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8 UM NEGOCIO NOBRE; LUCROS E CUSTOS A lavra, reparagao e plantio das doces e domésticas canas de que oagticar é feito é a atividade mais laboriosa e cara jamais desco- berta na terra, ea mais dificil e, ao mesmo tempo, engenbosa [...] nao hd modo de comecar sem uma grande e considerdvel despesa, em instalagio e nas infaltvets reposigdes em todos os aspectos. Discurso preliminar (circa 1789) Quaisquer que fossem os privilégios sociais e politicos ou o status proporciona- dos pela posse de um engenho e de escravos — €, como vereios, cles eram considerd. yeis — a atividade acucareira era 0 que era, um negécio. Os engenhos e os canaviais a cles relacionados cram operados como empresas, reagindo a lucros € perdas € sensiveis 4s alteragdes do mercado. As questes essenciais que devemos abordar s40 as que se apre- sentavam aos proprios senhores de engenho: quanto custava estabelecer um cngcnho? De quem se poderia obter o capital inicial? Qual cra o custo operacional anual, e qual o retor- ho sobre o investimento? Todas parecem indagagOes simples, meras questes contabeis, mas nelas reside o problema, © material necessdrio para responder a muitas delas nao exis- te, Com poucas ¢ notaveis excegdes, no h4 documentacao para os engenhos individual- mente. Os registros notariais, embora mais numerosos, sao esparsos, fragmentérios ¢ mui- tas vezes omissos em aspectos importantes. Finalmente, como problema geral, as prdticas contabeis do periodo estudado continuamente misturavam gastos correntes com aquisi Ges de estoque de capital, disso resultando confusdo € permanente incapacidade de calcu- lar os luctos. Recoahecendo todas essas limitagSes, neste capitulo procuraremos elaborar algumas respostas 4s principais questGes quanto As caracteristicas de um engenho na Bahia colonial. Para comprendermos a natureza do engenho de agticar na Bahia, podemos abordar inicialmente dois aspectos. Primeiro, como vimos no Capitulo 1, a economia acucareira brasileira, desde seus primérdios, caracterizou-se pela presenga de um grande ntimero de individuos que plantavam a cana mas mofam-na em um engenho proximo. Esses lavrado- res de cana eram, em esséncia, senhores de engenho em potencial; embora seu objetivo fosse possuir um engenho, nem todos, ou nem mesmo muitos deles, podiam realisticamente ter esperancas de consegui-lo. Nao obstante, constitufam uma classe importante e numero- sa. Em certas épocas, o Engenho Sergipe contou com 25 lavradores dependentes que for- neciam cana. Entretanto, para a maior parte do perfodo colonial, um mtimero médio mais proximo da realidade € entre trés ¢ quatro desses Javradores por engenho.! Durante a se- 177 finda metide do século xvii, houve aproximadamente de pet dores de cana no ReeOneavo,? Portinto, esuturalmente, o engenho consiathi na propel malmente Inclufa alguns canavlais em suas proprias certs, max que também depenciia dla 4 fornecida por lavadores ligados ao engenho, alguns dos quals eam moradores, ceitos ou arrendatérios, ¢ outros que eram proprictirios independentes. Os senhores de engenho tinham de calcular os custos relativos de usa: os dependentes como parte das ope ragdes do engenho e comparar esses custos com as vantagens de clividir os riscos ¢ as des. esas do plantio com outros produtores. A calamidade provocada por uma safta ruim ou uma queda de pregos nao recaia, assim, apenas sobre o senhor de engenho, mas era com- partilhada por seus lavradores. Estes, por sua vez, estavam dispostos a correr tais riscos porque a cultura da cana podia ser lucrativa ¢ porque eles proprios aspiravam a posigio de senor de engeaho e as vantagens que ela proporcionava. A economia da posse de um engenho, porém, cra de natureza um tanto diferente da de um canavial, e deve ser exami- nagia separadamente. © segundo aspecto que complica a andlise da condugio de um engenho na Bahia € # escassez, de moeda circulante na economic, problema esse tanto naguela regio como eng todo o Império portugués. A prépria metropole freqiientemente sofria com a caréncia defmoeda metilica e, apés 0 século xvI, dependeu do fornecimento espanhol de prata da Amiérica. Quando esse suprimento comecou 4 minguar, em meados do século xv, ocor- teu uma grave escassez monetaria. No Brasil, a situago foi ainda mais dificil. 3 Embora no século Xvi ainda nZo houvesse na col6nia uma casa da moeda, 0 acesso a prata peruana era conseguido por contrabando com Buenos Aires. Esse fluxo sofreu interrup¢ao na déca- da de 1620 ¢ estancou-se na de 1640. Tal suspensdo aliou-se a0 declinio do comércio colo- nial no decénio de 1670, criando uma severa escassez monetiria no Brasil. Portugal, com insuficiéncia de produtos coloniais que compensassem seu déficit comercial, viu sua moe- da esgotar-se. Por volta de 1675, cerca de um tergo do comércio exterior portugues era ago em moeda corrente. A desvalorizacio monetaria de 20%, instituida entre 1686 ¢ 1688, visava a deter a saida de moeda do Império. No Brasil, o problema manifestou-se como uma falta de sangue nas veias do comércio. Apés 1640, os habitantes apresentaram peti- ¢Oes para que a moeda circulante do Brasil fosse desvalorizada, de modo a impedir seu fluxo para Portugal, ou, se isso nao funcionasse, que s¢ procedesse 4 cunhagem de moeda brasileira propria. Em 1670, 0 governador-geral, em resposta a pressao local, escreveu 2 Coroa que “este pais esté sendo perdido por “alta de dinheiro”.* A solugao, para ele, era © comércio com a América espanhola, e em certa medida, a criagdo da Coldnia do Sacra- mento, as margens do rio da Prata, foi uma reagio 4 escassez de moeda, As expedicdes patrocinadas pelo governo acabaram por conduzir 4s descobertas auriferas em Minas Ge- ais, no final da década de 1690, mas os senhores de engenho protestaram que 0 ouro ia diretamente dos mineiros para os comerciantes, estimulando a inflagdo ¢ piorando ainda mais a situagao da agricultura.> Portanto, 0 “dinheiro de contado” foi, via de regra, escasso no Brasil, e muitas tran- sages foram realizadas através de varias formes de crédito. Como os comerciantes cobra- yam um agio por essas operacées, os senhores de engenho consideravam a falta de moeda uma razao fundamental para seu endividamento e procuravam continuamente modos de alterar as condigdes que a causavam. Em 1692, 0 governador Camara Coutinho escreveu na Bahia: “O Brasil (...] de presente fica com a candeia na mao, e com poucas ou nenhumas esperangas de remédio [...] porque Ihe falta a moeda que € o essencial; com que todos os pagamentos estéo parados, 0 acticar nos trapiches, sem haver quem os compre, os senho- tes deles como devem mais do que tém [...] cada um chora ¢ nao sabe por que [...] tio faltos de moeda que no tém com que comprar género nenhum”.® A desvalorizagio mo- nevéria em Portugal incentivou o retorno a Europa do fluxo de moeda brasileiro ¢ elevou 08 precos das impoxtagSes na colénia. A Casa da Moca, estabelecida temporariamente na ton oltacenton liven ile principal, que nor 178 Tahili (1094-1) © (rinaferidla panto [lo de Janelro, (rouge poueo dlivio, Durinte todo 0 46 culo XVH, oF hablitntey di colonia procurarim amenizar seu endividamento como aumen to do evtoque de moeda, CAPITAL F CREDITO © crédito, portanto, fundamentou a organizagio da economia agucareira no Brasil, como ja tizera ¢ farla mais tarde com outras agriculturas de exportagao.” Os contratos de venda ¢ arrendamento geralmente estabeleciam pagamentos em prazos prolongados ou em espécic, ou ainda diferiam o pagamento até a €poca da safta (quando, presumivelmente, 0 devedor disporia de dinheito). 0 acesso ao crédito efa mais importante do que o dinhei- ro em caixa. Em 1781, estimava-se que um individuo podia adquirir um engenho e iniciar as operagdes com apenas um tergo do capital necessario, obtendo o festante com comer- ciantes Ou instituigoes emprestadoras.