mas meu argumento aquié simples: Rembrandt transcendeu 0 aspecto “naturalista’ com seu poder temocional. Nenhum artista, nem antes ou depois infundiu tanto em rostos como ele. Podemos ver no raio X do anciéo a direita como Rembrandt comecava seus retratos com uma répida notacao de fortes contrastes, uma luz intensa causando profundas sombras. A pintura subjacente é miraculosa em sua economia, porém a cabeca acabada comove a fundo pelo ar simples e pouco detalhista, com tum tratamento sutil da expresso ao redor dos colhos e da boca que sugereo exame célidoe detido de um semelhante. 1654 Cranach, o Mog: quez a direita. Pintados com cerca de um século de intervalo, as expressoes sdo bem diversas. omosde Cranach, je Velazquez parecer “modernos’, reais - todos eles rosto do meio esta sorrindo, nao somente com a boca, mas jo rosto sao de extraordinaria precisdo, Teriam sido de tal feito aolho ou pintado de meméria? Denovo, a nchida por uma iluminacao bastante cuidadosa, uma que nao se ona com o plano de fundo, como se a figuras estivessem num estudio eo cenério fosse acrescentado mais tarde, o Observe o mesmo rosto do Baco, a0 fim de uma sequléncia de retratos pintados por Velézquez num periodo de dez anos. nitido como ele se desenvolveu ‘apidamente nos primeiros anos e logo fol capaz de captar mesmo a mais fugidia das expresses. O rosto final tem um sorriso bastante vivo, com uma boca entreaberta que se relaciona perfeitamente com as demais feigbes. As semelhancas s8o obtidas posicionando os olhos, o nariz ea boca corretamente— tudo o mais se encaixa a seguir no devido lugar. Bocas so particularmente dificeis de executar. Como disse John Singer Sargent: Um retrato é uma pintura com algo errado na boca anhol e holandes: Velézquez abalxo e Gerrit van Honthorst obras foram pintadas nos anos 1620, e ambas revelam expressdes e gestos fugazes. V donode ppincel maravilhosos ~ é mais audaz, menos detalhista, menos literal que Van He 3s possuem uma preciso que a mim sugere algum uso da dptica. 0 globe uez 6 tao perfeito quanto ode século antes, Feito a olho? Apena: pare com aarquitetura de precisou somente de poucos trag Sorrisos,sorrisos, sorrisos, Reconhecemos fotografias de rostos sorridentes como apenas fracées de segundo. Sorrisos nao duram, nao se tem muito tempo para examiné-los, Artistas que “fazem a olho”e precisam de mais tempo para fixar as feigdes essenciais tendem a registrar expresses mais estaticas. Mesmo com o expediente 6ptico,o artista tem de ser bem rapido, fazendo apenas umas ppoucas marcas para registrar um instante fugidio, Somente aqueles com alto nivel de habilidade e experiéncia, etalvez com “atores-modelos” profissionais. (capazes de fazer uma pose e manté-la por um tempo maior), podem ter esperancas de captar um sorriso. Oprimeiro sortiso aqui é de Giotto e data de 1305. Nao passa de uma stugestao de sortiso. 0 homem de Piero (1452) estampano rosto uma expresso 166 < aprova visual 1500 1580 1624 tema, mal chegando a ser um sorriso. Em 1470, Antonello retrata um homem com lum sorrisinho um tanto sinistro, e em 1500 Caroto pinta um sorriso atrevido. Todas essas sao expressdes que podem ser mantidas por breve intervalo sem se alterarem, e podem ser repetidas (“Olha 0 passarinho!”, diz o fotografo para obter ‘um sorriso). 