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A POTÊNCIA DO MÉTODO MARXIANO PARA A EVOLUÇÃO CRÍTICA DO

SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO.

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo refletir sobre o processo histórico e dialético da evolução crítica
do Serviço Social brasileiro, evolução essa associada à interlocução com a tradição marxista. A teoria
social elaborada por Marx vincula-se a um projeto revolucionário a serviço dos trabalhadores. Desse
modo, pretende-se ressaltar sobre a importância do método investigativo que o filósofo alemão descobriu
para o estudo da sociedade burguesa e posteriormente sua relação com a evolução crítica da profissão.
Isso quer dizer que tanto o método histórico crítico-dialético quanto à teoria social marxiana e
marxista foram apoderadas pela profissão, e no curso do seu desenvolvimento histórico se expressa
através dos posicionamentos dos (as) Assistentes sociais junto às instâncias representativas
(CFESS/CRESS; ABESS; ENESSO) ao lado da classe trabalhadora e em seus diversos campos de
atuação profissional buscam construir enfretamentos e resistências que possam garantir os direitos civis,
sociais, políticos e humanos.
Além do Projeto ético-político profissional (PEPP) que desde a década de 1970 se compromete
com os interesses da classe trabalhadora, e após 1980 (Movimento de ruptura) avança de maneira
explicita no que tange a maturidade profissional vinculando-se a construção de outra ordem societária
livre das explorações de classe, raça, gênero e etnia. Ou seja, o PEPP fundamenta-se na Teoria Social de
Marx (BRAZ, 1996).
É importante destacar que apesar do avanço do marxismo no Serviço Social, tal teoria não se
encontra num espectro homogêneo da profissão. Embora, há uma vasta produção acadêmica que defenda
à utilidade da teoria marxista enquanto direcionamento ideológico e político profissional, esta vertente
não predomina por todas as esferas da profissão. Pelo contrário, há profissionais que se baseiam em
tradições originárias da profissão, e o PEPP está em constante disputa. Ainda existem “tendências
empiricistas e, portanto, descritivas e classificatórias da vida social, que tende a não estimular a abstração
como recurso heurístico fundamental para desvendar a sociedade; além, de uma forte marca do a-
historicismo (recusa da história, traduzida na busca de entender o Serviço Social em si e pra si mesmo)”
(IAMAMOTO, 2013, p 205).
Há em intelectuais e profissionais o fortalecimento de uma tradição intelectual de que o Serviço
Social é caudatário. O que os impedem de superar uma trajetória marcada “pelos modos de pensar a
profissão estreitamente imbricada à herança intelectual e cultural do pensamento social na modernidade,
especialmente na sua vertente conservadora e positivista” (p. 204), portanto, negam o principio da