* De onde vinham o capital ¢ 0 crédito aplicados na atividade agucareira? No século XVI, pelo menos parte dos fundos provinha de investidores estrangciros, flamengos ou ita- lianos, ou da propria metr6pole. Porém, no século seguinte, esse padrdo parece ter se tor- nado menos importante, se nao desapatecido, Nao existem estudos longitudinais que nos permitam delinear as mudangas no acesso ao capital, contudo o trabalho de Rae Flory para © periodo 1680-1725 fornece valiosas informagées e suges:Ses quando combinado a ou- tras fontes.? Desde 0 infcio, os senhores de engenho dependeram do crédito para iniciar as operagbes, pagar as despesas custear a expanso de suas atividades. A quantia empres- tada era normalmente em torno de 400 a 800 mil-réis, mas havia até mesmo empréstimos de 4 contos de réis.'9 Os créditos eram freqiientemente concedidos para fins especificos, como “comprar um partido”, ou “abastecer um engenho”’. Em troca do dinheiro, o deve- dor normalmente comprometia-se a pagar o principal dentro de um certo perfodo ea uma taxa predeterminada. Os emprestadores particulares pareciam preferir empréstimos de curto prazo, pagdveis em um ou dois anos, ao passo que as instituigdes concediam crédito por prazos mais longos. As vezes requeria-se a assinatuta c fiadores nos contratos. Para 0 periodo de 1680 a 1715, Flory analisou trezentos contratos de empréstimo, dos quais os senhores de engenho (61) ¢ lavradores de cana (61) constituirain 41% dos tomadores ¢ receberam cerca de 52% do crédito concedido. Comerciantes ou comerciantes- senhores de engenho compuseram outro grupo significativo, perfazendo 21% dos mutua- tios € recebendo 22% do capital emprestado. Os empréstimos ao setor acucareiro em geral eram garantidos por bens iméveis, co- mo engenhes, canaviais ou casas, de modo que a propriedade como um todo tornava-se, em esséncia, hipotecada, Como ja vimos, tal situagdo cxistia porque as agGes politicas dos senhores de engenho conduziram a leis que os protegiam de execucao hipoteciria parcial de suas propriedades." Porém, como 0 valor de um engenho ou de um canavial geralmen- te excedia o valor do crédito, muitas vezes mais de um empréstimo possufa como garantia a mesma propriedade, 0 que-acarretava dificuldades intermin4veis para os credores que tentavam cobrar dividas em atraso.!? As restrigdes da Igreja 4 usura estabeleciam 0 maxi- mo de 6,25% para a taxa legal de juros; esta permaneceu nesse nivel até 1737, quando, em uma tentativa de estimular a economia agucareira ¢ atender 3s queixas dos senhores de engenho, foi baixada para 5%. Entretanto, embora as instituigdes emprestadoras apa- rentemerte aceitassem esse teto, os emprestadores particulares encontravam formas de au- mentar a taxa de retorno do dinheiro a crédito. A técnica mais popular entre os comercian- tes era conceder 0 crédito com base na préxima safra, a um prego abaixo do esperado para o agticar. Um exemplo de como funcionava esse expediente € 0 contrato firmado em 1698 entre 0 magnata financeiro Joao Matos de Aguiar e 0 capitio Pedro da Silva Daltro. © cre- dor emprestou 140 mil-réis em dinheiro, a 4% de juros, contra a hipoteca de uma fazenda 179 de cand, O emprénino deverit ser pago toulmente en agiear @épork da ehegada da trot NO ano seyuinte, & esse agHewr seria avallado A uM prego abalKo do da pragi.! As fontes de crédito na Balla cram varias, Advogados, clénigos, artenton e wenhores de engenho emprestavam dinheiro, mas, as dias prinelpali fontes de erédito eran, de lon ge, as instituigdes ¢ os comerclantes, Antes de 1808 nao havi bancos no Brasil ¢, assim, as instituigdes religiosas de diversos tipos constitufam-se nos principals emprestadores, As ordens religiosas acotavam essa pratica. Hm 1660, cerca de um sexto da renda dos benedi tinos era derivada de jutos sobre empréstimos, Inmandades como a Ordem Terceira de Si0 Francisco, a Ordem Terceira do Carmo e outras tamibém eram credoras. O Convento de Santa Clara do Desterro, das Carmelitas Descaleas, era outra fonte de fundos, porém a mais importante dessas instituicdes emprestadoras na Bakia era a irmandade beneficente da Mi- seric6rdia, que, sozinha, respondeu por mais de um quarto do crédito concedido na amos- tra de Flory. A Misericérdia inclufa entre seus mutuérios algumas das pessoas mais abasta- das e influentes da capitania, muitas das quais eram zambém confrades da propria institui- Go e freqiientemente membros de seu conselho diretivo.!4 Em 1694, a Misericérdia ha- via concedido créditos totalizando mais de 103:2888000, 0 que deveria ter produzido um retorno anual de 64528000. Contudo, muitos de seus devedores estavam em atraso ou insolventes. Nessa €poca, a Misericrdia mantinha em sua escritura¢o contabil 171 em- préstimos de vulto, 25 com hipotecas de engenhos 2 42 de fazendas de cana; portanto as propriedades acucareiras obtiveram 55% do dinheiro emprestado." Embora a maior parte dos empréstimos da Miscricérdia fossem pequenas quantias, garantidas por hipotecas de propriedades urbanas, os créditos ao setor agucareiro eram mais vultosos. O empréstimo médio para um engenho era pouco mais de 1 conto de réis, e para um canavial cerca de 30% a menos, Em 1727, quando foi efetuada uma nova contabilidade das finangas da Miseric6rdia, a situagao declinante da economia acucareira refletia-se na lista dos devedores dessa irmandade. Aquela época, 234 devedores, mais da metade dos 303 para quem foi possivel determinar a ocupagao, eram senhores de engenho ou lavrado- res de cana. A Misericérdia havia concedido acima de 374 contos de réis em empréstimos, mais de trés vezes a quantia registrada em 1694.'° O Convento de Santa Clara do Desterro era outra fonte institucional de crédito para a inddstria acucareira, Seu capital originava-se de legados ¢ dotes pagos pela entrada das mulheres para 0 convento. A instituig¢ao investia esses fundos e, em 1764, havia realizado empréstimos totalizando quase 128 contos de réis, que rendiam perto de 6,5 contos de t€is 20 ano, Na década de 1790, o convento possuiz hipotecas sobre vinte engenhos. Até os jesuitas recorriam as Clarissas para conseguit dinheiro. Em 1749, receberam um vultoso, empréstimo de 6,5 contos de réis para desenvolver seu recém-adquirido Engenho Pitanga, em Santo Amaro.” ‘As instituigdes emprestadoras favoreciam 08 mutudrios que fossem diretamente liga- dos a instituigdo como membros ou associados. Assim, os confrades da Misericérdia, espe- cialmente os membros de seu conselho dirctivo, cram os tomadores de empréstimo prefe- sidos, Em 1694, a maior divida contraida junto 4 Misericérdia era a de Gongalo Ravasco, filho de um antigo provedor e pertencente, ele proprio, a organizacao. Membros das fami- lias ilustres da sociedade baiana aparecem com regularidade nas listas dos que tomavam empréstimos junto as instituigdes religiosas de Salvador.'® © status e a condigdo de asso- ciado eran attibutos importantes para a concessdo de empréstimos. Aparentemente, a Misericérdia e outras instituicdes emprestadoras com freqiiéncia empenhavam-se em receber apenas 0s juros vencidos dos empréstimos, sendo pouco zelo- sas na cobranga do principal. Tendo em vista as consideragSes e relac6es pessoais que ali cergavam os empréstimos, essa pritica € compreensivel, mas a longo prazo acarretava difi- culdades financeirss aos credores. Em 1694, mais da metade dos empréstimos da Miscri- cérdia estava em atraso, € a irmandade lamentava que mesmo que tentasse exercer seu di- reito legal de executar as hipotecas, as propriedades © mais das vezes estavam to sobrecar- 180 Fejaclie Com oUF Hipotecar que ner Indl procewi-taa, O Convento de sant Glin do Deatero procuraya repetidamente oF teibunals pant cobrar dividias nao pags Hin 1752, tinha-vinte caxow levadow AN eortes e precliava Lidar com devedores que usavam todos os melos, desde 6 suborno até a fuga par AO pagamento,! A col: A revelava-se uum procedimento uificil ¢ dispendioso, Se instituigdes como a Misericdrdia e © Convento do Desterto, que concediam crédito a mut colhidos, com empréstimos de baixo risco ¢ a reduzidas taxas de juros, tinham problemas para receber, a posicdo dos outros credores era provavelmente pior, em especial nos periodos dificeis para a economia aguca- reira. Essa situagao enearecia e complicava a obtengdo de crédito junto aos emprestadores particulares, que p:ocuravam formas de simplificar as execugdes hipotecarias para se pro- teger. Em 1699, Joio Matos de Aguiar emprestou 250 mil-réis a0 desembargador Francisco Rodrigues da Silva, contra a hipoteca de uma fazenda de ouna, com uma clausula estabele- cendo que essa propriedade nao poderia ser vendida ou alienada a terceiros enquanto a divida nao fosse quitada.? Tais disposigdes tornaram-se pritica comum; Em 1817, quan- do Sotério de Vieira Barroco procurou tomar emprestado | conto de réis para cfetuar me- Ihorias