0 retrato de Carracci (1580) possul uma qualidade mais fugidia, e suas tonalidades partilham algo da fotografia, enquanto ohomem sorridente de Van Honthorst é um momento convincentemente fugaz. Quando viessa imagem em preto-e-branco pela primeira vez, reconheci de pronto sua qualidade de instantaneo. Os olhos se elacionam perfeitamente com a boca aberta. € Inevitavel que tenham sido vistos simultaneamente, ¢ um artista habil com uma projecao seria capaz de fazer notacdes rapidas 0 bastante para estabelecer a relacao entre eles em poucos segundos, 1626-40 PeterPaul Rubens Para vera nitida diferenca entre as imagens feitas a olho e as baseadas em lente, compare estes rostos. Rubens, sabemos, era um grande e prolific desenhista, enquanto Van Honthorst e Velazquez deixaram muito poucos desenhos. Ailuminagao na pintura deles parece diversa, muito mais clara, muito mais forte, ‘mais para o modo que um fotégrafo iluminaria hoje seus temas. Rubens poderia ter pintado sua imagem de memaria, ou feito a olho, a0 paso que os outros dois rostos contém uma precisio, uma proximidade, um ‘ar” que sugere terem sido realizados de modo completamente diverso. 1628-9 Diego Vel v0 O tirocinio de jovens artistas no século XVII (e antes) envolvia a cépia de quadtos. a Copiar um quadro é estudé-lo. Técnicas de pintura seriam desenvolvidas rapidamente copiando o mestre. Mas como eram feitas as cépias? Nesta pagina temos duas verses do Vendedor de dgua de Velézquez. Além do acréscimo de um ‘chapéu no vendedor de dgua, a segunda pintura ¢ uma cépia muito, mas muito precisa da primeira, que data de cerca de 1619. Todas as pequenas riscas no itregular pote de agua, com seu formato imperfeito, a0 idénticas (verificamos isso pondo uma transparéncia da cépia sobre o original). sso seria impossivel se tivesse sido copiada a olho. Poderia ter sido decalcada, mas que eu saiba nao existem desenhos decalcados. Terd sido usada a Optica, tal como creio que Van Eyck utilizou ‘uma lente-espetho para trasladar seu desenho do cardeal Albergati? Asimagens nesta pagina talveznos fornecam ‘uma pista. raio X do retrato de um joven (1618-9) por Velazquez, a esquerda, revela que a pintura subjacente a imagem contém 0 retrato de outro homem (esquerda abaixo).0 interessante & que essa cabeca éa exata imagem especular de um retrato em outra das pinturas de Velazquez, Trio Musical de 1617-8 (direita abaixo; ver também pagina 126). aprova visual = 171 enorme diferencaentreo tamanho dos ombros do homem acima (atelié de ogier van der Weyden,c.1440) e os da senhora a dire (Parmigianino, 1524-7) é engragada, mas na imediatamente ébvia, O Parmigianino parece bastante natural”, com forte iluminagao lateral, e cada parte parece “realista".O braco esquerdo da senhora, visto isoladamente, tem seu brago diteito asp reas, props mbros etornam s abega squenos. re Re 1ercado, de Chardin, tem admirado desde sua primeira exposicio no Salio de Paris, em 1739. Essa versio, segundi tudiosos, 6a tltima de trés existentes, porém sua procedéncia anterior é desconhecida, 8 diferenca das outras duas apontar aqui uma coisa: é sem divida uma das obras-primas de Chardin, as tintas ja por si sao estupendas. Mas a moca parece mesmo bastante alta, seu braco bastante longo, eela aparenta ter dois c Nas outras duas versoes, seus bracos so ligeiramente alterados para parecerem “corretos hardin as as tres proximo ao coto ouvre é datak >sterior as outras duas. Mas poderia ser essa na ia, mantida no como modelo para as outra desconhecimento de sua procedéncia? Velazquez esquerda, Hals na pagina ao lado. Amt ‘em excessivamente altas em rela cabecas. O cavalheiro de Hal er apr be porém as botas também sao vistas de fr olhamos de cima, Sabemos que Hals pintava a 0 ~ burgueses ocup 1636 Fron —) | Claro