totalidade – fundamental para entender essa sociedade e os fenômenos particulares que a constituem
(IAMAMOTO, 2013).
Entretanto, apesar de entendermos a importância de um debate profundo sobre as diversas
análises metodológicas provenientes do pensamento que deu origem ao Serviço Social, e que acabam
deixando de lado a análise da sociedade pela perspectiva de totalidade e, que, portanto, assumem posturas
pautadas no ecletismo1 (além das disputas atuais no campo no pensamento crítico). Não será possível
discorrer sobre esse tema com rigor, haja vista os limites de construção desse trabalho.
Desse modo, nosso debate se sustentará sob a égide da defesa do método marxiano e suas
potencialidades que possibilitam à leitura crítica, histórica, profunda e dialética dos fenômenos em sua
totalidade. De acordo, com as bibliografias estudadas (com destaque para Netto (1989); Iamamoto (2013);
Simionatto (2018); etc.) chegamos a seguinte conclusão: somente com a interlocução entre o Serviço
Social e a tradição marxista foi possível romper com as bases positivistas; cristã; tradicionalistas e
conservadoras da profissão.
Cabe aqui ressaltar, que os recursos oferecidos pelo materialismo histórico-dialético
proporcionam uma análise capaz de captar todos os elementos constitutivos do real. Através da abstração
(capacidade intelectiva de reprodução mental do real) ao identificarmos um determinado objeto de
pesquisa que precisa ser desvelado/compreendido/analisado. Marx (2011) nos ensina sobre à necessidade
de desagregar/separar suas unidades constitutivas de maneira minuciosa para entendê-lo e, identificar as
relações e conexões existentes entre esses elementos para que assim seja possível visualizar sua
totalidade. Todo esse processo resulta na reconstrução da síntese, portanto no “concreto pensado”.
1
De acordo com Iamamoto (2013) (...) “quando [se fala] em superar o ecletismo [não necessariamente assume-se] uma posição
dogmática que redunde em estreitamento do debate. Ao contrário, [considera-se] fundamental que a polêmica sobre as diferentes
concepções teórico-metodológicas se solidifique no meio acadêmico-profissional, numa perspectiva pluralista, o que não se
confunde com o ecletismo. Enquanto o pluralismo implica o embate e o debate de diferentes proposições, o ecletismo expressa-se
como conciliação no plano das ideias, fruto, inclusive, da tradição política predominante em nossa formação histórica e social” (p.
205, 206).
Isso quer dizer, que a interlocução entre a profissão e a tradição marxistas potencializou a
capacidade critica dos assistentes sociais e intelectuais da época. Portanto, não só iniciou-se no país à
produção de conhecimento próprio do Serviço Social (conhecimento esse oriundo dos mais variados
campos de atuação, como por exemplo: “a assistência social”- objeto histórico de intervenção
profissional), como também maior capacidade de reflexão (para além da aparência) da prática
profissional.