em seu Engenho Aratu, em Paripe, teve de empenaaar 0 engenho como garantia ¢ comprometer-se a ado negocié-lo, arrend4-lo ou aliend-lo sob nenhuma forma até que sal- dasse sua divida”! Como pode ser visto na ‘Tabela 18, apés as instituigdes, os comerciantes estabeleci- dos em Salvador eram a fonte mais ativa de capital € crédito, J examinamos a estranha simbiose entre comerciantes ¢ senhores de engenho, que resultava em uma relagao de cons- tante atragio ¢ repulsa. Nenhuma das partes podia viver com — ou sem —a outra. Embora houvesse interagdo social entre os dois grupos, o que tendia a impedir a formagao de bar- reiras intransponiveis no relacionamento, ambos os lados entendiam admiravelmente bem a natureza de seus préprios interesses ¢ objetivos em assuntos econdmicos, ¢ esses dois grupos relativamente pequenos — talyez duzentas familias de senhores de engenho ¢ cem comerciantes residentes — competitivamente perseguiam suas metas com vigor ¢ discerni- mento.” © fato de, na busca desses objetivos, o bem-cster da Coroa, da colénia, do im- pério ¢ da sociedade ter sido muitas vezes usado como moldura para enquadrar os interes- ses dessas classes nao deve impedit-nos de perceber suas intengGes € planos fundamentais, Os comerciantes ocupavam uma posi¢ao particularmente vantajosa e importante no financiamento da cconomia agucareira. Devido 3 escassez de moeda metdlica, muitas tran- sages cram cfetuadas a base de troca ou escambo, com todas as dificuldades inerentes a Taney 18 Fontes @ tomadores de empréstime na Babla colonial, 1698-1715 eredores: mutuérios milréis —% N % N Instituig6es| 110037453. (125) 27355 41 @) ‘Comerciantes 60,277 248 = 61) 2167 17,4 (52) ‘Comerciantes-senhores de engenho 347314 © 25. 50) AD. Profissionais 30311 125 |G) 12,565.28) Senhores de engenho 1762478, @1) 84929 35,0 61) Artestios 5820 24 8) 14916 61 G3) Lavradores de cana, plantadores de fumo, pecuaristas 4526 19 om 64415 266 = 1) ‘Legados e capelanias de administragio privada 328614 ° Desconhecido 722 3,0 (11) 8774 3,6 (26) Totais de todas as transagGes 242,776 10,0 G00) 242,776 10,0 (300) Fonte: Pony, Rae. Babiaa soctety in the mid-colonial period: the sugar planters, tobacco growers, merchants, and artisans of Salvador and the Recéncavo, 1680-1725. Vese de PhD. University of Texas, 1978, p. 73, 75. 181 1 shite, Or denhores de enyenhe, em especkit, enim afeuidos por enon aliiagho, enn vir tude cle sui permanente necensidide de adquinie capital opericional, exeravos e equipamen tos, Dida a fila de dinhelro, o» come: jes evlavanl em poslgio [deal part conceder em préstimos sob outra forma que no a monetatia, fornecendo as mercadoris necessiriay aos senhores ck engenho a base de crédito, Os comerclantes slmplesmente mantinham eontas abertas para 03 senhores cle engenho ¢ lavracores de cana, supsindo-os com produtos im portados € ento ajustando as contas ao término da safra.2* Os comerciantes freqiientemente auferiam uma remunerayao pelo servigo prestado, negociando receber 0 pagamento da divida em agticar a um preco abaixo do de mercado. Podemos tomar como exemplo 0 caso dos irmaos Luis ¢ JoZo Ferreira da Rocha, que em 1794 tomaram. emprestados 3:974$377 para comprar uma fazerda de cana em Cachoeira, com a inten¢ao de construir ali um engenho. Seu credor exigiu que dois tercos do emprés- timo fossem pagos 4 taxa normal de juros, 5%, mas que o restante fosse pago sem juros, em agdcar da proxima safra, avaliado a 100 réis abaixo do prego da praga. Com uma mar- gem de lucro sobre as importages € um desconto como esse sobre 0 agticar, os comer- ciantes podiam contar com obter um bom retorno em suas transacoes com os produtores de aciiéar. Estes, por sua vez, anuiam a essa prdtica porque, nas palavras de Salvador de Sa, “a necessidade ndo conhece leis’’.24 Portanto, a capitalizagio da indistria acucareira foi em grande parte proporcionada por crédito mercantil. Como informou José da Silva Lisboa em 1781, “'é este ramo do comércio o mais seguro € 0 mais pingue dos negocian- tes”,5 Em fins do século xvut, os empréstimos realizados pelos comerciantes provavelmen- te tornaram-se mais importantes do que haviam sido até entio, devidio ao declinio finan- ceiro de importantes instituigdes emprestadoras como a Misericérdia, Em 1798, 0 gover- nador da Bahia estimou que cada um dos principais comerciantes contava, em sua escritu- ragio contabil, com doze a vinte senhores de engenho e centenas de lavradores de cana figurando como mutuarios.2 Somente os senhores de engenho mais abastados € bem estabelecidos tinham alter- nativas ao crédito mercantil. Os empréstimos de instituic6es, com suas taxas de juros redu- zidas, estavam disponfyeis especialmente para os grandes proprietarios de sélida reputa- do, Alguns senhores de engenho procuravam negociar diretamente com a Europa, evitan- do assim os comerciantes locais. Embora o comércio direto com Portugal facilitasse 0 aces- 50 20 dinheiro para os senhores de engenho, também significava que eles precisatiam assu- mir outros riscos e encargos. Era um método de efetuar transagdes nao isento de riscos ¢ demandava rabilidade € contatos disponiveis a poucos.” Com efeito, durante a era co- lonial, a maioria dos senhores de engenho viu-se forcada a procurar crédito junto a comu- nidadle mercantil local. Quase todos as comerciantes, ou pelo menos os que se autodeno- minayam “homens de negécio””, agiam simultaneamente como agentes cometciais ¢ for- necedores de crédito, assumindo os riscos inerentes a essas fung5es, Quando 0 comercian- te Manoel Gomes Correia morreu em 1817, constavam em seus registros contébeis 79 con- cess6es de crédito € tinha 29 agdes de cobranga em tribunais civeis.%* As execugdes de hipotecas cram relativamente comuns, mas apresentavam muitos problemas. As leis de 1663 e 1723 eram usadas eficazmente pelos senhores de engenho para impedir os creddres de confiscar os engenhos, ¢ os emptestadores muitas vezes ti- nham de se contentar com um pagamento parcial em cada safra. Foi esse 0 caso, em 1785, quando o Engenho Boca do Rio, na paréquia de Paripe, foi arrestado por débito pelo co- merciante Manoel de O, Freire. Anteriormente, Freire havia ten:ado confiscar o engenho, mas 0 governador impedira a execucao da hipoteca. Foi somente quando o pagamento anual deixou de ser efetuado que se permitiu a execugio. Porém, a essa altura, 0 proprietério levara 0 caso <0 tribunal, onde a pendéncia arrastou-se durante nove anos, tempo em que ‘© engenho permanecen inativo.?? Meso quando um engenho era finalmente levado a pregto ptiblico para saldar diviz das, os problemas nao terminavam. Os maiores lances freqiientemente cram dados sem 182 disponibilidade de dinhelro em cabo, medlinte promesn de pagamento em futinn preabe G08) daceltagdo denmas condighes sujeltava Ox credores a espera adicional para receber neu dinhelro, Por outro lado, a excasiey de dinhelro em eaixa na eapliania mantinha balxos ox lances pelar proprledaces leiloadas quando se requerla o pagamento imediato, Hm 1692, Tranelseo de Ratrada quelxou-se amargamente do julz Antonio Rodrigues Banha, que for garaa venda do engenho de Estrada para o pagamento de dividas, insistindo no pagamento em dinheiro, “coisa impossivel de a: pois nunca no Brasil se fez’’.° O primeiro jance tinha sido de 18 contos de réis, mas por causa da condi#io imposta pelo juiz, o enge- iho foi finalmente vendido a sogra do magistrado por 8 contos de réis, pagos em moeda sonante, Qualquer que fosse o motivo para a atitude de Rodrigues Banha, a Relacao da Ba- hia, em 1709, acabou por sancionar o principio do pagamento em dinheiro a vista das pro- pticdades arrematadas em Icildo, a fim de que as dividas pudessem ser liquidadas.}! ‘Apesar de os senhores de engenho geralmente se retratarem como devedores em si- taco desvantajosa, também eles encontravam maneiras de usar o sistema crediticio em proveito préprio, Na amostra de empréstimos levantada por Flory, cerca de 7% do dinhei- to emprestado provinha de senhores de engenho. Para estes, a capacidade de conceder capital ou crédito apresentava no s6 a vantagem usual de um lucrativo retorno sobre 0 investimento mas também a oportunidade de adquirir controle sobre subordinados enga- jados na indistria acucareira. Um procedimento comum era 0 seahor de engenho conce- der emprés:imo a um lavrador de cana, que entdo se comprometia a moer seu produto no engenho do emprestador.