que os aristasterto por vezes ado dlstorgbes para eft. Amos num balngo (1760, de Fragonard tem malor movimentog ada fotografia abel (claramenteum ile fle) Aposigio das pemas noquadrode Fragonard éestranha em terms anatdmicos, mmasobviamente sil paactiarasensagiode movimento, fotografia ¢esttca em comparacio. No se nota nem se toma em considera cosproblemas da anatomia em Fragonard, ma no retrato de uma senhora genoves seul pintado por Van Dyckem tomo de 1626,sn, Neleas proporcdes parecembastante estranhas. Por qué? Embora pensemosergue vista paraa mulher de uma posko mas bab orosto dela visto de frente —ndo vernosa parte inferior de seu naviz, com deveramos no entanto ostodo garoto também vist frente. Agora observe como ascabecs esto afastadas uma da outraapesardeeles eae dle mos dada. € onde etéoos ps da senho f somente quando seenverga isoquesena camo ea é enorme se ease levantase te mais de rs metros e melo de tural Parece fc que ambos, meek en posado para oartita 2 mesmo tempo Deve ter sido pintadosseparadamenteereunidose rmantagem. Orostodasenhora devetesdo pintado em hora versa da de seu vesido.H com certezavios pont de vita aqul Ape comeca a perceber que qualquer eratode corpo inti precisa ter a0 menos dois pont de vista:paracaptarodetalhedorosto prec estar bem pero, para verafigrainteiaé necessrlorecuaraceta dstdnca,ou pnt lem seces, com pontos de vista miltplos Essas duas pinturas ;poca, eambas us O que, porém, énotavel aqui sdo €.1638-9), de Zurbaran, mostra um cranio sobre am “comprimido".Tem uma sido causado pela éptica? Quando é comprimido em outra direcao, lem cerca de 10% (esquerda), par Um ligeiro vies no angulo da tela tera causad Algo semelhante pode ser visto no homem de armadura de Van dg; ¢.1630).A armadura é graciosamente igo um tanto De novo comprimimos a figura, desta vez verticalmente (acimad direita),e ela pareceu mais confortavel,e as c afiguraram mais “normais". Sera que isso importa? Essas di nao so a principio muito ébvias. Hé tempos que contemplo essas pinturas no Museu Norton Simon, e realmente nao notara essas coisas. Que dird o espectador uma ver que voc elas simplesmente nao desapa aprovavisual > 179 wale bs eRe ea Estas duas obras, realizadas com cinco anos de intervalo entre si, mostram que nem toda pintura baseada em lentes precisa parecer igual. 0 estranho vaso de corda com flores de Cagnacci, de cerca de 1645, & tal qual uma fotografia em cores. Ha de ter levado algum tempo para pintat: La esta outra vez nosso pano de fundo escuro e nossa forte iluminagao, que capta precisamente o detalhe da corda rota e das flores. Talvez fosse uma peca de “ostentacao’ ‘Olhem como faco parecer reall" ~ uma justificativa que a maioria dos artistas compreendera, cima est 0 magnifico retrato do papa Inacéncio X (1650), de Velazquez. Ele nao parece ter reproduzido seu elevado tema com tantos detalhes quanto Cagnacci em suas humildes flores. Ainda assim, a cabeca é bastante precisa, Parece viva. O brilho no cetim ésimples e esta sempre no lugar certo. € uma técnica muito diferente da de Cagnacci, porém igualmente “naturalista” e baseada na visdo éptica do mundo. Hé muitas questdes nao respondidas,e este livro ndo pode ser mais que uma introducao a um tema vasto. Embora eu nao tenha diivida de que a tese central esteja correta, certamente ha mais a ser descoberto,¢ isso poderia ter seu impacto na histéria tal como a esbocei aqui.Por exemplo, identifiquei o primeiro uso da dptica como tendo ocorrido em Flandres, Por volta de 1430 -hé sélidos indicios.No