DESENVOLVIMENTO

Afirmamos não ser possível falar de marxismo no Serviço Social até a década de 1970, pois as
aproximações, contribuições e apropriações davam-se de maneira enviesada. Para Simionato (2018) “após
o Movimento de Reconceituação 2 na América Latina, pode-se afirmar que o maior legado teórico da
experiência reconceitualizadora foi aproximação com o a perspectiva marxista e a abertura de
interlocução com outras áreas do conhecimento” (p. 85). Desse modo, elencaremos os principais
elementos do que estamos chamamos de “evolução crítica” do Serviço Social.
Em solo brasileiro, podemos entender a máxima quando afirma que o método de Marx não só
nos permite interpretar o mundo, mas também mudá-lo. E nesse sentido, os aportes da tradição marxista
foram fundamentais para a revisão das bases conceituais da profissão. Ou seja, o legado marxista
contribui para além da interpretação dos fenômenos, mas também na realidade social concreta (NETTO,
1989). Portanto, foi possível renovar e inovar no âmbito profissional: o Projeto Ético-político e suas ações
prático-operativas; a produção de trabalhos a partir da perspectiva marxista; lutas sociais em prol dos
direitos civis, humanos e político da classe trabalhadora; a produção científica das pós-graduações; e a
iniciativa do Método BH (1972-1975). Tudo isso durante um contexto extremamente desafiador de
ditadura civil militar.
Um marco importante dessa época foi livro: “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil” de
Marilda Villela Iamamoto, iniciando o protagonismo crítico da profissão. Além disso, a renovação da
formação profissional através do Currículo de 1982, dos Códigos de ética de 1986 e 1993 e das Diretrizes
Curriculares (1996), formaram ao lado da Lei de Regulamentação da Profissão (1993), o Projeto Ético-
político profissional e o subsídio para os direcionamentos de luta política dos Assistentes Sociais.
A vanguarda da profissão desde o Movimento de Reconceituação sempre buscou certo respaldo
de maneira alinhada pela teoria e método do pensamento de Marx, na intenção de construir de um perfil
profissional que fosse possível à apreensão da realidade através das situações cotidianas de desigualdade,
exploração, violência e ataque aos direitos, que pudesse vislumbrar a radical mudança da ordem.
É por isto que Simionato (2018) afirma em consonância com as publicações da ABESS, que
após essa ampliação teórico-prático do Serviço Social e a tradição marxista foi essencial para a
compreensão do significado da profissão, pois, “enquanto especialização do trabalho evidencia o caráter
de historicidade da profissão, situada do quadro das relações sociais entre as classes e destas com o
Estado e com o conjunto da sociedade” (ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 153 apud SIMIONATO, 2018, p.
87).
A partir de 1990, o debate se aprofunda e demarca uma nova fase para o Serviço Social
brasileiro, com a significativa produção acadêmica fundamentada no marxismo foi possível estabelecer as
bases para aquilo que Netto denominou de “orientações marxistas para a profissão”, pois os debates em
torno de temas importantes ganharam força, especificamente ao que se refere à questão social, à
democracia, cidadania, aos movimentos sociais, os direitos socais, as configurações do Estado brasileiro e
expansão do capitalismo em escala mundial (SIMIONATO, 2018).
Mas, isso só foi possível a partir da introdução de um enriquecimento teórico com bases em
alguns pensadores:
Os filósofos húngaros Gyorgy Lukács e Agnes Heller suas problematizações sobre o cotidiano, os valores e a
ética, as chaves analíticas da experiência humana e da cultura desenvolvidas por E.P Thompson, as
contribuições de Hobsbawn na interpretação marxista da história, o estruturalismo genético de Lucien
Goldman, a dialética do concreto de Karel Kosik, as obras de Florestan Fernandes, Caio Pardo Júnior e
Octavio Ianni no estudo da sociedade brasileira, destacando-se o papel deste último na formação pós-graduada
junto a PUC-SP. Amplia-se o aprofundamento do pensamento gramsciano especialmente a partir do ingresso
de Carlos Nelson Coutinho na Escola de Serviço Social da UFRJ, do pensamento de Lukács e de Marx com as
publicações de José Paulo Netto, Marilda Iamamoto e de um vasto elenco de professores nas diversas
instituições de ensino superior com formação em Serviço Social e em outras áreas como Filosofia, Sociologia
e Ciência Política (Idem, p. 93, 94).

Nesse sentido, as apropriações e aprofundamentos teóricos trouxeram os elementos necessários