** Desse modo, a cana tornava-se “obrigada”” ou “cativa””, ¢ no podia ser beneficiada em outro lugar, mesmo que fossem oferecidas melhores condi- Ges, a no set que se pagasse uma indenizacio ao credor. Os senhores de engenho sempre procuravam garantir um suprimento de cana que mantivesse 0 ngenho funcionando em plena capacidade; e conseguindo 0 fornecimento de cana obrigada, as preocupa¢6es, 0 custo € 0 esforco necessatios todo ano para assegurar um suprimento adequado podiam ser evi- tados. Uma vez obrigado desse modo, o lavrador tinha de levar em conta esse penhor ao realizar qualquer outra transacao envolvendo sua propricdade. O resultado era uma com- plicada trama de contratos que eram freqiientemente violados ¢ um enorme cortejo de aces legais a espera de julgamento, O caso de Joo Gongalves de Azevedo demonstra bem esses problemas. Ele havia tomado um empréstimo para desenvolver uma fazenda de cana na pardquia de Sdo Francisco € hipotecara a propriedade como garantia do crédito. A cana foi obrigads ao engenho vizinho, pertencente a Jodo da Fonseca Vilas Boas. Incapaz de pa- gar a divida, Azevedo foi forgado a vender a fazenda-em pregio otiblico, ¢ a propriedade foi entdo adquirida pelo capitio Jacome AntOnio Merelo. O novo proprietario recusou-se a cultivar cana-de-agticar, o que fez com que Vilas Boas 0 processasse, alegando que a fa- zenda estava obrigada ao seu engenho. Merelo argumentou que o contrato anterior apenas exigia que ele fornecesse cana se dispusesse de alguma, mas nao requeria que ele a cultivas- se se no 0 desejasse. A morte do capitéo néo encerrou o caso, © seus herdeiros tiveram de continuar a disputa.3 A posigio de credor colocava os senhores de engenho em vantagem na concorréncia pelo fornecimento de cana, € eles usavam de todos os meios para assumir esse papel. O caso de Francisco de Brito Freire, que herdou o Engenho Santiago na década de 1670, tor- na isso bem evidente, Em 1678, Brito Freire queixou-se de que seu engenho, localizado em Pernamerim; estava em mau estado e que precisava de pelo menos 600 mil-réis para coloc4-lo novamente em pleno funcionamento. Como resultado das mas condigdes do en- genho, muitos lavradores das imediagSes haviam obrigado sua caaa 2 outros engenhos em troca de dinheiro, e Brito Freire acreditava que a falta de cana acabaria por acarretar a ruina total de seu engenho. Sua tinica esperanca era conseguir cana cativa da mesma maneira, ¢ para tal fim pediu 4 Coroa que Ihe concedesse 4 contos de réis, em troca do direito de cobrar uma divida nesse valor, referente a. um empréstimo que ele fizera a tercciros; assim, ele poderia mandar reparar 0 Engenho Santiago ¢ emprestar dinheiro aos lavradores, sob 183 condigho de obrigaren ut cani A Goren aeedeu parclalmente # erve pedido, & ery tes anos, Brito Treire ja estava levando a cabo weu programa. Tin 1681, empresou 1,4 conto de réls a0 caplidio Antonio de Sousa para a acjuisigho de una Livenda i, COM A CONE! gio de que a cana fosse obrigada e mofda A razlo de uma turela por semana até que a divida fosse liquidada. Para cada tarefa de cana que fosse beneficiada em outro lugar, Sousa teria de pagar uma indenizagao de 8 mil-réis.° Devido a escassez permanente de moeda sonante na Bahia, os senhores de engenhe, para obter cana cativa, as vezes concediam crédito na forma de escravos, terras ou equipa ‘mentos. Esse foi o caso quando Anténio da Rocha Pitta vendeu uma fazenda de cana a Fran- cisco Machado Passanha. A fazenda foi vinculada ao Engenho Gaboto, de propriedade de Rocha Pitta, na paréquia de Matoim, e 0 contrato determinava que a cana ali produzida permaneceria obrigada “enquanto o mundo durar”’. Estabeleceu-se uma detalhada progra- magdo de moagen:, € 0 pagamento deveria ser efetuado com metade do agticar que cou- besse ao lavrador, até a liquidacao da divida. Com essas técnicas, 08 senhores de engenho ‘conseguiam conceder empréstimos e obter cana sem anecessidade de possuir dinhciro em caixa 25 Assim, 0 crédito abria © caminho para a participagdo na atividade agucareira. Sem ele, poucos poderiam estabelecer um engenho ou um canavial, ou conduzir o empreendi- mento apés seu inicio. Testamentos ¢ inventarios revelam que poucas pessoas ligadas 2 economia acucareira morreram sem algurn tipo de divida ativa ou passiva, € os testamen- teiros eram instados a pagar ou cobrar alguma quantia pendente. Embora os senhores de engenho se lastimassem por estarem endividados, © nivel da divida era também um indica- dor de éxito. Quanto mais rico o senhor de engenho e mais valiosos sua propriedade outros bens, mais probabilidade havia de os comerciantes ou outros emprestadores con- cordarem em conceder-Ihe crédito. A impressio deixada pelo exame dos testamentos é de que as dividas raramente excediam o valor da produgio de um ano, de modo que, se ne- cessario, elas pudessem ser liquidadas rapidamente. Era quando 0 endividamento extrapo- lava esse nfvel que os senhores de engenho se viam em dificuldades. ‘As pessoas ingressavam na atividade agucareira de varias formas. O heréi de Defoe, Robinson Crusoe, tornou-se senhor de engenho na Bahia comegando com a cultura do fu- mo € de géneros alimenticios, ¢ entio mandando vit da Africa alguns escravos. Passados dois anos, havia acumulado capital inicial suficiente e, obtendo crédito junto a um comer- ciante local, estava pronto para assumir o papel de senhor de engenho.*? Esse era 0 me- delo que os lavradores de cana esperavam imitar, pois de todas as culturas que prometiam lucros, era a prépria cana-de-agticar a que oferecia a maior chance para finalmente se ad- quirir um engenho. Com capital ou crédito, sempre se podia construir um novo engenhc. Poréni, na década de 1720, boa parte das melhores terras do RecOncavo jé estava ocupada ¢, a menos que o aspirante se dispusesse a ser ploneiro em paréquias remotas, 0 ingresso na classe dos senhores de engenho geralmente implicava a aquisigio de uma propriedade jd estabelecida. Isso freqiientemente era feito por meio de heranca ou casamento, quando herdeiros ¢ matidos assumiam a responsabilidade pelas propriedades da familia. Também cra comum a compra direta de um engenho jé existente. Os comerciantes muitas vezes fi- nanciavam essas aquisicOes, que eam quase invariavelmente pagas em parcelas. Além dis- 80, havia ocasionalmente execu¢des de hipotecas, com pregdes em praca piblica e compra por meio de lances abertos. A indiistria acucareira enfrentou bons € maus tempos, ¢ 0s engenhos, considerados individualmente, as vezes fracassavam devido a m4 administragdo, precos baixos ou recal- citrdincia dos escravos. Sempre havia riscos, c bastava “o Deménio entrar na cabega de uri dos negros para ele arruinar todo o agticar fabricado, sem que 0 senhor ou qualquer outro pudesse fazer coisa alguna até ser tarde demais”.** © importante, porém, € que sempre existia alguém disposto a, por um preco justo, comprar um engenho, assumir os riscos © produzir agdcar. lec 184 Net tocol of que difighin int engenho erin propletirion, OF contaton de anen dimento por diversion perfodos eram comuns, embor o¥ mals usualy forem on de bres © nove aos, Hin LULZ, aproximadamente 64% ui mos de aiendatarlos; esvan propriedades, porém, te engenhos, Os contatos em geral requerlam que © arrent Jo efetuasse pagamentos anu em agticar ou em dinhelro sob varias condigdes. Him fins do século xvii ¢ inicio do xrx, quando a expansio da indiistria agueareira popularizou tals contratos, 0 valor da renda em geral era entre 800 € 1400 mil-réis anuais.5° Podiam-sz encontrar rendas maiores ou me- nores, conforme o estado da propriedade, o ntimero de escravos ou a capacidade poten- cial do engento. Do ponto de vista do proprietirio, 0 arrendamento proporcionava uma renda constante, com poucos tiscos e problemas, Para o arrendatétio, interessava-the a chance de luctar com essa atividade e alcangar o status de senhor sem realizar um grande investi- mento inicial, Ocasionalmente, os proprietarios continuavam 4 residir na propriedade en- quanto ela estaya sob 0 controle de um arrendatario; precisava-se, entao, de acordos que organizassem os assuntos de habitacao € convivéncia.