entanto, fico intrigado com Masaccio, trabalhando em Florenca uma ou duas décadas antes. Seus retratos sao pintados com menos meticulosidade que os de Van Eyck, mas isso poderia ser atribuido a sua técnica,o afresco.Eles tém, contudo, uma aparéncia andloga, e Masaccio foi o primeiro pintor italiano a conferir uma verdadeira individualidade a rostos numa multido (como nas multidées flamengas). O final da historia (que, é claro, ainda nao acabou) é também problematico. Sabemos que o advento da fotografia quimica teve um profundo impacto sobre a pintura - que ela foi o estopim de uma revolucéo contra a imagem éptica (impressionismo, cubismo). Agora ha uma nova revolucao técnica na fatura de imagens. Que efeito ela tera? imyencao Qurmica, fava fora imagem da lente 1934, 1400 Lenves + espelbes Cavaveggio 1600 meoroni Esta é minha tentativa de explicar o que imagino tenha acontecido. A linha vermelha éa imagem baseada em lentes; verde €a tradigao do “fazer a olho”. Antes de 1430, a vermelha talvez devesse ser 10a, em parte porque néo podemos ter certeza de que esta foi a primeirissima aparicéo da dptica na pintura, ¢ em parte porque espelhos e lentes existiram indiscutivelmente antes disso - alguns artistas talvez tenham tido noticia de seus efeitos. Sou de opiniao que, em alguns momentos de sua historia, a linha verde esteve préxima da vermelha, influenciada por aquilo que os artistas observavam pelas lentes. O primeiro desses momentos foi por volta de 1430, em Flandres, Outros artistas viram os resultados e foram imediatamente afetados. A influéncia da nova arte disseminourse. 0 conhecimento de como fazé-lo tomnou-se tema de muito rumor entre os artesdos da guilda, Devagar, 0 boato vazou, mas, salvo algumas excegdes (Antonello da Messina, por ‘exemplo) 0 “segredo” fol mais ou menos contido ao norte da Europa. Mas, entéo, o Retdbulo de Portinari, de Hugo van der Goes, é enviado a Florenca nos anos 1480, eai comecamos a ver crescentes indicios da optica naarteitaliana, Pelos idos de 1500, Leonardo escreve sobre a camara escura. Certos artistas, como Giorgione e Rafael, passam a fazer experimentos com a dptica, enquanto outros como Michelangelo preferem cingir-se ao fazer olho, Pela época de Caravaggio, espelhos e lentes ja circulavamn havia ao menos 170 anos,e cientistas como Giambattista della Porta instruem artistas sobre como usé-los, De repente, ha uma espantosa explosio de naturalismo, Durante quatro séculos,ofazer a olho segue de pertoa lente. Isso nao quer dizer que todos usassem. lentes, apenas que todos tentavam, em varios graus e com diversos resultados, emular os efeitos nnaturalistas ~a “aparéncia", 0 “parecido com ~ das imagens baseadas em lentes. De vez em quando, certos individuos sensiveis, como Rembrandt, cruzam a fronteira, transcendendo o simples naturalismo para produzir pinturas que nao somente reproduzem a realidade exterior, mas também revelam “verdades" internas. No todo, porém, continuam a seguir o exemplo da éptica 184 < aprovavisual rnagerrs aurmtas ef lenbes so phorefia filme Tv. Gem mao na Camara) manievencéo digital. 