para construção de uma reformulação do Serviço Social, encaminhando seus profissionais para análise
pautada nos preceitos fundamentais do método de Marx, de modo que, a apreensão e intervenção sob os
2
Movimento de cunho latinoamericano, de caráter necessariamente sincrético e multifacetado, que suscitou um intenso debate
teórico-metodológico entre os assistentes sociais durante uma década (1965 a 1975).
diversos fenômenos enfrentados cotidianamente nos diversos espaços de atuação (os assistentes sociais,
assim como qualquer outra profissional está inserido na dinâmica do salário, por isso, encontram-se em
espaços contraditórios, inseridos em diversas áreas e instituições, com seus determinantes estruturais que
acabam por sufocar e burocratizar os serviços e os direitos da população) não se restringisse à sua
aparência imediata. Portanto, é preciso abstratamente recorrer à dialética. De modo geral a categoria
fundamental de totalidade.
Sendo assim, a categoria de totalidade, de acordo com Souza (2009) é nomeada reiteradas vezes
no corpo do texto das Diretrizes Curriculares, ilustrando assim “os elementos necessários para a formação
profissional, configurando um conjunto de conhecimentos que capacitem o Assistente Social nos níveis
teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo” (p. 92), portanto, a afirmação da categoria de
totalidade requer “apreensão dinâmica da reprodução do capital; as determinações reflexivas com a
categoria trabalho; bem como as relações recíprocas entre as particularidades das mediações de segunda
ordem – pertencentes à esfera da reprodução social” (ABEPSS, 1997, p. 62 apud SOUZA, 2009, p. 92).
Por fim, isso indica que a passagem de um Serviço Social tradicional, submerso pelas práticas
caritativas, assistenciais, tarefista, imediatista e ligadas tanto ao viés católico quanto ao ecletismo e
positivismo das ciências sociais, foi superado (ainda que não totalmente) pela potência crítica, ampliada,
abstrata e revolucionária da teoria social e do método de Marx, que oferecem os elementos fundamentais
para intervir de forma mais qualificada, crítica e questionadora frente à realidade social.
Nesse sentido, o Assistente Social precisa está atento às armadilhas impostas tanto pelo espaço
burocrático profissional, quanto as ações cotidianas assoladas pelo capitalismo devastador, por isso suas
intervenções (apesar desafiador) devem se alinhar aquilo fomentado pelo método marxiano, ou seja, de
forma crítica e atenta ao movimento dinâmico da realidade objetiva.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Não é correto (nem verdadeiro) afirmar que o Serviço Social é uma profissão marxista, pois,
como anteriormente afirmado, não estabelecemos um “saber próprio” tão pouco uma “teoria”. O Serviço
Social é uma profissão que no decorrer do seu desenvolvimento histórico pode se apropriar
majoritariamente do pensamento conservador, liberal burguês, positivista, cristão ou crítico
revolucionário. Porém, é fato que o Serviço Social se encontra na contracorrente da dinâmica social, de
maneira ampliada (ancorado na tradição marxista) engrossa as fileiras pela resistência, junto aqueles que
lutam e defendem o direito dos homens e mulheres pobres, problematizam e denunciam as mudanças do
mundo trabalho, e os desastres ambientais; estão alinhados com a defesa dos direitos da pessoa idosa, das
crianças e adolescentes, do povo preto, pardo e periférico, os LGBT, indígena, etc. Em suma, pela
mudança de paradigma, ou seja, a construção de uma sociedade livre das amarras do capitalismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desse arcabouço que pontuamos de maneira extremamente resumida, mas indicando os
elementos gerais, percebemos a potência do Método e da Teoria Social formulada por Marx, entendendo
sua aproximação com o Serviço Social e todos os avanços oriundos desta. Foi possível visualizar o
desenvolvimento teórico-científico e ideo-político da profissão, assim como, as ações interventivas no
cotidiano profissional, entendendo que não há mudanças de paradigmas sem que haja mudança
intelectual, por isso, o acesso fiel às obras de Marx e seus seguidores foram essências para as bases
estabelecidas entre teoria e prática profissional. Somado a isso, nossa disputa no campo teórico ainda
permanece, é necessário à qualificação contínua dos Assistentes Sociais, e a democratização dos
resultados investigados e dos avanços teóricos advindos da academia para toda categoria profissional.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRAZ, M. Notas sobre o Projeto ético-político do Serviço Social. In: Assistente Social: Ética  e Direitos. 3. ed.
(rev. e ampl.). Rio de Janeiro: CRESS, 1996

IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. Ensaios Críticos. – 12. Ed. – São Paulo: Cortez 2013.

MARX, Karl. Grundisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboço da economia política – Tradução: Mario Duayer, Rio de Janeiro:
Boitempo; UFRJ, 2011.

NETTO, Paulo José. O Serviço Social e a tradição marxista. Revista: Serviço Social e Sociedade, 1989, ano X, n. 30, abril de 1989, São Paulo.
Cortez.

SIMIONATO, Ivete. As abordagens marxistas sobre os fundamentos do Serviço Social: In: Serviço Social e seus fundamentos: Conhecimento e
Crítica. Guerra, Lewgory, Moljo, Silva e Serpa (Orgs). Campinas, Papel Social, 2018.
SOUZA, Jamerson Murilo Anunciação de. A categoria de totalidade e o Serviço Social: Subsídios teóricos para uma aproximação ao processo
de implementação das Diretrizes Curriculares – Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCSA. Serviço Social 2009.

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