® Os contratos normalmente reque- tiam que 0 arrendatario deixasse a propriedade ao término do prazo contratado, a menos que a renovacio fosse de comum acordo. Era pritica comum no Brasil que todas as benfei- torias realizadas em uma propriedade rural se tornassem propriedade do dono, porém as vezes eram feitos acordos com cldusulas diferentes dessa.*! 4 ergenbos do RecOneivo estavam em Harn nédia dos menores que 4 VALOR DAS PROPRIEDADES Para os cue preferiam adquirir uma propriedade, os custos de instalagao de um enge- nho variavam conforme a €poca ¢ refletiam a tendéncia inflacionaria geval na colénia, bem como as diferengas de escala entre as unidades produtives. O Engenho Sergipe, talvez 0 maior engenho do RecOncavo no século xvu, foi avaliado em 1635 em aproximadamente 47 contos de réis, mas esse valor inclufa terras arrendadas a lavradores, além de consider4- veis reas florestais.4 No extremo oposto estavam engenhos como 0s leiloados pelos ho- Jandeses em Pernambuco na década de 1640, cujo precc médio era de apenas 8 contos de réis, cifra que provavelmente reflete as més condigdes da propriedade.* Nao obstan- te, esse mesmo valor foi citado como preco médio em: 1660 pelo juiz do povo na camara municipal de Salvador.*# Uma estimativa de Pernambuco em 1751 indicava que 0 custo de instalacao de um engenho de médio porte com capacidade produtiva por volta de 3500 arrcbas de acticar era entre 12 € 16 contos de réis.*° A partir de uma série de vendas e ou- tras transferéncias de propriedade realizadas entre 1684 € 1725, a historiadora Rue Flory calculou o valor médio de um engenho baiano.** Os dezessete engenhos examinados ti- nham um valor médio de 15,2 contos de réis, mas esse amero no inclufa a massa escrava. Assim, Flory ayustou o valor para 20 contos de réis, levando em conta a existéncia de no minimo trinta escravos aos precos cotrentes. Podemes acrescentar algumas outras infor- mages a essa estimativa para o inicio do século xvul. Em pregdes ptiblicos, cinco enge- nos confiscados entre 1724 © 1757 foram comprados eu média por 10,435 comtus de réis, sem escravos. Se acrescentarmos quarenta escravos a 80 mil-réis cada um, o valor mé dio subiria para 13,635 contos de réis.*”, Essa cifira € baixa, e provavelmente se deve a0 fato de os engenhos estarem em mis condi¢6es € terem sido leiloados para pagar dividas pendentes. Entetanto ela também pode refletir a estagnagio do mercado de propriedades agucareiras ocorrida em meados do século xvul. Em outro grupo de dez engeahos avalia- dos em testamentos entre 1794 ¢ 1827, 0 valor médio era de 43,567 contos de réis, embo- fa alguns fossem avaliados em mais de 100 contos de réis,#* A estimativa de Silva Lisboa em 1781 fornecia um valor médio de 24 contos de séis para um engenho de tragio animal com oitenta escravos. A estimativa de 40 contos de réis para um engenho médio, feita uma década mais tarde, reflete a elevacao do prego das propriedades agucareiras verificada no final daquele século. 185 Av hivenday de cana, proprlan ou arendadin, vallan consideravelmente meno que 8 engenton, On laynidores de cand no necesitavan cop dlspendionos utensilion de eo bre, edificlos e maquindrio de um engenho, nem empregavam esertvoy especiatlzadon, de pregos mais altos, como o8 usados no beneflclamento do aguicar, O estudo de Tilory revela que © valor de uma fazenda de cana média, sem cativos, era de 2,56 contos de réls; adicionando-se a forga de trabalho escrava, 0 valor médio aumentaya para 4 contos de t cerca de um quinto do valor de um engenho.5? Em 1620, um lavrador de cana que pos suisse vinte escrayos mas nao tivesse terras precisaria de 1,144 conto de téis para iniciar sua lavoura; um século depois, esse valor aumentara para 3,256 contos de réis. Boa parte dessa elevagio pode ser atribuida a um erescimento no prego dos escravos.5! ‘Tomando corjuntamente os valores dos engenhos e das fazendas de cana, podemos obter uma estimativa aproximada do capital investido na industria agucareira baiana, Em 1758, havia 180 engenhos na Bahia, os quais contavam em média com quatro lavradores de cana por engenho. Assim, a 24 contos de réis por engenho, as 180 unidades valiam 4.320 contos de féis, aos quais devem ser acrescidos 2.880 contos de réis para cerca de 720 fa- zendas de cana a 4 contos de réis cada uma. O valor total do capital, portanto, era de aproximadamente 7.200 contos de réis. Na segunda metade da década de 1750, 0 agticar remetido pela Bahia atingiu um valor médio anual de 450 contos de réis. Isso proporciona- tia um retorno anual bruto de 6,25% sobre as exportagées, do qual deveriam ser entZo deduzidas as despesas. A taxa bruta de retorno era igual 2 taxa de juros oficial, mas a taxa Ifquida era mais baixa que esta titima, proporcionando apenas um modesto retorno de tal- vez 3% para indtstria como um todo. Esse retorno, naturalmente, no se dividia de for- ma equanime. Cerca de um tergo dos rendimentos dos lavradores era apropriado na forma de rendas ou outras despesas pagas aos senhores de engenho. Ainda assim, esses nimeros indicam que estes tltimos enfrentaram dificuldades durante a década de 1750. ‘© que nio consta desses c4lculos, porém, é a renda gerada pela venda de melado ¢ aguardente, que em sua maior parte eram consumidos localmente na Bahia. Esses sub- produtos do agticar, isentos do dizimo, nao eram divididos com os lavradores, tornando- se propriedade dos engenhos. Portanto, as exportagdes acrescia-se a venda local desses pro- dutos, o que talvez adicionasse 1 ou 2% ao retorno sobre os investimentos. Como 3s vezes diziam os senhores de engenho, 0 agiicar permitia-Ihes cobrir as despesas ¢ a cachaca proporcionava-lhes 0 lucro. O dinheiro investido em um engenho distribufa-se por certos elementos essenciais: edificios, a moenda, os ‘cobres"’ (caldeiras), gado, carros e barcos, pastagens, canaviais € escravos. A esses fatores essenciais adicionavam-se As vezes elementos que tornavam essas propriedades simbolos do conforto de uma vida patriarcal ¢ aristocratica: uma capela bem guarnecida, mobilia importada, selas ricamente trabalhadas, cavalos vigorosos e, ocasio- nalmente, uma pequena biblioteca. Embora o valor dos engenhos variasse consideravel- mente, a distribuicio relativa dos investimentos em seus componentes também era varia- vel, Nao € facil reconstruir 0 padrao comum a esses investimentos. Os registros notariais so em geral incompletos, as vendas de escravos eram com freqiiéncia langadas separada- mente ¢ os valores ¢ medidas das terras raramente eram fornecidos com precisao antes do século xvii. Aquela época, contudo, o valor relativo da terra era uma parcela tao grande do capital investido em um engenho que qualquer estimativa para os periodos iniciais que nao o leve em consideracio torna-se bastante questionavel. A partir de um grupo de dez engenhos avaliados entre 1716 © 1816, cujos registros esto relativamente completos, € possivel entrever a distribuicao relativa do capital em um. engenho baiano. Os resultados podem ser vistos na Tabela 19. Fica patente que o principal item nas despesas de capital era a tetra, que em varios casos tespondia por mais da metade do valor total da prapriedade. Quando se acrescenta ao total o valor da cana cultivada nes- sa terra, a proprocao relativa aos bens iméveis cleva-se ainda mais. Esses niimeros contra- dizem as afirmag6es feitas por alguns estudiosos de que era a mio-de-obra, € nao a terra, 186 Co fitor produtivo crucit Hives hhtorhdoresiguimentin que, sendo termi relativamente ubundante & pouco valorvada, « socledide bruset nfo paderis ser designicla como un “regime feudal’, De qualquer forma, seam quale foren oy méritow duvidosos de tl racio cinlo, aw evidenelas da Babla Indicam que, dada a importinela relativa da terra, ele se basela em uma falsa premissa.’