170 fore 2 Gurepe |Aisobrevém a invengao que fixa a imagem da lente com produtos quimicos (fotografia), suprimindo por completo a necessidade da mao do artista. A lente se espalha entao com rapidez muito maior que antes, masa principio a fotografia ainda se restringe aos relativamente abastados. Dali a cerca de 25, ‘anos, contudo, seu impacto se faz sentir de forma muito mais ampla. A pintura de vanguarda quer entdo se distinguir da lente e assim inflete bruscamente alinha verde para longe da vermelha. Este ¢o rnascimento da arte modema, A desarmonia retorna, Pintores avancados passam a dirigio olhar para fora da Europa e rumo a arte do Extremo Oriente, que oferece modos alternativos de ver, Mas a lente, levada adiante pela fotografia (e por pintores académicos), permanece dominante, para se tomar afinal filme etelevisao. A brecha se alarga, sendo 0 cubismo o primeiro estilo de pinturaa ‘mostrar um novo modo de representar o mundo bem remoto a veracidade da lente. Por volta de 1930, pporém,allinha vermelha se adensa, Os filmes estéo agora por toda parte ~a mais iel reproducao. possivel da realidade, pensava-se. Esse é0 periodo em que a arte moderna sofre seus mais sérios ataques, sobretudo dos grandes tiranos - Hitler, Stalin, Mao ~ que exigem todos as imagens baseadas tem lentes eas usam para consolidar seu poder. £ também 0 periodo dos confltos mundiais mais sangrentos, muito além de tudo quanto se conhecia antes. Seré que essas coisas estdo relacionadas? Certamente, o controle da midia era essencial para a carificina, Nos anos 70, chega o computador ealtera a imagem da lente. (A tecnologia sempre parece ter seu feito sobre a representacao,) A manipulacao do computador significa que nao é mais possivel acreditar ‘que uma fotografia represente um objeto espectfico num lugar especifico num tempo especifico ~ acreditar que ela é objetiva e “verdadeira’. A posicéo especial, mesmo. posi¢so juridica, que a fotografia teve um dia, desapareceu. (Manipular~ “usar ama ) Amao regressou as imagens baseadas em lentes. O computador tornou a aproximar a fotografia ao desenho e a pintura. O software usa termos como “paleta’ ‘pincel", “lapis” e “caixa de cores”. Assim, onde estamos agora? Seré que as linhas se lentrecruzam ou se emaranham? a provavisual ~ 185 Nestas pig inte eo depois um detalhe de um afresco nao de prata seiscentista de tentar com que realis 1881-2), Astimitacoes da imagem dptica. Compare a notavel verossimilhanca da cesta de frutas (1596) de Caravaggio (a0 ado) com a nova desarmonia das macas (1877-8) de Cézanne (abaixo). Agora coloque a pagina aberta a certa distancia. Quanto mais, voce se afasta do livro, mais dificil sdo de ver, deler as macas de Caravaggio; as de Cézanne, por sua ver, ficam mais fortes, mas nitidas. A imagem de Caravaggio se interna na pintura,a de Cézanne vem até vocé - ocupa seu espaco. 0 que ‘acontece? Uma visio de um olho (monocular) da lente contra a de dois olhos (binocular) - uma visdo mais humana. aprova visual 189 lente, Por volta de 1870 ou seja, apés a fot nlentes- retoma a desarmonia. Mas n Cézanne, tal como vimos com suas maga que quero dizer, no fe pegue oll distancia, o garoto ainda parece préximo ao espectador, na 0 que o de Velazquez esta muito mais afastado em profundidade e 1883-5 au é dificil distinguira imagem com nitidez. Aino\ le e ele incutiu nas imagens suas di mo 0s obj pontos de vista estao em fluxo, que sempre ontraditerias. € uma visio humana, binocular Estas duasimagens - Henri Fantin-Latour (1890),na pagina ao lado, e Edouard Manet (1882), direta—estiveram juntas na mesma pagina pelos titimos 40 anos, na Arteeilusdo de Ernst Gombrich. O autor ‘queria mostrar como deve ter sido “dificil” para as pessoas aceitarem o estilo desarménico de Manet, quando estavam acostumados ao retrato académico de Fantin-Latour. Hoje, vejo “lente” e“sem lente". Parece perfeitamente claro. a provavisual 33

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