® Tocavia 08 eseravos nao delxavam de ser importantes. A propor gio do investimento na eseray: ava de 7a 37%, sendo a parcela mais comum acima de 20%, Essa € notavelmente semelhante A encontrada mas plantations das Antilhas ingle- sas. A porcentagem relativamente alta do capital investido em escravos tornaya os senho- res de engenho sensiveis em particular a alteragdes no prego dos cativos; porém, em ter- mos reais, @ terra invarlavelmente era mais valiosa que a cscravaria. Os equipamentos € instrumentos necessitios 4 operacéo do cngenho, com algumas exce¢6es, no tinham um custo unitario muito elevado. Entretanto a taxa de depreciagao desses itens era alta. Machados, enxadas, faces de cortar cana € os varjos implementos para 0 fabrico do agticar representavam despesas pequeras. © mesmo nao se pode dizer, porém, dos carros de boi ou dos barcos, que mesmo velhos € gastos podiam custar entre 6 € 10 mil-réis cada um. Os cobres, ou terros de caldeiras ¢ recipientes, compunham o item mais caro do equipamento. No século xvull, 0 valor dos cobres de um engenho nor- malmente situava-se entre 1 € 2 contos de réis; 0 padre Estévao Pereira escreveu que difi- cilmente se passava uma safra sem que os fundos das calceiras precisassem ser substituidos pelo menos uma vez, devido ao calor constante das fornalhas. Os custos de reposicao do cobre € do ferro eram especialmente problemiticos ¢ elevados porque todo o suprimento do Brasil era importado da Europa. Emibora hoje em dia a imagem que se tem da casa-grande do engenho seja formada pelas mansOes remanescentes da aristocracia baiana do século xix, na verdade poucas des- sas casas-grandes atingiram proporcées to imponentes. Eram comuns as construgoes de taipa, bem como 0s telhados de sapé, pelo menos durante o século xvi, Os edificios com dois andares, visando a seguranga € ao conforto, eram bastantes comuns, como demons- ‘tram as pinturas de Frans Post para o periodo holandés. No s€culo xvii foram construidas casas-grandes s6lidas, conforme atestam os exemplos das ainda existentes nos Engenhos Cajaiba, da Ponta ¢ Freguesia. Contudo essas mansées litordineas contrastavam com cons- trugdes mais mocestas nas paréquias mais novas do RecGncavo. As habitagSes dos lavrado- res eam ainda mais despretensiosas. Os engenhos necessitavam, adicionalmente, de ou- tros edificios: a casa do engenho, a casa de purgar, 0 galpao de secar, talvez uma olaria, € senzalas, Mesmo quando a casa-grande era uma mansio, o valor total dos edificios em uma propriedade acucareira raramente atingia 20% do valor total da propriedade. ‘Animais eram indispensiveis para 0 fuacionamento do engenho,.mas em geral cons- tituiam uma parcela relativamente pequena do investiniento de capital, Cavalos de sela, va- Tass 19 Distributcao do capital de alguns engenbos baianos, 1716-1816 (em mil-réis) Ano Proprictéria/ ‘Teras Cane Eserayos Animals Edificios Equipe Total Engenho smentos 1716 Manoel Martins de Almeida 5.200 6731 2388 -2.862 1.467 18.598, A741 Engenho co Baixo 2.029 400 5.105896 762 1.428 © 10.620 1741 8, Pedro de Taratipe 5350 676 «5.155586 762-1415 13.944 1769 _‘Engenho Earbado 17240 83614310 3.144. 2.800 1.672 40.022 1773 —-Engenho Santo Antonio «10.750 -228 4.427 «941 5.805 35920510 1779‘ Engenho Fitanga 7.200 1.128 4,705 1262 10.220 Be 25.409 1795‘ Bngenho Agoa Boa 22.000 1163 2.509 1.964 «6.473. 3.219 37.409 1816 Engenhos Trinidade, Buraco, Cébocu 100.254 4.034 35.815 5.364 «83-498 «9.653 188.616 (Média 62.872) Ponte: ava, sec., jud., Inventisios. 187 cub elleivas, calvas @ ovelliad aparece com regulartdide em Tati de Inventirion (porcos nio sparecem), May essed ANlNAls Fepresentavam apenus UMM fragho diminuta do valor da propriedade, Muito mals importantes eam ox bols ou cavalos, Hecessfitlos como forga de tragdo para a moenda ou para os earros de bol que tansportavam a ean: Apo A cas do engenho. Os bois, trazidos do sertio, eram adquiridos nas feiras de gado locallzadas nas inediagdes do Recéncavo. Alguns senhores de engenho criayam seus préprios rel hos ¢ introduziam novos animais quando preciso. Nenhum engenho, porém, podia dis- pensar pastagens em suas terras. Os bois carreiros tinham grande valor, sendo seu prego aproximadamente 30% mais alto do que 0 de animais nao treinados. O valor conjunto dos animais do engenho raramente ultrapassava 10% do capital investido Além do capital (definido como “‘o conjunto de ativos capazes de gerar um fluxo eco- nOmico de produgio”), os senhores de engenho também tinham parte de seus ativos for- mada por bens de consumo. J6ias, prataria, mobilia, vestuario, objetos religiosos ¢ livros aparecem com regularidade em inventdtios dessas propriedades. Apenas em alguns casos a participacio desses itens excedeu 10% do valor total do engenho. Os inventérios de en- genhos ¢ fazendas de cana conservados até nossos dias nao transmitem a impressao de pro- digaliade ¢ luxo ou de desperdicio no uso dos recursos. Para cada opulento barao do act- car, senhor de homens ¢ terras, amante de bons vinhos ¢ de linho holandés e capaz de pagar por eles, havia perto de uma diizia de senhores de engenho que lutavam duramente para conseguir equilibrar receitas ¢ despesas. Esse padrio ressalta-se ainda mais quando se examina um conjunto de avaliagbes de ptopriedades de lavradores de cana no perfodo 1713-1824, como demonstrado na Tabela 20. O investimento desses lavradores em bens de consumo era minimo, raramente atingin- do 10% de sua tiqueza. Nessa tabela, as poucas vezes em que aparecem somas vultosas no item “‘riqueza pessoal”, essas quantias representam o valor em dinheiro de agdcar ainda no vendido a época do inventario. Embora a auséncia de dinheiro em caixa ou de bens de luxo indiquem que, com poucas excegbes, a classe dos lavradores nao vivia na abastan- ¢a, as dividas relativamente pequenas da maioria deles contradizem sua prépria queixa cons- tante sobre um endividamento esmagador. Houve alguns casos em que as dividas chega- yam a um quarto ou um terco da riqueza total, mas tais casos sio contrabalangados por doe Tapes 20 Disiriuicao do capital em propriedades de lauradores de cana, 1713-1813 (em mil-réis) Ano Tetras Cana_Escravos. (NM) Animals Edificios Equips ‘Toral_Riqueza_Dividas mentos pessoal passivas 173 300 «6 «2.090 4) 2HOs—(t SSD 17-4 1.677 1651 (16) 186.150 13 3.679 «61808 1722 300314. 2.430 (19) 2 400 3.28526) 6mm 1733 250 415. G4) 101 24345237 1743 6 990 5) 295 1 381.398 15 95 1758 «600s «BAAIB.— 25) 207 800s 312K IBY 225 173 920 17513638) 145 32 18 2.653 2 1777 229 m5 (i) |r 2 11292 1795 1.600, 2.080 (28) 170 12 3.862 28 1797 251 60 © sis 200 2 1623 113 1804 a 746 2.660 G1) 68D 5503 BT 25 18:3 5200 1291860 18) 228, 8 367539 30386 18:3 «363.822.0901 449 40-21 3.145 1.654" 1.056 1934 1.045, 1163 (03)__120 40 5 2373 32 (@) Incl valor de uma safra de cana. Outras propriedades pessoais incluem mobilia, prata, dinheiro, etc Fontes: 18, inventicios: 1713 (8. Francisco 7744/5), 1714 (S, Reancisco 7745/1), 1722 (S, Francisco 7743/2), 1733 (. Frincisco 7753), 1743 (S. Francisco 7749/2), 1758 (Cidade 636), 1778 (S, Francisco 7742/4), 1777 (8. Francisco 535/17), 1795 (Cidade 6562), 1797 (S, Francisco 536/16), 1804 (ews, pacote II), 18134 (Cidade 689/1), 1813b (Clda- de 665/5), 1874 (Cidade 74113). 188 outros ef que file havia dividie pendentes, Aimin oro part o# fenhored de engenno, waituagdo & 0 padrio de vida dos lavradores de cana refletinan as condighes wertin it in GOAtEIA aguearelra, mas aMbAK AB categorlad parecem ter acMInistracdo HUAN HnangAs com cautela © bom senso. Multes lavradores eram arrendatarlos ¢ no possufam ter do, porém, entre suas posses havia bens Imévels, a proporgio destes no total dos bens era muito menor do que a verificada para os engenhos, Nas catorze propriedades de lavraco- res de cana analisadas na Tabela 20, 0 valor conjunto das terras € da cana perfazia 30% do capital. Os escravos eram muito mais importantes, compreendendo 56% do total. Po- ‘demos tomar exemplo de Filipe Dias Amaral, lavrador da pardquia de Sao Francisco que, ‘em 1804, possuia 21 cativos, 35 bois ¢ um pequeno lote de terra. 4 escravaria compunha quase dois :ercos do valor total de seus ativos. As clevagdes nos precos dos cativos afeta- vam todaa indtistria, mas tinham um impacto especialmente negativo sobre lavradores co- mo Dias Amaral, uma vez que parcela tZo grande de seu capital"operacional estaya investi- da na escravaria. s nem residénclas, Quan: CUSTOS E RETORNOS Tendo examinado as fontes caracteristicas do capital e do crédito, além da distri- buicdo relativa dos ativos, podemos passar agora a0 t6pico dos custos operacionais. A questo das despesas ¢, em iltima andlise, dos lucros, é um assunto altameate complexo que, no contexto das economias de grande lavoura da América do Norte e das Antilhas, gerou um acirrado debate bastante esclarecedor. As perspectivas dos contadores, economistas € se- nhores de engenho quanto ao problema sao diferentes, o que originou interpretagbes am- plamente diversificadas. O senhor de cngenho acreditava, por exemplo, que 0 valor de um ativo era seu preco de mercado corrente, ou seja, 0 que se obteria com sua venda. A avaliacac do contador seria baseada no custo original desse ativo, descontada a deprecia- do. O economista provavelmente concordaria em que o prego corrente nfo representa 6 valor real, mas possivelmente insistiria em que eram necessarios célculos adicionais de produtividade para se chegar a um valor adequado. Os historiadores modernos amitide cons- tatam a auséncia do tipo de informagdes necessarias para efetuar esses cAlculos de lucrativi- dade. Isso nfo € novidade. Os préprios senhores de engenho defrontavam-se com a incer- teza ca difculdade de célculo, causadas pela imprevisibilidade climatica, pelas mudangas no mercado € nos pregos ¢ pelas politicas governamentais, sobre as quais tinham pouco controle. © risco € a incerteza faziam parte da atividade agucareira, ¢ a contabilidade de custos nio era um trabalho facil 5 ‘A maioria dos grandes proprietérios brasileiros, bem como a dos nortc-americanos, “contencava-se com os calculos e registros mais simples dos lucros e perdas, baseados em receitas ¢ despesas monetarias”.5” Interessavam-se, antes de mais ada, pelo que desem- bolsavam em comparacdo com 0 que vendiam, Os lucros e perdas “no papel”, originacos dealteracées no valor do estoque de capital, geralmente nao entravam na escrituragio. Sua contabilidade freqiientemente misturava gastos correntes em itens como alimentos, ma- deira e sebo com despesas de capital para a aquisicao de novos escravos ou equipamentos. Um tinico langamento contabil muitas vezes juntava dispéndios com mao-de-obra e mate- tiais, de modo a impossibilitar a separacZo cm componentes. ‘cima do problema geral da escrituracdo das propricdades esto os problemas carac- teristicos do Brasil: a documentagio € escassa em conseqiiéncia da escrituragao deficiente, do subseqiiente desinteresse, do clima tmido € dos insetos vorazes. Existem apenas duas estimativas globais de lucros € despesas: a andlise do Engenho Sergipe feita em 1635 pelo padre Est@vao Pereira, ¢ a avaliacio apresentada em 1751 por um grupo de senhores de engenho descontentes. Ambas sdo exemplos de reivindicacdes especiais ¢ devem ser uuli- 189 adi com Gnielie Mien wl propelediades privadiie conten de enjenhow emir de fixendas de cant — nto dispomoy de quaxe nenhure livre Histo remanescente de perioce colonial, On dnicos reglitros contibely consistentey que nos restam so o8 dow engenho dos jesuitas ¢ beneditinos,™ Estes nfo lo propriedides Upleas, max se descontarmos ay despesas um pouco malores com as contrlbulgOes benefleentes, a observancia do ealenda tio religioso € 0 absenteismo dos prop-letirios, seus gastos, jJuntamente com as duas est! mativas globais acima mencionadas, podem indicar certos padrdes de desempenho p: og engenhos baianos. Para simplificar a andlise, as despesas anuais foram divididas em algumas categorias abrangentes. Os custos da mio-de-obra foram um item crucial nas despesas durante toda a era colonial. Pagavam-se dois tipos de saldrio: “soldadas”, saldrios anuais que 3s vezes inclufam alojamento ¢ alimentagdo, ¢ “salérios” ou “fornais”, pagamentos de determina- das quantias, por dia de trabalho ou por tarefa. Adic:onalmente, a forga de trabalho escrava precisava ser reposta ou ampliada €, embora as aquisigdes de novos escravos fossem, na verdade, um acréscimo ao estoque de capital os senhores de engenho calculavam essas com- pras como despesa anual. Ademais, os cativos tinham de ser alimentados, vestidos, abriga- dos e mantidos. Os desembolsos para essas necessidades, bem como para remédios, partei- ras, médicos ¢ cirurgides-barbeiros eram comuns.*? Outras categorias de gastos importantes eram os de combustfvel, transporte, mate- tiais ¢ os desembolsos para aquisicio de escravos, animais ¢ equipamentos. O combustivel cra um item essencial, ¢ o Suprimento de lenha para as fornalhas era tao importante quanto © de cana para o engenho. As propriedades que contavam com dreas florestais eram privi- legiadas, pois as que nao as possuiam despenciam grandes somas pata a aquisigao € o trans- porte da Jenha. Os custos de transporte inclufam pagamentos a despachantes € carteiros, taxas de armazenagem ¢ varias tarifas e impostos. As despesas com material e equipamento abrangiam varios itens, desde mourées de cerca e caixas até dleo de baleia para as candeias ¢ placas de cobre para reparar as caldeiras. Os gastos continuos com a aquisi¢ao de cobre cstavam entre os mais vultosos, mas a compra ou a construgao de um carro de boi ou um barco aumentavam consideravelmente a despesa daquele ano, pois seu custo unitério era elevado. Também neste caso os proprietarios nao Cistinguiam entre as aquisig6es de capi- tal € a sua manutengo, que poderia ser considerada um gasto corrente. Os animais tam- bém entravam como despesa corrente ¢ s40 um bom exemplo dos problemas da contabili- dade precisa, Um senhor de engenho que possuisse seu proprio rebanho em uma fazenda ‘no serto poderia nao lancar nenhum dispéndio com animais em determinado ano na e- crituragéo do engenho, ignorando 0 custo da criagzo, do gado na fazenda ¢ do transporte dos animais até o engenho. Outrossim, os bois carreiros atingiam precos tres ou quatro vezes maiores que os dos animais nao treinados, ¢ o trabalho de habitué-los a canga tam- bém deveria ter sido calculado, Nada disso era feito ¢, assim, as presentes tentativas de esti- mar esses custos basciam-se em tantas suposicdes ¢ em dados to pouco consistentes que qualquer tentativa de obter preciso € no mfnimo enganosa. Finalmente, o custo da cana-de-agticar, matéria-prima da indéstria, quase nunca era calculado pelos senhores de engenho. Eram capazes de estimar 0 custo do plantio ¢ colhei- ta de uma tarefa de cana. Em 1751, a cimara da Batia avaliou.uma tarefa de cana plantaca em 10$000 ¢ 0 custo total de transformé-la em acticar em 31600, mas como a maioria dos engenhos dependia de lavradores de cana para suprir a maior parte da matétia-prima, a aquisicao desta raramente era computada como despesa.® Na verdade, porém, a parte do produto entregue ao lavrador apés 0 beneficiamento era um custo para 0 senhor de engenho, embora ele nao o identificasse como tal Cada engenho era, por definigio, distinro, com suas préprias vantagens € desvanta- gens peculiares que influenciavam as operag6es. O Engenho Sergipe, por exemple, situavase na foz de um rio ¢ mantinha seus proprios barcos e barqueiros pata transportat acticar € suprimentos. Isso aumentava seu dispéndio com salatios e equipamentos, mas reduzia os 190 re "rw My cinta de tammiporte, Hor outro Tid, eke engenho sempre cantou eon rebanhos proprio, ity que forneciiny Hoved bola todo dno, redusindo, disim, suis deeper eon aninaly, A ver cla de terra dow laveadoren no inicio do século xVit privara o engenho de box parte de seu eatoque natural de len, € 0 suprimento da mesma era um pesado e continuo Onus paca apropriedade, O ngenho So Bento dos Lajes, dos beneditinos, situado na margem opos- lado tlo ¢ bem em frente ao Engenho Sergipe, apresentava uma posigao semelhante, com halxos custos de animals ¢ transporte ¢ pesadas despesas com lenha. Seu congénere, o En- genho Sito Cactano, localizado na paréquia de Purificagic, mais para o interior, possuia grandes estoques de madeira € nada gastava com esse item, entretanto, defrontava-se com o problema de condluzir 0s produtos entre 0 litoral ¢ o interior sem contar com transporte hidvoviério, Suas despesas com animais cram sempre clevadas, pois no possufa rebanhos ptdprios. Bssas caracter‘sticas distintivas contribufam para as diferencas observadas no de- sempenho das unidades produtivas. . ‘Tendo em mente essas varias limitagGes, passemos ao exame dos registros remanes- centes. O primeiro calculo disponivel das despesas operacionais foi efetuado em 1635 pelo padre Estévao Pereira, que foi administrador do Engenho Sergipe c baseou seu relatério em um conhecimento profundo e direto adquirido no exercicio dessa funcao.*! Ele esti- mou 0 valor dessa propricdade em 46,8 contos de réis, sendo a terra avaliada cm 24,8 con- tos € as construgdes, escravos € animais, em 22 contos. O engenho produzia anualmente entre 10 € 12 mil arrobas de agacar, das quais aproximadamente 7 mil, de diversas qualida- des, permaneciam como parte que cabia a0 engenho, Aas pregos da época, o valor do aga- car, melado ¢ aguardente era de 3,874 a 4,888 contos de réis. Adicionalmente, 0 engenho recebia em espécie algcns pagamentos pelo arrendamento de terras, que também repre- sentavam receitas. As estimativas de custos aptesentadas pelo padre Pereira alcancavam 3,465 contos de réis anuais.® Desses custos, os salérios eram fundamentais, constituindo uma parcela maior que a aquisi¢io e manuten¢do da escrayaria. Também altos eram os custos de equipamentos ¢ materiais, petfazendo mais de 30% do total A contabilidade “tedrica”” do padre Pereira pode ser cotejada com a verdadeira escri- turacao do Engenho Sergipe, referente a 48 safras entre 1611 1754. Os registros do perio- do 1622-1654 foram publicados e serviram de base aos estudos de Frédéric Mauro e Mircea Bucscu.® Entretanto esse periodo foi uma fase dificil para o Engenho Sergipe e para a eco- nomia baiana como um todo. Por esse motivo, usei como amostra mais representativa as nove saftas consccutivas entre 1707 ¢ 1716. As despesas anuais referentes a esse periodo sao apresentadas na Tabela 21. Cabem aqui alguns comentarios acerca das categorias usadas na Tabela 21, As despe- sas médicas incluem um saldrio anual de 30 mil-réis pagos a um médico; essa quantia pode- tia ser somada aos salarios, aumentando, assim, a proporgao referente aos custos da mio- de-obta. Os dispéndios com animais sao baixos porque 0 engenho possufa rebanhos pré- ‘Tapers 21 Despesas do Engenbo Sergipe, 1707-16 Ano) Sal sci Alimen- Remé Combus- Equipa- Trans. Animais Diversos Total ros vo; tos —dios.—stivel~—mentos_ porte 17078 947 251158 30958 38 7 166 112-2670 1708.9 1023 450 «177-30, 778 7425852 AB 4.777 1709-10 923 420213 a2 726 400 372 2.998 1710-4 60 34216834 781 «318287 345 2.965 17ib2 POT) BIL) B7B|ON. 3B ADB BOS.) 290: 92 3.775 17123 663 1953 94 34 ee ee 524 5.539 Loan ui eta ne sa 636 192433. 173 3.903 6475990116832 495 262 S24 2B 298 4.040 6293 5.730 4013 267 6.170 2.549 2465 226 «2.934 30.667 Porcentagem 20,5 18,7 13,18 201, 83 BOOB. 96 191 eroon neha despots furidions, dosages Hanieplon e aan: prlon, Acoluni de gusto dl pigamentos de dividas, ‘Tomados em conjunto, OF Hove anos de waft Indiean oO padre do desembolso de um grande engenho do Recdneavo no Inicio do séeulo xXvit, Notewe que 08 custos relativos 4 mao-de-obra (saldrlos, alimentos, remédios, eseravos) compoem mais de 50% do desembolso anual, ao passo que os gastos de equipamentos perfazem ape nas 8% do total. Se os custos da escravaria, dos animais ¢ (arbitrariamente) da metade dos materiais forem considerados conjuntamente como aquisiges de capital, cerca de 25% do gasto anual represcntariam a reposi¢ao de capital em um dado ano. ‘Na Tabela 22, a distribuigdo de despesas do Engenho Sergipe em 1707-16 € compara- da com as de safras anteriores dessa mesma propriedade ¢ de outros engenhos baianos. © custo de combustfvel do Engenho Sergipe variou muito pouco ¢ permaneceu em torno de 20% do total de cada ano, Suas aquisigdes de animais também foram de pequena monta durante todo 0 perfodo. Os custos salariais nese engenho foram menores no século xvut em comparacao com os de épocas anteriores; tal mudanga provavelmente reflete um esfor- co consciente para substituir trabalhadores livres por cativos. As despesas de transporte foram muito maiores no perfodo 1707-16, fato que provayelmente se explica pelas taxas de armazenagem mais altas, decorrentes do ‘sistema de frotas. Documentos dos Engenhos Sao Bento dos Lajes ¢ Sio Caetano, pertencentes aos be- neditinos, podem ser comparados com os do Engenho Sergipe. Os relat6rios trienais dos beneditinos da Bahia continham registros financciros de suas propriedades, que permitem agrupar seus gastos operacionais de modo a confronté-los com os do Engenho Sergipe. os Em ambos os engenhos dos beneditinos, 50 a 60% do desembolso corresponderam inva- riavelmente a gastos com mao-de-obra. Cerca de 30% destinaram-se a compra de al.men- tos. O Engenho Sao Caetano, que ficava mais distante da costa ¢ utilizava bois como forga de trag4o para a moenda, também apresentou custos elevados de transporte ¢ animais, po- rém ambos os engenhos tiveram despesas equivalentes com materiais ¢ equipamentos. ‘Os gastos relativos aos escravas nas propriedades dos beneditinos so particularmente interessantes porque parecem indicar uma diferenciacao nas praticas atinentes 4 escrava- ria, Especialmente em fins de século xvnt, 08 beneditinos adotaram uma postura em favor de melhores condigées, que se refletiu na grande parcela das despesas referentes 3 alimen- tacdo, na relativamente baixa proporcao de gastos com salérios, devido ao uso de cativos artesdos e técnicos, e na reduzida taxa de aquisiges de escravos, em virtude das boas con- digdes de vida e do crescimento natural da escravaria. De fato, a porcentagem indicada na coluna relativa as aquisicOes de escravos dos dois engenhos na Tabela 22 representa apenas uma estimativa de maximo, baseada em uma taxa de reposicao de 6,25% aos pre- cos médios correntes. Essa estimativa foi feita porque os beneditinos nao inclufam as aqui- sigdes de escravos nas contas de seus engenhos, registrando-as separadamente como parte do desembolso geral em cada provincia da ordem. Assim, a verdadeira taxa de reposicao Taneia 22 Distribuicdo percentual das despesas anuats de engenos baianos, 1611-1822 Engenho ‘Anos Salé Escra Alimen- Remé. Combus- Equipa- Trans- Ani Diversos rios vos tos. dios__—tivel-mentos_porte mals Sergive i612 27043160 30,0 30 Sergive 16345 E08 (SU, Sie weer hae) goo Bt Sergioe 16435226082 7,9 ——20,035.0 a Sergive 1669-70 140135 3,8 180172 Sy | hee Sergipe 170716 «205187 13,18 20183 80 08 96 Laje 1711-1800 144 146-300 2,5 19,013,8 io 42 it 5. Caetano «1726-1800 13,4 12,3. 30,506 — wr ioo 14 31 Engenhio médio 1751 206 189 113 31 8 28,0 = 96 17 Buranaém 17961801 121 «10,7 21d 3.9 BSG 39 18 72 Passagem etal. 1822 255 035) 129 19 20002) 192 pode ter aide andi malty babe, refletindo o# benpficioy de uni attiide mate buona com telagdo son eativon, On replatron dow beneditioy, com efeito, Indicui perfodor de crouch MENLO PopItiVO EALE KeUN eHEMAVOS, EMbort NAG exisuim dados que permitm o cAleulo do valor dlesse cresclmento em termos do estoque de capital Infellzmente nao hi regisiros operactonals completos de engenhos de proprictarios particulares leipos que possam ser comparados ccm a documentagiio dos jesuitas ¢ dos be- heditinos, Nao obstante, existem os polémicos registros referentes a cinco safras do Enge- nho Buranhaém (1796-1801), efetuados durante um litigio envolvendo essa propriedade, cainda um outro conjunto de escrituragdes parciais realizadas pelo administrador, nomea- do pelo tribunal durante o pleito judicial, dos Engenhos Passagem, Cachocirinha e Santa Inés (1822-3). Embora cacla um desses registros agresente problemas especificos de unifor- miclacle, preciso ¢ tipiciciade, em conjunto eles fornecem uma base de comparacio com a documentagio mais completa das propriedades eclesidsticas. if A contabilidade do Engenho Buranhaém apresenta um registro notavelmente por- menorizado da administragdo dessa propricdade por Félix de Betancourt ¢ $4 em nome dos outros herdeitos do engenho.® Durante um periodo de prosperidade da economia agucateira baiana, esse engenho apresentou prejuizos, situacdo que suscitou queixas por parte dos outros herdeiros ¢ levou 0 administrador a preparar essa escrituracdo assim mi- naciosa. Embora os registros sejam tio completos, so também altamente duvidosos. Ade- mais, durante sua administracao, Betancourt ¢ S4 a0 sdquiriu escravos nem animais e, a0 contrario do costume generalizado na Bahia, alugou cativos e animais quando necessitou deles para trabalhos no campo, enquanto os 47 escravos residentes foram empregados ex- clusivamente nos trabalhos de beneficiamento da cana, Os demais herdeiros protestaram contra essa pratica ¢ os niveis exorbitantes da manutengio da escravaria e dos salitios. Ain- da assim, se classificarmos os custos de aluguel de escravos € animais nas categorias de com pras de cativos e animais, os registros do Engenho Buranhaém podem-se tornar compard- veis aos demais constantes da Tabela 22. Apesar dz discrepancia, a escrituragao desse enge- nho demonstra uniforaidade na proporcao dos gastos com materiais, transporte e salarios. A mesma uniformidade pode ser verificada nos

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